Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15798/16.6T8LSB-A.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
RECURSO
LEGITIMIDADE
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE/NÃO ADMITIDO
Sumário: Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator):
I - A agente de execução encarregada da venda de prédio declarado indivisível não tem legitimidade para recorrer de despacho judicial que lhe determina a emissão de título de transmissão a favor do adquirente.
II - Se o recorrido não concorda com a fixação de uma remuneração à agente de execução pelas funções desempenhadas para a venda da coisa,
tem de interpor recurso – peça pela qual se exprime a vontade de recorrer – ou de formular expressamente pedido de ampliação do objecto do recurso, não lhe bastando a exposição das razões da sua discordância nas contra-alegações.
III - Na acção de divisão de coisa comum atende-se ao valor da coisa para fixar o valor da acção, sendo a fixação objecto de decisão judicial recorrível. Transitada, é indiferente que a coisa venha a ser vendida a terceiro por valor muito superior.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Na presente acção de divisão de coisa comum foi proferida sentença datada de 20.6.2018 que decidiu julgar “procedente por provada a presente acção especial de divisão de coisa comum e, em consequência, declaro a indivisibilidade o prédio urbano afecto exclusivamente a habitação: imóvel sito na Rua 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ... da freguesia de São Paulo e inscrito na matriz sob o nº .... da freguesia de Misericórdia, o qual pertence em comum e na proporção das respectivas quotas conforme se segue aos Autores e às Rés, ou seja, R. AA – 82,93%, A BB – 5,55%, A CC – 5,55%, A DD – 5,55%, - R HH – 0,066%, - EE – 0,066%, - FF – 0,066%, GG – 0,066%. Fixo o valor da presente acção em 1.091.380,00€ (…)” .
Na subsequente conferência de interessados, que se realizou em 11.9.2018, considerando a falta de acordo sobre a adjudicação do imóvel, foi decidido que se procedesse à venda do prédio, podendo os consortes concorrer, e que a venda se fizesse por negociação particular.
Foi nomeada a recorrente como encarregada da venda. Após diligências várias, a mesma determinou, em 30.9.2020, a venda por leilão electrónico.
Em 30.10.2020, a mesma informou os autos que, após avaliação, o valor da venda do imóvel foi fixado em €3.616.639,00.
Em 31.10.2022 a mesma, perante diversas informações, veio decidir pelo valor de venda em €4.100.000,00.
Mais tarde veio a ser proposta a compra por €5.302.500,81 pela interveniente Terra das Dunas.
Por despacho de 29.08.2024 foi decidido:
À venda, a realizar no âmbito do Processo de Divisão de Coisa Comum, são aplicáveis as regras do processo executivo, tal como resulta do disposto no art. 549º do CPC, incumbindo ao oficial de justiça a prática de atos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução.
E pese embora as diligências de venda tenham sido efetuadas por agente de execução nomeada para o efeito, verifica-se que não foram citados, nem a Fazenda Nacional (atual Autoridade Tributária), nem o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 786º, nº2 do CPC.
Assim e ao abrigo do principio da adequação formal (art. 547º do CPC) e por forma a salvaguardar as diligências já efetuadas e evitar a nulidade de todo o processado, determina-se que:
1. A secretaria dê cumprimento ao disposto no art. 786º, nº2 do CPC;
2. Caso a proponente “Turma das Dunas - Unipessoal Lda” mantenha interesse na aquisição do imóvel, mesmo com a omissão da formalidade acima indicada e seja celebrado contrato de mútuo com o Banco BPI (agendada para hoje), deverá a referida Instituição Bancária depositar o respetivo valor mutuado à ordem destes autos;
3. A agente de execução nomeada deverá proceder ao depósito da quantia de € 300.000,00 que já recebeu, no prazo de 10 dias, à ordem dos autos, apresentando a respetiva nota de honorários e despesas, no mesmo prazo, cessando assim funções.
4. Deverá ser tido em consideração o valor da quantia exequenda, referente à penhora registada sobre o imóvel objeto da presente ação, conforme informação de 19.08.2024 (30.07.2024)”.
Por despacho de 03.4.2025 foi decidido: “Uma vez que se mostra integralmente depositado à ordem dos autos o respectivo preço devido e, igualmente se mostram cumpridas todas as obrigações ficais, proceda-se à emissão do respectivo título de transmissão, conforme requerido – cfr. artigo 827.º do C. P. C.”.
Veio posteriormente a ser proferido o seguinte despacho ora recorrido:
Em conformidade com o despacho proferido em 29/08/2024, determina-se que se proceda ao pagamento da quantia exequenda referente à penhora registada sobre o imóvel objecto da presente acção.
Sem prejuízo do exposto e, conforme reportado pela adquirente do imóvel em apreço, mais se determina que, sem mais delongas e, no requerido prazo de dois dias, a Exm.ª Solicitadora de Execução proceda à emissão do respectivo título de transmissão, atento o disposto no artigo 824.º n.º 2 do C. Civil e, tendo em consideração que a extinção dos direitos aí reportados, não carece de despacho nesse sentido e, ainda mais se determina, que dentro do mesmo prazo de dois dias, a Exm.ª Solicitadora de Execução diligencie pelo cancelamento do registo da respectiva penhora junto da respectiva Conservatória do Registo Predial.
Notifique.
Em sede dos presentes autos, veio a Exm.ª Solicitadora apresentar a nota de despesas e honorários.
Regularmente notificadas, vieram as requeridas GG, EE, HH e FF apresentar reclamação de tal nota, na qual se insurgem quanto à remuneração adicional de 5% nos termos do artigo 17.º n.º 6 do R. C. P. requerida pela Exm.ª Solicitadora de Execução, concluindo que apenas sejam consideradas todas as verbas da referida nota de despesas e honorários, à excepção da referida remuneração adicional.
Pese embora, o alegado, desde logo, importa ter presente que a Exm.ª Solicitadora de Execução desempenhou, nos presentes autos de processo especial de divisão de coisa comum, as funções de Encarregada de Venda, aliás, conforme a mesma assim expressamente o afirma no seu requerimento datado de 31/10/2024 em que refere que “Esclarece-se que foi a signatária quem, efetivamente, procedeu às diligências da venda, assumindo na íntegra as funções de Encarregada de Venda, conforme designação formalmente atribuída por despacho.”.
Nesta perspectiva, a remuneração/honorários devidos à mesma são fixados nos termos do artigo 17.º n.º 6 do R. C. P. e da tabela anexa IV ao referido regulamento, aliás conforme assim resulta igualmente do acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 30/03/2023, proc. n.º 84/20.5T8ORM.E1, in www.diariodarepublica.pt
Em face do exposto e, tendo presente que a venda do único bem imóvel melhor identificado nos autos, foi no valor de €5.302.500,00 e, que o valor da acção fixado em sede de sentença proferida em 20/06/2018 foi de €1.091.380,00, será este último valor a considerar para efeitos de fixação da remuneração da Exm.ª Solicitadora de Execução.
Nestes termos e, ao abrigo do disposto no artigo 17.º n.º 6 do R. C. P. e, da tabela IV anexa ao referido regulamento, fixa-se a remuneração devida à Exm.ª Solicitadora de Execução no montante correspondente a 2,5% do valor de €1.091.380,00, a que acrescem as despesas com deslocações reportadas em sede da respectiva nota de despesas e honorários, bem como as despesas processuais ali reportadas, deferindo-se, ainda, que parcialmente e, por razões distintas, a reclamação apresentada.
Custas a cargo das Requeridas, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, nos termos conjugados do disposto no artigo 539.º n.º 1 do C. P. C., do disposto no artigo 7.º n.º 4 do R.C. P. e da tabela II anexa ao referido Regulamento.
Valor do incidente: o da acção – cfr. artigos 304.º n.º 1 e 306.º n.ºs 1 e 2 do C. P.C.”. (…)”.
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Inconformada, a Solicitadora de Execução e Encarregada da Venda interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
a) No âmbito de uma acção de divisão de coisa comum, o encarregado da venda não pode emitir o título de transmissão sem que se mostre pago um crédito que onere o imóvel transmitido pois, tendo sido publicitada a venda sem existência de ónus (excepto os arrendamentos que incidem sobre partes do prédio), em momento anterior à emissão daquele título deverá ser cancelado o registo da penhora, o que tem como pressuposto lógico a extinção da correspondente dívida;
b) O valor a considerar para efeitos de custas nas acções de divisão de coisa comum não é o provisoriamente atribuído na sentença que declarou a indivisibilidade da coisa e determinou a sua venda, mas o que resultar deste negócio jurídico;
c) Tendo o valor da acção sido fixado, na sentença, com base no que foi indicado pelas AA. na petição inicial e que corresponde ao valor patrimonial tributário, esse valor deve ser corrigido, para efeito de custas e do cálculo da remuneração devida à encarregada da venda, quando se apurar que é superior o efectivo valor da coisa;
d) A Mma. Juiz a quo procedeu, no, aliás douto, despacho recorrido, a errada interpretação e aplicação dos arts. 791º. e 302º., nº. 2, ambos do Código de Processo Civil”.
Com o recurso, a recorrente juntou email resposta de 28 de Julho de 2025 em que a colega II informa que até ao momento não foi paga a sua execução.
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Contra-alegou “Turma das Dunas, Unipessoal, Lda.”, interveniente incidental, formulando a final as seguintes conclusões:
a) A situação dos autos, em consequência da inércia e da conduta conscientemente imobilizadora da Senhora AE, que retém o produto da venda do prédio (5 milhões de euros!) há mais de um ano, requerendo ao Tribunal que a informe do que deve fazer, e recorrendo, agora, da decisão proferida, é inconcebível num Estado de Direito.
b) Potencialmente geradora de responsabilidade do Estado, sem prejuízo do direito de regresso contra a Senhora AE Encarregada da Venda, gerando graves prejuízos para as partes, vendedoras privadas do recebimento do preço, e para o interveniente, adquirente do prédio, privado de demonstrar a qualidade de proprietário junto dos arrendatários, e receber as rendas, de realizar obras, colocando mesmo em risco a salubridade e integridade do prédio; Gerando, e sabendo que gera, uma situação de potencial calamidade, atento o estado de degradação que atingiu.
c) Notificada para, «SEM MAIS DELONGAS», no prazo de 2 dias, emitir o título de transmissão, com expressa menção de que a mesma foi efectuada livre de ónus e encargos, e efetuar na CRP o registo do cancelamento de todos os ónus registados sobre o prédio, a AE não se dignou dar qualquer resposta a qualquer dos emails remetidos pelo mandatário e pelo adquirente, não deu cumprimento ao Despacho Judicial proferido em 14.07.2025, não se dignando, sequer, informar de qualquer acto praticado na sequência – em obediência – ao despacho, ou da razão pela qual não o fez.
d) Vindo, agora, de modo a criar uma situação de bloqueio, interpor um recurso que não é, na realidade, mais do que uma chicana processual. Frustremente!
e) Tendo os recursos, em processo civil, em regra, efeito devolutivo, e não tendo a AE recorrente requerido, na mais escandalosa displicência e irrefletida indiferença perante uma ordem decorrente de um Despacho judicial – que ao recurso fosse fixado efeito suspensivo, nem correspondendo a matéria recursiva a qualquer das exceções que justificam, sob requerimento e caução, a fixação de efeito suspensivo, está a AE Encarregada da Venda, formalmente vinculada, ex officio, ao cumprimento do que lhe foi ordenado.
f) O que, está visto, só fará caso seja para tanto notificada sob pena da prática de um crime de desobediência, o que se requer a esta Relação que faça, actuando sobre o atropelo ao Estado de Direito que decorre do arrastamento do processo, após o adquirente do prédio ser desembolsado de 5 milhões de euros.
g) A questão é, desde logo, saber se a AE tem, ao menos, legitimidade para recorrer, seja de que despacho for; E é evidente, salvo o devido respeito por diversa opinião, que não tem.
h) E não tem, não apenas porque não é parte, nem sequer interveniente processual.
i) Mas, também, por falta do pressuposto processual em que se traduz o interesse em agir, à falta de titularidade de um interesse, próprio, que a AE, não tem, como mera auxiliar do Tribunal, ao qual deve estrita obediência, nos termos do artigo 162.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, que aprova o estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, estando obrigada a pugnar pela boa aplicação do direito e pela rápida administração da justiça (artigo 124.º, n.º 1, do EOSAE), e a praticar diligentemente os actos processuais cuja competência lhes está cometida por lei no âmbito do processo executivo (artigo 168.º, n.º 1, alínea a) EOSAE), de entre os quais avultam precisamente a emissão do título de transmissão, com certificação da data de adjudicação e pagamento do preço e demais obrigações pecuniárias (artigo 827.º, n.º 1, do CPC), e comunicação da venda ao serviço de registo competente (idem, nº2).
j) Mas, ainda que tivesse – e, sobretudo, se tivesse - desde logo, a improcedência e inadmissibilidade do recurso é manifesta, porquanto, o despacho proferido em 15/07/2025, mais não é do que consequência decisória do que fora, já, decidido no Despacho proferido em 04/2025, V. Exa., que expressamente ordenou à Senhora AE a emissão do título de transmissão em nome da aqui Recorrida: “Uma vez que se mostra integralmente depositado à ordem dos autos o respectivo preço devido e, igualmente se mostram cumpridas todas as obrigações ficais, proceda-se à emissão do respectivo título de transmissão, conforme requerido – cfr. artigo 827.º do C. P. C..”
k) Como tal, não pode a senhora AE ignorar que, tendo-se conformado com tal despacho, do qual não decorreu, está vinculada a cumpri-lo.
l) Ao mais, a questão em crise nos autos, é de uma simplicidade que só encontra paralelo na artificialidade das “dificuldades criadas pela AE.
m) Cfr. Ac. do TRC de 17-09-2019, P. n.º 149458/14.1YIPRT-B.C1 : «6. Segundo o art. 824.° do Código Civil, no processo de execução, vendidos os bens penhorados, ficam imediatamente extintas as penhoras que sobre eles incidam, transmitindo-se os direitos que lhe são inerentes para o produto da venda, o que ocorre automaticamente, sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido - a penhora traduz-se num direito real de garantia cuja caducidade a lei determina por efeito da venda.
n) E, «7. Uma vez que a transmissão do bem imóvel, no âmbito da execução fiscal, opera a extinção ipso jure dos direitos de garantia que oneram o bem penhorado, nomeadamente as penhoras efectuadas tanto na execução judicial, como na execução fiscal, cabe ao agente de execução comunicar ao conservador do registo predial competente a realização da venda, para que este proceda ao respectivo registo e ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado com a venda, incluindo o cancelamento do registo das penhoras
o) Pelo que, «8. A extinção dos direitos, prevista no art. 824º, nº2, do Código Civil, opera ipso jure.».
p) Tal solução, é imposta desde logo, pela necessidade de garantir um mínimo de segurança jurídica e de celeridade, a favor do adquirente, o que vale por dizer que a “ideia” da Senhora AE, choca de frente com o princípio do Estado de Direito,
q) Constituindo esta solução, preconizada pela Decisão recorrida, também (até!) a que melhor protege o credor na execução pendente, para o qual se transfere o direito de crédito que da penhora decorria, para o produto da venda, no âmbito, claro está, do processo em que tal venda ocorreu.
r) Mostrando-se, a ostensivamente atentatória do princípio do acesso à justiça e tutela jurisdicional efectiva, já que deixaria o adquirente numa situação de sujeição à paralisação do processo em que adquiriu o (neste caso) prédio dos autos, sem possibilidade de reagir à paralisação do processo, ficando sujeito, após desembolsado do preço, a aguardar ad aeternum pelo desenrolar de um qualquer processo executivo a que é totalmente alheio.
s) A “ideia” da Senhora AE não faz qualquer sentido, sequer, do ponto de vista lógico, revelando-se, objectivamente, bizarra!
t) Pois não é possível manter-se uma penhora sobre um bem que já não é do devedor, em consequência de uma venda judicial.
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Contra-alegaram GG, EE, HH e FF, sem formularem conclusões, mas alinhando introdutoriamente que “o Despacho proferido em 14 de julho de 2025 assumiu natureza decisória quanto à Reclamação deduzida pelas Requeridas contra a Nota Discriminativa de Despesas e Honorários apresentada pela AE. A controvérsia central residia na pretensão desta última em ver reconhecido o direito a uma remuneração adicional de 5%, pretensão que foi expressamente contestada com fundamento na inexistência de qualquer previsão legal que lhe confira legitimidade.
A pretensão da AE de auferir uma remuneração adicional no montante de € 265.275,00 (…) revela-se, à luz do direito, manifestamente abusiva, por violar de forma evidente os princípios da legalidade, razoabilidade e justiça.
A circunstância de se tratar de uma profissional liberal que exerce funções públicas e de estar estatutariamente sujeita a um regime específico de acesso à profissão e respetiva formação, incompatibilidades e impedimentos, direitos e deveres, remuneração dos seus serviços, controlo e disciplina, impede que a sua remuneração possa ser fixada à revelia do disposto na Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, que não prevê a atribuição de qualquer remuneração adicional no caso em apreço.
O Tribunal a quo decidiu atribuir uma remuneração adicional substancialmente inferior à pretendida pela AE; não obstante, entende-se que mesmo esse montante não deverá ser reconhecido, conforme se demonstrará adiante, à luz dos princípios da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade, que regem a disciplina remuneratória dos agentes de execução, estando tal decisão ferida de inconstitucionalidade.
No que se refere à recusa na emissão do título de transmissão, verifica-se que nenhuma razão assiste à AE. Tal conduta configura manifesta desobediência às determinações do Douto Tribunal, carecendo de fundamento de facto ou de direito que possa legitimá-la, como se demonstrará adiante, à luz dos princípios da legalidade, boa-fé processual e dever de colaboração com a Administração da Justiça”.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - as questões a decidir são saber se “o encarregado da venda não pode emitir o título de transmissão sem que se mostre pago um crédito que onere o imóvel transmitido” e se o “valor a considerar para efeitos de custas nas acções de divisão de coisa comum não é o provisoriamente atribuído na sentença que declarou a indivisibilidade da coisa e determinou a sua venda, mas o que resultar deste negócio jurídico” valor este que deverá ser aquele a que se atende para determinar a remuneração do encarregado de venda.
Previamente haverá que decidir sobre se a recorrente tem legitimidade para recorrer e sobre a junção de documento em recurso, a saber, a troca de emails com outra colega sobre a pendência de uma execução e penhora sobre o imóvel.
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III. Matéria de facto
A constante do relatório que antecede.
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IV. Apreciação
Nota prévia:
As recorridas GG, EE, HH e FF não apresentaram recurso principal ou subordinado nem sequer pediram a ampliação do objecto do recurso. Como tal, a questão de saber se à recorrente não podia ter sido deferida uma remuneração pela execução das funções que desempenhou nos autos em função do disposto no artigo 17º nº 2 do Regulamento das Custas Processuais, desde logo por não ser a legislação aplicável, mostra-se precludida. Com ela, mostra-se precludida também a invocação da inconstitucionalidade da atribuição dessa remuneração. Note-se, como resulta da introdução das contra-alegações, é expressamente admitido que se tratava isso – do direito e fixação de uma remuneração – questão que o tribunal tinha de decidir por via de reclamação que lhe foi suscitada. Tendo o tribunal decidido pela fixação de uma remuneração, só restava às referidas interessadas o caminho do recurso, o que não é feito quando se percorre apenas o caminho da contra-alegação.
Assim, quanto à questão da remuneração, o objecto do recurso cinge-se a saber se tal remuneração se faz sobre o valor fixado na sentença que decidiu a indivisibilidade do bem, ou se faz sobre o valor real da venda do bem.
Primeira questão:
Da ilegitimidade da recorrente para recorrer do despacho que lhe determinou a emissão do título de transmissão.
A primeira decisão que a recorrente vem por em causa é precisamente aquela que, na sequência do que lhe fora anteriormente ordenado, emitisse o título de transmissão do prédio a favor da adquirente.
Como resulta do despacho de 29.8.2024, “À venda, a realizar no âmbito do Processo de Divisão de Coisa Comum, são aplicáveis as regras do processo executivo, tal como resulta do disposto no art. 549º do CPC, incumbindo ao oficial de justiça a prática de atos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução”. A nomeação da recorrente para proceder à venda – chame-se-lhe encarregada de venda ou agente de execução (encarregada de venda) – transforma a pessoa em causa em auxiliar do tribunal, nunca a fazendo revestir da qualidade de parte, nem sequer da qualidade de pessoa prejudicável por uma decisão judicial – artigo 631º do Código de Processo Civil – e de resto, muito menos prejudicável por esta decisão em concreto, tanto mais que a pessoa que efectivamente e em tese poderia ser prejudicada pela existência do ónus é precisamente aquela que, perfeitamente conhecedora da situação, pede a emissão do título.
Carece assim a recorrente de legitimidade para recorrer da parte do despacho que lhe determinou que emitisse o título de transmissão, não se admitindo o recurso nessa parte.
Consequentemente, fica prejudicada a questão da apreciação da possibilidade de junção de documento com o requerimento de recurso, precisamente quando o documento se destinava apenas a provar a suposta pendência de uma penhora que só poderia ser extinta mediante o pagamento da dívida. De resto, o documento já vinha junto na certidão que instruía o recurso.
Ao não se admitir o recurso, o pedido que a interveniente adquirente fez, de que fosse intimada a recorrente a emitir o título sob pena de crime de desobediência, não pode ser deferido pelo tribunal de recurso, cabendo que tal pedido seja, se for o caso, de novo apresentado perante o tribunal de primeira instância.
Segunda questão: - do valor sobre o qual se calcula a remuneração a que se refere o artigo 17º nº 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Como se refere na tabela IV anexa ao Regulamento das Custas Processuais, para a qual o referido artigo 17º nº 2 remete, aos Liquidatários, Administradores e Encarregados da Venda Extrajudicial arbitra-se remuneração por serviço até cinco por cento do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior.
O valor foi fixado na sentença que declarou a indivisibilidade do bem. Nas acções de divisão de coisa comum atende-se, para a fixação do valor da acção, ao valor da coisa – artigo 302º nº 2 do Código de Processo Civil. A fixação do valor ocorre no despacho saneador ou, nos casos em que o não haja, na sentença – artigo 306º nº 2 do mesmo diploma. A decisão sobre o valor é recorrível. No caso concreto não houve recurso.
Assim, o valor a atender é aquele que efectivamente consta do despacho recorrido, independentemente da variação do valor da coisa que possa ter sobrevindo até se concluir a adjudicação da coisa a algum consorte ou a terceiro, quer para mais, quer para menos.
Repare-se que a tabela IV só permite atender ao valor da coisa quando este seja inferior ao do valor da causa, o que não o caso.
Improcede assim o recurso.
Tendo decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em não admitir o recurso da parte do despacho que determinou à recorrente a emissão de título de transmissão do prédio a favor da adquirente e em negar provimento ao recurso na parte restante.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 06 de Novembro de 2025
Eduardo Petersen Silva
Isabel Maria C. Teixeira
Jorge Almeida Esteves
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator