Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2388/08.6TMLSB-J.L1-2
Relator: JOÃO SEVERINO
Descritores: TRANSAÇÃO
INTERPRETAÇÃO
CASO JULGADO
AUTORIDADE
EXCEPÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (art.º 663.º n.º 7 do C. P. Civil):
I – A nulidade da sentença a que alude a alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil só se verifica quando ocorra uma total ou absoluta omissão dos fundamentos de facto e/ou de direito que justificam aquela decisão final.
II – O sentido e o alcance de um contrato de transação, bem como da sentença que o homologou, terão de ser aferidos à luz das regras contidas nos art.ºs 236.º n.º 1 e 238.º n.º 1, ambos do Código Civil.
III – A verificação da exceção dilatória do caso julgado exige identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, e leva à absolvição da instância.
IV – A verificação da exceção perentória da autoridade de caso julgado apenas exige a identidade de sujeitos (independentemente da posição processual ativa ou passiva que assumam na causa prejudicial e na causa prejudicada) e acarreta a absolvição do pedido.
V – Pode ser reconhecida a autoridade de caso julgado a uma sentença homologatória de transação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,
I. Relatório:
AA, com o N.I.F. ...... ..., propôs contra BB, com o N.I.F. ...... ..., ação especial de prestação de contas, pedindo que a R. seja citada para, no prazo de trinta dias, apresentar as contas da administração das contas bancárias e títulos constantes das verbas n.ºs 1 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G, ou contestar a ação, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o A. apresente, seguindo-se os demais termos dos artigos 942º e seguintes do C. P. Civil. Mais requereu a condenação da R. no pagamento ao A. da parte que lhe cabe no eventual saldo que, das contas prestadas, se venha a apurar.
Para tanto, alegou, em síntese, o seguinte: por sentença já transitada em julgado foi decretado o divórcio entre o A. e a R., com efeitos patrimoniais reportados a 28 de novembro de 2011.
No apenso de inventário para separação dos bens comuns foi o A. nomeado cabeça-de-casal.
Naquele mesmo apenso os ex-cônjuges chegaram a acordo quanto à partilha dos bens comuns do extinto casal, acordo esse que foi homologado por sentença transitada em julgado em 29 de novembro de 2022. De entre os bens comuns partilhados constavam os saldos de várias contas bancárias abertas em diversas instituições, bem como de uma conta de certificados de aforro.
A R., entre 28 de novembro de 2011 e 29 de novembro de 2022, administrou em exclusivo os saldos das mencionadas contas, nunca tendo prestado ao A. contas quanto a tal ato de administração.
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Citada, a R. contestou nos seguintes termos: as contas bancárias e os certificados de aforro identificados na petição inicial foram adjudicados, por força do acordo de partilha alcançado, à R. Tais contas foram por esta unicamente geridas e alimentadas por força dos rendimentos dos seus bens próprios, provindos de heranças e produto de heranças familiares.
Com o pagamento, pela R. ao A., de tornas no valor de € 800 000, as partes ficaram quites entre si, tendo resolvido em definitivo todas as questões de natureza patrimonial entre ambas.
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Em sede de contraditório subsequente à apresentação da contestação, o A. veio dizer que no acordo de partilha não prescindiu do seu direito de pedir contas da administração dos bens comuns exercida pela R., e não prescindiu do seu direito ao eventual saldo que possa resultar de tais contas.
Aditando que para que a obrigação de prestar contas e o correlativo direito a tais contas se extinguisse por via do acordo de partilha celebrado, as partes teriam de ter renunciado, recíproca e expressamente, a tal direito, o que não sucedeu.
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Foi o seguinte o acordo alcançado entre o aqui A. e a ora R. no apenso de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, o qual entrou em Juízo no dia 7 de outubro de 2022:






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Em 20 de outubro de 2022 foi proferida, no apenso de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, a seguinte sentença:
«Nos presentes autos de inventário destinados à partilha do património conjugal pertencente ao extinto casal composto por AA e BB vieram as partes por termo ao litigio, realizando entre si as partilhas nos termos e condições que exararam em acordo por ambos subscrito, que aqui se dá por reproduzido, nos seus precisos termos.
Atenta a natureza disponíveis dos direitos em causa, de natureza estritamente patrimonial, e a personalidade, capacidade e legitimidades judiciária das partes, julgo válido e relevante o acordo que antecede, homologando-o por Sentença e condenando as partes a cumpri-lo nos seus precisos termos, em conformidade com o disposto no artigo 290º, nº1 do Código de Processo Civil.
Consequentemente adjudico a cada uma das partes os bens descritos, nas verbas discriminadas e igualmente condeno-as no pagamento das tornas, nos termos igualmente estabelecidos no referido acordo.
Custas em partes iguais, conforme acordado.
Fixa-se o valor da ação em €1.600.000,00.
Registe e notifique.
Qualquer certidão da presente Sentença, que venha a ser solicitada deverá ser instruída com o acordo que antecede e a relação de bens de fls. 550.».
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Em 3 de dezembro de 2024 foi proferida no presente apenso a seguinte decisão:
«Entende o Tribunal, com os elementos dos autos, ter já elementos para decidir, nos termos do art. 942º, nº 3, 1ª parte, do CPC, não carecendo, para tanto de instrução, estando já nos autos elementos bastantes para apreciar o dever de prestação de contas.
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Veio o autor intentar a ação para que a ré preste, no prazo de trinta dias, as contas da administração das contas bancárias e títulos constantes das verbas 1 a 22-A da Relação de Bens de fls. 550 do Apenso G, ou conteste a ação, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o A. apresente, seguindo-se os demais termos dos artigos 942º e seguintes do CPC.
Alegou que não obstante não ser a cabeça-de-casal no processo de Inventário mas porque era sua única titular inscrita, entre 28/11/2011 – data em que se produziram os efeitos patrimoniais do divórcio – e 29/11/2022 – data do trânsito em julgado da sentença que homologou o acordo de partilha, a R. administrou, de facto e em exclusivo, os saldos das mencionadas contas bancárias e contas de títulos (incluindo certificados de aforro).
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Contestou a ré dizendo que o autor e a própria transigiram e fizeram a partilha de Inventário, pelo que o agora autor aceitou incondicional e definitivamente ser compensado por meio de tornas, pela adjudicação das contas e certificados de aforro à ré, o que, obviamente, implicou uma aceitação dos respetivos saldos e movimentos passados, fossem eles quais fossem.
Conclui que, por efeito da partilha, nada mais é devido de parte a parte nem há qualquer obrigação de prestar contas sobre administração bens que sempre estiveram na posse e administração da ré e que lhe vieram a ser adjudicados, mediante o pagamento de tornas.
Mais alegou que contemporaneamente a tal acordo de partilha e ainda como decorrência da sua celebração, veio a ré desistir das ações de prestação de contas que havia intentado contra o autor e que, portanto, o acordo de partilha pretenderia resolver todas as questões de natureza patrimonial entre ambos.
Mais invocou litigância de má fé.
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Respondeu o autor que é falso que o acordo de partilha que celebrou com o aqui autor tivesse por fim a resolução de todas as questões de natureza patrimonial entre ambos, nomeadamente as questões relativas à prestação de contas da administração dos bens do casal desde a data do divórcio até à data de partilha, pelo que deve, sim, prestar as contas como lhe foi solicitado.
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Cumpre decidir.
Compulsados os autos decorre ter havido já partilha dos bens comuns, por acordo, conforme sentença de 20.10.2022, a qual remete para acordo de 07.10.2022, ambos constantes do apenso G) e cujos termos se dão por reproduzidos.
A aqui ré aceita que administrou as contas e os certificados de aforro em causa nos autos no período indicado na P.I.. Em face do exposto, tem-se por assente o seguinte:
1 - Por vontade expressa das partes, as únicas estipulações relativas à prestação de contas da administração dos bens do casal constantes do acordo de partilha apresentado no apenso G e que aqui se dá por reproduzido, foram as seguintes:
“1 – Adjudicar à Requerida as verbas 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 15 a 22-A ficando esta obrigada a pagar tornas ao Requerente que, desde já, se fixam em € 800.000,00 (oitocentos mil euros). Desta quantia deverão ser, desde já, retidas pela Requerida as seguintes quantias:
a) A quantia de € 2.671,00 (dois mil seiscentos e setenta e um euros) correspondente à parte a suportar pelo Requerente em despesas comuns exclusivamente suportadas pela Requerente;
b) A quantia de € 3.042,78 (três mil e quarenta e dois euros e setenta e oito cêntimos) correspondente a 50% do saldo da prestação de contas da administração dos imóveis comuns relativa aos anos de 2018, 2019 2020, 2021 e janeiro a setembro de 2022.”
2 - No âmbito do mesmo acordo a aqui ré desistiu dos apensos de prestação de contas que corriam contra o aqui autor, sob as letras I) e H).
3 - Foi na sequência do acordo adjudicada a cada uma das partes os bens descritos, nas verbas discriminadas e igualmente sendo condenadas no pagamento das tornas, nos termos igualmente estabelecidos no referido acordo.
4 - A aqui ré administrou as contas e os certificados de aforro em causa nos autos (contas da administração das contas bancárias e títulos constantes das verbas 1 a 22-A da Relação de Bens de fls. 550 do Apenso G) no período indicado na P.I..
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Face aos elementos, impõe-se desde já decisão, quanto à obrigação de prestação de contas.
Entende-se, como autor, que o acordo de partilha dos bens comuns do casal não extingue, por si só e em toda e qualquer circunstância, a obrigação de prestar contas de quem administra bens comuns do casal no período compreendido entre a data do divórcio e a data da partilha e não extingue o correlativo direito à prestação de contas do outro membro da comunhão conjugal.
Tal conclusão só pode e deve extrair-se caso a caso, analisando os termos da partilha.
Contudo, não pode negar-se a vocação tendencial e abstrata da partilha para a resolução das responsabilidades patrimoniais entre cônjuges.
O inventário em consequência de divórcio não se destina apenas a dividir os bens comuns dos cônjuges, mas também a liquidar definitivamente as responsabilidades entre eles e deles para com terceiros. Assim, pelo menos tendencialmente (e desejavelmente), na partilha devem ser resolvidas todas as questões decorrentes da extinção das relações patrimoniais entre cônjuges com efeito na partilha do património comum do ex casal, incluindo, claro está, as que respeitam à liquidação das compensações devidas pelo pagamento de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges suportado apenas por um deles.
Deste ideário decorre que embora a partilha não tenha necessariamente que esgotar todas as questões, tem pelo menos essa abstrata vocação tendencial.
Tudo está, pois, na análise em concreto do acordo de partilha, no sentido de perceber o alcance da mesma, feita tal interpretação, à luz deste corolário.
No caso concreto, é certo que em lado algum está previsto expressamente a renúncia a qualquer futura ação de prestação de contas - havendo pronúncia apenas quanto às duas ações de prestações de contas pendentes como apensos H e I - ambas intentadas pela aqui ré, das quais esta desistiu no âmbito do acordo global alcançado.
Analisado o vasto acordo apresentado pelas partes, incluindo as indicadas desistências, à luz de um declaratário normal, e atendendo à vocação da partilha, tudo faz crer que as partes aí resolveram todas as questões decorrentes da extinção das relações patrimoniais entre cônjuges, incluindo as que respeitam à liquidação das compensações devidas entre ambos os cônjuges, em definitivo.
Sabemos que se pretende nesta ação a prestação de contas pela administração de contas bancárias e títulos constantes das verbas 1 a 22-A da Relação de Bens de fls. 550 do Apenso G, bens estes cujo relacionamento se esgota sobretudo nos valores atribuídos às mesmas.
Tendo as partes aceite os valores constantes da relação de bens indicada no acordo, permitir um dever de prestar contas na sua administração com eventual acerto de outros valores a final, seria autorizar, de forma enviesada, que se alterassem os valores das verbas adjudicadas e, logo, se alterasse o equilíbrio contratual que resultou do contrato de partilha e norteou a vontade negocial.
Não é, pois, de crer que se as partes tivessem perspetivado a hipótese de futura prestação de contas com condenação no saldo que daí resultasse, tivessem ainda assim norteado a sua vontade contratual nos termos em que o fizeram.
Destarte, admitir a prestação de contas, com condenação no saldo eventualmente a apurar, face ao teor do acordo alcançado em 2022, e à natureza das verbas a cuja administração a presente ação se reporta, de natureza meramente pecuniárias, seria permitir um uso formal do direito (ou abuso do mesmo), e não prestigiar o acordo homologado por sentença e a boa fé, em nosso humilde entender.
Mais saliente fica esta conclusão quando nos deparamos com o tempo decorrido entre a homologação o acordo (20.10.2022) e a instauração do presente apenso (30.04.2024).
Ora, nos termos do artigo 334º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Manuel de Andrade refere-se aos direitos “exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça” (Teoria Geral das obrigações, pág. 63) e às “hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito da lei resultaria, no caso concreto, intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico, embora se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição” (sobre o venire contra factum proprium e os subtipos desta modalidade de abuso de direito, pode ler-se Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2005, 3.ª ed., p. 664 e ss.).
Citando o Ac. STJ de 05.06.2018, disponível em www.dgsi.pt, “o legislador português consagrou um conceito amplo do abuso de direito ao fixar o carácter ilegítimo do seu exercício não só quando se viola o fim social ou económico que o Direito lhe define, mas ainda quando se violam ordens normativas não primariamente jurídicas (boa-fé, bons costumes) que o Direito acolhe. A apreciação da existência de abuso de direito, consubstancia, portanto, matéria de indagação do direito, sendo que, nesse domínio, o Tribunal tem poderes de cognição oficiosa (artigo 5º, n.º 3, do C.P.C.). (…) O abuso de direito manifestado na variante do venire contra factum proprium baseia-se na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assume comportamentos contraditórios, resumindo-se à ideia de que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio acto. Assenta numa estrutura que pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos distintos e deferidos no tempo, em que a primeira (factum proprium) é contrariada pela segunda (venire contra). Costumam identificar-se os seguintes requisitos para aplicação desta figura: a) factum proprium – uma conduta inicial lícita da parte (acção ou omissão); b) boa-fé da outra parte, que justificadamente confiou nessa conduta; c) comportamento contraditório injustificado; d) existência de dano ou potencial dano a partir da contradição.”
Assim, tendo em consideração os impressivos factos que se acabaram de descrever, vai improceder-se a ação, por se entender inexistir no caso em concreto dever de prestar as concretas contas peticionadas, improcedendo, consequentemente, o pedido a tal dirigido.
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Face ao exposto, nestes termos, julgo a presente ação improcedente não determinando a obrigação da ré proceder à prestação de contas da administração nos termos solicitados quanto às contas da administração das contas bancárias e títulos constantes das verbas 1 a 22-A da Relação de Bens de fls. 550 do Apenso G
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Inexistem sinais de litigância de má fé, pois que as partes apenas manifestaram em sede de mera alegação, uma perspetiva jurídica diversa sobre a prestação de contas, em caso de prévia partilha.
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Custas pelo autor, fixando-se o valor da ação no indicado pelo autor.».
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Inconformado com aquela decisão, o A. veio apresentar recurso, formulando as seguintes conclusões, que aqui se transcrevem (expurgados que foram os destaques):
«1 - Na matéria assente da sentença recorrida, o Tribunal a quo dá por provados quatro factos - únicos que sustentam a decisão tomada - mas não indica os elementos de prova que o levaram a formar a sua convicção, não analisa a prova, não valora a prova, nem especifica os fundamentos da decisão.
2 – Assim e por absoluta falta de fundamentação na parte em que fixa a matéria assente, a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto nos artºs. 615º, nº 1, alínea b) e 607º, nº 4, ambos do C.P.C., nulidade que se vem, desde já, arguir para todos os efeitos.
3 – A sentença recorrida sustenta-se em dois fundamentos de direito contraditórios que se anulam entre si.
Nos termos da sentença recorrida, o Recorrente terá renunciado ao seu direito de pedir as contas peticionadas e, por isso, ele extinguiu-se.
Cumulativa e contraditoriamente, o Recorrente estará a exercer abusivamente o seu direito de pedir contas à Recorrida.
Ora,
4 – Não é juridicamente possível exercer (ainda que abusivamente) um direito que se extinguiu por renúncia.
A contradição apontada traduz-se numa total ausência de fundamentação de direito que, nos termos do disposto nos artºs. 615º, nº 1, alínea b), do C.P.C., determina a nulidade da sentença recorrida o que, desde já, se vem arguir para todos os efeitos.
5 - Como factos constitutivos do seu direito, o A. alegou que a R. havia administrado, de facto e em exclusivo, os saldos das contas bancárias e contas de títulos – bens comuns relacionados no apenso G – durante o período compreendido entre 28/11/2011 e 29/11/2022, sem nunca ter prestado contas ao A. da administração por si feita (arts. 5º e 6º da P.I.).
6 - A R. não impugnou expressamente estes factos na sua contestação, reconhecendo que não havia prestado contas ao A. e invocando outras razões para não o fazer.
7 - Assim sendo e nos termos do art. 574º, nº 2 do C.P.C., deveria ter sido dado por assente que:
a) A R. havia administrado, de facto e em exclusivo, os saldos das contas bancárias e contas de títulos – bens comuns relacionados no apenso G - durante o mencionado período compreendido entre 28/11/2011 e 29/11/2022;
e que
b) A R. nunca prestou contas ao A. da administração por si feita daqueles saldos das contas bancárias e de títulos.
8 - Porém, a Mma. Juiz a quo, no ponto 4 da matéria assente, apenas deu por provado que:
“A aqui ré administrou as contas e os certificados de aforro em causa nos autos (contas da administração das contas bancárias e títulos constantes das verbas 1 a 22-A da Relação de Bens de fls. 550 do Apenso G no período indicado na P.I.” (ponto 4 da matéria assente).
9 – Deverá, por isso, ser aditado aos factos assentes o seguinte facto:
“A R. nunca prestou contas ao A. da administração por si feita dos saldos das contas bancárias e de títulos constantes das verbas 1 a 22-A da Relação de Bens de fls. 550 do Apenso G no período indicado na P.I.”
10 - Com base, única e exclusivamente, no texto do acordo de partilha celebrado entre as partes e constante do apenso G), a Mma Juiz a quo deu por assente, no ponto 1 da matéria assente, que:
“1 – Por vontade expressa das partes, as únicas estipulações relativas à prestação de contas da administração dos bens do casal constantes do acordo de partilha apresentado no apenso G e que aqui se dá por reproduzido, foram as seguintes:
“1 – Adjudicar à Requerida as verbas 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 15 a 22-A ficando esta obrigada a pagar tornas ao Requerente que, desde já, se fixam em € 800.000,00 (oitocentos mil euros).
Desta quantia deverão ser, desde já, retidas pela Requerida as seguintes quantias:
a) A quantia de € 2.671,00 (dois mil seiscentos e setenta e um euros) correspondente à parte a suportar pelo Requerente em despesas comuns exclusivamente suportadas pela Requerente;
b) A quantia de € 3.042,78 (três mil e quarenta e dois euros e setenta e oito cêntimos) correspondente a 50% do saldo da prestação de contas da administração dos imóveis comuns relativa aos anos de 2018, 2019 2020, 2021 e janeiro a setembro de 2022.”
11 - Para além das estipulações referidas, o acordo de partilha celebrado entre as partes e que consta do apenso G (e que, por facilidade, o Recorrente juntou a estes autos como Doc. 1 da sua resposta à contestação) contém a seguinte estipulação constante do seu ponto 10:
“10 - As acções de prestação de contas apensas ao processo de inventário sob os números 2388/08.6TMLSB-H e 2388/08.6TMLSB-I continuarão a correr os seus termos.”
12 - Deverá, por isso, ser corrigido o ponto 1 da matéria assente que deverá passar a ter o seguinte teor:
“1 - Por vontade expressa das partes, as únicas estipulações relativas à prestação de contas da administração dos bens do casal constantes do acordo de partilha em análise foram as seguintes:
“1 – Adjudicar à Requerida as verbas 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 15 a 22-A ficando esta obrigada a pagar tornas ao Requerente que, desde já, se fixam em € 800.000,00 (oitocentos mil euros).
Desta quantia deverão ser, desde já, retidas pela Requerida as seguintes quantias:
a) A quantia de € 2.671,00 (dois mil seiscentos e setenta e um euros) correspondente à parte a suportar pelo Requerente em despesas comuns exclusivamente suportadas pela Requerente;
b) A quantia de € 3.042,78 (três mil e quarenta e dois euros e setenta e oito cêntimos) correspondente a 50% do saldo da prestação de contas da administração dos imóveis comuns relativa aos anos de 2018, 2019 2020, 2021 e janeiro a setembro de 2022.”
e
10 - As acções de prestação de contas apensas ao processo de inventário sob os números 2388/08.6TMLSB-H e 2388/08.6TMLSB-I continuarão a correr os seus termos.”
13 - No ponto 2 da matéria assente, a Mma. Juiz a quo deu por provado o seguinte:
“2 – No âmbito do mesmo acordo a aqui ré desistiu dos apensos de prestação de contas que corriam contra o aqui autor, sob as letras I) e H).”
Acontece que,
14 - No ponto 10 do acordo de partilha ficou expressamente estipulado que “As acções de prestação de contas apensas ao processo de inventário sob os números 2388/08.6TMLSB-H e 2388/08.6TMLSB-I continuarão a correr os seus termos.”
15 - Por outro lado, os requerimentos de desistência das ações de prestação de contas apresentados pela Recorrida nos apensos H) e I) são declarações unilaterais da Recorrida, desprovidas de qualquer motivação e apresentadas mais de 9 meses depois da data de celebração do acordo de partilha (as desistências foram apresentadas pela Recorrida no dia 11/7/23 e o acordo de partilha foi submetido a homologação em 7/10/22).
16 - Neste quadro, não era e não é possível dar-se por provada, como se dá no ponto 2 da matéria assente da sentença recorrida, qualquer relação de causalidade entre o acordo de partilha celebrado entre Recorrente e Recorrida e as desistências por esta apresentadas nos mencionados apensos de prestação de contas.
17 - Assim sendo e por absoluta falta de sustentação nos elementos de prova constantes dos autos, deverá eliminar-se o ponto 2 da matéria assente.
18 - Mesmo que a pretensão de alteração da matéria de facto pela qual o Recorrente pugna não viesse a ser atendida, sempre a decisão de direito tomada na sentença recorrida teria de ser alterada.
19 - A cláusula 10 do acordo de partilha desmente categoricamente a conclusão de que as partes aí resolveram todas as questões decorrentes da extinção das relações patrimoniais entre os cônjuges, mantendo especificamente o direito da Recorrida à prestação de contas pela administração de bens comuns feita pelo Recorrente.
20 - E, naturalmente que, mantendo-se este dever de prestar contas pelo Recorrente, um declaratário normal só poderá entender que, à luz do princípio da igualdade, se mantém o mesmo dever para a Recorrida quanto aos bens comuns por ela administrados.
21 - Do texto do acordo de partilha é impossível concluir - como se conclui na sentença recorrida – que, porque aceitou fazer a partilha dos saldos bancários e de títulos (com os valores existentes à data em que os efeitos do divórcio se produziram, isto é, os valores apurados em 28/11/2011, há mais de 14 anos), o Recorrente tacitamente renunciou ao seu direito de exigir contas da administração feita pela Recorrida de tais saldos bancários desde essa data até à data da partilha e, em consequência, renunciou ao seu direito de receber os rendimentos por eles produzidos nesse período.
22 – Este texto não revela qualquer vontade renunciativa ou abdicativa do direito do aqui Recorrente.
Bem, pelo contrário, a sua cláusula 10ª revela exatamente o contrário.
23 – A inexistência de tal renúncia decorre reforçada da alteração da matéria de facto pela qual justificadamente o Recorrente pugna nestas alegações, nomeadamente, a (obrigatória) eliminação do ponto 2 da matéria de facto assente que é, na verdade, o “pseudo-facto” de que a sentença recorrida se socorre para concluir, como conclui, que o acordo de partilha contém em si uma renúncia das partes a uma futura ação de prestação de contas.
24 - No quadro de facto e de direito que se deixa expresso, não pode qualificar-se como abusivo e ilegítimo o exercício, pelo Recorrente e através da presente acção, do seu direito à prestação de contas pela administração feita pela Recorrida de saldos de contas bancárias e de títulos que constituíam bens comuns do casal.
25 - O Recorrente não só não renunciou, nem expressa, nem tacitamente, a tal direito, como nunca adoptou qualquer comportamento que permitisse à Recorrida formar a convicção de que não o exerceria.
24 - Ao aceitar que as ações de prestações de contas pendentes na data da celebração do acordo de partilha e propostas pela Recorrida continuassem a correr os seus termos, o Recorrente manteve intacto o seu direito de também pedir contas à Recorrente.
25 - E esta situação não se alterou pelo facto de, unilateralmente e sem qualquer motivação, a Recorrida ter desistido das ações de prestação de contas que corriam nos apensos I) e H).
Muito menos se alterou pelo decurso do tempo.
26 - Ao contrário do que decorre da sentença recorrida o equilíbrio contratual obtido com o acordo de partilha não será alterado com uma eventual distribuição do saldo das contas peticionadas porque tal equilíbrio teve apenas em conta o valor dos bens a partilhar (incluindo os saldos de contas bancárias e de títulos apurados em 2011) mas não teve em conta, nem quis ter, o valor dos rendimentos gerados por todos estes bens comuns entre a data a que se reporta o divórcio e a data da partilha.
27 - Por vontade das partes, manifestada na cláusula 10ª do acordo de partilha, o valor dos rendimentos gerados pelos bens a partilhar ficou fora do acordo de partilha.
28 - Por todo o exposto, ao decidir como decidiu, a sentença recorrida viola o disposto nos arts. 217º e 334º do Código Civil deles fazendo uma errada aplicação.».
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A R. apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.
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O recurso foi devidamente admitido.
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Recebida a apelação e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Do objeto do recurso:
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram (art.ºs 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1, ambos do C. P. Civil).
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A questão a decidir consiste em saber se a Recorrida, por força da transação alcançada entre os ex-cônjuges no apenso de inventário para separação de meações, não está obrigada a prestar contas ao Recorrente pela administração que chamou a si dos bens que constituem as verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 daquele apenso.
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III. Fundamentação:
Da invocada nulidade da sentença por preterição do art.º 615.º n.º 1 b) do C. P. Civil:
Em primeira linha, o Recorrente veio pugnar pela nulidade da sentença sob recurso, considerando que a mesma preteriu o disposto no art.º 615.º n.º 1 b) do C. P. Civil, segundo o qual a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
No que se refere àquela nulidade da sentença, constitui jurisprudência e doutrina pacíficas, há muito consolidadas, o entendimento segundo o qual a nulidade a que alude a alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil só se verifica quando ocorra uma total ou absoluta omissão dos fundamentos de facto e/ou de direito que justificam aquela decisão final.
Conforme já há muito ensinava Alberto dos Reis (no seu Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, pág. 340), “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”.
Igual entendimento é perfilhado por Lebre de Freitas (no Código de Processo Civil Anotado, Livraria Almedina, Coimbra, 2025, págs. 735 e 736), quando afirma que “há nulidade quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (…). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação”. E por Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, págs. 686 e 687), na parte em que escrevem que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”. (...); “não basta que a justificação seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”.
Na mesma senda surge a posição assumida por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa no Código de Processo Civil Anotado, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, pág. 737.
Ao nível da jurisprudência e a título meramente exemplificativo citamos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de junho de 2023 e de 3 de julho de 2024, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de março de 2025 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de maio de 2024 (todos consultáveis em www.dgsi.pt).
Perfilhando este tribunal o referido entendimento, desde já se refere que a sentença proferida não se encontra atingida pelo alegado vício da nulidade, uma vez que o tribunal a quo observou o dever de fundamentação mínimo, de facto e de direito, que se lhe impunha. Realmente, da sentença posta em crise constam os factos provados, a fundamentação da matéria de facto (na parte em que nela se refere que “Compulsados os autos decorre ter havido já partilha dos bens comuns, por acordo, conforme sentença de 20.10.2022, a qual remete para acordo de 07.10.2022, ambos constantes do apenso G) e cujos termos se dão por reproduzidos. A aqui ré aceita que administrou as contas e os certificados de aforro em causa nos autos no período indicado na P.I.. Em face do exposto, tem-se por assente o seguinte:”) e a fundamentação da de direito. A questão de saber se os fundamentos de direito invocados são incompatíveis entre si não constitui, nos termos acima explanados, a nulidade a que se refere o art.º 615.º n.º 1 b) do C. P. Civil, sendo antes questão a ponderar aquando da subsunção dos factos do direito.
Atento o exposto, consideramos que a obrigação de fundamentação da sentença foi cumprida, pelo que não ocorre a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil.
Da impugnação da matéria de facto:
Nesta sede de impugnação da matéria de facto, o Recorrente veio defender que seja aditado, por não ter sido impugnado pela Recorrida, o facto segundo o qual esta nunca prestou perante aquele as contas relativas à administração das contas bancárias e da conta de certificados de aforro que constituem a verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G, no período decorrido entre 28 de novembro de 2011 e 29 de novembro de 2022.
Àquele nível, diremos que no art.º 6.º da petição inicial o Recorrente alega que “não obstante estar obrigada a fazê-lo, a R. nunca prestou contas relativas à administração destes bens.”. Ora, esta matéria factual não foi especificadamente impugnada pela Recorrida, nem é contraditada pela defesa apresentada no seu todo. Na verdade, uma coisa é um facto objetivo (a não prestação de contas quanto aos bens que compõem as ditas verbas, num determinado hiato temporal), outra bem diferente é saber se tais contas que não foram prestadas o deveriam ter sido.
Face ao exposto e atento o preceituado no art.º 574.º n.ºs 1 e 2 do C. P. Civil, determina-se o aditamento à matéria de facto assente do seguinte: a R., no período que mediou entre 28 de novembro de 2011 e 29 de novembro de 2022, não prestou contas ao A. referentes à administração das contas bancárias e de títulos que integram as verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G.
Em segundo lugar, o Recorrente pugna pela inclusão, no ponto 1 dos factos provados, do teor da cláusula 10.ª do acordo de partilha a que as partes chegaram no apenso de partilha de bens subsequente a divórcio. Para o efeito, considera que as únicas estipulações relativas à prestação de contas da administração dos bens do casal constantes do acordo de partilha apresentado no apenso G não se circunscrevem ao vertido na cláusula 1.ª de tal acordo, englobando também o previsto na respetiva cláusula 10.ª.
A tal propósito, atentas as soluções plausíveis de direito invocáveis, é mais curial, na seleção da matéria de facto, assumir-se um pendor objetivo, no sentido de dar como assente o teor integral do acordo a que as partes chegaram no referido apenso G. Assim, torna-se desnecessário o introito do n.º 1 dos factos assentes (bem como o respetivo n.º 2), uma vez que, por um lado, um acordo depende sempre da vontade expressa das partes outorgantes e, por outro lado, acautela-se a circunstância de o mesmo ficar a constar na sua integralidade, extraindo-se dele, na fase da apreciação jurídica da causa, os elementos pertinentes para a decisão final.
Consequentemente, o ponto 1 dos factos assentes passa a ter a redação do acordo supra transcrito, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em terceiro lugar, o Recorrente considera que não podia o tribunal a quo dar como assente, como deu, que “no âmbito do mesmo acordo a aqui ré desistiu dos apensos de prestação de contas que corriam contra o aqui autor, sob as letras I) e H).”. E tal, porquanto a cláusula 10.ª do dito acordo contraria aquela versão dos factos, sendo que inexiste qualquer prova nos autos quanto à intenção que presidiu à vontade da Recorrida quando desistiu dos apensos I e H, e muito menos quanto a uma eventual concordância por banda do Recorrente.
Também aqui consideramos que assiste razão ao Recorrente. De facto e desde logo, estipulou-se na cláusula 10.ª do acordo a que os ex-cônjuges chegaram no apenso G que “as ações de prestação de contas apensas ao processo de inventário sob os números 2388/08.6TMLSB-H e 2388/08.6TMLSB-I continuarão a correr os seus termos.”. A assim ser, como é, não vislumbramos em que medida é que, na ausência de qualquer outra prova, se possa afirmar, sem mais, que a Recorrida desistiu dos apensos de prestação de contas identificados com as letras H e I no âmbito do acordo a que vimos de aludir. A acrescer e conforme bem refere o Recorrente, das declarações de desistência apresentadas pela Recorrida naqueles apensos de prestação de contas nada se retira que nos permita saber da intenção que presidiu àquelas declarações.
Atento o que se deixou ínsito no parágrafo que imediatamente antecede, determina-se que o ponto 2 dos factos tidos como provados em primeira instância passe a ter a seguinte redação: a R. desistiu dos apensos de prestação de contas que corriam contra o A., sob as letras H e I.
De facto:
Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os seguintes:
1 – No apenso G as partes outorgaram, no dia 7 de outubro de 2022, o acordo cujos exatos termos se encontram supra transcritos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
2 – A R. desistiu dos apensos de prestação de contas que corriam contra o A., sob as letras H e I;
3 – O acordo mencionado em 1 foi homologado por sentença datada de 20 de outubro de 2022, já transitada em julgado;
4 – A R. administrou as contas e os certificados de aforro em causa nos autos (contas bancárias e títulos constantes das verbas 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G) no período de 28 de novembro de 2011 até 29 de novembro de 2022;
5 – A R., no período que mediou entre 28 de novembro de 2011 e 29 de novembro de 2022, não prestou contas ao A. referentes à administração das contas bancárias e títulos que integram as verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G.
Do Direito:
A questão que cumpre dilucidar prende-se com a circunstância de saber se recairá sobre a Recorrida o dever de prestar contas da administração que efetuou em exclusivo, entre e 28 de novembro de 2011 e 29 de novembro de 2022, das contas bancárias e da conta de títulos que integram as verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G.
Como regra geral, podemos afirmar que quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses mesmos bens ou interesses.
Uma das situações em que existe a obrigação de prestar contas é a do cabeça-de-casal, exceto quando a este pertença o usufruto dos bens em causa (art.º 2093.º do C. Civil).
Não obstante, o certo é que o dever de prestar contas não recai exclusivamente sobre o cabeça-de-casal, mas poderá onerar o ex-cônjuge que, não sendo o mais velho (cfr. o atual art.º 1133.º n.º 2 do C. P. Civil), tenha efetivamente exercido a administração de bens em relação aos quais a prestação de contas haja sido solicitada ou espontaneamente assumida (na pendência do casamento o cônjuge que administre bens comuns não é obrigado a prestar contas da respetiva administração, conforme resulta do preceituado no art.º 1681.º n.º 1 do C. Civil). É precisamente o que sucede nos presentes autos, em que o Recorrente, enquanto cabeça-de-casal nomeado, não administrou os bens relacionados sob os n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G, tendo antes tal administração sido assumida pela Recorrida.
Lida a contestação apresentada no presente apenso, da mesma extrai-se que a Recorrida, citada para, no prazo de trinta dias, prestar contas ou contestar a ação (art.º 942.º do C. P. Civil), optou por não as prestar, tendo antes alegado que não tem a obrigação de o fazer, ainda que reconheça que foi casada com o Recorrente e que existiram bens comuns do extinto casal sob sua administração. Fundamentou a sua posição no teor do acordo de partilha alcançado com o Recorrente no apenso G e que foi judicial e definitivamente homologado.
Com vista à dilucidação daquela questão, temos primeiramente de interpretar o acordo a que Recorrente e Recorrida chegaram quanto à partilha dos bens comuns do extinto casal e, concomitantemente, interpretar a sentença que homologou tal acordo, daí se extraindo as devidas consequências jurídicas.
O art.º 1248.º do C. Civil, acerca da noção de transação, estipula o seguinte:
1. Transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.
Podemos caracterizar a transação como um contrato processual, que vincula as partes contratantes, é oneroso e sinalagmático, e destina-se a dirimir a relação material controvertida, pondo fim à relação processual (art.ºs 277.º d), 283.º n.º 2, 284.º e 290., todos do C. P. Civil).
Como contrato que é, à transação são aplicáveis as regras gerais de formação dos negócios jurídicos e de interpretação e de integração destes (art.ºs 217.º a 257.º e 405.º n.º 1, todos do C. Civil).
Assim sendo, o seu sentido e o seu alcance terão de ser aferidos à luz das regras contidas nos art.ºs 236.º n.º 1 e 238.º n.º 1, ambos do C. Civil, os quais dispõem, respetivamente:
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
E o mesmo se diga relativamente à sentença que homologou a transação. Realmente, a mesma constitui um verdadeiro ato jurídico, formal e recetício, a que também se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos, pelo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma decisão judicial (cfr. o art.º 295.º do C. Civil).
Conforme bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 2016 (consultável em www.dgsi.pt), «a transacção exarada no processo, que põe termo ao litígio entre as partes, constitui um contrato processual, concretizando um negócio jurídico efectivamente celebrado pelas partes intervenientes na acção, correspondente àquilo que estas quiseram e conforme o conteúdo da declaração feita - a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões - art. 1248.º, n.º. 1, do Cód. Civil.
Ao homologar tal acordo o Juiz, nos termos do disposto no art.º 290.º, n.º 3 e 4 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade, a verificar a qualidade do objecto desse contrato e a averiguar a qualidade das pessoas que nele intervieram.
A exigida exigência da presença do Juiz na homologação da transacção faz com que se atribua ao negócio celebrado uma função jurisdicional, dando-lhe força executiva; não toma, porém, o Juiz posição acerca do negócio acordado, ficando de fora do sentido e alcance do acordo celebrado.
Ora, se é assim, a decisão judicial corporizada na homologação do pacto afirmado pelas partes na acção, constituindo um acto jurídico, há-de interpretar-se segundo os princípios legalmente impostos e acomodados para os negócios jurídicos (art.º 295.º do C.Civil).
Neste contexto terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz, ao homologá-la, jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto - "as decisões, como os contratos, como as leis, como, afinal, todos os textos, têm de ser interpretados e não lidos; ler não é o fim; é o princípio da interpretação".».
A interpretação da transação e da subsequente sentença homologatória deve fazer-se de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, ainda que menos perfeitamente expresso (art.ºs 236.º n.º 1 e 238.º n.º 1, ambos do C. Civil).
Entende-se por declaratário normal aquele que é medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, a não ser que este, razoavelmente, não pudesse contar com tal sentido.
Dito de outra forma: todas as dúvidas que existam quanto à determinação do sentido e do alcance das declarações de vontade exaradas na transação homologada por decisão judicial terão de ser esclarecidas com recurso aos critérios legais de interpretação referentes aos negócios jurídicos, conforme previsto no art.º 236.º n.º 1 do C. Civil, que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário, com uma limitação: para que tal sentido possa valer é preciso que o declarante pudesse razoavelmente contar com ele.
Cumpre então questionar uma vez mais: os ex-cônjuges, quando firmaram a transação em apreço no apenso G, pretenderam com ela, no que concerne às contas bancárias e à conta de títulos que integram as verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens que constitui fls. 550 daquele apenso, estabelecer que a ora Recorrida, que administrou aquelas verbas desde 28 de novembro de 2011 até 29 de novembro de 2022, estava dispensada de prestar contas de tal administração?
Com vista a responder àquela questão, há que desde logo atentar no seguinte: à falta de outra prova (a qual, nos termos previstos no art.º 942.º n.º 1, parte final, do C. P. Civil, deveria ter sido apresentada com os articulados, e não foi), para apurarmos a vontade dos contraentes ao firmar o acordo alcançado e judicialmente homologado apenas podemos recorrer aos elementos literal e sistemático da hermenêutica negocial.
E o que nos dizem aqueles elementos da interpretação do contrato que é a transação?
A primeira conclusão a retirar do texto de tal acordo é a seguinte: o único valor logo quantificado a título de tornas diz unicamente respeito à adjudicação à Recorrida das verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G (de notar que as verbas n.ºs 3, 4, 5, 6, 12, 13 e 14 da relação de bens inicial foram eliminadas). Ora, nos termos da cláusula 1.ª do dito acordo o valor de € 800 000 fixado como tornas vem na decorrência da adjudicação à Recorrida das verbas relacionadas sob os n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G. Àquele montante global apenas houve que descontar, por parte da Recorrida, os quantitativos de € 2 671 e de € 3 042,78.
A segunda conclusão a extrair é que os contratantes aceitaram adjudicar à Recorrida, em 7 de outubro de 2022, as verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A pelos valores pelos quais as mesmas foram relacionadas, sem que tivessem acordado na alteração dos mesmos.
A terceira conclusão prende-se com o seguinte: se é verdade que as partes, no referenciado contrato processual, acordaram expressamente que as ações de prestação de contas que corriam termos sob as letras H e I deviam continuar o seu curso (cfr. a respetiva cláusula 10.ª), não menos verdade é que em tais apensos não se discutia a prestação de contas relativamente às verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G (nos apensos H e I discutiam-se os alegados proventos advindos do arrendamento de frações autónomas que fariam parte do acervo do extinto casal).
Como quarta conclusão temos que os interessados no processo de inventário subsequente a divórcio, quando apresentaram o acordo de partilha (em 7 de outubro de 2022), já sabiam que a Recorrida não tinha apresentado contas da administração das verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G desde 28 de novembro de 2011 e, não obstante esse conhecimento, adjudicaram tais verbas à ex-cônjuge mulher e fixaram, como contrapartida a pagar por esta ao Recorrente, o valor de € 800 000 a título de tornas.
Do exposto se retira, em termos de hermenêutica negocial, que as partes, ao adjudicarem à Recorrida as verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G, e ao estipularem, como contrapartida de tal adjudicação, o pagamento do quantitativo de € 800 000 a título de tornas, quiseram efetivamente dar por definitivamente encerrado o assunto relativo às contas bancárias e à conta de títulos que compõem aquelas verbas, com uma abrangência temporal desde 28 de novembro de 2011 até 29 de novembro de 2022.
Aquela conclusão sai reforçada pelo facto de, aquando da outorga da transação no apenso de inventário para separação de bens comuns do extinto casal, os ex-cônjuges estarem presentados por Mandatários (que inclusive fizeram constar em tal acordo os seus endereços profissionais, para efeitos de comunicação entre as partes), os quais detêm um conhecimento técnico mais apurado quanto aos termos e aos efeitos daquele acordo e o dever de os transmitirem aos respetivos representados.
Fixado que foi o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, retiraria da transação a que os ex-cônjuges chegaram no apenso G, cumpre determinar se a sentença que homologou tal transação constitui caso julgado quanto a saber se é lícito ao Recorrente exigir, por via da presente lide, que a Recorrida preste contas da administração que fez das verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G.
Conforme resulta do preceituado no art.º 619.º n.º 1 do C. P. Civil, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos art.ºs 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos art.ºs 696º a 702º.
Sendo que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art.º 621.º, primeira parte, do C. P. Civil) e que a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (art.º 628.º do mesmo diploma legal).
Como bem se explicita no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de março de 2025 (consultável em www.dgsi.pt), “a eficácia do caso julgado material - relevante para a situação em análise - varia em função da relação entre o âmbito subjetivo e o objeto da decisão transitada e o âmbito subjetivo e o objeto do processo posterior.
Se o âmbito subjetivo e o objeto da decisão transitada for idêntico ao processo posterior, i. é, se ambas as ações possuem o mesmo âmbito subjetivo e a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo subsequente, como exceção do caso julgado - trata-se da respetiva vertente negativa, que tem por finalidade evitar que o tribunal da ação posterior seja colocado na alternativa de reproduzir ou de contradizer a decisão transitada (art.ºs 580º, n.º 1, in fine, e 581º). O caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada, o que explica que se resolva num pressuposto processual negativo e, portanto, numa exceção dilatória (art.º 577º, alínea i)).
Mas se a relação entre o objeto da decisão transitada e o da ação subsequente, não for de identidade, mas de prejudicialidade, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o objeto prejudicial (i. é, que constitui pressuposto ou condição de julgamento de outro objeto) vale como autoridade de caso julgado (material) na ação em que se discuta o objeto dependente. Quando isso suceda, o tribunal da ação posterior – ação dependente – está vinculado à decisão proferida na causa anterior – ação prejudicial. Está aqui em causa a natureza positiva do instituto, ao fazer valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões.
Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior.
Assim, a figura da autoridade do caso julgado - que é distinta da exceção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida (de sujeitos, pedido e causa de pedir) - visa garantia a coerência e a dignidade das decisões judiciais, a certeza e a segurança nas relações jurídicas; para invocar a autoridade de caso julgado é fundamental apreciar se a questão se encontra ou não coberta por alguma decisão anterior, de tal modo que se torne desnecessário ou inconveniente uma pronúncia posterior (pressupõe a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida).
7. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.º 581.
Trata-se da vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior: é isso precisamente que constitui a autoridade de caso julgado; a autoridade do caso julgado impede a apreciação e conhecimento dos factos inerentes às pretensões formuladas, tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
A figura da autoridade do caso julgado ocorre na medida do que foi apreciado e decidido.
Merece ainda especial relevo o valor enunciativo do instituto, por força do qual fica excluída toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na sentença passada em julgado.”.
Na situação sub judice, as partes no processo de inventário para separação de meações subsequente ao divórcio e neste apenso de prestação de contas são as mesmas e assumiram em ambos os processos as mesmas posições processuais (ativa o Recorrente e passiva a Recorrida), ainda que tal não constitua conditio sine qua non para a verificação do caso julgado.
Diferentemente quanto ao pedido e à causa de pedir. Enquanto que no inventário é pedida a partilha dos bens comuns do extinto casal com base no divórcio entretanto decretado e na existência daqueles bens, na presente prestação de contas é peticionada a citação da Recorrida para apresentar as contas da administração das contas bancárias e da conta de títulos relacionadas, com base na circunstância de tais contas terem estado sob administração exclusiva da Recorrida, que não exerceu as funções de cabeça-de-casal (por ser a ex-cônjuge mais nova).
Do que se conclui que inexiste identidade do pedido principal e da causa de pedir enquanto pressupostos essenciais da exceção dilatória do caso julgado (cfr. o art.º 581.º do C. P. Civil).
No entanto, a apreciação do mérito desta ação de prestação de contas depende da obrigatoriedade de estas serem prestadas pela Recorrida. E neste circunspecto já se viu que, de acordo com a interpretação da transação a que os interessados chegaram no processo de inventário e da subsequente sentença homologatória, a que supra aludimos, tais contas não são de exigir no período temporal em referência por já terem sido acauteladas com a fixação do valor de tornas pagas pela Recorrida ao Recorrente na sequência da adjudicação a esta das verbas n.ºs 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11 e 15 a 22-A da relação de bens de fls. 550 do apenso G.
A tal propósito, elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2022 (igualmente consultável em www.dgsi.pt), que “a vertente positiva do caso julgado entronca no conceito de prejudicialidade. E uma causa é prejudicial relativamente a outra quando o desfecho possível de uma das causas seja suscetível de fazer desaparecer o fundamento ou razão de ser da outra, sendo necessário que exista uma precedência lógica entre o fim de uma ação e o da outra o que deverá ser perseguido no ângulo de conexão das respectivas relações materiais controvertidas”.
Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2023 (visualizável no mesmo site) se escreveu que “relativamente à autoridade do caso julgado exige-se, igualmente, que o caso decidido anteriormente seja prejudicial relativamente ao caso que vai ser julgado e bem assim que se mostre ínsito, ainda que parcialmente, no objeto do processo que vai ser decidido”.
Não obstante não se estar perante uma situação de identidade de ações e, por isso, não se poder falar no efeito negativo do caso julgado, poderá falar-se no seu efeito positivo, ou seja, na autoridade de caso julgado (a qual exige a identidade de sujeitos processuais em ambas as lides, situação que in casu ocorre).
É certo que a decisão final que se encontra a montante é uma sentença homologatória de transação. Apesar disso, nada impede que à mesma seja atribuída a autoridade de caso julgado. A este nível, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de janeiro de 2024 (em www.dgsi.pt) é claro: “importa não esquecer que no caso está em causa a uma sentença homologatória de transacção.
Perante tal realidade não restam dúvidas, também para nós, que pode ser reconhecida a autoridade de caso julgado a uma decisão desta natureza (neste sentido e para além das decisões referidas na sentença recorrida os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2021, no processo 2381/19.3T8CBR.C1,S1., relatado pelo Conselheiro Tibério Nunes da Silva e desta Relação do Porto de 14.07.2021, no processo 12/20.8T8VFR-A.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes, ambos em www.dgsi.pt.).
Assim, a transacção – seja ela judicial ou extrajudicial – é um negócio jurídico (contrato) que, naturalmente está submetido às normas substantivas que regulam essa matéria.
Nestes termos como qualquer negócio jurídico, a nulidade da transacção pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado (art.º 286º do CC) e determina a destruição dos efeitos dela emergentes e a sua anulabilidade pode ser arguida pelas pessoas a quem a lei confere essa legitimidade e dentro de determinado prazo, legalmente estabelecido.
Ou seja, estando em causa uma transacção judicial, a sentença de homologação confere ao negócio determinados efeitos processuais, atribuindo-lhe eficácia executiva e autoridade de caso julgado.”.
Caberá então questionar: qual o efeito daquela autoridade de caso julgado na presente lide?
Como exceção perentória impeditiva (cfr. os art.ºs 571.º n.º 2, segunda parte, e 576.º n.º 3, ambos do C. P. Civil), é de conhecimento oficioso – por beneficiar do regime previsto no art.º 579.º do mesmo diploma legal – e leva à absolvição do pedido (neste sentido veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 2024, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de outubro de 2021 e o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de novembro de 2025, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Face ao exposto, ainda que com diversa fundamentação, a decisão sob recurso deve manter-se.
O Apelante é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do C. P. Civil).
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IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se, ainda que com diverso fundamento, a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
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Lisboa, 20 de novembro de 2025
João Severino
Teresa Bravo
Inês Moura