Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | ANA LÚCIA GORDINHO | ||
| Descritores: | BRANQUEAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/18/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I - O autor do crime de branqueamento pode limitar-se à realização de operações de recebimento de quantias monetárias de proveniência ilícita na sua conta bancária, seguida de transferências para outras contas ou levantamentos em numerário. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 5.º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório Nos autos de Inquérito 1921/22.5PFAMD-A.L1, que correm termos no Departamento de Investigação e Ação Penal – 3ª Secção da Amadora, na sequência do primeiro interrogatório de arguido detido e por despacho de 17.06.2025, foi decidido que os arguidos aguardassem os ulteriores termos processuais na seguinte situação coativa: • prestação de caução pelo arguido AA, no montante de € 4.000,00 e • pela arguida BB, no montante de € 2.000,00, prestadas através de deposito, • TIR ** Inconformados com esta decisão, os arguidos dela interpuseram recurso, pretendendo a revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que aplica outras medidas de coação. Para o efeito apresentou as seguintes conclusões que se transcrevem: “1. No despacho que ora se recorre foram os aqui Recorrentes indiciados da prática de 1 crimes de branqueamento e, globalmente, de 4 crimes de burla qualificada, tendo sido aplicada a medida de coacção de constituição de coacção no valor de € 2.000,00 para BB e de € 4.000,00 para AA. 2. Sumariamente, julgou-se indicado que pelo menos desde 2022 os aqui Recorrentes, outros suspeitos e outros indivíduos cuja identidade não foi possível obter, de comum acordo e em comunhão de esforços conceberam um plano, comummente conhecido como “Burlas Olá Mãe, Olá Pai”, para ludibriar terceiros e obterem dinheiro para gastarem em proveito próprio. 3. Nos autos, e melhor descrito na matéria de facto indiciada no Despacho que ora se recorre, consideram-se indiciadas que os aqui Recorrentes receberam nas suas contas bancárias 4 transferências bancárias advindas da aplicação da burla conhecida como “Olá Mãe, Olá Pai”. 4. Relativamente à medida de coacção entendeu-se estar verificado o requisito de continuação da actividade criminosa, contido no artigo 204.º do Código de Processo Penal, tendo a final sido decidido aplicar a medida de coacção de constituição de coacção. 5. Os aqui Recorrentes não se conforma com o decidido pelo que apresenta o presente Recurso de impugnação do despacho de auto de Interrogatório de Arguidos, datado de 17-06-2025. Dos factos 6. No despacho que ora se recorre por várias vezes é afirmado que os aqui Recorrentes actuavam em grupo com outros suspeitos autos e com outros indivíduos cuja identidade não se logrou apurar. 7. Considerando-se também indiciado que este grupo dividiria as tarefas necessárias para proceder às eventuais burlas, cabendo à aqui Recorrente a tarefa de abrir contas bancárias e disponibilizá-las para receber as alegadas indevidas quantias. 8. Sucede que inexiste nos autos qualquer indício de que isto corresponda à verdade. 9. As provas existentes nos autos são os depoimentos dos Ofendidos, as mensagens que terão conduzido à transferência das quantias para o IBAN dos aqui Recorrentes e o registos bancários das suas contas bancárias. 10. Das referidas provas não resulta qualquer indício sobre quem terá enviado as mensagens aos Ofendidos, bem como, quem é que indicou o IBAN dos aqui Recorrentes. 11. É certo que na fase de inquérito em que nos encontramos procura-se indícios e não se julgam factos, todavia as presunções acima descritas não encontram respaldo em nenhuma prova existente nos autos, remetendo-se apenas para a experiência adquirida na investigação de processos semelhantes. 12. O artigo 283.º, número 2, aplicável por força do disposto no art. 308.º, n.º 2, do CPP, determino que são indícios suficientes quando deles resultar uma probabilidade razoável de ao Arguido ser aplicada uma medida de segurança ou pena. 13. Ora, olhando à prova existente nos autos na presente data, não se prevê favoravelmente que venha a ser julgado provado, em sede de julgamento, que os aqui Recorrentes actuavam em grupo, uma vez que nada nos mesmos apontam nesse sentido. 14. Assim, apenas se poderá considerar indiciado que os aqui Recorrentes receberam nas suas contas bancárias quantias cuja origem podiam ou não conhecer. Dos crimes indiciados 15. No despacho que ora se recorre considerou-se que os aqui Recorrentes está fortemente indiciada nos autos da prática como autora material, em concurso real, na forma consumada, de 1 crimes de branqueamento e, globalmente de 4 crimes de burla qualificada. 16. Os únicos factos que estão verdadeiramente indiciados, quanto aos aqui Recorrentes, são a alegada participação na recepção das quantias indevidamente transferidas. 17. Olhando a tais factos os mesmos não são suficientes para que se possa considerar provável os aqui Recorrentes virem a ser condenada pela prática de burla qualificada em sede de julgamento. 18. Sendo muito mais provável e lógico que, atendendo aos factos indiciados na presente data, que os aqui Recorrentes venham a ser condenados pela prática de 4 crimes de receptação, previsto e punido no artigo 231.º do Código Penal. 19. Assim, por entendermos não se encontrar fundadamente indiciada a operação em grupo, nem a prática de mais actos que não a disponibilização de conta bancária para recepção de transferências indevidas, atendendo à prova até à data existente nos autos, considerarmos correcto considerar que os aqui Recorrentes estão indiciados de 4 crimes de receptação. Da aplicação da medida de coação de constituição de caução 20. Para que seja aplicadas medidas de coacção deverá existir perigo da continuação da actividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito e/ou perigo de fuga. 21. Relativamente à continuação da actividade criminosa, foi considerado que o mesmo se encontrava verificado uma vez que os factos indiciados são aptos a gerar rendimentos significativos. 22. Ora, desde logo, conforme já acima referido, os factos indiciados ocorreram há mais de dois. 23. Relativamente à capacidade para prover ao seu sustento e necessidades, é reconhecido no despacho que ora se recorre que os aqui Recorrentes declaram valores aptos ao seu sustento e necessidades, bem como, do seu agregado familiar. 24. Por tudo isto, dever-se-á considerar que o perigo de continuação da actividade criminosa é baixo e/ou inexistente. 25. Acresce que há cerca de um ano que os aqui Recorrentes, no âmbito do processo 1033/23.2TELSB foram alvo de medidas de coacção de apresentações periódicas e entrega dos passaportes, vindo os mesmos a cumprir escrupulosamente as mesmas, sem que haja qualquer notícia de terem voltado a praticar factos idênticos aos indiciados nos presentes autos. 26. Quanto ao perigo de perturbação do inquérito e perigo de fuga, entendeu-se que os mesmos não se verificam nos presentes autos, entendimento por nós partilhado. 27. Não se pretende aqui negar que existem indícios da prática de crime e que é razoável considerar que existem alguns dos perigos para que sejam aplicadas medidas de coacção. 28. Razão pela qual também já em sede de alegações de primeiro interrogatório se requereu que fosse aplicada aos aqui Recorrentes as medidas de coacção de apresentações periódicas no posto policial da sua área de residência e de entrega de passaporte, previstas, respectivamente, nos artigos 198.º e 200.º, número 3, do Código de Processo Penal, no caso de as mesmas cessarem no âmbito do processo 1003/23.2TELSB. 29. Salvo melhor entendimento, desta forma fica seguramente acautelado o perigo mais premente que poderia existir que seria o de fuga. 30. Nos presentes autos entendeu-se adequado, proporcional e suficiente que para além de TIR ficassem os aqui Recorrentes sujeitos à constituição de uma caução, no valor de € 2.000,00 pela BB e de € 4.000,00 pelo AA. 31. Ora, recordamos que no despacho ora em crise apenas se entendeu por verificado o perigo de continuação da actividade criminosa. 32. Salvo melhor entendimento, a constituição de uma caução não visa afastar a continuação da actividade criminosa mas antes acautelar o perigo de fuga, que como se decidiu e bem, não se verifica. 33. Razão pela qual não nos parece adequado aplicar a referida medida da coacção. 34. Em alternativa, parece-nos que as medidas de coacção adoptadas no processo 1003/23.2TELSB foram as mais adequadas e proporcionais à situação dos aqui Recorrentes, razão pela qual nos parece que os presentes autos apenas se devem precaver para a possibilidade de as mesmas cessarem no processo 1003/23.2TELSB. 35. Determinando-se que enquanto as mesmas forem cumpridas nos autos 1003/23.2TELSB bastam-se com o TIR, mas que caso as mesmas cessem no âmbito daqueles autos tal deverá ser comunicado aos presentes autos e então aplicadas no âmbito dos mesmos. 36. Pelo exposto, reitera-se que ao invés da aplicação, aos aqui Recorrentes, da medida de coacção de constituição de caução, sejam antes aplicadas, de forma subsidiária caso as constituídas no processo 1003/23.2TELSB cessem, as medidas de coação de apresentações periódicas no posto policial da sua área de residência e de entrega de passaporte, previstas, respectivamente, nos artigos 198.º e 200.º, número 3, do Código de Processo, uma vez que estas se mostram suficientes e proporcionais para acautelar os requisitos contidos no artigo 204.º do mesmo diploma legal. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverão V. Exas., aplicar aos aqui Recorrentes, ao invés da medida de coacção de constituição de caução, de forma subsidiária caso as constituídas no processo 1003/23.2TELSB cessem, as medidas de coação de apresentações periódicas no posto policial da sua área de residência e de entrega de passaporte, previstas, respectivamente, nos artigos 198.º e 200.º, número 3, do Código de Processo, uma vez que estas se mostram suficientes e proporcionais para acautelar os requisitos contidos no artigo 204.º do mesmo diploma legal”. ** O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e sem efeito suspensivo. ** O ... respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, nos seguintes termos (transcrição): “1. Compulsada a documentação bancária junta aos autos, verifica-se que os Recorrentes receberam nas respectivas contas o valor global de € 18.822,00 (dezoito mil oitocentos e vinte e dois euros), sendo que tais quantias foram, assim que recebidas, transferidas para contas bancárias de outros titulares e que o Recorrente chegou a transferir montantes para a conta da Recorrente da …. 2. O modus operandi corresponde ao modo de actuação da burla do “olá pai, olá mãe”, uma vez que as quantias foram transferidas na sequência da recepção de mensagens eletrónicas pelos ofendidos, que as fizeram acreditando que estavam a transferir dinheiro para os filhos. 3. Caso não houvesse concertação de esforços e um plano previamente traçado ao qual aderiram, os Recorrentes não teriam transferido os valores para terceiros desconhecidos após os terem recebido nas suas contas bancárias, sendo expectável, por referência ao homem médio, que quem recebe uma quantia na sua conta bancária cuja origem desconhece não procede à sua dispersão para outras contas, antes dando disso conta à entidade bancária ou tentando proceder à sua devolução. 4. Não é plausível que os Recorrentes tivessem actuado de forma não intencional, desconhecendo que as quantias transferidas para as suas contas foram obtidas através de um crime contra o património, uma vez que as inferências que se extraem da actuação objetiva dos Recorrentes, que dispuseram das quantias como se às mesmas tivessem direito, suportam a conclusão probatória a que a Mma. Juíza do Tribunal a quo chegou quanto aos elementos objetivos e subjetivos dos ilícitos em apreço. 5. Conjugando a documentação bancária junta aos autos com o depoimento dos ofendidos e, ainda, com as regras da experiência comum, conclui-se pela indiciação dos Recorrentes quanto aos factos constantes no Despacho de aplicação de medida de coacção e a sua actuação concertada com indivíduos de identidade desconhecida. 6. Ao contrário do alegado pelos Recorrentes, não lhes é imputada a prática, em co-autoria e em concurso efectivo, de crimes de burla qualificada, mas apenas de branqueamento, com precedência naqueles crimes de burla qualificada que se encontram fortemente indiciados atentos os elementos probatórios juntos aos autos concretamente, os registos bancários e as mensagens eletrónicas recebidas pelos vários ofendidos, bem como as declarações destes. 7. Neste caso, é evidente a existência de um engano e a intenção lucrativa subjacente às condutas em causa nos autos, patente, desde logo, na prova documental que demonstra a disposição patrimonial que ocorreu, a especial vulnerabilidade dos ofendidos, em razão da sua idade, bem como a existência de modo de vida, corroborada pela prática reiterada dos mesmos factos. 8. Os crimes precedentes do branqueamento em causa nestes autos tratam-se de vários crimes de burla qualificada previstos no artigo 218º, n.º 2, alíneas b) e c) do Código Penal, para os quais está prevista uma moldura penal de dois a oito anos, pelo que a moldura penal admite a imputação aos Recorrentes do crime de branqueamento. 9. Não merece acolhimento o pretendido pelos Recorrentes no que concerne à qualificação jurídica dos factos sub judice como crimes de receptação, bem tendo andado a Mma. Juíza de Instrução ao proferir decisão que, do ponto de vista jurídico, não merece reparo. 10. Os argumentos aduzidos para afastar a existência de perigo de continuação da actividade criminosa não são bastantes, dado que, o facto dos Recorrentes poderem, neste momento, prover ao seu sustento, não afasta a existência daquele perigo. 11. A facilidade e tentação de obtenção de altos proventos económico mantém-se e urge prevenir, para mais num caso em que os Recorrentes perpetraram as mesmas condutas várias vezes, fazendo das mesmas modo vida e contra pessoas vulneráveis. 12. Ao contrário do alegado pelos Recorrentes, os perigos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 204º do Código de Processo Penal verificam-se neste caso, sendo de manter o Despacho recorrido, porque irrepreensível do ponto de vista fáctico e jurídico. 13. A medida de coacção aplicada nestes autos é especialmente adequada para a criminalidade económica e tem como fim assegurar o cumprimento pelos Recorrentes de todos os seus deveres processuais. 14. A caução afigura-se necessária, adequada e proporcional, designadamente em face da moldura penal abstrata aplicável aos crimes em investigação, pelo que se mostram preenchidos os pressupostos específicos do artigo 197º, n.º 1 do Código de Processo Penal, que, a par com os perigos previstos no artigo 204º, n.º 1 do mesmo diploma, nada havendo a apontar à medida aplicada aos Recorrentes. 15. Não merece provimento o recurso interposto do Despacho que decretou a aplicação da medida de coacção de caução, devendo manter-se o mesmo in totum, visto que nele se procedeu a uma correcta análise das circunstâncias e das normas legais aplicáveis. Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, devendo manter-se o douto Despacho recorrido e, em consequência, a medida de coacção aplicada aos Recorrentes, assim se fazendo a acostumada justiça!”. ** Remetido o processo a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunto emitiu o parecer nos seguintes termos (transcrição): “Analisados os autos, o despacho recorrido e os fundamentos do recurso, acompanhamos a resposta ao recurso apresentada pela nossa Colega na 1.ª instância, à qual, pela sua fundamentação, crítica e clareza, aderimos sem nada aditarmos, pelo que somos de parecer que o recurso não merece provimento”. ** Colhidos os vistos, o processo foi presente a conferência, por o recurso dever ser aí decidido. ** II. Questões a decidir: Como é pacificamente entendido tanto na doutrina como na jusrisprudência, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso1. Atentas as conclusões apresentadas, no caso em análise temos de decidir: • Se existem fortes indícios do crime de braqueamento; • Se existe perigo que justifique a aplicação de uma medida de coação; • Se a caução é a medida adequada à concreta situação dos autos. ** III. Elementos do processo relevantes para a decisão III.A- Conteúdo da decisão recorrida: “Valido a detenção dos arguidos, sendo tempestiva a sua apresentação em Tribunal – artigos 254.º n.º 1 a) e 257.º n.º 1 do Código de Processo Penal (doravante, CPP). Factos fortemente indiciados: 1. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia .../.../2022, os arguidos foram contactados por indivíduos cuja identidade não se logrou apurar que lhes solicitaram que colaborassem num esquema de que estes faziam parte e que consistia em receberem quantias provenientes de contas de terceiros, terceiros estes dos quais pretendiam receber quantias monetárias através, de modo organizado, do envio de falsas mensagens escritas que faziam crer que os remetentes seriam seus filho ou familiares e que, necessitariam de que procedessem a pagamentos bancários para os auxiliar, o que não correspondia à realidade e que, ainda assim, os referidos indivíduos quiseram de modo livre, deliberado e voluntário, bem sabendo que, de tal modo, incorreriam na prática de um ilícito penal, com vista a obter rendimentos regulares e de modo a prover as suas despesas pessoais e de subsistência, sendo que, os arguidos posteriormente procederiam à movimentação de tais quantias por forma a que estas reentrassem no tráfego comercial, recebendo, como contrapartida, uma quantia não concretamente apurada. 2. Nas referidas circunstâncias, os arguidos consentiram fazer parte do referido esquema e no recebimento, e posterior movimentação, através das seguintes contas bancárias, por si tituladas e indicadas, das referidas quantias, provenientes de terceiros particulares, transferidas por estes, conforme supra referido: a) ..., do ..., titulada pelo arguido AA; b) ..., do ..., titulada pelo arguido AA; c) ..., do ..., titulada pela arguida BB. 3. Ainda nas referidas circunstâncias, os arguidos consentiram no recebimento na conta … número ..., por estes movimentada e indicada, através de pagamentos bancários processados pela ... (...), uma instituição de pagamento com sede na UE - Livre prestação de serviços em Portugal, autorizada pelo Banco de Portugal, das referidas quantias, provenientes de terceiros particulares, transferidas por estes, conforme supra referido, conta que indicou. 4. A ...., corresponde a uma instituição de crédito com sede na UE - Livre prestação de serviços em Portugal, autorizada pelo Banco de Portugal, que, em síntese, se traduz num serviço intermediário para a compra e venda de produtos e serviços através da internet que permite também receber ou enviar dinheiro através de uma conta criada nesta plataforma. [NUIPC 1370/22.5PBCSC] 5. Assim, na concretização do referido plano, no dia .../.../2022, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, remeteu uma mensagem escrita à ofendida CC, à data com 69 (sessenta e nove) anos de idade, através do cartão telefónico ..., pela aplicação WhatsApp, da qual se dirigia à mesma como “mãe”. 6. Em seguida, o referido indivíduo, por mensagens escritas, afirmou ainda à ofendida que necessitava de efetuar um pagamento no mesmo dia, no montante de 780€ (setecentos e oitenta euros), ao que a ofendida acedeu transferir a quantia de 750€ (setecentos e cinquenta euros). 7. Para tanto, o referido individuo indicou à ofendida o ..., do ..., titulada por DD, e, em seguida, na referida conta bancária, o mesmo recebeu a quantia de 750€ (setecentos e cinquenta euros) transferida pela ofendida. 8. Após, o referido indivíduo solicitou à ofendida que realizasse mais transferências bancárias, ao que esta acedeu, convicta de que o remetente das mensagens escritas seria efetivamente seu filho, e, assim, em seguida, foram recebidas nas seguintes contas bancárias as seguintes quantias: a) 1.350€ (mil trezentos e cinquenta euros) na conta ..., do ..., titulada pelo suspeito EE; b) 1.780€ (mil setecentos e oitenta euros) na conta ..., do ..., titulada pelo suspeito FF; c) 2.450€ (dois mil quatrocentos e cinquenta euros) na conta ..., do ..., titulada pelo suspeito AA; d) 2.770€ (dois mil setecentos e setenta euros) na conta ..., do ..., titulada pelo suspeito GG; e) 2.000€ (dois mil euros) na conta ..., titulada pela arguida BB. 9. Quantias que perfizeram o montante total de 11.100€ (onze mil e cem euros). 10. O arguido AA recebeu a referida quantia de 2.450€ (dois mil quatrocentos e cinquenta euros) na conta bancária referida e, no mesmo dia .../.../2022, deu ordens de transferência bancária através do serviço MBWay para a conta referida no ponto que antecede, e), nos montantes de 750€ (setecentos e cinquenta euros), 750€ (setecentos e cinquenta euros), 750€ (setecentos e cinquenta euros) e 183€ (cento e oitenta e três euros), que perfizeram o montante total de 2.433€ (dois mil quatrocentos e trinta e três euros). 11. De igual modo, a arguida transferiu, após os recebimentos, a quantia de 1.715€ (mil setecentos e quinze euros) para uma conta bancária titulada pela suspeita HH e efetuou um levantamento em numerário da quantia de 3.150€ (três mil cento e cinquenta euros). [6354/22.0JAPRT] 12. Também no dia .../.../2022, na concretização do referido plano, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, remeteu uma mensagem escrita à ofendida II, à data com 79 (setenta e nove) anos de idade, através do cartão telefónico ..., pela aplicação WhatsApp, da qual se dirigia à mesma como “mãe”. 13. Em seguida, o referido indivíduo, por mensagens escritas, afirmou ainda à ofendida que necessitava de efetuar um pagamento no mesmo dia, no montante de 890€ (oitocentos e noventa euros), ao que a ofendida acedeu. 14. Para tanto, o referido individuo indicou à ofendida o ..., do ..., titulada pelo arguido AA, onde, no dia .../.../2022, este recebeu a referida quantia de 890€ (oitocentos e noventa euros), que fez sua. 15. Quantia que, no mesmo dia, após o seu recebimento, o arguido transferiu no montante de 620€ (seiscentos e vinte euros) para uma conta bancária titulada pela suspeita HH, e no montante de 270€ (duzentos e setenta euros) para uma conta bancária titulada por um terceiro. [1749/22.2JACBR] 16. Também no dia .../.../2022, na concretização do referido plano, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, remeteu uma mensagem escrita à ofendida JJ, à data com 69 (sessenta e nove) anos de idade, através do cartão telefónico ..., pela aplicação WhatsApp, da qual se dirigia à mesma como “mãe”. 17. Em seguida, o referido indivíduo, por mensagens escritas, afirmou ainda à ofendida que necessitava de efetuar um pagamento no mesmo dia, no montante de 790€ (setecentos e noventa euros), ao que a ofendida acedeu. 18. Para tanto, o referido individuo indicou à ofendida o ..., do ..., titulada pelo argduio AA, onde, no dia .../.../2022, este recebeu a referida quantia de 790€ (setecentos e noventa euros), que fez sua. [544/22.3PAVLG] 19. Também no dia .../.../2022, na concretização do referido plano, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, remeteu uma mensagem escrita à ofendida KK, à data com 65 (sessenta e cinco) anos de idade, através do cartão telefónico ..., pela aplicação WhatsApp, da qual se dirigia à mesma como “mãe”. 20. Em seguida, o referido indivíduo, por mensagens escritas, afirmou ainda à ofendida que necessitava de efetuar um pagamento no mesmo dia, no montante de 790€ (setecentos e noventa euros), ao que a ofendida acedeu. 21. Para tanto, o referido individuo indicou à ofendida o ..., do ..., titulada pelo arguido AA, onde, no dia .../.../2022, este recebeu a referida quantia de 790€ (setecentos e noventa euros), que fez sua. 22. Quantia que, no mesmo dia, após o seu recebimento, o arguido transferiu juntamente com outras quantias, no montante total de 4.500€ (quatro mil e quinhentos euros) para uma conta bancária titulada pela arguida BB. [370/23.2GILRS] 23. Também no dia .../.../2023, na concretização do referido plano, um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, remeteu uma mensagem escrita ao ofendido LL, à data com 59 (cinquenta e nove) anos de idade, através do cartão telefónico ..., pela aplicação WhatsApp, da qual se dirigia ao mesmo como “pai”. 24. Em seguida, o referido indivíduo, por mensagens escritas, afirmou ainda ao ofendido que necessitava de efetuar um pagamento no mesmo dia, no montante de 1.439€ (mil quatrocentos e trinta e nove euros), ao que o ofendido acedeu. 25. Para tanto, o referido individuo indicou à ofendida o ..., do ..., titulada pelo suspeito MM, onde este recebeu a referida quantia de 1.439€ (mil quatrocentos e trinta e nove euros), que fez sua e repartiu com terceiros. 26. Em seguida, o referido indivíduo solicitou ainda ao ofendido que este fizesse outras transferências bancárias, nos montantes de 1.000€ (mil euros) e de 1.984€ (mil novecentos e oitenta e quatro euros), ao que este acedeu, convicto de que o remetente seria seu filho, ambas para a conta ..., do ..., titulada pelo suspeito NN, por indicação deste terceiro, quantias que aí foram também recebidas. 27. E, ainda no mesmo dia, o referido indivíduo solicitou ainda ao ofendido que fizessem um pagamento bancário no montante de 829€ (oitocentos e vinte e nove euros), ao que este acedeu e efetuou, para os seguintes elementos indicados pelo referido indivíduo correspondente a um pagamento recebido em conta …, pagamento que o ofendido ordenou no mesmo dia: a) Entidade: … b) Referência: ... c) Montante: 829€ d) Data: .../.../2023 28. E, referência que determinou o recebimento a crédito, no mesmo dia, da referida quantia de 829€ (oitocentos e vinte e nove euros), na referida conta … número ..., indicada pelos arguidos e titulada por OO, residente na morada dos arguidos, que aí a receberam. 29. Assim, após o seu recebimento, no dia .../.../2023, pelas 17h23min, os arguidos deram ordem de transferência da referida quantia, pelas 17h32min, para a conta … número ..., titulada pela arguida BB, quantia por esta efetivamente recebida e que fez sua. 30. À data dos factos, os arguidos não auferiam de quaisquer rendimentos declarados. 31. Os arguidos agiram com o propósito de utilizar o sistema financeiro português de maneira a camuflar a origem ilícita de dinheiro e, desta forma, introduzir o mesmo na economia lícita. 32. Com as condutas supra descritas os arguidos forneceram os IBANs das contas bancárias por si tituladas com o intuito de para as mesmas serem transferidas quantias monetárias e enviarem os respetivos montantes para terceiros ou fazerem seus, em concretização de um plano previamente elaborado, conforme descrito em 1. e 2., a que aderiram, conforme já referido. 33. Os arguidos sabiam e não podiam desconhecer, face ao número de recebimentos e ao curto período temporal respetivo, que recebiam nas contas bancárias por si tituladas montantes provenientes de atividade ilícitas cometidas de forma organizada, de pelo menos 18.822€ (dezoito mil oitocentos e vinte e dois euros), conforme esquema a que aderiram, o que quiseram e conseguiram, que visava a apropriação de quantias monetárias pertencentes a terceiros. 34. Os arguidos conheciam a natureza de tais quantias e, ainda assim, quiseram agir da forma descrita. 35. Os arguidos sabiam que, ao disponibilizar as suas contas bancárias para que nelas fossem creditadas quantias monetárias por meio de transferências, estavam a utilizar o sistema bancário e financeiro para fazer transitar tais quantias e com o propósito concretizado de as introduzir na economia e de lhes dar a aparência de licitude, com o objetivo concretizado de impedir que fosse estabelecida qualquer relação direta entre essas quantias e os crimes dos quais as mesmas eram vantagens, assim como obstarem a que fossem implicados nessas atividade ilícitas os seus autores e responsabilizados pelas suas práticas, sendo que, os arguidos agiram sempre de modo idêntico, animados pela falta de deteção atempada e pelo sucesso das condutas precedentes. 36. Os arguidos atuaram ainda com o objetivo concretizado de obter proveito económico e vantagens que bem sabiam não lhes serem devidas à custa de património alheio e causa o respetivo prejuízo a terceiros, bem sabendo que os montantes por si recebidos não lhes pertenciam nem a eles tinham direito. 37. Os arguidos receberam a créditos as quantias transferidas por particulares, referidos, no montante total de, pelo menos, 18.822€ (dezoito mil oitocentos e vinte e dois euros) nas contas bancárias por si tituladas e que integraram no seu património e repartiram com terceiros, que correspondeu ao incremento patrimonial obtido com as condutas supra referidas. 38. Os arguidos atuaram em comunhão de esforços e intentos, entre si e com indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, em concretização de um plano previamente elaborado, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Outros factos: A arguida não tem antecedentes criminais. O arguido foi julgado e condenado quatro vezes, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, de dois crimes de condução sem habilitação legal e de um crime de incendio florestal por negligência, tendo a última condenação transitado em julgado no mês de .... Vive juntos, em união de facto, e bem ainda com uma filha de 4 anos, em casa arrendada. Pagam € 250,00 de renda de casa. A arguida trabalha desde ........2024 para a empresa “...”, onde aufere um vecimento mensal de € 1.014,33. O arguido começou recentemente a trabalhar para a empresa CVA, onde aufere um vencimento mensal de cerca de € 2.500,00. Pagam € 30,00 pela creche da filha. * Razões da forte indiciação: Os factos acima descritos resultam fortemente indiciados tendo em conta a prova que até ao momento foi recolhida e as diligências levadas a cabo, a saber: - Auto de denúncia de fls. 3; - Cópias de fls. 6 a 11; - Documentação bancária de fls. 42 a 61; - Informações de fls. 100 a 103 e 181 a 184; - Auto de análise bancária de fls. 104 a 107; - Certificado do registo criminal de fls. 129 a 137; - Informação de fls. 138 e 139; - Cota de fls. 141; - Informação do Banco de Portugal de fls. 143 a 146; - Resultados de pesquisa de fls. 158, 159, 168 e 169; - Auto de busca e apreensão de fls. 208 e 209; - Documento de fls. 210; - Reportagem fotográfica de fls. 210-A a 210-G; - Auto de exame direto de fls. 214; - Auto de pesquisa e apreensão de fls. 215 e 216; - Auto de exame direto de fls. 218; - Auto de pesquisa e apreensão de fls. 219 a 221; - Documentos na contracapa dos autos; - Auto de denúncia de fls. 3 e 4 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Cópias de fls. 9 e 10 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Resultado de pesquisa de fls. 14 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Informação de fls. 15 e 16 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Documentação bancária de fls. 18 a 41, 47 a 60, 79, 82 a 86, 141 a 155, 158, 159 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Documento de fls. 77 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Cópia de fls. 78, 204 a 206 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Auto de análise de informação bancária de fls. 87 a 91 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Informação de fls. 207 e 208 dos autos número 1370/22.5PBCSC, apenso ao presente; - Comunicação de notícia de crime de fls. 43 dos autos número 1749/22.2JACBR, apenso ao presente; - Auto de notícia de fls. 57 e 58 dos autos número 1749/22.2JACBR, apenso ao presente; - Cópias de fls. 59 a 61 dos autos número 1749/22.2JACBR, apenso ao presente; - Resultado de pesquisa de fls. 75 dos autos número 1749/22.2JACBR, apenso ao presente; - Documentação bancária de fls. 88 a 91 dos autos número 1749/22.2JACBR, apenso ao presente; - Informação de fls. 114 a 116A dos autos número 1749/22.2JACBR, apenso ao presente; - Anexo 1; - Auto de notícia de fls. 4 dos autos número 6354/22.0JAPRT, apenso ao presente; - Cópias de fls. 10 e 11 dos autos número 6354/22.0JAPRT, apenso ao presente; - Informação de fls. 32, 55 e 56 dos autos número 6354/22.0JAPRT, apenso ao presente; - Documentação bancária de fls. 34 a 36 dos autos número 6354/22.0JAPRT, apenso ao presente; - Auto de denúncia de fls. 2 dos autos número 544/22.3PAVLG, apenso ao presente; - Cópias de fls. 4 a 7 dos autos número 544/22.3PAVLG, apenso ao presente; - Auto de notícia de fls. 3 e 4 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Cópias de fls. 6 a 15 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Informações de fls. 33 a 35 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Documentação bancária de fls. 36 a 40 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Informação de fls. 99 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Documentação de fls. 101 a 112 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Resultado de pesquisa de fls. 113 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Cota de fls. 114 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Informações de fls. 116 a 118 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente; - Documentação bancária de fls. 124 a 142 dos autos número 370/23.2GILRS, apenso ao presente. Resulta da documentação acima identificada que os arguidos receberam nas suas contas bancárias várias quantias em dinheiro pertencentes a indivíduos de idade avançada, que foram enganados através de esquemas fraudulentos. A origem do dinheiro é sempre a mesma – exploração da relação de parentesco dos ofendidos e da idade avançada dos mesmos. Os arguidos, mal receberam o dinheiro nas suas contas, trataram de o movimentar, através de novas transferências bancárias e de levantamentos, dificultando, desta forma, a localização do dinheiro. Importa referir que o curto hiato temporal em que foram feitas as movimentações bancárias, estando em causa várias transferências e outras operações bancárias efectuadas de forma quase seguida, permitindo a circulação dinheiro entre várias contas, permite concluir pela forte indiciação dos factos acima descritos e pela actuação concertada daqueles indivíduos. São vários os ofendidos, o que reforça a actuação concertada dos arguidos e dos restantes indivíduos. Os factos relativos ao elemento subjectivo resultam das regras de experiência comum, e da normalidade da vida, não sendo possível retirar dos factos praticados outra intenção que não fosse a que se mostra indiciada. Tendo agido com o intuito de obterem proventos a que sabiam não ter direito, locupletando-se com os mesmos, benefício que sabiam não ser legítimo, tendo consciência que prejudicavam os ofendidos em igual montante, como aconteceu. Não é possível afirmar outra intenção que não a de se apropriarem de tais quantias da forma referida, o que é, aos olhos de qualquer pessoa média, proibida e punida por lei. Os arguidos não prestaram declarações sobre os factos, mas apenas sobre as suas condições de vida. Pese embora tivessem referido que sempre trabalharam e fizeram descontos, resulta dos prints do ISS de fls. 158 e 168 que, contrariamente ao que afirmaram, apenas começaram a trabalhar, fazendo descontos, no ano de 2024. A respeito das condições de vida actuais e dos antecedentes criminais, teve-se em atenção as declarações dos arguidos e os CRC´s. * Conclui-se por isso que a indiciação destes factos se mostra forte, isto é, os elementos probatórios referidos nos quais os factos se baseiam incutem uma convicção séria de que os mesmos ocorreram dessa forma e que deles resulta uma forte possibilidade de aos arguidos, em julgamento, vir a ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança. * Os factos que se encontram fortemente indiciados são suscetíveis de integrar a prática por cada um dos arguidos, em coautoria e na forma consumada de um crime de branqueamento, previsto e punido pelos artigos 14.º, 110.º, n.os 1, alínea b) e 4 e 368.º-A, n.os 1, 3, 6 e 12, do Código Penal, com origem, pelo menos, na prática de três crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alíneas b) e c), ambos do Código Penal, um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 202.º, alínea a), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.os 1 e 2, alíneas b) e c), todos do Código Penal, e de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 202.º, alínea a), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.os 1 e 2, alínea b), todos do Código Penal. * Sendo punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, estes crimes admitem, em abstracto, a aplicação de qualquer uma das medidas de coacção previstas no CPP - cfr. artigo 202.º n.º 1 a) do CPP. Analisemos, agora, as exigências preventivas que o caso requer. O artigo 192º do CPP prevê, como condições gerais de aplicação de qualquer medida de coacção – e sem prejuízo das condições específicas exigidas para cada uma das medidas em concreto – as seguintes: (i) a existência de um processo penal; (ii) a indiciação de factos que constituam crime – indiciação essa que no caso de aplicação das medidas de coacção previstas nos artigos 200.º, 201.º e 202.º do CPP, terá de ser forte; (iii) a constituição como arguido do suspeito autor da prática dos factos; (iv) e a inexistência de fundados motivos para crer que se verificam causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal. No caso, todas estas condições se encontram verificadas. Porém, nenhuma medida de coacção poderá ser aplicada se, em concreto, não se verificar pelo menos um dos perigos elencados no artigo 204.º do CPP, que passaremos a analisar: a) Fuga ou perigo de fuga: Quanto a este adianta-se, desde já, que, no dia 20.06.2024, foram aplicadas aos arguidos as medidas de coacção de proibição de se ausentarem do país e de apresentações periódicas, duas vezes por semana, inexistindo, actualmente um concreto perigo de fuga (cfr. Proc., nº 1003/23.2TELSB – JIC Leiria – J1, dado a conhecer nesta diligência). b) Quanto ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, não se verificam indícios da sua ocorrência nestes autos. Não obstante é de salvaguardar que as ulteriores diligências processuais ocorram com normalidade, para melhor apuramento da conduta da arguida ou de outros. c) Por fim e quanto ao perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade dos arguidos, de que estes continuem a atividade criminosa ou perturbem gravemente a ordem e a tranquilidade públicas, desde já se adianta que dos factos indiciados resulta clara a existência deste perigo. Com efeito, há que ter em conta a fácil rentabilidade da conduta criminosa descrita e documentada nos autos e ao facto de os arguidos, poderem facilmente continuar a fazer uso das contas bancárias supramencionadas ou de outras, que poderão abrir em seu nome ou de terceiros, para continuar a receber e a dissipar os fundos enviados por novos ofendidos. De facto, são vários os ofendidos conhecidos nestes autos, sendo certo que, como parece ter resultado da informação trazida pelos arguidos, existirá, pelo menos, mais um processo, o Proc., nº 1003/23.2TELSB, onde se discutem factos idênticos. Ao perigo de continuação da actividade criminosa associa-se o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas porquanto, desde logo, é manifesta a gravidade dos crimes em causa, traduzida na moldura penal aplicável, sendo necessário olhar para o prejuízo causado à economia e aos fins do Estado com o branqueamento de capitais, bem como aos próprios ofendidos e lesados com a conduta criminosa levada a cabo. * Em conclusão, resulta da factualidade indiciada que no caso se verifica o perigo da continuidade da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade pública, pelo que há que analisar qual, ou quais, as medidas de coacção que se impõem decretar. Atendendo aos perigos que se verificam e já analisados supra, às exigências cautelares que o caso requer, à gravidade dos crimes e às sanções que se prevê que possam vir a ser aplicadas aos arguidos, entendemos que aos mesmos deverão ser aplicadas medidas de coacção mais gravosas que o TIR. Na ponderação dos factos, crime e perigos indiciados com o estado actual da investigação consideramos adequado, proporcional e suficiente que os arguidos aguardem os ulteriores termos processuais na seguinte situação coactiva: - prestação de caução pelo arguido AA, no montante de € 4.000,00 e pela arguida BB, no montante de € 2.000,00, prestadas através de deposito, devendo para tal ser emitido o respetivo DUC, para deposito em conta bancaria do IGFEJ à ordem da secretaria e dos presentes autos; - TIR Tudo nos termos dos artigos 191º a 194º, 196º, 197º e 204º, 205º e 206º todos do C.P.P.. Notifique. São os arguidos restituídos à liberdade. Notifique”. ** IV. Do mérito do recurso IV.A – Da alegada falta de indícios da prática do crime que sustenta a aplicação das medidas de coação Sabemos que para a aplicação das medidas de coação previstas nos artigos 196.º a 199.º do Código de Processo Penal é necessário, entre outos requisitos, a existência de indícios da prática de um crime doloso. Embora os recorrentes aleguem que lhes foi imputada a prática de crimes de burla, lido atentamente o despacho recorrido, verificamos que o crime que lhes é imputado é um crime de branqueamento, pp. no artigo 368.º-A, n.ºs 1, 3, 6 e 12 do Código Penal, sendo que este crime tem origem na prática de crimes de burla qualificada, pp. no artigo 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e c) do Código Penal. Vejamos, então, se existem indícios da prática do crime de branqueamento imputado aos arguidos. A documentação bancária junta aos autos demonstra que os recorrentes receberam nas respetivas contas bancárias o valor global de € 18.822,00 (dezoito mil oitocentos e vinte e dois euros), sendo que tais quantias foram, logo que recebidas, transferidas para contas bancárias de outros titulares e que o recorrente chegou a transferir montantes para a conta da aplicação … da recorrente, sua companheira. Também se sabe que as transferências ocorreram no seguimento do envio de mensagens eletrónicas aos ofendidos, através das quais se solicitava a transferência de montantes como se dos seus filhos se tratassem. É, assim, evidente a existência de um engano e a intenção lucrativa subjacente a estas condutas e a especial vulnerabilidade dos ofendidos, em razão da idade. Os recorrentes, à data dos factos, não auferiam rendimentos, não sendo minimamente verosímil que desconhecessem a origem ilícita de tais montantes depositados nas suas contas. Os factos indiciados conjugados com as regras da experiência comum levam-nos a concluir que os arguidos sabiam da proveniência ilícita de tais montantes e ao permitirem que fossem depositados nas suas contas bancárias, com imediata transferência para terceiros, sabiam que ajudavam à dispersão dos valores ilicitamente recebidos, dificultando, consequentemente, o seguimento do dinheiro. Não podiam, pois, os arguidos ignorar da existência do ato ilícito anterior contra o património. Conheciam – no todo ou em parte, com mais ou menos pormenor, a investigação o dirá – do esquema montado para obter quantias monetárias em consequência de um ato ilícito e ajudaram na sua concretização, recebendo os valores nas suas contas bancárias e posterior dissipação entre eles e terceiros. Por isso, concluiu corretamente a decisão recorrida “Os arguidos, mal receberam o dinheiro nas suas contas, trataram de o movimentar, através de novas transferências bancárias e de levantamentos, dificultando, desta forma, a localização do dinheiro. Importa referir que o curto hiato temporal em que foram feitas as movimentações bancárias, estando em causa várias transferências e outras operações bancárias efectuadas de forma quase seguida, permitindo a circulação dinheiro entre várias contas, permite concluir pela forte indiciação dos factos acima descritos e pela actuação concertada daqueles indivíduos”. Sabemos que no crime de branqueamento o bem jurídico protegido, para além da própria realização da justiça que se traduz em evitar a ocultação das vantagens patrimoniais de crime, é também a própria saúde do sistema financeiro, isto é, preservar a economia legítima da contaminação por fundos de origem criminosa. Ao nível dos elementos objetivos, o crime de branqueamento exige: dissimulação, transferência ou conclusão de uma operação destinada a dissimular a identificação da proveniência ilícita, ou seja, na eliminação de toda a possibilidade de conexão da riqueza ao crime base. O autor deste crime pode ser o autor das operações de conversão ou transferência mas também aquele que nelas participa de forma mais passiva que, tendo conhecimento da sua origem ilícita, colaboram na ocultação ou dissimulação. Estamos perante um crime abstrato e de mera atividade, que se consuma com a própria ação, e um crime comum, isto é, que pode ser cometido por qualquer pessoa. A consumação ocorre com a conversão ou transferência. Condição objetiva do tipo de branqueamento é a verificação de um facto ilícito típico subjacente definido pela lei de onde sejam provenientes as vantagens que se dissimulam. Com efeito, o crime de branqueamento de capitais constitui uma criminalidade derivada ou de segundo grau, dado que pressupõe a prévia concretização de um ilícito2. Ou seja, o crime de branqueamento só existe se se verificar previamente um crime previsto no catálogo do n.º 1 do artigo 368.ºA do Código Penal. Ora, tendo em consideração o que fica dito, não há qualquer dúvida que existem indícios da prática do crime de branqueamento por banda dos recorrentes, os arguidos sabiam que o dinheiro que deixavam depositar nas suas contas tinha origem ilícita – crime base de burla qualificada - e fizeram transferências para tentar ocultá-lo ou dissimula-lo. Assim, nada há a apontar à decisão recorrida a este propósito, pois a prova produzida é de molde a fazer concluir que os arguidos praticaram um crime de branqueamento, pp. no artigo 368.º-A do Código Penal. ** IV.B – Da existência dos perigos e proporcionalidade e adequação da medida de coação imposta: Vejamos, a este passo, se a medida de coação imposta se mostra adequada às exigências cautelares que o caso reclama, pugnando o recorrente pela aplicação de outras medidas ainda que não menos gravosas (com efeito, as medidas sugeridas pelos recorrentes são mais gravosas que a imposta). Como vimos os factos que estão fortemente indiciados são subsumíveis à prática de um crime de branqueamento, pp. no artigo 368-Aº, n.ºs 1, 3, 6 e 12, o qual é sancionado com pena de prisão até 12 anos (embora com a limitação prevista no n.º 12 do mesmo artigo). O n.º 1 do artigo 191.º do Código de Processo Penal estabelece os princípios da legalidade e tipicidade das medidas de coação e de garantia patrimonial, consignando que: “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei”. Por seu turno, o n.º 1 do artigo 193.º do Código de Processo Penal estabelece que: “As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas”. O princípio da adequação exige a aplicação da medida de coação que melhor acautele as exigências cautelares que o caso reclama, que ocorra uma correspondência entre os interesses cautelares a tutelar e a concreta medida de coação imposta ou a impor. O princípio da necessidade assegura que só aquela medida assegura a prossecução das exigências cautelares do caso, o que obriga à escolha da medida de coação menos onerosa para o agente de entre aquelas que sejam adequadas. O princípio da proporcionalidade assenta num conceito de justa medida ou proibição do excesso entre os perigos que se pretendem evitar e a aplicação da medida de coação escolhida. Esta deverá manter uma relação direta com a gravidade do crime e com a sanção previsível, cabendo ponderar elementos como o juízo de censurabilidade da conduta, o modo de execução, a importância dos bens jurídicos atingidos. Foi aplicada aos arguidos uma caução, a medida de coação, a seguir ao TIR, menos gravosa que existe no nosso ordenamento jurídico, sendo que os recorrentes pretendem que lhes seja aplicada apresentações periódicas e entrega do passaporte, que na verdade já lhes foram impostas no âmbito de outro processo. No artigo 204.º do Código de Processo Penal são elencadas as exigências cautelares que justificam a aplicação de medidas de coação: “Nenhuma medida de coação, à exceção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”. Basta a ocorrência de um dos referidos perigos para que se possa aplicar uma medida de coação. Feitas estas considerações de carácter geral, importa analisar a situação concreta do recorrente. Entendeu a decisão recorrida que “Por fim e quanto ao perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade dos arguidos, de que estes continuem a atividade criminosa ou perturbem gravemente a ordem e a tranquilidade públicas, desde já se adianta que dos factos indiciados resulta clara a existência deste perigo. Com efeito, há que ter em conta a fácil rentabilidade da conduta criminosa descrita e documentada nos autos e ao facto de os arguidos, poderem facilmente continuar a fazer uso das contas bancárias supramencionadas ou de outras, que poderão abrir em seu nome ou de terceiros, para continuar a receber e a dissipar os fundos enviados por novos ofendidos. De facto, são vários os ofendidos conhecidos nestes autos, sendo certo que, como parece ter resultado da informação trazida pelos arguidos, existirá, pelo menos, mais um processo, o Proc., nº 1003/23.2TELSB, onde se discutem factos idênticos. Ao perigo de continuação da actividade criminosa associa-se o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas porquanto, desde logo, é manifesta a gravidade dos crimes em causa, traduzida na moldura penal aplicável, sendo necessário olhar para o prejuízo causado à economia e aos fins do Estado com o branqueamento de capitais, bem como aos próprios ofendidos e lesados com a conduta criminosa levada a cabo”. Concordamos com o entendimento do Tribunal de 1:º Instância, sendo claro o perigo de continuação da atividade criminosa, nada mais havendo a acrescentar. No circunstancialismo apontado, cremos que a medida de coação aplicada, a mais branda a seguir ao TIR, se mostra adequada ao caso concreto. Os valores fixados, já com alguma expressão nos rendimentos dos arguidos, certamente os travará na tentação de obter benefícios económicos fáceis e de origem ilícita. Aqui chegados, concluímos que efetivamente a medida cautelar aplicada se mostra adequada e tem a capacidade de evitar a continuação da atividade criminosa Em conclusão, o despacho recorrido não merece qualquer censura, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Improcede assim o recurso em apreciação. ** V. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelos recorrentes, confirmando na integra a decisão recorrida. ** Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s. Notifique. Lisboa, 18 de novembro de 2025 Ana Lúcia Gordinho Alexandra Veiga João Grilo Amaral ____________________________________________ 1. De acordo com o estatuído no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995. Cf. também Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 89. 2. Cf. Eduardo Paz Ferreira, “O Branqueamento de Capitais”, in Estudos de Direito Bancário, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1999, pág. 306. |