Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2309/24.9PBPDL.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CUMPLICIDADE
CO-AUTORIA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário: I. O vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal é aquele que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da decisão, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
II. O Tribunal de recurso não pode sindicar certos meios de prova quando, para a credibilidade do testemunho, foi relevante o funcionamento do princípio da imediação, apenas podendo controlar a convicção do Julgador da primeira instância quando ela se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
III. A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto. O cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através do auxílio ... (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor. A co-autoria não impõe que haja cada um dos agentes de praticar todos os factos integradores do crime, bastando que realizem em conjunto, de forma concertada e destinada a atingir o mesmo fim, factos contidos na previsão típica. O que determina a co-autoria é a actuação conjunta e concertada de um plano conjunto, mantendo todos os agentes o domínio de facto.
IV. Uma atenuação especial da pena supõe uma acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção, a qual só poderá considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Relatório
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo e nº 2309/24.9PBPDL, que corre termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foram os arguidos
AA, divorciado, ..., nascido a ........1983 em ..., filho de BB e de CC, residente na ...;
DD, solteiro, ..., nascido a ........1995 em ..., filho de EE e de FF, residente na ...; e
GG, divorciada, ..., nascida a ........1983 em ..., filha de HH e de II, residente na ...
condenados pela prática:
> o arguido AA pela prática, como reincidente, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 (dois) crimes de roubo agravados, p. e p. pelos arts. 14º, 26º, 30º, nº 1, 75º, 76º, 210º, nºs 1 e 2, b), com referência aos arts. 204º, nº 2, e), 202º, d), todos do Cód. Penal, na pena parcelar de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um dos crimes.
- operado o cúmulo jurídico de penas, ficou o arguido condenado na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
> o arguido DD pela prática, como reincidente, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 (dois) crimes de roubo agravados, p. e p. pelos arts. 14º, 26º, 30º, nº 1, 75º, 76º, 210º, nºs 1 e 2, b), com referência aos arts. 204º, nº 2, e), 202º, d), todos do Cód. Penal, na pena parcelar de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um dos crimes.
- operado o cúmulo jurídico de penas, ficou o arguido condenado na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
> a arguida GG pela prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 (dois) crimes de roubo agravados, p. e p. pelos arts. 14º, 26º, 30º, nº 1, 75º, 76º, 210º, nºs 1 e 2, b), com referência aos arts. 204º, nº 2, e), 202º, d), todos do Cód. Penal, na pena parcelar de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um dos crimes.
- operado o cúmulo jurídico de penas, ficou a arguida condenada na pena única de 7 (sete) anos de prisão.
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Sem se conformar com a decisão, o arguido DD interpôs o presente recurso pedindo que se revogue o acórdão ora impugnado, e seja este substituído por outro que aplique uma pena mais ajustada aos princípios da proporcionalidade, adequação e prevenção especial, fixando as penas parcelares e a que resultar do cúmulo jurídico, próxima dos limites mínimos legais e que não seja de natureza privativa da liberdade, respeitando, o disposto nos arts. 70º, 40º, 71º e 50º do Cód. Penal.
Para tanto formula as conclusões que se transcrevem:
1. Nos presentes autos é imputada ao Recorrente a prática de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 26.º e 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência aos artigos 204.º, n.º 2, alínea e), e 202.º, alínea d), todos do Código Penal. O Recorrente, ainda que parcialmente, admitiu os factos que lhe são imputados, tendo colaborado, deste modo, para a descoberta da verdade material, nomeadamente no que respeita à identificação da participação dos restantes coarguidos.
2. O douto Acórdão ora recorrido, salvo melhor opinião, não efetuou a mais acertada integração do direito penal substantivo à situação sub judice, fazendo uma aplicação incorreta do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal.
3. Ao aplicar ao Recorrente penas parcelares privativas de liberdade de quantum tão elevado, o douto Acórdão violou o disposto nos artigos 70.º, 75.º (a contrario) e 50.º do Código Penal.
4. No caso do recorrente, constata-se que os factos foram praticados num contexto de forte necessidade de obtenção de bens para prover à sua dependência de substâncias de estupefacientes. Sendo certo que,
5. O Recorrente encontra-se atualmente integrado num programa de substituição opiácea em contexto prisional, por, finalmente, ter tomado consciência dos comportamentos desviantes que vinha assumindo para satisfazer o referido vício.
6. A privação da sua liberdade, a que se encontra novamente submetido, fê-lo repensar, para além do desvalor da sua conduta criminal e está, verdadeiramente, decidido a arrepiar caminho no seu percurso criminal.
7. Acresce que o demérito do crime de roubo, levado a cabo pelo recorrente contra a ofendida JJ, mostra-se esbatido pela circunstância de não ter lhe ter infligido qualquer agressão, aliás, como demonstrado no douto Acórdão recorrido. Assim,
8. E nesta medida, as penas parcelares, em especial a aplicada ao roubo perpetrado contra a mencionada ofendida, deverão ser substancialmente reduzidas.
9. O ponto de partida e o enquadramento geral da determinação da pena concreta encontram-se no artigo 40.º do Código Penal, que estabelece que a pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
10. Culpa e prevenção constituem o binómio que deve nortear o julgador na fixação da medida da pena – artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal.
11. O artigo 71.º, n.º 1, determina que a medida da pena deve ser fixada dentro dos limites da lei, tendo em consideração a culpa do agente e as exigências de prevenção, e o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, as circunstâncias que podem depor a favor ou contra o agente, relacionadas com a ilicitude do facto, a sua personalidade, o meio em que se insere, bem como o seu comportamento anterior e posterior ao crime.
12. Quanto às exigências preventivas, deve ser dada prevalência à prevenção especial, enquanto fundamento político-criminal que justifica a contenção da aplicação da pena de prisão.
13. No caso do Recorrente, o seu comportamento tem consequências nefastas para sociedade em geral, pelo que se criou, nesta mesma sociedade, a expectativa da punição de tais condutas, em termos que o Tribunal não pode evidentemente ignorar.
14. No entanto, importa não esquecer a advertência de Sousa e Brito quanto à “inconstitucional instrumentalização do indivíduo criminoso como meio de atemorizar os outros”.
15. Não obstante o Recorrente ter reincidido na prática de crimes, entende-se que não se encontra excluída a possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável quanto à sua ressocialização em liberdade. Assim e face a todo exposto
16. Entende-se ser evidente a desnecessidade da aplicação de uma pena tão elevada ao Recorrente.
17. Considera-se que a pena fixada, 10 anos após cúmulo jurídico das penas parcelares – não cumpre os objetivos de prevenção e punição, sendo injusta, desproporcional e desadequada.
18. Pelo contrário, tal medida poderá gerar no Recorrente um sentimento de revolta, por ver inutilizados mais de 10 anos da sua vida.
19. Assim, entende-se que as penas parcelares e, consequentemente, as penas únicas aplicadas ao Recorrente devem ser substancialmente reduzidas, fixando-se num patamar próximo dos cinco anos.
20. Nos termos do artigo 50.º do Código Penal, compete ao Tribunal apreciar, nos casos legalmente previstos, a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.
21. A suspensão pressupõe um prognóstico favorável quanto ao comportamento futuro do arguido.
22. Tal suspensão visa finalidades de prevenção especial positiva, nomeadamente a socialização do agente.
23. Como ensina o Professor Figueiredo Dias, a finalidade da suspensão é “o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correção”, assentando na “esperança fundada de socialização”.
24. E a existência de condenações anteriores, não é impeditiva da concessão da suspensão, embora, nesta situação, o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do recorrente se torne mais exigente.
25. O que está aqui em causa não é uma certeza absoluta, mas sim uma esperança fundada de que a socialização em liberdade seja possível.
26. Cabe ao Tribunal correr um risco calculado e fundado na manutenção do agente em liberdade (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Notícias Editorial, 1993, pág. 344).
27. Pretende-se, assim, que o Recorrente seja afastado da prática de novos crimes e que se consciencialize da necessidade de mudar o rumo da sua vida.
28. A atual situação de reclusão já lhe permitiu interiorizar a gravidade da sua conduta e refletir sobre uma vida sem droga nem criminalidade.
29. Entende-se, salvo o devido respeito, que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão são suficientes para afastar o Recorrente da criminalidade.
30. Tal suspensão deverá ser sujeita a um rigoroso regime de prova que ateste a desvinculação ao consumo de estupefacientes, fator que esteve na base do crime cometido pelo recorrente.
31. Deste modo a finalidade última de recuperação do recorrente, será atingida, afastando-o, assim, da criminalidade sem, contudo, descurar as finalidades da punição.
32. Nunca esquecendo, que o que está em causa é a esperança fundada de que a socialização em liberdade, do recorrente, possa ser alcançada.
33. Por conseguinte, deverá ser reapreciada a medida das penas parcelares e a pena única aplicada, à luz das circunstâncias expostas.
34. A pena aplicada excede manifestamente os limites do princípio da proporcionalidade, não sendo compatível com os objetivos de reintegração previstos no artigo 40.º do Código Penal.
35. A não consideração das circunstâncias referidas, viola o disposto nos artigos 70.º, n.º 2, e 71.º do Código Penal.
36. Não o tendo feito o douto Acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos Art.º s 40.º, 70.º, 71.º e 50.º do Código Penal;
37. Nestes termos, impõe-se a revogação da decisão recorrida, por se mostrar nula e manifestamente desadequada.
38. Entende-se, assim, ser mais adequada, justa e proporcional a aplicação das penas parcelares e por conseguinte, da pena única, próxima dos limites mínimos, suspensa na sua execução, porquanto a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma suficiente as finalidades de punição.
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Também sem se conformar com a decisão, a arguida GG interpôs o presente recurso pedindo que seja revogada a pena em que foi condenada, sendo condenada numa pena de prisão não superior a cinco anos, subordinada ao cumprimento de deveres impostos e destinados a reparar o mal do crime.
Para tanto formula as conclusões que se transcrevem:
i. O presente recurso é interposto do douto acórdão proferido nos autos, que condenou a arguida GG pela prática, em coautoria material, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 14.º, 26.º, 30.º, n.º 1, 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência aos artigos 204.º, n.º 2, al. e), e 202.º, al. d), todos do Código Penal, na pena única de 7 (sete) anos de prisão.
ii. O recurso versa sobre matéria de facto e de direito, com impugnação dos factos dados como provados nos pontos 6, 9 e 11 a 13 da sentença recorrida, por erro notório na apreciação da prova, violação do princípio in dubio pro reo e incorreta subsunção jurídica dos factos.
iii. Relativamente ao facto 6, não ficou demonstrado que tal gesto tenha assumido natureza violenta ou coativa, sendo antes revelador de uma intenção defensiva e não ofensiva, não se integrando na tipicidade do crime de roubo agravado.
iv. Cfr. depoimento do próprio ofendido prestado na audiência de julgamento, a arguida “entrou no apartamento, mas não me fez nada” (14:11 - 14:37 aos 10:00m).
v. Cfr. depoimento da própria ofendida prestado na audiência de julgamento “ela estava a querer levar-me para o quarto para não se estar a meter” (03-06-2025: 14:37 - 15:02 aos 1:58m); “a GG mantinha-se quieta ao pé da porta pronto” (03-06-2025: 14:37 - 15:02 aos 5:05m); “levaram (…) e uma navalha minha (…) e uma navalha de recordação azul e cor-de-rosa” (03-06-2025: 14:37 - 15:02 aos 5:35m); Perguntada se a arguida GG lhe pediu dinheiro, a ofendida respondeu “não, ela manteve-se calada” (03-06-2025: 14:37 - 15:02 aos 6:42m).
vi. Quanto ao ponto 9, não foi feita prova suficiente de que os arguidos, em particular a arguida GG, tenham subtraído os telemóveis mencionados, sendo a sua ausência apenas detetada no dia seguinte, tendo a própria ofendida admitido não saber quem os levou.
vii. Verifica-se, por isso, violação do artigo 32.º, n.º 2 da CRP, por não ter sido observado o princípio in dubio pro reo, impondo-se a eliminação desse facto do elenco dos factos provados.
viii. Relativamente aos factos 11 a 13, não se demonstrou que a arguida tenha aderido ao plano criminoso, nem que tenha tido qualquer intervenção no ato típico de subtração, nas agressões ou nas exigências de entrega de dinheiro.
ix. A arguida não participou na fase de planeamento dos factos, não aderiu ao plano de execução com consciência e vontade, nem interveio em qualquer tarefa essencial para a concretização dos crimes.
x. A arguida ficou atordoada perante a conduta violenta dos coarguidos, não tendo adotado qualquer atitude de coautoria ou de domínio do facto; limitou-se a permanecer no quarto, calada e sem agir contra os ofendidos.
xi. A sua conduta não preenche os elementos típicos da coautoria material (art. 26.º do CP), nomeadamente o acordo para a prática do crime, o domínio funcional do facto, e a execução conjunta e essencial do plano criminoso.
xii. De acordo com o entendimento doutrinal e jurisprudencial (v. acórdão do STJ, proc. n.º 470/16.5JACBR.S1, de 14-12-2017), a atuação da arguida insere-se no âmbito da cumplicidade (artigo 27.º do Código Penal), enquanto eventual auxílio moral e material, sem intervenção na execução do ato típico.
xiii. Ao condenar a arguida como coautora, o tribunal a quo fez errónea subsunção jurídica dos factos, violando os artigos 26.º e 27.º do Código Penal.
xiv. A arguida demonstrou arrependimento e colaboração com a justiça desde o primeiro interrogatório, prestando declarações espontâneas e esclarecedoras, admitindo condutas que lhe eram desfavoráveis.
xv. No nosso entendimento, deveria ter sido considerado o seguinte: os fins e os motivos que determinaram o cometimento do crime, relacionaram-se com o facto da agente ser namorada e viver com o arguido DD, padecendo de uma dependência financeira e emocional sobre este agente, que planeou o plano de execução em colaboração com o arguido AA e o facto da arguida apenas se ter motivado com a pretensão de evitar males maiores e isto fica demonstrado pelo facto de se ter limitado a segurar a ofendida JJ com a intenção de a resguardar.
xvi. A medida da pena aplicada (pena única de 7 anos de prisão) revela-se desproporcional e excessiva face ao grau de ilicitude e da culpa, ao contributo efetivo da arguida para os factos, à sua personalidade e às suas circunstâncias pessoais.
xvii. Deveria ter sido aplicada, ao invés, uma pena especialmente atenuada, nos termos dos artigos 27.º, 71.º, 72.º e 73.º do Código Penal, tendo em conta a culpa diminuta, a ausência de dolo direto quanto à prática de agressões, e o arrependimento demonstrado.
xviii. Acresce que a pena aplicada compromete de forma severa a reinserção social da arguida, mãe de dois filhos, contrariando os princípios orientadores da política criminal portuguesa, designadamente o princípio da ressocialização consagrado no artigo 40.º do Código Penal.
xix. Termos em que se requer que seja dado provimento ao recurso, com revogação da decisão recorrida na parte relativa à arguida GG, e substituição da condenação por coautoria pela qualificação da sua conduta como cumplicidade à luz do artigo 27.º do Código Penal, com consequente redução da pena.
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O Ministério Público contra-alegou em ambos os recursos, defendendo a manutenção da decisão recorrida ainda que sem apresentar conclusões.
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Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Colhidos os legais vistos, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
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Fundamentação
No acórdão recorrido deram-se como provados os seguintes factos:
Da acusação pública:
1. No dia ... de ... de 2024, pela 1h, os arguidos dirigiram-se à habitação de KK, nascido em ... de ... de 1967, portador de um cancro nos intestinos, utilizando um saco de ostomia, e de diabetes, e JJ, sita na ..., e bateram numa das janelas, repetidamente.
2. Após, partiram o vidro da janela que dava acesso à sala da habitação e acederam ao seu interior.
3. Quando confrontado por KK, o arguido DD dirigiu-lhe repetidamente a expressão: “onde está o dinheiro?”.
4. Ato contínuo, o arguido AA desferiu uma pancada na cabeça de KK utilizando um tubo de ferro, fazendo com que o mesmo perdesse os sentidos e caísse no chão.
5. De seguida, os arguidos AA e DD desferiram-lhe diversos socos no rosto.
6. Ato contínuo, a arguida GG agarrou JJ, e o arguido AA apertou-lhe o pescoço, e projetou-a contra a parede.
7. Após o arguido DD exigiu a JJ que lhe entregasse dinheiro, levando consigo a quantia de 40 € em numerário, pertencente a KK e a JJ que se encontrava no interior do quarto.
8. Não obstante, o arguido DD continuava a exigir a JJ que lhe entregasse mais dinheiro, o que a mesma fez, acabando por arremessar para cima da cama uma quantia em numerário, em moedas, não concretamente apurada, da qual aquele se apropriou.
9. Após os arguidos retiraram, levando consigo, 2 telemóveis com a marca Samsung pertencentes a JJ, um dos quais no valor aproximado de 170,00 € e o outro de 120,00 €.
10. KK e JJ sofreram dores nas regiões atingidas.
11. Os arguidos agiram em execução de um plano previamente engendrado por todos, em comunhão de esforços e intentos.
12. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de se apoderarem pelas força e agressão física, e através ainda da expressão proferida acima referida, dos bens acima descritos, constrangendo-os, e colocando-os na impossibilidade de lhes resistirem, bem sabendo que os bens pertencentes acima descritos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus legítimos proprietários, e ainda que KK tinha dificuldades em se defender por ser portador de um cancro nos intestinos, utilizando um saco de ostomia, e de diabetes.
13. Os arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei, e tinham a liberdade necessária para se determinarem segundo essa avaliação.
Provou-se ainda que:
14. No âmbito do processo n.º 152/18.3PTPDL, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, por sentença proferida em 23 de janeiro de 2020, transitada em julgado em 7 de setembro de 2020, o arguido DD foi condenado pela prática, no dia ... de ... de 2018, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 1, b), Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão.
15. Por outro lado, no processo n.º 538/18.3PBPDL, que correu termos no Juízo Central Criminal de Ponta Delgada, por acórdão proferido em 23 de outubro de 2019, transitado em julgado em 31 de janeiro de 2020, o arguido DD foi condenado pela prática, entre os dias ... e ... de ... de 2018, de dois crimes de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, Código Penal, nas penas parcelares de 1 ano e 2 meses de prisão cada uma, e, consequentemente, na pena única de 1 ano e 11 meses de prisão.
16. De seguida, no processo n.º 152/18.3PTPDL.1, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, por sentença de cúmulo jurídico proferida em 1 de fevereiro de 2021, transitada em julgado em 19 de fevereiro de 2024, foram abrangidas as condenações aplicadas nos acima referidos procs. n.ºs 152/18.3PTPDL e 538/18.3PBPDL, e o arguido DD foi condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.
17. No processo n.º 870/20.6PBPDL, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, por sentença proferida em 23 de janeiro de 2023, transitada em julgado em 22 de fevereiro de 2023, o arguido DD foi condenado pela prática, no dia 15 de junho de 2020, de um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, Código Penal, na pena de 7 meses e 15 dias de prisão.
18. O arguido DD esteve privado da liberdade à ordem do acima mencionado processo n.º 538/18.3PBPDL, um dos englobados na acima aludida sentença de cúmulo jurídico, desde 16 de julho de 2020, em cumprimento da acima identificada pena única de prisão, e à ordem do acima referido processo n.º 870/20.6PBPDL, desde 4 de abril de 2023, altura em que foi aí ligado, em cumprimento da acima mencionada pena de prisão.
19. No processo n.º 1948/16.6TXLSB-B, que correu termos no Juízo de Execução de Penas de Lisboa, por decisão proferida em 11 de abril de 2024, transitada em julgado em 11 de abril de 2024, foi declarada extinta a pena aplicada ao arguido DD, no âmbito do acima aludido processo n.º 870/20.6PBPDL, com efeitos a 19 de fevereiro de 2024.
20. Entre as datas da prática dos diversos crimes pelos quais foi condenado nos processos acima identificados e o dia da prática dos crimes que ora se imputam ao arguido DD, descontado o período de privação da liberdade sofrido pelo arguido em cumprimento das penas de prisão acima indicadas, decorreram menos de 5 anos.
21. O arguido DD estava ciente das anteriores condenações que sofreu, bem como dos factos que as motivaram, das penas de prisão em que foi condenado e do período que esteve preso em cumprimento das referidas penas de prisão.
22. Não obstante, o arguido DD na ocasião acima indicada, praticou os factos acima descritos.
(…)
Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido DD:
57. Por sentença proferida em 14.01.2016, e transitada em julgado em 18.02.2016, no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 172/15.0PCPDL, que correu termos em Ponta Delgada, foi o arguido DD condenado pela prática, em ........2015, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 100 dias de multa, convertida em pena de prisão subsidiária, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses, extintas pelo cumprimento.
58. Por sentença proferida em 13.06.2016, e transitada em julgado em 12.09.2016, no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 19/14.4PFPDL, que correu termos em Ponta Delgada, foi o arguido DD condenado pela prática, em ........2014, de 1 (um) crime de furto simples, na pena de 80 dias de multa, substituída por trabalho a favor da comunidade, convertida em prisão subsidiária parcialmente que cumpriu.
59. Por sentença proferida em 08.03.2016, e transitada em julgado em 18.04.2016, no âmbito do P.C.S. n.º 1765/14.8PBPDL, que correu termos em Ponta Delgada, foi o arguido DD condenado pela prática, em ........2014, de 2 (dois) crimes de roubo e de 1 (um) crime furto simples, na pena única de 2 anos de prisão suspensa na sua execução com regime de prova por igual período e na pena de 160 dias de multa.
60. Por sentença cumulatória proferida em 07.09.2017, e transitada em julgado em 15.11.2017, no âmbito do P.C.S. n.º 1765/14.8PBPDL, as penas desse processo e do P. 172/15.0PCPDL foram cumuladas, e foi o arguido DD condenado na pena única de 200 dias de multa, 2 anos de prisão suspensa na sua execução com regime de prova por igual período, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses.
61. À data da prática dos factos (........2024) e até ........2024, data em que foi sujeito a medida de coação de prisão preventiva no âmbito do presente Processo, DD, atualmente com 29 anos de idade, encontrava-se a residir, juntamente com a companheira GG (coarguida no presente Processo, atualmente com 41 anos de idade, desempregada da profissão de empregada de limpeza, habilitada com o 9.º ano de escolaridade), em prédio abandonado, na ..., mais conhecido como “...”, nos ..., não dispondo o espaço de condições adequadas de habitabilidade.
62. A satisfação das necessidades básicas encontrava-se assegurada, de forma precária, através dos rendimentos auferidos pelo arguido como servente de ... no valor do Salário Mínimo Regional.
63. Como principais encargos mensais foram referidos apenas os relativos à alimentação, uma vez que o espaço habitacional não dispunha de instalação de água e eletricidade.
64. Encontravam-se a residir neste espaço há cerca de quatro meses, na sequência de ter optado por abandonar a casa da progenitora, por razões que se prenderam com uma nova recaída nos consumos de Novas Substâncias Psicoativas.
65. DD é o oitavo de uma fratria de dez elementos, nascido no seio de um agregado familiar de humilde condição socioeconómica e cultural.
66. A progenitora conta atualmente com 64 anos de idade, é doméstica, e está habilitada com o 4.º ano de escolaridade.
67. Com o falecimento do pai (tinha o arguido cerca de 15 anos de idade), a mãe foi revelando dificuldade ao nível da supervisão e acompanhamento dos filhos, pelo que a dinâmica familiar foi sendo muito marcada pela problemática aditiva a substâncias psicoativas por parte do arguido e de outros dois irmãos (LL e MM, este último falecido em 2020), sendo a consequente instabilidade pessoal e emocional manifestada por estes elementos fator potenciador de desentendimentos/conflitos intrafamiliares.
68. A progenitora revela um elevado desgaste emocional resultante dos comportamentos desajustados dos descendentes, contudo, demonstrou vontade em voltar a acolher/ apoiar DD, desde que este se mantenha abstinente do consumo de substâncias psicoativas.
69. No que concerne ao percurso escolar, DD integrou o sistema de ensino em idade própria, contudo, registou um percurso escolar marcado por elevado absentismo, desinteresse pelos conteúdos pedagógicos e frequentes fugas às aulas, contexto que originou o abandono do sistema de ensino aos 16 anos de idade, habilitado apenas com o 4.º ano de escolaridade.
70. Terá sido, segundo o próprio, em contexto prisional que concluiu o 7.º ano de escolaridade.
71. Após o abandono do sistema de ensino, teve algumas experiências de trabalho na área da agropecuária e construção civil.
72. Desde 2018, e ainda que sem vínculo contratual, encontrava-se a trabalhar na empresa ..., como ..., enquadramento que manteve, não obstante a interrupção para cumprimento de anteriores penas de prisão.
73. No que concerne à problemática aditiva, terá sido ainda em contexto escolar que iniciou o consumo de canabinóides, que aos 20 anos de idade foram agravados para consumos de heroína e há cerca de três anos para o consumo de Novas Substâncias Psicoativas (NSP).
74. Neste contexto, em 2017, esteve integrado em Programa de Tratamento Opiáceo com Cloridrato de Metadona, na ... (...), com recaídas posteriores, sendo que à data dos factos e até à presente reclusão mantinha consumos de NSP e heroína.
75. DD encontra-se preso preventivamente à ordem do presente processo desde .../.../2024.
76. Em contexto prisional, apurou-se junto do ... que o arguido se encontra integrado, desde ........2024, em programa de tratamento de substituição com Suboxone, beneficiando também de acompanhamento psicológico.
77. Ainda não foi sujeito a testes de despiste toxicológico, e, a nível disciplinar, não regista nenhuma infração.
78. Entre ........2024 e ........2025 e entre 1 e ........2025, esteve integrado em atividade laboral.
79. Em ........2025 solicitou nova colocação laboral, cujo parecer foi desfavorável.
80. Em termos de suporte, beneficia de visitas quinzenais por parte da progenitora e da companheira (coarguida no presente processo).
Dos antecedentes criminais, situação pessoal, familiar, profissional e económica da arguida GG:
81. Por acórdão proferido em 29.03.2019, e transitado em julgado em 07.05.2019, no âmbito do P.C.C. n.º 242/18.2JAPDL, que correu termos em Ponta Delgada, foi a arguida GG condenada pela prática, em ........2018, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes agravado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução com regime de prova que foi revogada, tendo a arguida cumprido a pena de prisão que foi extinta pelo cumprimento.
82. GG, atualmente com 41 anos de idade, à data da prática dos factos encontrava-se a residir, desde ... de 2024, com o namorado DD (29 anos de idade), coarguido nos presentes autos (preso preventivo no ...), num prédio abandonado, no ..., situado na freguesia dos ..., não dispondo o espaço de condições adequadas de habitabilidade.
83. A satisfação das necessidades básicas encontrava-se assegurada, de forma precária, através dos rendimentos auferidos pelo namorado, como ..., no valor do Salário Mínimo Regional e pelo Rendimento Social Inserção de que a arguida beneficiava, no valor de 180€, que recebeu até... de 2024, data em que ficou penalizada.
84. Como principais encargos mensais foram referidos apenas os relativos à alimentação, uma vez que o espaço habitacional não dispunha de instalação de água em de eletricidade.
85. Em ...de 2023, após a libertação do ..., onde cumpriu uma pena de prisão, GG foi residir para a habitação da progenitora, fazendo parte do agregado: NN (61 anos de idade), empregada doméstica, o irmão da arguida, OO (25 anos de idade) e uma sobrinha (6 anos de idade).
86. Todavia a relação da arguida com a progenitora nunca foi satisfatória, o que levou GG a sair da referida habitação e passar a viver (em ... de 2024) em casa de uma irmã, situada no mesmo bairro onde vivia à data dos factos, com esta e com uma sobrinha.
87. Todavia, manteve este enquadramento apenas dois meses, data em que foi viver com o namorado para um prédio abandonado.
88. Desde meados do passado mês de maio que a arguida se encontra a pernoitar no ...
89. GG é a segunda de uma fratria de seis elementos (3 irmãos germanos e 3 uterinos), tendo nascido num contexto familiar muito precário, sendo o ambiente familiar de origem marcado pela disfuncionalidade, o que culminou na separação dos progenitores, quando a arguida tinha apenas três anos de idade.
90. O pai exercia funções como …, sendo o salário deste o único rendimento do agregado familiar, existindo períodos em que as necessidades básicas da família não eram asseguradas.
91. Face à rutura relacional ocorrida entre os progenitores, a infância e adolescência de GG foram marcadas pela ausência da figura materna, a qual, após se ter desvinculado do agregado constituído, viria a encetar um outro relacionamento, deixando de estabelecer qualquer contacto com a arguida, que ficou entregue aos cuidados do progenitor.
92. Atualmente a relação com a progenitora é considerada superficial, apesar desta última manter contactos regulares com a arguida.
93. Contraiu matrimónio com PP aos 19 anos de idade, acabando por se divorciar aos 26 anos de idade.
94. Desta união resultaram dois filhos.
95. A arguida tem atualmente pouca ligação com os filhos, atualmente com 20 e 21 anos de idades, uma vez que os mesmos estiveram em acolhimento institucional, e, no presente, maiores de idade, estão em processo de autonomização.
96. O filho QQ foi recentemente condenado (a .../.../2025) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, na pena 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
97. GG, à data dos factos, encontrava-se desempregada e sem qualquer atividade estruturada.
98. Abandonou o ensino escolar aos 13 anos, por imposição do pai, a pretexto de ajudar economicamente o agregado, tendo ficado habilitada apenas com o 4.º ano de escolaridade.
99. Mais tarde, já em idade adulta, com 28 anos de idade, concluiu o 9.º ano numa escola profissional.
100. Aos 13 anos de idade iniciou assim atividade laboral numa fábrica de hambúrgueres, onde permaneceu até aos 16 anos.
101. Nessa sequência, encetou um percurso laboral diversificado em áreas indiferenciadas, algo marcado pela irregularidade.
102. À data dos factos, encontrava-se com consumos de droga sintética, heroína e THC, que mantém no presente.
103. Iniciou consumos de THC aquando da sua separação conjugal, os quais se foram intensificando até à situação de policonsumos de estupefacientes, antes da reclusão.
104. GG foi condenada, à ordem do processo n.º 242/18.2JAPDL, pela prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes agravado, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
105. Durante a referida suspensão, a arguida incumpriu com as medidas definidas e homologadas no Plano de Reinserção, tendo a mesma sido revogada.
106. A arguida deu entrada no ... em .../.../2021, vindo a ser libertada em termo de pena a .../.../2023.
107. Em meio prisional, a arguida nunca esteve integrada em programa de tratamento à toxicodependência e nunca obteve testes de despiste toxicológico positivos a substâncias ilícitas.
108. No Estabelecimento Prisional, GG teve acompanhamento ao nível da Psicologia.
109. A arguida tem consulta de psiquiatria agendada para o próximo dia ... de ... de 2025, na ..., uma vez que manifesta instabilidade emocional que, aliada a outras características e fragilidades ao nível das respetivas competências pessoais e sociais (autocontrolo, impulsividade, entre outras), determina a necessidade de uma supervisão adequada à sua problemática e de uma intervenção contínua ao nível do desenvolvimento de competências que lhe permitam uma autonomização adequada.
No acórdão recorrido foram considerados factos não provados:
Da acusação pública:
a) O arguido AA tinha-se munido previamente com o tubo de ferro que utilizou nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 4.
b) O arguido AA retirou e levou a quantia de 40,00 € em numerário pertencente a KK que se encontrava em cima de um móvel do quarto.
c) Nas circunstâncias referidas em 9, os arguidos retiraram, levando consigo, 2 telemóveis com a marca Samsung pertencentes a KK, no valor total superior a 102 €.
O Tribunal recorrido motivou como segue a decisão sobre a matéria de facto:
Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”. Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas. A livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há-de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção.
C.2. Elenco das Provas Valoradas:
Atendeu-se à seguinte prova:
C.2.1. - Prova por declarações dos arguidos:
O arguido AA prestou declarações em audiência de julgamento, dando a sua versão dos factos.
Por sua vez, os arguidos DD e GG optaram por não prestar declarações em audiência de discussão e julgamento, pelo que nos termos do artigo 357.º do Código de Processo Penal foram validamente reproduzidas as declarações que prestaram em primeiro interrogatório judicial. Antes do encerramento da audiência de julgamento o arguido RR usou da palavra para reiterar que o que disse no primeiro interrogatório judicial é a sua versão dos factos.
C.2.2. – Prova por depoimento testemunhal:
Atendeu-se ao depoimento das seguintes testemunhas da acusação: SS e TT, ambos agentes da ..., KK e JJ, residentes à data dos factos na ..., UU, conhecido dos arguidos e das testemunhas KK e JJ, e VV conhecido das testemunhas WW e JJ. Valorou-se ainda o depoimento da testemunha de defesa XX, mãe do arguido DD e por si arrolada.
C.2.3. – Prova por documentos:
No caso concreto, analisaram-se os seguintes documentos: fotografias de fls. 4 e 78 (das lesões de KK), 18-20 e respetivo CD de fls. 21 (das lesões de KK e JJ), fotografias da habitação de fls. 49-51, autos de reconhecimento de pessoas de fls. 66-77, certidões do proc. 152/18.3PTPDL.1 de fls. 203-209 e id. no citius com a referência 6059656, certidão do proc. 870/20.6PBPDL de fls. 210-227, certidão do proc. 163/18.9... de fls. 229-241, certidão do proc. 538/18.3PBPDL de fls. 243-253, documentos de atendimento médico id. no citius com a referência 6078371, de ........2025 (relativos a KK), certificados de registo criminal dos arguidos de ref. 6318934 e 6318939, ambos de ........2025 e ref. 6322179, de ........2025, relatórios sociais para determinação da sanção de ref. 6301571, de ........2025, 6319971, de ........2025 e ref. 6329347 de ........2025.
C.3. Apreciação crítica da prova:
Aqui chegados, descendo ao caso dos autos, o Tribunal valorou a seguinte prova:
Factos provados dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 e não provados em a), b) e c):
Como acima se referiu os arguidos prestaram declarações embora em diferentes fases do processo.
Assim, o arguido AA fê-lo em fase de julgamento, dando a sua versão dos factos, e os arguidos DD e GG, fizeram-no em primeiro interrogatório judicial, cujas declarações foram validamente reproduzidas em audiência de julgamento, nos termos do artigo 357.º do Código de Processo Penal. O arguido DD, aquando lhe foi concedida a última palavra, reiterou o conteúdo dessas declarações.
Começando pelo arguido AA, o mesmo apresentou uma versão que consiste basicamente no seguinte: referiu que conhece coarguidos e as testemunhas KK, JJ e UU. Disse que KK era traficante de droga sintética e que ele próprio ia algumas vezes (nos últimos dois meses à data dos factos) a sua casa buscar droga sintética para outros consumidores (negando ser consumidor desse tipo de estupefaciente). Explicou que, naquela noite, a pedido do consumidor UU – a quem KK se negava a vender droga sintética – foi à casa do WW, com dinheiro que o YY lhe deu, para adquirir sintética por ele. Nessa sequência, deslocou-se à residência do WW, abeirou-se da janela, como era hábito, e viu que no seu interior estavam o WW, o DD e a GG, sendo que os primeiros dois estavam a discutir, razão pela qual o WW não lhe vendeu droga, pelo que se foi embora, devolveu o dinheiro ao UU e regressou para sua casa, não voltando a ver nenhuma daquelas pessoas naquela noite. Negou, assim, qualquer versão dos factos contrária à que descreveu.
Esta versão dos factos não mereceu qualquer acolhimento do Tribunal por várias razões: primeiro, foi totalmente desmentida pelas testemunhas KK, JJ e UU, que não confirmaram nada do que foi referido por este arguido, descrevendo factos totalmente opostos. Também os coarguidos DD e GG não corroboraram minimamente esta versão.
De facto, os arguidos DD e GG, apresentaram uma versão com mais semelhanças entre si e ainda com a versão de KK e JJ – totalmente díspar do arguido AA – mas discrepâncias e incoerências relativamente a questões essenciais, nomeadamente sobre a motivação e conduta dos arguidos na sua globalidade. Assim, DD e GG confirmaram que os três arguidos se deslocaram efetivamente à residência de KK e JJ, embora por razões e com intenções que não mereceram qualquer credibilidade (com a ideação de que KK seria traficante de droga sintética, ora referindo que foram todos lá porque o DD foi comprar um pacote de 5,00 €, que o WW se negara a fiar-lhe, e que este depois de ter ido pedir dinheiro adiantado ao seu patrão e ter conseguido os 5,00 €, lá voltou e foi abastecido pelo KK, mas logo de seguida foi atacado por ele com um tubo de ferro e puxado para dentro de casa e daí é que se desenrolou uma contenda entre todos, ora referindo que o AA já andava com ideias, há dias, de irem a casa de WW, “mascarados”, para lhe dar um susto, e que queriam a droga que o WW tinha em casa), que partiram o vidro da casa do WW (embora refiram que foi por acidente), aí entraram (naquelas circunstâncias), aí existia um tubo de ferro (usada pelo KK), mas que a dada altura foi alcançada pelo arguido AA, o qual agrediu “brutalmente” – referido duas vezes pelo arguido DD – KK.
Assim, tanto a arguida GG como o arguido DD confirmam que KK foi agredido por socos e pontapés pelo arguido AA, tentando desresponsabilizar-se eles próprios de quaisquer atos agressivos, e embora não admitam que tenham subtraído dinheiro e/ou quaisquer telemóveis, admitem que perguntaram/questionaram onde estava a droga, tendo o arguido DD dito que levou consigo uma caixa com 3 pacote de droga. A arguida GG referiu que tentou sempre acalmar a situação e o arguido DD referiu que a GG só entrou para que não houvesse mais problemas.
Contudo, estas versões apenas são aproveitadas nas partes em que efetivamente entroncam com aquilo que foi relatado pelas testemunhas KK e JJ, ou seja, na parte em que confirmam que os três arguidos estiveram no interior da residência, que acederam ao seu interior partindo o vidro da janela, que a dada altura o arguido AA tinha um tubo de ferro na mão (não se tendo provado que o tivesse levado para o interior da residência), e que KK foi agredido pelos dois arguidos DD e AA.
De facto, o relato das testemunhas KK e JJ, foi absolutamente isento, espontâneo, coerente e credível, não se denotando qualquer interesse em prejudicar/lesar qualquer dos arguidos. Assim, KK descreveu que estava no seu quarto com a companheira JJ quando ouviu um barulho, apercebendo-se então que estavam a partir a janela da sala, para onde se deslocou e viu os arguidos DD e AA já no interior da sua residência. Explicou, com enorme espontaneidade, que DD logo começou a perguntar onde estava o dinheiro, de forma insistente, que foi agredido com socos e pontapés por DD, ao mesmo tempo que sentiu uma pancada na cabeça, que o fez cair ao chão e perder os sentidos.
Conjugando as declarações da arguida GG, do arguido DD, da testemunha JJ e do próprio KK, não temos dúvidas em afirmar que a pancada na cabeça ao KK foi desferida pelo arguido AA com o tubo de ferro pois era quem (embora não o tenha levado para o interior da residência, pois o mesmo já lá estava, como dissemos) o possuía no momento exatamente antes de o ofendido ter sofrido a pancada na cabeça. Repara-se que neste momento JJ estava a ser impedida de se deslocar para a sala pela arguida GG – a qual viu o arguido AA com o tubo de ferro na mão –, o arguido DD estava a agredir KK, e é nesse preciso momento que ele sente a pancada na cabeça. Depois disso, e como referiu a testemunha JJ, o arguido DD e AA ainda continuaram a agredir KK. De seguida, relata a testemunha JJ, foi o arguido DD que se dirigiu ao quarto do casal e retirou de lá a quantia de 40,00 €, enquanto a GG a agarrou e o AA apertou-lhe o pescoço e encostou-a contra a parede. Após, e porque o arguido DD continuava a exigir dinheiro, JJ atirou mais dinheiro para cima da cama, que os arguidos levaram consigo. Por fim, JJ referiu que levaram ainda dois telemóveis Samsung que lhe pertenciam, um dos quais no valor aproximado de 170,00 € e o outro de 120,00 €. Disse que apenas se apercebeu da falta deles depois dos arguidos terem saído da residência e depois de terem ido pedir socorro e de terem recebido assistência médica e policial, quando regressou a casa.
Ora, não restam dúvidas ao Tribunal que foram os arguidos que subtraíram estes telemóveis pois tudo aconteceu tão rápido e o objetivo dos arguidos era efetivamente levar da residência algo de valor e de fácil subtração.
Acresce que, como já dissemos supra, a testemunha UU, conhecido de todos os arguidos, confirmou a versão das testemunhas WW e JJ, no sentido de que lhes prestou auxílio naquela noite, negando a versão do arguido AA. Também a testemunha VV, explicou as circunstâncias em que WW e JJ lhes pediram ajuda naquela noite. Todos prestaram um depoimento isento e credível.
As testemunhas SS e TT, ambos agentes da ..., descreveram aquilo que percecionaram no contato direto que tiveram com KK na sequência da participação policial que receberam e das diligências que fizeram e que documentaram. Foram claros, objetivos e coerentes.
Atendeu-se ainda às fotografias de fls. 4 e 78 (das lesões de KK), 18-20 e respetivo CD de fls. 21 (das lesões de KK e JJ), fotografias da habitação de fls. 49-51, autos de reconhecimento de pessoas de fls. 66-77, documentos de atendimento médico id. no citius com a referência 6078371, de ........2025 (relativamente a KK).
Assim, apenas não se provou que o arguido AA se tivesse munido previamente com o tubo de ferro, pois que o mesmo já estaria no interior da residência. E também não se apurou que foi o arguido AA que, em concreto, se dirigiu ao quarto e retirou as quantias monetárias – antes se apurou que foi o arguido DD. Por fim, não se apurou que foram subtraídos mais telemóveis do que aqueles dois que se deram como provados, porque não foi referido por nenhum dos ofendidos.
Dos factos provados 11, 12 e 13, 21 e 22, 27 e 28:
No que concerne aos elementos subjetivos estando demonstrados os factos supra descritos, valorou igualmente o Tribunal as regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando assim convencido que os arguidos, enquanto “Homens médios” (nenhuma prova foi feita no sentido de que os mesmos não se inserem nesta categoria de pessoas – compreendendo tudo o que lhes foi perguntado e tal como decorre dos relatórios sociais), sabiam perfeitamente que em todas as situações agiram de forma livre, voluntária e consciente. Mais sabiam os arguidos AA e DD das anteriores condenações que sofreram, bem como dos factos que as motivaram, das penas parcelares e única em que foram condenados e dos períodos que estiveram presos em cumprimento das referidas penas únicas de prisão. Não obstante, os arguidos AA e DD não interiorizaram que têm que pautar as suas condutas pelas regras básicas de convivência social, traduzidas nas normas penais, não cometendo novos crimes, mormente da mesma natureza daqueles que levaram às anteriores condenações e, totalmente insensíveis às penas únicas de prisão que cumpriram, praticaram os factos acima descritos.
Dos factos provados em 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25, 26, 29 a 38, 57 a 60 e 81:
Relativamente aos antecedentes criminais por parte dos arguidos o tribunal tomou em consideração certificados de registo criminal dos arguidos de ref. 6318934 e 6318939, ambos de ........2025 e ref. 6322179, de ........2025, certidões do proc. 152/18.3PTPDL.1 de fls. 203-209 e id. no citius com a referência 6059656, certidão do proc. 870/20.6PBPDL de fls. 210-227, certidão do proc. 163/18.9... de fls. 229-241, certidão do proc. 538/18.3PBPDL de fls. 243-253,
Dos factos provados em 39 a 56, 61 a 80 e 82 a 109:
Por fim, quanto à sua situação económica, pessoal, familiar dos arguidos atendeu-se, para além das suas declarações, que nesta parte mereceram alguma credibilidade, àquilo que consta dos relatórios sociais para determinação da sanção, relatórios sociais para determinação da sanção de ref. 6301571, de ........2025, 6319971, de ........2025 e ref. 6329347 de ........2025 e ainda o que relatou a testemunha de defesa XX, mãe do arguido DD, que depôs de forma coerente.
* * *
Apreciando…
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de ........1995 (in D.R., série I-A, de ........1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Assim, o recorrente DD invoca:
- errada medida das penas, parcelares e única, com reflexo na escolha da pena.
A recorrente GG invoca:
- erro de julgamento com violação do princípio in dubio pro reo;
- erro notório na apreciação da prova;
- errada subsunção jurídica
- errada medida das penas, que deveriam ter sido especialmente atenuadas.
*
Do erro notório na apreciação da prova
A recorrente GG invoca a existência do vício de erro notório na apreciação da prova por terem sido dados como provados os pontos 6, 9 e 11 a 13 do acórdão recorrido sem que os respectivos factos tenham ficado demonstrados.
O vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal é pacificamente considerado, na doutrina e na jurisprudência, como aquele que é evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e deve resultar do texto da decisão, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Neste sentido veja-se o Acórdão do STJ de ........1998 (BMJ 482, p. 68) onde se conclui que “erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta” e o Acórdão do STJ de ........1998 (BMJ 481, p. 325) onde se refere que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado, “que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa”.
Assim, e ao invés do que pretende a recorrente, o erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão do Julgador em relação à matéria de facto e aquela que teria sido a sua decisão. Um erro na formação da convicção, que não resulte do texto da decisão recorrida, pode consistir num erro de julgamento (que a recorrente também invoca e que apreciaremos infra) mas não um vício de erro notório na apreciação da prova.
Do erro de julgamento
Alega a recorrente GG que foram erradamente dados como provados os pontos 6, 9 e 11 a 13 do acórdão recorrido, tendo sido mal avaliadas as declarações dos próprios ofendidos, nomeadamente no que concerne à conduta da recorrente para com eles, tando sido também violado o princípio in dubio pro reo.
Define o art. 124º 1 do Cód. Proc. Penal, o que vale em julgamento como prova, ali se determinando que “constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de ... aplicáveis”. Neste artigo, onde se regula o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da pena. A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com excepção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais (só não são permitidas as provas proibidas por lei ou as obtidas por métodos proibidos – arts. 125º e 126º do mesmo Cód.), é afloramento do princípio da demanda da descoberta da verdade material que continua a dominar o processo penal português (ZZ, Cód. Proc. Penal, 12ª ed., p. 331).
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova, estando o fundamento da sua credibilidade dependente da convicção do Julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, valorando os elementos probatórios, por si e conjugando-os entre eles, sempre de acordo com as regras da experiência. Com efeito, o art. 127º do Cód. Proc. Penal prescreve que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. É o chamado princípio da livre apreciação da prova, livre mas, de acordo com o Prof. AAA (Direito Processual Penal, vol. II, p. 111), “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.
Também o Tribunal Constitucional (Ac. nº 464/97/T, D.R., II Série, nº 9/98 de 12.1), chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da norma do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e estribando-se nos ensinamentos dos Prof. BBB e Figueiredo Dias, refere que “esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjectivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais (CCC), pois que só assim a obtenção do direito do caso «está apta para o consenso». A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça”.
Ora o princípio da livre apreciação da prova está intimamente relacionado com os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo a que todas as provas (excepto aquelas cuja natureza não o permite) sejam apreendidas pelo Julgador por forma auditiva. O segundo, diz respeito à proximidade que o Julgador tem com os intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova, através de uma percepção directa.
Como salienta o Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, p.233 e 234) “só os princípios da oralidade e imediação… permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”.
Os meios de que o Tribunal de primeira instância dispõe para a apreciação da prova são diferentes dos que o Tribunal de recurso possui, uma vez que a este estão vedados os princípios da oralidade e da imediação e é através destes que o Julgador percepciona as reacções, os titubeios, as hesitações, os tempos de resposta, os olhares, a linguagem corporal, o tom de voz, tudo o que há-de constituir o acervo conviccional da fé e credibilidade que a testemunha há-de merecer.
Isto significa que o Tribunal de recurso não pode sindicar certos meios de prova quando, para a credibilidade do testemunho, foi relevante o funcionamento do princípio da imediação, mas pode controlar a convicção do Julgador da primeira instância quando ela se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
Tendo em consideração o supra exposto, vejamos se assiste razão à recorrente.
A recorrente impugna os seguintes factos provados:
6. Ato contínuo, a arguida GG agarrou JJ, e o arguido AA apertou-lhe o pescoço, e projetou-a contra a parede.
9. Após os arguidos retiraram, levando consigo, 2 telemóveis com a marca Samsung pertencentes a JJ, um dos quais no valor aproximado de 170,00 € e o outro de 120,00 €.
11. Os arguidos agiram em execução de um plano previamente engendrado por todos, em comunhão de esforços e intentos.
12. Os arguidos agiram com o propósito concretizado de se apoderarem pelas força e agressão física, e através ainda da expressão proferida acima referida, dos bens acima descritos, constrangendo-os, e colocando-os na impossibilidade de lhes resistirem, bem sabendo que os bens pertencentes acima descritos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus legítimos proprietários, e ainda que KK tinha dificuldades em se defender por ser portador de um cancro nos intestinos, utilizando um saco de ostomia, e de diabetes.
13. Os arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei, e tinham a liberdade necessária para se determinarem segundo essa avaliação.
Quanto ao facto dado como provado em 6, alega que não ficou demonstrado que tal gesto tenha assumido natureza violenta ou coativa, sendo antes revelador de uma intenção defensiva e não ofensiva. Diz que o ofendido afirmou que a recorrente nada lhe fez e que a ofendida afirmou que ela estava a querer levá-la para o quarto para não se meter, “mantinha-se quieta ao pé da porta” e “manteve-se calada”.
Ora, ouvidos os registos da audiência, verificamos que sendo verdade o alegado, a ofendida também disse que o DD e a GG a tinham levado para o quarto e que os 2 a seguravam para ela não ir ajudar o WW (ofendido) que estava a ser agredido na sala pelo AA enquanto lhe exigia dinheiro. Perguntada sobre quem é que lhe tinha feito as marcas nos braços e na perna que as fotografias juntas aos autos revelam, a ofendida respondeu que tinham sido o DD e a GG quando a agarraram e disse “eu tentei sempre sair e eles puxavam-me os dois para trás”. E se repararmos no contexto das afirmações de que a GG “mantinha-se quieta ao pé da porta” e “manteve-se calada” tal refere-se apenas ao momento em que o DD lhe exigia dinheiro, estando os 3 no quarto.
Avaliando estes depoimentos, é claro que não se pode dizer que a recorrente agarrou a ofendida com intenção de a defender, sem que tal gesto tenha assumido natureza violenta ou coactiva. A ofendida entendeu os empurrões sempre como tendo o objectivo de a impedir de ir ajudar o ofendido e de a manter confinada ao quarto enquanto o DD lhe perguntava pelo dinheiro.
Em relação ao facto dado como provado em 9, alega a recorrente não ter sido feita prova suficiente de que os arguidos, em particular ela própria, tenham subtraído os telemóveis mencionados, sendo a sua ausência apenas detectada no dia seguinte, tendo a própria ofendida admitido não saber quem os levou, pelo que ao dar tal facto como provado o Tribunal recorrido violou o princípio in dubio pro reo..
Porém, tal como se refere na motivação do acórdão, “JJ referiu que levaram ainda dois telemóveis Samsung que lhe pertenciam, um dos quais no valor aproximado de 170,00 € e o outro de 120,00 €. Disse que apenas se apercebeu da falta deles depois dos arguidos terem saído da residência e depois de terem ido pedir socorro e de terem recebido assistência médica e policial, quando regressou a casa. Ora, não restam dúvidas ao Tribunal que foram os arguidos que subtraíram estes telemóveis pois tudo aconteceu tão rápido e o objetivo dos arguidos era efetivamente levar da residência algo de valor e de fácil subtração.”
Efectivamente, contou a ofendida que os arguidos AA e DD não paravam de perguntar pelo dinheiro e que não se apercebeu de que tivessem levado os telemóveis, mas quando regressou a casa deu pela falta deles. Sabendo-se que os arguidos entraram na residência dos ofendidos para se apoderarem de bens e valores pertencentes aos ofendidos, tendo os telemóveis desaparecido nessa ocasião, de acordo com as regras da experiência foram os arguidos que o levaram.
Com esta conclusão não é de qualquer forma violado o princípio in dubio pro reo. É que este princípio resume-se a uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, subsistindo no espírito do Julgador uma dúvida insanável sobre a verificação ou não de determinado facto, deve o Julgador decidir sempre a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável.
Assim, o princípio em questão só se aplica perante uma situação de non liquet, uma dúvida insanável, não surgindo a dúvida não há que lhe fazer apelo. Ora o Tribunal recorrido não ficou dúvida alguma e também não vemos razão para a suscitar, pelo que não pode concluir-se pela violação desse princípio, consagrado no nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Relativamente aos factos dados como provados de 11 a 13, alega a recorrente que não se demonstrou que tenha aderido ao plano criminoso, nem que tenha tido qualquer intervenção no acto típico de subtração, nas agressões ou nas exigências de entrega de dinheiro.
Resultou provado que a recorrente acompanhou os co-arguidos à residência dos ofendidos, entrou com os co-arguidos na residência por uma janela que partiram para o efeito e agarrou a ofendida. Das declarações da ofendida resulta que a recorrente a impediu de sair do quarto enquanto o ofendido era agredido e lhe era exigido dinheiro e que a recorrente assistiu às exigências de dinheiro que o co-arguido DD fazia à ofendida, não a deixando sair do quarto.
Destes elementos forçoso é concluir que a recorrente aderiu ao plano criminoso e interveio na acção criminosa, quer ao não permitir que o ofendido, que era agredido pelo co-arguido AA enquanto lhe exigia dinheiro, fosse auxiliado pela ofendida, quer ao não permitir que a ofendida deixasse o quarto quando o co-arguido DD lhe exigia dinheiro, coagindo a ofendida, mesmo sem falar, a aceder às intimações do co-arguido. Ou seja, a recorrente e os co-arguidos agiram em execução de um plano previamente engendrado por todos, em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de se apoderarem pelas força e agressão física, e através ainda da expressão proferida acima referida, dos bens dos ofendidos, constrangendo-os e colocando-os na impossibilidade de lhes resistirem.
Assim, não logrou a recorrente demonstrar o erro da convicção da primeira instância, não havendo razão para alterar a matéria fáctica provada e não provada.
Da integração jurídica
A recorrente GG alega que a sua conduta não preenche os elementos típicos da co-autoria material, já que não participou na fase de planeamento dos factos, não aderiu ao plano de execução com consciência e vontade, nem interveio em qualquer tarefa essencial para a concretização dos crimes – limitou-se a permanecer no quarto, calada e sem agir contra os ofendidos. Defende que a sua actuação se insere no âmbito da cumplicidade.
Ao invés do que alega a recorrente (e como já vimos), ela aderiu ao plano criminoso e interveio na acção criminosa, quer ao não permitir que o ofendido, que era agredido pelo co-arguido AA enquanto lhe exigia dinheiro, fosse auxiliado pela ofendida, quer ao não permitir que a ofendida deixasse o quarto quando o co-arguido DD lhe exigia dinheiro. Ou seja, a recorrente e os co-arguidos agiram em execução de um plano previamente engendrado por todos, em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de se apoderarem pelas força e agressão física, e através ainda da expressão proferida acima referida, dos bens dos ofendidos, constrangendo-os e colocando-os na impossibilidade de lhes resistirem.
Nos termos do art. 26º do Cód. Penal “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Sufragamos a opinião de que autor é, ao menos nos crimes dolosos de acção, «quem domina o facto, quem dele é “senhor”, quem toma a execução nas suas próprias mãos” de tal modo que dele depende decisivamente o se e o como da realização típica; nesta precisa acepção se podendo afirmar que o autor é a figura central do acontecimento (…) ele aparece, numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado objectivo» - cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, I, p. 765 e 766).
Cúmplice, nos termos do art. 27º do Cód. Penal é “quem, dolosamente e por qualquer forma prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso” – e que será punido com a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.
Assim, cúmplice é quem participa no ilícito-típico do autor, em termos de aumentar as hipóteses da realização típica, traduzindo-se na criação ou potenciação de um risco não permitido que ultrapasse a medida admissível (aut. e ob. citados, p. 836 e 837), ou seja, “cúmplice é … aquele que presta um contributo real ao facto do autor, seja qual for a espécie que um tal contributo assuma em concreto: a de conselho ou auxílio factual, a de colaboração psíquica ou de actuação material. O critério mínimo para assegurar da existência de cumplicidade é o de que, com ela, o facto do autor há-de ter sido, ao menos, facilitado” (Figueiredo Dias, Lições de Direito Penal, ..., ..., p. 84).
A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto. O cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através do auxílio ... (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
Dos factos provados resulta à evidência que a “colaboração” da recorrente não se revela num mero auxílio mas antes se define como entre-ajuda, integrável ao nível da co-autoria.
Lembramos que “a co-autoria não impõe que haja cada um dos agentes de praticar todos os factos integradores do crime. Basta que realizem em conjunto, de forma concertada e destinada a atingir o mesmo fim, factos contidos na previsão típica. Não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar, para a obtenção do resultado desejado e pretendido, o que determina a co-autoria é a actuação conjunta e concertada de um plano conjunto, mantendo todos os agentes o domínio de facto.
Toda esta ponderação dos factos tem como pressuposto essencial a avaliação das actuações dos arguidos, na perspectiva do efeito produzido pela dinâmica dessa acção conjunta e independentemente da actuação isolada de cada um deles, já que o “ligante” que dá consistência a tais actuações é o objectivo que se propõem ainda que tal propósito conjunto tenha sido estabelecido de forma tácita e sem precedência de um plano traçado explicitamente e com divisão de tarefas individuais.
Basta, por vezes, o próprio desenrolar da acção e a adesão de cada um aos actos dos demais para se entender que se está perante um projecto conjunto e de uma actuação coordenada” (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa de ........2011, proferido no Proc. 189/09.3...-5, pesquisado em dgsi.pt).
No caso a recorrente aderiu a um propósito comum, entrando na residência dos co-arguidos, assistindo impávida à agressão ao ofendido para que entregasse o dinheiro, levando a ofendida para o quarto onde também lhe era exigido dinheiro e impedindo-a de dali sair, enquanto os co-arguidos se apoderavam de dinheiro e de 2 telemóveis, abandonando depois a residência dos ofendidos com os co-arguidos.
Esta actuação conjunta, em execução e plano, integra o conceito de autoria fornecido pelo art. 26º do Cód. Penal, sendo que os arguidos adoptaram, cada um deles, as condutas que iriam conduzir ao fim almejado, ainda que o modo de execução de algumas tarefas possa ser mais expressivo que a actuação de outro, mas sempre com actuações coerentes em função do objectivo comum. Significa isto que todos os participantes tiveram o domínio do plano e da execução, não obstante as diversas tarefas de cada – o que distingue a actuação da recorrente da mera cumplicidade (que se limita a prestar auxílio a quem detiver o domínio do facto) e a torna co-autora.
Pelo que forçoso é concluir pela correcção da integração jurídica.
Da medida das penas
Ambos os recorrentes alegam a excessividade das penas aplicadas,
O recorrente DD alega que os factos foram praticados num contexto de forte necessidade de obtenção de bens para prover à sua dependência de substâncias de estupefacientes e que actualmente integra um programa de substituição opiácea em contexto prisional por, finalmente, ter tomado consciência dos comportamentos desviantes que vinha assumindo para satisfazer o referido vício, estando verdadeiramente decidido a arrepiar caminho. Lembra que o demérito do crime de roubo, levado a cabo pelo recorrente contra a ofendida JJ, mostra-se esbatido pela circunstância de não ter lhe ter infligido qualquer agressão, defendendo que as penas parcelares, em especial a aplicada ao roubo perpetrado contra a mencionada ofendida, deverão ser substancialmente reduzidas. defendendo a aplicação de penas perto do limite mínimo e que permitam a suspensão da respectiva execução.
A recorrente GG diz que apenas participou nos factos por ser namorada do co-arguido DD e que o acórdão recorrido não atendeu ao contributo efetivo da arguida para os factos, à sua personalidade e às suas circunstâncias pessoais e compromete de forma severa a sua reinserção social. Entende que a pena que lhe coubesse devia ser especialmente atenuada.
Relativamente à medida das penas, disse o Tribunal recorrido:
(…)
Para a determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, atender-se-á à culpa do agente e às exigências de prevenção, ponderando ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal. O limite superior da pena é pois o da culpa do agente. O limite mínimo é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. Daí para cima, a medida exata da pena é a que resulta das regras da prevenção especial de socialização; é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade.
O crime de roubo agravado, p. e p. pelo 210.º, n.ºs 1 e 2, b), com referência aos artigos. 204.º, n.º 2, e), 202.º, d), todos do Código Penal, é punido com pena de 3 (três) anos a 15 (quinze) anos de prisão.
Atendendo aos critérios supra explanados há a considerar relativamente todos os arguidos:
- As exigências de prevenção geral em relação ao crime de roubo são bastante elevadas. Com efeito, estamos perante crime que tem sido praticado com muita frequência nesta ilha e que causa uma inquietante enorme, associada ao aumento da criminalidade em geral, gerando na comunidade um forte sentimento de insegurança, demandando uma solene punição do agente a fim de ser recuperada a confiança na vigência e validade das normas violadas.
- O grau de ilicitude dos factos, atendendo ao modo de execução revela-se médio, demonstrando os arguidos não se coibiram de comunhão de intentos e esforços abordar os ofendidos num momento de fragilidade, agredindo mais veementemente o ofendido WW, pessoa já debilidade e que todos sabiam, persistindo até levaram algo de valor da residência;
- O dolo dos arguidos, que reveste a forma de dolo direto e intenso;
- a total desvinculação (do arguido AA) ou quase total (dos arguidos DD e GG) dos arguidos para com as condutas que praticaram não revelando qualquer capacidade de autocensura e de desvalor face aos factos que cometeram;
- As necessidades de prevenção especial, que se revelam mais acentuadas quantos aos arguidos AA e DD, mas também são relevantes quanto à arguida GG, não só pelos antecedentes criminais que possuem todos, mas também pela situação de desintegração social, familiar, profissional que viviam à data e que vivem atualmente.
Relativamente ao arguido AA valora-se ainda quanto à sua personalidade (…)
Por sua vez, o arguido DD “revela dificuldades na resolução de problemas e défices ao nível das competências pessoais e sociais, bem como em termos de pensamento consequencial, não conseguindo identificar as consequências do seu comportamento sobre si e sobre terceiros, mormente quando se encontra sob efeito de substâncias psicoativas, consumos que potenciam os défices referidos.” “Pese embora aparente ser um indivíduo com alguns hábitos de trabalho e de beneficiar de apoio por parte da progenitora, é certo que a sua rede de suporte sociofamiliar é bastante limitada e pouco consistente, enquadramento que associado à resistência que tem vindo a apresentar face à intervenções técnicas externas, antecipam dificuldades de adesão do arguido à intervenção desta Equipa.” “Entende-se, igualmente, como elevados fatores de risco, a situação de desemprego, não pretendendo a anterior entidade patronal reintegrar o arguido na sua equipa de trabalho, o défice que o arguido apresenta ao nível das competências pessoais e sociais, nomeadamente ao nível do controlo dos impulsos e do pensamento consequencial, mormente quando se encontra sob o efeito de substâncias psicoativas.” “Por fim, e apesar das medidas/penas que já lhe foram aplicadas, DD continua a indiciar comportamentos desviantes e de caráter criminal, pelo que, aparentemente, as medidas/penas anteriormente aplicadas não surtiram o efeito dissuasor pretendido, pelo que se avalia que o arguido carece de orientação e forte controlo externo, sem o qual é difícil a promoção de alterações da conduta.” “Estamos perante uma pessoa que apresenta elevadas fragilidades emocionais, revelando fracas competências pessoais e sociais, das quais não se pode dissociar a desorganização pessoal, a falta de iniciativa e a dificuldade ao nível da resolução de problemas.”
Por fim, e quanto à arguida GG ao nível da sua personalidade, a mesma revela fraca autocrítica, a par de um percurso de vida com muitos constrangimentos, designadamente familiares e sociais, que fragilizaram o seu processo de crescimento psicoafectivo e emocional, bem como a formação da própria personalidade e consequentes dificuldades de organização da própria. Revela paralelamente dificuldades emocionais e sociais, como impulsividade, baixa autoestima e desorganização pessoal, agravadas pelos consumos de estupefacientes, que não abandona.
Pelo exposto, julgam-se proporcionais e adequadas a aplicação das seguintes penas: aos arguidos AA e DD as penas de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de cada dos crimes de roubo agravado; à arguida GG a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de cada um crime dos crimes de roubo agravado.
Da reincidência quanto aos arguidos AA e DD:
Aqui chegados, importa descortinar a verificação da reincidência enquanto circunstância agravante modificativa com previsão legal nos arts. 75.º e 76.º, ambos do Código penal quanto aos arguidos AA e DD.
(…) Atento o disposto no art. 76º nº 1 do Código Penal, o limite mínimo da moldura penal abstrata é elevado de um terço, ou seja, para 1 (um) ano de prisão. Assim, tudo visto e ponderado, entende-se adequada em função da reincidência dos arguidos aplicar-lhes as penas de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de cada dos crimes de roubo agravado, pena esta que se caracteriza pela observância do limite a que se reporta a segunda parte do número do artº.76º do C.P., já que a agravação resultante da reincidência não excede a medida da pena mais grave aplicada nas condenações referência anteriores.
Do cúmulo jurídico das penas:
Torna-se necessário proceder, em seguida, ao cúmulo jurídico das penas parcelares acima fixadas ao arguido, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, a pena unitária correspondente ao concurso de infrações terá, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes, e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes.
Assim, a pena unitária a impor aos arguidos AA e DD tem os seguintes limites:
• Mínimo: pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
• Máximo: pena de 15 (quinze) anos de prisão.
Por sua vez, a pena unitária a impor à arguida GG tem os seguintes limites:
• Mínimo: pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
• Máximo: pena de 11 (onze) anos de prisão.
O n.º 1 estabelece que, na medida da pena, são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Tudo ponderado, considerando os factos como atrás expusemos e tudo o que quanto a eles tem de ser valorado, e ainda tendo em atenção os elevados défices dos arguidos ao nível do pensamento reflexivo e critico perante os seus comportamentos, pensamentos e emoções, traduzidas em baixas competências pessoais e sociais, com tendência para a desresponsabilização/ desculpabilização face aos comportamentos desviantes, aditivos e dependências, o tribunal considera adequadas, proporcionais e suficientes as aplicações de:
- Uma pena única de 10 (dez) anos de prisão para os arguidos AA e DD.
- Uma pena única de 7 (sete) anos de prisão para a arguida GG.
Requer a recorrente GG uma atenuação especial das penas, alegando a culpa diminuta, a ausência de dolo direto quanto à prática de agressões, e o arrependimento demonstrado.
Para que se possa decidir pela atenuação especial da pena é necessário que se verifiquem os pressupostos previstos na alínea b), do nº 2 do art. 72º do Cód. Penal.
Ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, p. 302) que “quando o legislador dispõe a moldura penal para um certo tipo de crime, tem de prever as mais diversas formas e graus de realização do facto, desde os da menor até aos da maior gravidade pensáveis: em função daqueles fixará o limite mínimo, em função destes o limite máximo da moldura penal respectiva; de modo a que, em todos os casos, a aplicação da pena concretamente determinada possa corresponder ao limite da culpa e às exigências de prevenção. Desde há muito que se põe em relevo, porém, que a capacidade de previsão do legislador é necessariamente limitada e inevitavelmente ultrapassada pela riqueza e multiplicidade das situações reais da vida. E que, em consequência, mandamentos irrenunciáveis de justiça e de adequação (ou “necessidade”) da punição impõem que – quando esteja em causa uma atenuação da responsabilidade do agente (…) – o sistema seja dotado de uma válvula de .... Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo “normal” de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, aí teremos mais um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. São estas as hipóteses de atenuação especial da pena”.
Nos termos do nº 1 do art. 72º do Cód. Penal, “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, sendo que, em face do nº 2, “para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta”.
Como resulta da norma referida, a “acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena. A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios” (aut. e ob. citadas, p. 306 e 307).
No caso concreto não vemos que alguém possa falar de acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção. Efectivamente, a circunstância de se ser namorada de um co-arguido não determina uma actuação sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência. Também não se verificam actos de arrependimento – sendo certo que não basta a mera verbalização de arrependimento para o efeito da norma. O caso dos autos é de uma extrema gravidade e elevada ilicitude, pelo que a hipótese de uma atenuação especial da pena não se coloca.
No que se refere à medida das penas, dá-se aqui por integralmente reproduzida a análise feita pelo Tribunal recorrido no que se refere aos critérios a observar na fixação das penas e quanto à respectiva medida.
Concretamente, dá-se aqui também por integralmente reproduzida a cuidada e ponderada decisão sobre a fixação da medida das penas, parcelares e única, aplicadas a cada um dos recorrentes.
Sublinha-se, apenas, a elevada ilicitude dos factos, consubstanciada na entrada da habitação dos ofendidos, por 3 indivíduos, de madrugada, através de uma janela que partiram para o efeito; e da brutal agressão ao ofendido, pessoa particularmente frágil, que desde logo condicionou qualquer atitude de defesa por parte da ofendida. Os recorrentes, não tendo participado directamente na agressão do ofendido, aderiram a essa execução, como revela o seu silêncio enquanto a agressão decorria e eles exigiam que a ofendida lhes entregasse dinheiro, aproveitando o terror por ela sentido enquanto o companheiro era agredido.
Entende-se que analisando as circunstâncias apuradas na sua globalidade, justifica-se plenamente a medida de tais penas, suportadas pela culpa e ajustadas às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de ... face à norma violada. Não vemos qualquer razão para distinguir as penas aplicadas relativamente ao roubo de que foi alvo o ofendido e o roubo de que foi alvo a ofendida. Se o ofendido é que sofreu as agressões, os telemóveis de que os arguidos se apropriaram pertenciam à ofendida e não foram recuperados.
Acrescentaremos apenas, no que concerne à pena única, que a gravidade dos factos, a intensidade da culpa e a personalidade dos recorrentes aponta para uma verdadeira tendência criminosa (não apenas uma pluriocasionalidade), a exigir punição severa.
Quedando-se intocadas as penas aplicadas, a suspensão da respectiva execução é legalmente inviável (cfr. art. 50º do Cód. Penal).
* * *
Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar improcedentes os recursos e confirmam o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, devida pelo arguido DD em 3 (três) UCs e a taxa de justiça devida pela arguida GG em 4 (quatro) UCs.

Lisboa, 21.10.2025
(processado e revisto pela relatora)
Alda Tomé Casimiro
Manuel Advínculo Sequeira
Susana Cajeira