Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ISABEL FONSECA | ||
| Descritores: | IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES ÍNDICES DE INSOLVÊNCIA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA PRESSUPOSTOS PRESUNÇÃO LEGAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade da relatora – art. 663.º n.º7 do CPC) 1. O legislador adotou para aferição dos pressupostos de declaração de insolvência um conceito de solvabilidade (art. 3.º, nº1 do CIRE); sendo este o critério geral orientador, o legislador estabeleceu ainda, considerando os sujeitos passivos da declaração de insolvência (art. 2.º do CIRE) a regra que emerge do número 2 daquele preceito, a saber, as pessoas coletivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma direta ou indireta, “são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”. 2. Nos casos em que um terceiro está legitimado a instaurar o processo (credor), o legislador elencou um conjunto de factos-índice ou factos presuntivos da situação de insolvência no art. 20º, nº 1 do CIRE, competindo àquele o ónus de alegação e prova da factualidade subsumível à hipótese normativa. 3. Deve ter-se por verificada a tipologia prevista na alínea b) do número 1 do art. 20.º do CIRE numa situação em que, grosso modo, sendo a dívida (vencida) do credor requerente (uma ex-trabalhadora) no valor de 7.750,00€, proveniente do incumprimento da obrigação de pagamento das prestações convencionadas no âmbito de uma transação judicial que remonta a 17-12-2024, esse incumprimento ocorreu em abril de 2025, tendo ainda a sociedade requerida um passivo em dívida ao Estado (Autoridade Tributária e Segurança Social) superior a 100.000,00€, não tendo quaisquer bens que permitam salvaguardar o pagamento do passivo, nem tendo alegado ter acesso a crédito para o mesmo efeito, num contexto em que nos anos de 2022 e 2023 a sociedade tem acumulado prejuízos (desconhecendo -se os valores alusivos a 2024). | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO Ação Processo de insolvência [ [1] ]. Requerente/apelante AP. Requerida VS Unipessoal, Lda. Pedido Que se declare a insolvência da sociedade VS Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º 513361901, com sede social na Rua 1.º de Maio, 70-72, 2835-016 Baixa da Banheira. Causa de pedir A requerente detém um crédito sobre a requerida no montante de 7.750,00€, a que acrescem juros moratórios vencidos desde a data de vencimento da dívida (8 de abril de 2025), e vincendos até efetivo e integral pagamento; a requerida tem outros credores e esta está numa situação de incapacidade de honrar as suas obrigações vencidas, uma vez que o seu passivo é manifestamente superior ao seu ativo, não conhecendo a requerente a titularidade de quaisquer bens à requerida. Oposição A requerida apresentou oposição, em 06-06-2025, alegando que continua a laborar e a liquidar as suas dívidas fiscais e à Segurança Social. Juntou na mesma data a relação dos seus cinco maiores credores, em cumprimento do disposto no art. 30.º, n.º 2 do CPC, indicando como credores, apenas, a Autoridade Tributária e Aduaneira (com um crédito de 75.956,15€, “vencido a 19.03.2025”) e a Segurança Social (com um crédito de 48.501, 32€, “vencido a 22.10.2021”). Julgamento Realizada a audiência final, proferiu-se sentença, em 14-07-2025, com o seguinte segmento dispositivo: “Face a tudo o que ficou exposto, declaro totalmente improcedente, por não provada, a presente acção especial de insolvência intentada por AP contra VS Unipessoal, Lda. e, em consequência, absolvo a requerida dos pedidos deduzidos nos presentes autos. Custas pela requerente. Valor da acção - 5.000,01€ – cf. artigo 301.º. Registe e notifique”. Recurso Não se conformando, a requerente apelou, formulando as seguintes conclusões: “I. O Juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são apresentadas pelas partes e/ou que lhe cheguem ao seu conhecimento. II. Ao Tribunal a quo foi submetida a apreciação da situação de insolvência da ora Recorrida, nos moldes peticionados pela Recorrente, tendo a Recorrida invocado na de Oposição encontrar-se solvente. III. Sucede, porém, que a Sentença recorrida é totalmente omissa quanto ao património e às disponibilidades financeiras da Recorrida. IV. Ora, ficou demonstrado nos autos, designadamente através das declarações de parte Recorrente que a Recorrida não é titular de quaisquer bens imóveis, bens móveis sujeitos a registo, títulos, participações ou depósitos a prazo e que sobre as contas bancárias da Recorrida incidem penhoras, situação corroborada pelas declarações prestadas pelo legal representante da Recorrida, que afirmou que esta não tem condições para prestar garantias para a aprovação de planos de pagamento prestacionais das respetivas dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira e, bem assim, do teor dos documentos juntos como 9 e 10 juntos com a p.i., confirmado pela Recorrida. V. E, mais: impendia sobre a Recorrida, que invocou a sua solvência, o ónus da respetiva prova, designadamente, através da demonstração das suas disponibilidades de liquidez ou das suas possibilidades de recorrer a crédito, o que a Recorrida não logrou fazer! VI. Sendo, aliás, um ponto sobre qual o Tribunal a quo está(va) obrigado a apreciar e a pronunciar-se, por ser necessário e fundamental para a decisão sobre a (in)solvência da Recorrida. VII. Acresce que foi dado como provado na Sentença recorrida, por admissão da própria Recorrida, através das declarações de parte do seu representante legal e dos documentos n.ºs 5 a 45 juntos com a Oposição, a existência de dívidas, em fase de execução fiscal, à Autoridade Tributária e Aduaneira no montante global de € 75.956,15, e ao Instituto da Segurança Social, I.P. no montante de € 48.501,32 (esta última, entretanto, revertida para o representante legal da Recorrida). VIII. Resultou ainda provado, através das declarações do legal representante da Recorrida que estão a ser efetuados pagamentos por conta a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, o que não revela quaisquer disponibilidades financeiras da Recorrida, tanto mais que não é esta que está a efetuar os pagamentos à Autoridade Tributária e Aduaneira, nem à Segurança Social. IX. Quanto a este ponto, errou o Tribunal a quo ao dar como provado que os pagamentos à Segurança Social estão a ser feitos pelo sócio-gerente da Recorrida, mas não concluiu o mesmo quanto aos pagamentos por conta à Autoridade Tributária, os quais provêm da mesma conta bancária titulada por aquele (cf. declarações de parte do mesmo e documentos 13, 17, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 37, 44, 45 e 40 juntos pela Recorrida com a Oposição). X. De tudo o exposto resulta que a Recorrida não demonstra qualquer capacidade para honrar os seus compromissos e pagas as suas dívidas vencidas! XI. Tanto mais que os saldos bancários da Recorrida se encontram penhorados, o que é demonstrado pelas declarações de parte da Recorrente e corroborado através da manutenção exata do respetivo saldo, em € 963,00 entre os exercícios de 2022 e 2023 (conforme documentos 9 e 10 juntos com a p.i., cujo teor foi confirmado pelas declarações do legal representante da Recorrida), XII. Contudo, a Sentença recorrida, contrariamente ao que se impunha, nada menciona quanto à suficiência do ativo da Recorrida, e muito menos, quanto à liquidez e disponibilidades financeiras, ou possibilidades de recurso ao crédito, para que a Recorrida possa pagar as suas dívidas vencidas. XIII. Tratando-se de factos com especial relevo para a decisão da causa, e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre os mesmos, a Sentença enferma de manifesta nulidade, porquanto se demitiu de decidir e de se pronunciar sobre o thema decidendum. XIV. Nos termos do artigo 615º, n.º 1 al. d), 1ª parte do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que o juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação. XV. Nulidade essa, a de omissão de pronúncia, que desde já expressamente se invoca, para todos os devidos efeitos. Sem conceder, subsidiariamente, XVI. A fundamentação jurídica da Sentença recorrida padece de manifestas contradições, em particular, na parte em que se decidiu que o passivo da Recorrida não é manifestamente superior ao seu ativo. XVII. Desde logo, o Tribunal a quo lavrou em erro, quanto à diferença registada em 2023 entre o passivo e o ativo, a qual foi de € 48.279,62 (e não de € 45.078,59). XVIII. Havendo que considerar a inexistência do crédito fiscal invocado pela Recorrida que, aliás, o Tribunal a quo deu como não provado - o respetivo ativo no exercício de 2023, foi de € 26.611,96, pelo que o respetivo passivo é mais de 4,4 vezes superior ao ativo! XIX. Quanto a este critério do balanço, vertido no n.º 2 do artigo 3.º e na alínea h) do artigo 20.º do CIRE, o mesmo não assenta apenas na diferença aritmética entre o passivo e o ativo mas, sobretudo, na medida em que tal evidencia uma incapacidade da empresa pagar as suas dívidas. XX. Atenta toda a prova produzida, conforme acima se deixou exposto, e a ausência de qualquer prova por parte da Recorrida da sua liquidez, como era seu ónus, a sua incapacidade de saldar as suas dívidas vencidas é manifesta. XXI. Tudo, conforme as declarações de parte do legal representante da Recorrida, no sentido de que esta não tem capacidade para prestar garantias para efeitos de aprovação de planos prestacionais de pagamentos à Autoridade Tributária e, bem assim, que as execuções fiscais instauradas pelo Instituto de Segurança Social contra a Recorrida haviam sido objeto de reversão, por falta de pagamento da Recorrida. XXII. Afirmando o mesmo, de forma clara, em sede de audiência de julgamento, não só que a Recorrida não tem meios para pagar aos seus credores: Autoridade Tributária, Instituto da Segurança Social e Recorrente, mas também que não sabia quando a Recorrida poderia retomar os pagamentos à Recorrente. XXIII. A diferença entre o passivo e o ativo da Recorrida em 2023, depois de retirado o valor do crédito fiscal por si alegado, que o Tribunal recorrido considerou – e bem – não existir, é assim de € 90.480,66, a qual, associada à impossibilidade de se concluir que a Recorrida tem condições para fazer face às suas obrigações pecuniárias, revela uma manifesta superioridade do passivo face ao ativo. XXIV. Pelo que se impunha ao Tribunal a quo, depois de extrair a devida subsunção jurídica do acima exposto, uma decisão totalmente diversa da que foi proferida! XXV. Por conseguinte, a decisão recorrida padece de nulidade por contradição com os fundamentos, a qual desde já expressamente se invoca, para os devidos efeitos. Sem conceder, subsidiariamente, XXVI. Entende ainda a Recorrente que os factos a seguir indicados, por serem relevantes para a boa decisão da causa, deveriam ter sido considerados provados: Que a Recorrida é devedora ao Instituto da Segurança Social do montante de € 48.501,32; Que as dívidas da Recorrida, quer ao Instituto da Segurança Social, quer à Autoridade Tributária, se encontram em execução fiscal; Que a Recorrida se encontrou impossibilitada de celebrar planos prestacionais para regularização das suas dívidas perante a Autoridade Tributária e que essa impossibilidade resultou do facto de aquela não deter bens ou direitos que pudessem ser oferecidos como garantia; Que a Recorrida não é titular de quaisquer bens imóveis, veículos automóveis, valores mobiliários, aplicações financeiras ou depósitos a prazo; Que os saldos das contas bancárias à ordem da titularidade da Recorrida se encontram penhorados; Que os pagamentos efetuados, quer à Autoridade Tributária, quer à Segurança Social se encontram a ser efetuados por terceiros – no caso, pelo respetivo representante legal. XXVII. Para o efeito, haverá que atender a toda a prova relevante e a valorar, que foi junta e produzida nos presentes autos, a saber: os Documentos 9 e 10 da Petição Inicial, os Documentos 5 a 45 da Oposição, a Relação de credores junta com a Oposição e a Prova gravada (declarações de parte da Recorrente e do legal representante da Recorrida, prestadas em audiência de julgamento). XXVIII. Em particular, do teor das declarações de parte da Recorrente (registadas a 15:41), e do legal representante da Recorrida (registadas a 24:16, 26:31, 36:51 e 37:13) e acima transcritas, resulta evidente que a Recorrida não tem, ou pelo menos não demonstrou ter bens imóveis, veículos automóveis, valores mobiliários, participações ou depósitos a prazo, e que as respetivas contas bancárias à ordem se encontram penhoradas. XXIX. E, bem assim, que os pagamentos à Autoridade Tributária e à Segurança Social estão a ser feitos a partir do património do sócio-gerente da Recorrida, mais concretamente da sua conta bancária, e que a Recorrida não tem atualmente capacidade, para pagar a dívida à Recorrente, o que apenas se poderia verificar depois de pagas as responsabilidades da Recorrida de natureza tributária, em momento que aquele nem sequer consegue precisar. XXX. Assim, sempre se terá de concluir pela inexistência de bens, direitos ou liquidez que permitam à Recorrida responder pelas respetivas dívidas. XXXI. Assim, ao não ter dado como provados os factos acima elencados em XXVI., o Tribunal a quo desconsiderou totalmente a prova produzida, incorrendo em erro na apreciação e decisão da matéria de facto, a qual tem efetivo relevo para a boa decisão da causa. Assim: 1) Da suspensão generalizada pela Recorrida do pagamento das obrigações vencidas, da sua impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações e do incumprimento generalizado do pagamento de créditos tributários, de contribuições e quotizações para a segurança social e de dívidas emergentes de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação: XXXII. Em primeiro lugar, recorde-se que cabia à Recorrida o ónus de demonstrar a sua solvência, invocando e demonstrando factos que permitissem aferir que a mesma tem capacidade financeira para pagar as suas dívidas vencidas, o que a mesma não logrou de todo fazer! XXXIII. E o Tribunal a quo não procedeu a qualquer análise nem fez qualquer menção, quanto a factos provados ou não provados, quanto à insuficiência do património da Recorrida, à sua falta de liquidez, ou à sua impossibilidade de recorrer a crédito, algo que no entendimento da Requerente fê-lo lavrar em erro, desconsiderando absolutamente aprova produzida. XXXIV. O Tribunal a quo deu como provado que a Recorrida «era devedora ao Instituto Segurança Social»; porém, não só era, como é ainda devedora ao mencionado Instituto, sendo esta alteração ao facto dado como provado absolutamente necessária e fundamental para a boa decisão quanto à (in)solvência da Recorrida. XXXV. Com efeito, a Recorrida cessou, efetivamente, os pagamentos aos seus três credores identificados: tendo sido, inclusivamente, no caso da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Segurança Social, instauradas as competentes execuções fiscais, XXXVI. Para além disso, recorde-se o acima exposto, no sentido de que tais pagamentos à Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Instituto da Segurança Social estão a ser efetuados pelo sócio-gerente da Recorrida, a partir da conta bancária deste. XXXVII. Por outro lado, a reversão dos processos de execução fiscal por dívidas ao Instituto da Segurança Social não pode, de forma alguma, determinar que a Recorrida deixasse de ser devedora àquele credor, uma vez que o mecanismo da reversão o que permite é o alargamento dos responsáveis pelas correspondentes dívidas, que passam a ser, não só da responsabilidade do devedor originário - no caso, a Recorrida -, mas também do revertido - no caso, o seu representante legal. XXXVIII. Tanto mais que a própria Recorrida, em sede de Oposição, nos termos da relação de credores junta à mesma e através das declarações de parte do seu gerente, reconheceu e confessou ser devedora ao Instituto da Segurança Social do montante de € 48.501,32. XXXIX. O Tribunal a quo cometeu um grave e relevante erro, ao considerar que a Recorrida já não é devedora ao Instituto da Segurança Social! XL. Acresce que, nos termos da lei aplicável, e por recurso às regras da experiência comum, é evidente que a Recorrida deixou de pagar generalizadamente as suas obrigações vencidas e está impossibilitada de realizar esse cumprimento, pois a mesma não detém liquidez, nem capacidade financeira. XLI. Ou, no limite, o sócio-gerente da Recorrida seria credor desta pelos montantes que se encontra a pagar por dívidas contraídas por aquela, o que se traduziria, em qualquer caso, numa manutenção do valor do respetivo passivo. XLII. Ficou ainda amplamente provado o incumprimento generalizado pela Recorrida, nos últimos seis meses, da obrigação de pagar dívidas dos três primeiros tipos identificados na alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE: tributárias, de contribuições e cotizações à Segurança Social e emergentes da cessação de contrato de trabalho. XLIII. Mal andou, portanto, o Tribunal a quo ao decidir que não se encontram demonstrados os factos-índice da situação de insolvência, elencados nas alíneas a), b) e g) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE. 2) Da insuficiência de bens da Recorrida suscetíveis de penhora: XLIV. A Recorrente aqui reitera o por si aduzido na resposta à questão antecedente, no sentido de que a Recorrida não tem, e não fez prova de ter quaisquer bens ou direitos sobre imóveis, veículos automóveis, valores mobiliários, aplicações financeiras ou depósitos a prazo e que as respetivas contas bancárias estão penhoradas. XLV. Tal conclusão resulta amplamente demonstrada nos autos, não apenas através dos documentos juntos como documentos 9 e 10 da p.i., mas também dos documentos 5 a 45 e da Relação de credores, juntos com a Oposição e, bem assim, quer das declarações de parte da Recorrente, quer do legal representante da Recorrida. XLVI. Para além disso, resultou demonstrado cabalmente através das declarações de parte do sócio-gerente da Recorrida que esta não tem bens suscetíveis de avaliação pecuniária, ou que lhe permitam ter liquidez para saldar as suas dívidas vencidas. XLVII. Relativamente a este ponto, e conforme tem sido entendimento jurisprudencial, não é exigido ao credor que intente previamente ao pedido de declaração de insolvência uma ação executiva em que se apure a inexistência de bens da devedora (cf. os Acórdãos desse Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 11.03.2025, no âmbito do processo n.º 9267/24.8T8SNT-B.L1-1, e do Tribunal da Relação de Guimarães proferido a 15.11.2018, no âmbito do processo n.º 3016/18.7T8GMRC.G1.). XLVIII. Com efeito, e sendo tais factos evidentes e expressamente reconhecidos pela própria Recorrida, não se exige no caso à Recorrente que intente previamente uma ação executiva, cujo desfecho é, não só, previsível mas, acima de tudo, em que se lhe imponham ónus adicionais, bem como o tempo e os custos relacionados. XLIX. Contudo, e mais uma vez, não obstante o resultado de toda a prova produzida nos autos, o Tribunal recorrido não atendeu a mais um indício da situação de insolvência, incorrendo, assim, novamente em manifesto erro de julgamento. L. Ao invés, deveria ter sido dado como provado que a Recorrida não detém bens ou direitos suscetíveis de penhora, que lhe permitam responder pelas dívidas, não apenas à Recorrente, mas também à Autoridade Tributária e à Segurança Social. LI. Devendo, em consequência, o Tribunal a quo concluir pela verificação do correspondente indício de situação de insolvência da Recorrida o facto-índice da insolvência, previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, cuja presunção esta não logrou sequer ilidir. 3) Do passivo da Recorrida manifestamente superior ao seu ativo: LII. A Sentença recorrida deu como provado que a Requerida apresentou no ano de 2023 um passivo de € 117.453,61, o que resulta do teor dos documentos 9 e 10 da p.i., e da confirmação feita em sede de declarações de parte, pelo representante legal da Recorrida, LIII. Quanto ao ativo, a Recorrida registou, no exercício de 2023, um valor de € 72.375,02, ao qual haverá que retirar o invocado crédito sobre a Autoridade Tributária, atualmente no montante de € 42.357,66 (anteriormente, de € 42.562,03, refletido na rubrica ‘Estado e outros entes públicos’ do Ativo refletido na respetiva IES), o qual não se encontra reconhecido (cf. declarações de parte do gerente da Recorrida) e, como tal, foi dado – e bem – como não provado pelo Tribunal recorrido. LIV. Recorde-se, neste particular, que o Tribunal a quo se equivocou, trocando o valor do ativo registado em 2022 pelo apresentado em 2023, sendo os corretos, de € 72.375,02 e € 69.173,99, respetivamente (cf. documentos 9 e 10 juntos com a p.i.). LV. Pelo que a diferença entre o passivo e o ativo passou de € 51.637,77 para € 48.279,62 entre 2022 e 2023 e não houve, contrariamente ao afirmado na Sentença recorrida, entre os dois períodos, um aumento, mas uma diminuição do ativo, juntamente com uma redução do passivo. LVI. Ora, de acordo com a IES o ativo da Recorrida em 2023 foi quase 70% (setenta or cento) superior ao ativo; contudo, em bom rigor e na realidade, face à inexistência do crédito fiscal alegado pela Recorrida e à correspondente redução do seu ativo, tal diferença é de € 90.480,66, LVII. Ou seja, em 2023, o passivo foi cerca de 4,4 (quatro vírgula quatro) vezes superior ao ativo! LVIII. E ainda que tenha havido uma diminuição da diferença entre passivo e ativo da Recorrida de 2022 para 2023, esta foi de apenas € 3.358,12; assim, e contrariamente ao sustentado na Sentença recorrida, essa redução não se afigura significativa, porquanto, se a mesma se repetisse anualmente com idêntica ordem de grandeza, demoraria mais de 14 (catorze) anos até que o ativo igualasse o ativo da Recorrida. LIX. Facto é que, atualmente, atenta a incapacidade generalizada da Recorrida pagar as suas dívidas vencidas, tal como resulta das respostas à primeira e à segunda questão a resolver, o seu passivo é manifestamente superior ao seu ativo, em cerca de quatro vezes e meia! LX. Por outro lado, e face à sua insuficiência, nos moldes acima referidos e conforme amplamente demonstrado através da prova produzida nos autos, o ativo da Recorrida não representa, na prática e em concreto, qualquer disponibilidade ou liquidez, ou até uma possibilidade desta recorrer ao crédito. LXI. Por conseguinte, o passivo é manifestamente superior ao ativo da Recorrida, sendo este comprovadamente insuficiente para esta possa pagar as suas obrigações pecuniárias vencidas, à Recorrente, ou a qualquer outro credor da Recorrida. LXII. Por fim, sustenta a Recorrida, em moldes absolutamente vagos e abstratos que «tem atividade e rendimentos», não se encontrando em situação de insolvência; porém, não logra a mesma invocar e muito menos provar que atividade exerce, nomeadamente, os Clientes que tem, qual a sua faturação, e os proveitos ou recebimentos que aufere! LXIII. Salvo o devido respeito, o exercício de atividade pela Recorrida não afasta a possibilidade de se verificarem os pressupostos e requisitos legais para ser declarada insolvente, conforme entende a Recorrente ser o que sucede no caso vertente (neste sentido, citem-se os Acórdãos, desse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 12.10.2017, proferido no âmbito do processo n.º 6313/17.5T8SNT, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.02.2016, proferido no âmbito do processo n.º 2519/15.0T8LRA-A.C1. LXIV. Desde logo, porque resulta amplamente demonstrado que a atividade desenvolvida pela Recorrida não lhe permite fazer face às suas obrigações vencidas, tendo o seu representante legal declarado que a mesma tem registado, anualmente, sucessivos prejuízos. LXV. Acresce que a Recorrida não deu cumprimento ao ónus que lhe cabia, nos termos do n.º 4 do artigo 30.º do CIRE, de demonstrar, através dos documentos e elementos da respetiva contabilidade organizada, a situação de solvência por si invocada, reiterase, em termos absolutamente vagos e imprecisos. LXVI. Resumidamente: a Recorrida não logrou demonstrar, como lhe competia e era seu ónus, nos termos da lei, a sua solvência! Em suma: LXVII. Censura-se o modo como o Tribunal a quo julgou improcedente a ação e, em consequência, absolveu a Recorrida dos pedidos, não apenas por flagrante violação das normas substantivo e processuais aplicáveis, mas assim representando uma decisão manifestamente injusta, não apenas para a já débil situação da Recorrente, mas dos demais credores e do interesse público! LXVIII. Portanto, mal andou a Sentença recorrida, merecendo a censura desse Venerando Tribunal Superior pela fragilidade da sua fundamentação fáctica e jurídica, impondose a sua revogação e a sua substituição por outra que decida nos termos acima expostos, assim se decretando a insolvência da Recorrida, seguindo-se os demais termos e a abertura do incidente de qualificação da mesma como culposa, tudo conforme peticionado pela Recorrente. TERMOS EM QUE, COM A DEVIDA VÉNIA E O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. DEVERÁ JULGAR-SE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, DEVENDO DECLARAR-SE NULA A SENTENÇA RECORRIDA E, EM QUALQUER CASO, PROCEDER-SE À REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO, E, CONSEQUENTEMENTE, SER A SENTENÇA REVOGADA, PROFERINDO-SE ACÓRDÃO QUE JULGUE, A FINAL, A AÇÃO PROCEDENTE POR PROVADA, DECLARANDO-SE A INSOLVÊNCIA DA ORA RECORRIDA, TUDO CONFORME O PETICIONADO. COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA! Não foram apresentadas contra-alegações. II. FUNDAMENTOS DE FACTO O tribunal de 1.ª instância fixou a factualidade dada por assente nos seguintes termos [ [2] ]: “A) Factos provados Discutida a causa o Tribunal considera que se mostra provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir: Da petição inicial 1.º A requerida é uma sociedade comercial por quotas, constituída a 6 de janeiro de 2015, que tem como objecto social a prestação de serviços administrativos a pessoas individuais e colectivas; comércio, importação, exportação, representação e distribuição de grande variedade de mercadorias, nomeadamente de vestuário, acessórios, malhas, têxteis, calçado, marroquinaria, malas, bijutaria, brindes e perfumaria; compra, venda e revenda de bens imóveis e dos adquiridos para esse fim, arrendamento de bens imóveis, promoção imobiliária (desenvolvimento de projectos de edifícios), construção de edifícios (residenciais e não residenciais), montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia, revestimento de pavimentos e paredes, outras actividades de acabamentos de edifícios, fabricação de mobiliário de cozinha, fabricação de mobiliário de madeira para outros fins (facto provado por documento – certidão do registo comercial da requerida). 2.º A requerida tem e sempre teve como único sócio e gerente, VS (facto provado por documento – certidão do registo comercial da requerida). 3.º No âmbito do processo n.º 5458/24.0T8ALM do Juízo do Trabalho de Almada – Juiz 1, a requerente, ali autora, e a requerida, ali ré, alcançaram transacção nos seguintes termos (facto provado por documento – acta de 17 de dezembro de 2024): “1) A Autora reduz o pedido para o valor de €10.000,00, valor que a Ré aceita pagar a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho; 2) – O montante referido em 1) será pago em 13 prestações mensais e sucessivas, sendo as 12 primeiras no valor de €750,00 cada e a última no valor de €1.000,00; 4.º 3) – As prestações serão pagas mediante transferência para o IBAN que será indicado pela Autora no prazo de 5 dias; 5.º 4) A 1.ª prestação vence-se no dia 08-01-2025, vencendo-se as demais nos dias 8 dos meses subsequentes; 6.º 5) Com a celebração da presente transacção e pagamento da quantia nela acordada, as partes reciprocamente aceitam e declaram nada mais ter a haver uma da outra, seja a que título for, por força da execução e cessação do contrato de trabalho; 7.º 6) Custas em partes iguais, prescindem reciprocamente as partes das de parte.”. 8.º A referida transacção foi homologada por sentença (facto provado por documento – acta de 17 de dezembro de 2024). 9.º A requerida apenas pagou à requerente as três primeiras prestações acordadas, nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2025 (facto provado por acordo). 10.º A prestação referente ao mês de março foi paga no dia 17 desse mês, ou seja, já após a respectiva data de vencimento, com a correspondente constituição da requerida em mora (facto provado por acordo). 11.º A requerida não efectuou o pagamento das quarta e quinta prestações previstas no acordo de transacção judicial, vencidas a 8 de abril e 8 de maio de 2025, respectivamente, vencendo-se, assim, igualmente as subsequentes prestações acordadas (facto provado por acordo). 12.º As contas anuais apresentadas pela requerida relativamente aos exercícios de 2022 e 2023, sendo este o último que se encontra depositado, revelam um passivo de 124.012,79€ em 2022 e de 117.453,61€ em 2023, sendo o activo de 69.173,99€ em 2022 e de 72.375,02€ em 2023. 13.º A requerida é devedora à Autoridade Tributária e era devedora ao Instituto Segurança Social (facto provado por confissão). Da oposição 14.º A requerida mantém-se em actividade, prestando serviços aos seus clientes (facto provado pelas declarações do legal representante da requerida, corroboradas pelas declarações da testemunha …, que por razões profissionais se desloca com frequência ao local onde a requerida presta os seus serviços aos clientes). 15.º A dívida da requerida à Autoridade Tributária e Aduaneira ascende ao valor de 75.956,15€ (facto provado por confissão). 16.º A requerida está a fazer pagamentos por conta à Autoridade Tributária e Aduaneira, de forma a regularizar as suas dívidas fiscais (facto provado por documentos fiscais e bancários). 17.º A dívida da requerida para com o Instituto da Segurança Social foi revertida, por falta de pagamento, para o seu sócio, VS, que se encontra a pagar o montante em dívida em prestações (facto provado pelas declarações do legal representante da requerida e pelos documentos da Segurança Social e bancários)”. Mais indicando o seguinte: “B) Factos não provados Discutida a causa o Tribunal considera que com relevância para a decisão a proferir não resultou provada a seguinte factualidade: Da oposição 1º A requerida tem um crédito fiscal sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira no valor de 42.357,66€. 2º No ano de 2023 a requerida teve de efectuar um pagamento de 2.653,86€ a fornecedores, porque a requerente, na qualidade de sua trabalhadora, entendeu que não iria pagar uma factura no montante de 1.882,64€, causando-lhe desse modo um prejuízo de 771,22€. 3º No ano de 2024, a requerida foi confrontada com uma dívida a fornecedores no valor de 6.875,60€, que a requerente contraiu e ocultou. 4º A requerente ficou incumbida pela requerida de efectuar a retenção na fonte da renda paga ao senhorio pelo estabelecimento locado sito na Rua Foros da Amora, n.º 72, R/C Direito, Cruz de Pau, Amora, local onde a requerente exercia as suas funções, mas não entregou ao Estado o valor correspondente, originando avultadas dívidas à Autoridade Tributária. * Não se deu resposta à restante matéria alegada pelas partes nos seus articulados por se considerar que tal matéria consubstancia matéria de direito, conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa”. III. FUNDAMENTOS DE DIREITO 1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, n.º 3 do mesmo diploma. No caso, impõe-se apenas apreciar: - Da nulidade da decisão recorrida; - Da impugnação do julgamento de facto; - Se, perante a factualidade dada como assente, se verificam os pressupostos para a declaração de insolvência da devedora. 2. Invoca a apelante que a sentença é nula porquanto o tribunal omitiu pronunciar-se sobre determinados factos que devia ter dado como provados – cfr. as conclusões I a XV. O juiz deve “conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, constituindo nulidade de sentença quer a falta de apreciação, isto é o “o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão”, quer a apreciação “de causas de pedir não invocadas quer de exceções não deduzidas e que estejam na exclusiva disponibilidade das partes” [ [3] ]. Como acontece relativamente a outros vícios suscetíveis de afetar a sentença e que também são cominados com a nulidade, importa, no entanto, não confundir a omissão/excesso de conhecimento com as hipóteses em que o juiz se limita a expor o seu raciocínio, efetuando um juízo valorativo e considerando determinadas “linhas de fundamentação jurídica” [ [4] ]; está, então, em causa, eventual erro de julgamento e não qualquer vício de natureza formal que inquina a sentença. No caso, a apelante confunde entre a omissão de pronúncia, vício de natureza formal que inquina a sentença e gerador de nulidade desta e a mera desconsideração de factos que a apelante entende deverem considerar-se provados, ao contrário do tribunal, questão que se insere no âmbito do mérito do julgamento de facto, justificando a impugnação respetiva e correlativa pretensão de aditamento, com cumprimento das exigências a que alude o art. 640º do CPC, o que aliás a apelante fez, sendo nesse âmbito que a questão deve ser colocada e apreciada. Improcede, pois, a invocada nulidade. * Invoca ainda a apelante a nulidade da sentença por contradição entre os factos e a decisão – cfr. as conclusões XVI a XXV. A contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº1, alínea c) do CPC) configura vício que ocorre quando, ao invés do raciocínio silogístico que deve caraterizar a decisão, em que as premissas (de facto e de direito), conduzem necessariamente ao resultado vertido na parte dispositiva, se verifica uma “construção da sentença” “viciosa”, “uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente” [ [5] ]. Sendo que também aqui se impõe distinguir entre as situações de contradição e aquelas em que se visualiza tão-somente um erro de julgamento, nomeadamente porque a factualidade assente não suporta a solução jurídica propugnada na sentença. Como à evidência decorre das alegações de recurso, a crítica da apelante insere-se no âmbito da apreciação do mérito do julgamento feito e não em sede de nulidade. Novamente, é em sede de análise do mérito do julgamento de facto e de direito que a questão deve ser colocada e apreciada. Improcede a invocada nulidade. 3. Pretende a apelante que se adite à factualidade assente a seguinte matéria, que tem por relevante e que entende estar provada: a) Que a Recorrida é devedora ao Instituto da Segurança Social do montante de € 48.501,32; b) Que as dívidas da Recorrida, quer ao Instituto da Segurança Social, quer à Autoridade Tributária, se encontram em execução fiscal; c) Que a Recorrida se encontrou impossibilitada de celebrar planos prestacionais para regularização das suas dívidas perante a Autoridade Tributária e que essa impossibilidade resultou do facto de aquela não deter bens ou direitos que pudessem ser oferecidos como garantia; d) Que a Recorrida não é titular de quaisquer bens imóveis, veículos automóveis, valores mobiliários, aplicações financeiras ou depósitos a prazo; e) Que os saldos das contas bancárias à ordem da titularidade da Recorrida se encontram penhorados; f) Que os pagamentos efetuados, quer à Autoridade Tributária, quer à Segurança Social se encontram a ser efetuados por terceiros – no caso, pelo respetivo representante legal. A apelante deu cumprimento às exigências que decorrem do art. 640.º do CPC, pelo que nada obsta à apreciação, impondo-se a ponderação dos documentos juntos aos autos, nos moldes a que se aludirá, bem como a prova pessoal produzida, sendo que se procedeu à audição das declarações prestadas em 04-07-2025 pelo representante legal da requerida, VS (declarações de parte) [ [6] ]. * Na oposição apresentada a requerida alegou expressamente que o Instituto da Segurança Social é um dos seus credores, pelo montante de 48.501,32€, e que “firmou acordo prestacional com o Instituto da Segurança Social para pagamento das suas dívidas e está a efetuar os respetivos pagamentos” (cfr. os arts. 17.º e 18.º da oposição), sendo que, a esse propósito, o tribunal deu apenas como provada a matéria consignada sob os números 13 e 17, salientando-se a forma verbal utilizada para distinguir entre a dívida à Autoridade Tributária (“é”) e a dívida ao Instituto Segurança Social (“era”). Ora, como assinalado pela apelante, o instituto de reversão não tem o alcance nem a virtualidade de extinguir a dívida da sociedade, que se mantém até se mostrar integralmente paga, seja pela sociedade seja pelo garante pelo que a indicação referida não se mostra correta, nunca tendo aliás a requerida alegado que deixou de ser devedora à Segurança Social. Sem prejuízo, dos documentos juntos com a oposição e considerando exatamente que essa dívida está a ser paga nos termos indicados no número 17 dos factos provados, desconhece-se o seu valor exato à data em que a insolvência foi requerida, relevando apenas a indicação da requerida quando apresentou a oposição. Ainda, dos documentos juntos pela requerida com o articulado da oposição resulta que as dívidas da requerida, quer ao Instituto da Segurança Social, quer à Autoridade Tributária, foram objeto de execução fiscal, ainda que se desconheça o estado dos respetivos processos. A requerente juntou com a petição inicial documentos alusivos à prestação de contas da requerida dos anos de 2022 (entregue em 2023-05-26) e 2023 (entregue em 11-06-2024), salientando-se que como expressamente consignado nos documentos, quanto ao tipo de contabilidade a requerida adota a “Norma Contabilística para Microentidade”. Esses documentos não foram impugnados pela requerida que, de forma equívoca e juridicamente irrelevante, se limita a indicar no art. 27.º da oposição que “[i]mpugnam-se todos os factos articulados pela requerente, no arrazoado vertido no requerimento inicial, assim como, todos os documentos quanto ao teor e efeitos, por não se retirar dos mesmos motivos justificativos para o que a requerente pretende obter”. Desses documentos resulta que: - As contas anuais apresentadas pela requerida dão nota de um ativo de 72.375,02€ em 2022 e um ativo de 69.173,99€ em 2023, ao contrário do que, por manifesto lapso que ora cumpre retificar, a Juiz fez consignar no facto provado número 12, erro salientado pela apelante nas alegações de recurso; - Em sede de balanço, na rubrica “activo” (“activo corrente”), inscreveu-se um crédito ao “Estado e outros entes públicos” no valor de 50.713,21€ em 2022 e de 42.562,03 em 2023. Ora, o tribunal deu como não provada (sem impugnação) a factualidade invocada na oposição, no art. 20.º, em que a requerida alegou que “tem um crédito fiscal perante a Autoridade Tributária e Aduaneira no valor de 42.357,66€”, remetendo nesse artigo para o documento n.º 46. Trata-se de documento junto pela requerida em 06-06-2025 alusivo estritamente a uma declaração entregue pela requerida à Autoridade Tributária em 26-05-2025, em que a requerida reclama como “total do imposto a favor do sujeito passivo” o valor de 42.357,66€ e indica como “total do imposto a favor do Estado” 900,44€, concluindo pelo valor de 41.457,22€ como “excesso a reportar”. Trata-se apenas de documento que comprova que a requerida deduziu pedido alusivo a reembolso de IVA sendo que não foi apresentado qualquer documento que ateste a concessão, pela AT, desse reembolso ou seja que o crédito aludido foi reconhecido pela AT, como aliás expressamente reconhecido pelo representante legal da requerida que, quando prestou declarações, indicou, ter reclamado esse “crédito fiscal” e que ainda não há decisão por parte da Autoridade Tributária quanto ao mesmo. - Igualmente, em sede de balanço, mostra-se inscrito, em ambas as declarações, o mesmo valor de 963,07€ a título de “Caixa e depósitos bancários”. O certo é que não se individualizam documentos comprovativos da aludida “penhora desse valor” Ainda, com referência a imóveis, desses documentos não resulta qualquer registo nesse sentido. Assim: (i) No balanço consta a indicação “Propriedades de investimento”, sem montante (0 €) e os “Activos fixos tangíveis”, pelo valor de 9 151,95 €, mas apenas com referência a equipamento, sem terrenos ou edifícios; (ii) Em 05-A-Anexo, Nota 0512-A, em sede de “Propriedades de investimento”, em todas as tabelas (terrenos, edifícios, etc.) consta a indicação de 0,00; em “outras informações”, assinala-se igualmente 0,00 em “Rendas e outros rendimentos de imóveis”; (iii) Nos “Activos não correntes detidos para venda (incluindo “propriedades de investimento”) é igualmente assinalado 0,00. Tudo permitindo concluir que não há qualquer imóvel registado nem rendimentos de imóveis em 2022 e 2023. Acresce que o gerente da requerida prestou declarações assumindo expressamente que a sociedade requerida não possui quaisquer ativo suscetível de servir para garantia de pagamento da dívida à Autoridade Tributária, razão pela qual não foi viável estabelecer com a mesma um plano de pagamento prestacional, referindo que por isso encetou “pagamentos por conta” (cfr. o facto provado número 16) , como igualmente assumiu expressamente que a requerida querendo pagar à requerente – e que “vai pagar” à requerente – não tinha condições de o fazer “na totalidade”, respondendo negativamente a pergunta do mandatário da requerente nesse sentido e à Juiz, que inquiriu o depoente, insistentemente, quanto a essa matéria. Não pode deixar de salientar-se que o representante legal da requerida foi inquirido expressamente pelo mandatário da requerente sobre se a requerida tinha bens [ [7] ], tendo sido interrompido pelo tribunal, sem qualquer justificação porquanto, se é certo que a inquirição decorria no âmbito da prestação de declarações de parte – e não em sede de depoimento de parte – igualmente temos por seguro que impende sobre o tribunal o dever de averiguar toda a factualidade pertinente à decisão do litígio, vigorando o princípio do inquisitório, com o especial e abrangente alcance que resulta do art. 11.º do CIRE [ [8] ], pelo que até tinha plena justificação o tribunal inquirir diretamente o depoente quanto a essa matéria [ [9] ]. Em suma, os elementos de prova carreados para o processo (documental e prova pessoal) suportam sem qualquer margem para dúvida razoável a afirmação da apelante, no sentido de que a requerida não é titular de quaisquer bens imóveis, veículos automóveis, títulos de crédito e depósitos a prazo. Quanto às razões pelas quais a requerida não celebrou com a Autoridade Tributária plano prestacional de pagamentos da dívida, trata-se de facto que foi admitido pelo depoente, que referiu expressamente que a requerida não possui bens para dar de garantia, razão pela qual iniciou os “pagamentos por conta” – cfr. o número 16 dos factos provados. Quanto à indicação de que “os saldos das contas bancárias à ordem da titularidade da Recorrida se encontram penhorados”, trata-se de afirmação genérica, não suportada em qualquer elemento de prova que permita concluir sobre o montante dos saldos, respetivas contas e data ou processo em que a penhora terá sido efetuada. Por último, quanto à matéria aludida em f) – “[q]ue os pagamentos efetuados, quer à Autoridade Tributária, quer à Segurança Social se encontram a ser efetuados por terceiros – no caso, pelo respetivo representante legal” – relevam os documentos juntos pela requerida. Assim, os documentos juntos com a oposição alusivos a pagamentos à Segurança Social dão nota de que é o representante legal da requerida que os está a fazer, no âmbito do instituto da reversão, nos termos indicados sob o número 17 dos factos provados, reportando-se alguns documentos a comprovativos do pagamento e que o mesmo está a ser processado por via da conta à ordem “n.º 289.10.002541-9 CONTA ORDENADO”, do Banco Montepio; acrescente-se que essa matéria foi igualmente confirmada pelo representante legal da requerida. Ora, foram igualmente juntos documentos comprovativos de pagamentos de dívidas da requerida à Autoridade Tributária, por via da mesma conta bancária referida, mais se aludindo quanto ao “tipo de pagamento”, que o mesmo é feito nos seguintes termos: “[p]agamento por conta nos termos do art. 264.º do CPPT” – como também indicado pelo representante legal da requerida, sendo no entanto o pagamento alusivo a dívida da requerida, com expressa menção do respetivo número de contribuinte (513361901, número igualmente assinalado nos documentos juntos pela requerente e já aludidos). Ou seja, deve dar-se igualmente por assente, como a apelante pretende, que os valores que estão a ser entregues à Autoridade Tributária, para pagamento da dívida da requerida, se encontram a ser efetuados pelo apelante. Já quanto ao aditamento que se pretende relativamente à Segurança Social o mesmo não tem cabimento em face do que já foi dado por provado no número 17. Em suma, julga-se parcialmente procedente a impugnação, justificando-se aditar à factualidade assente a seguinte matéria: - A requerida apresentou, em 06-06-2025, a “relação dos cinco maiores credores”, indicando que o Instituto da Segurança Social tem um crédito sobre a requerida de € 48.501,32, “vencido a 22.10.2021”; - As dívidas da requerida quer ao Instituto da Segurança Social, quer à Autoridade Tributária, foram objeto de processos de execução fiscal; - A requerida não é titular de quaisquer bens imóveis, veículos automóveis, títulos de crédito e depósitos a prazo; - Razão pela qual a requerida não celebrou com a Autoridade Tributária qualquer plano prestacional de pagamentos da dívida; - Os valores que estão a ser entregues à Autoridade Tributária, para pagamento da dívida da requerida, a que se refere o número 16 dos factos provados, estão a ser efetuados pelo VS. E, na sequência do que se expôs, altera-se a redação dos números 12 e 13 dos factos provados, que passam a ter a seguinte redação: 12. As contas anuais apresentadas pela requerida relativamente aos exercícios de 2022 e 2023, sendo este o último que se encontra depositado, revelam um passivo de 124.012,79€ em 2022 e de 117.453,61€ em 2023, sendo o ativo de 72.375,02€ em 2022 e de 69.173,99€ em 2023; no ativo a requerida fez inscrever um crédito sobre o “Estado e outros entes públicos” no valor de 50.713,21€ em 2022 e de 42.562,03 em 2023; 13. A requerida é devedora à Autoridade Tributária e é devedora ao Instituto Segurança Social. 4. Quanto aos pressupostos para a declaração de insolvência da sociedade requerida, a primeira instância julgou improcedente a pretensão da requerente/apelante. Vejamos se com razão. Nos termos do art. 3.º nº 1 do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem, “[é] considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. Na aferição da situação do devedor não é critério determinante o valor do seu património, por confronto com o valor da dívida, sabendo-se que é esse património que responde pelas dívidas (arts. 817.º do Cód. Civil e 735.º do CPC). Ao invés, o legislador adotou para aferição dos pressupostos de declaração de insolvência um conceito de solvabilidade [ [10] ]. Como refere Menezes Leitão, “a insolvência correspondente à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa. Efectivamente, a situação líquida negativa não implica a insolvência do devedor se o recurso ao crédito lhe permitir cumprir pontualmente as suas obrigações, assim como uma situação líquida positiva não afastará a insolvência, se se verificar que a falta de crédito não permite ao devedor superar a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações” [ [11] ] [ [12] ]. Sendo este o critério geral orientador, como se entende que é, o legislador estabeleceu ainda, considerando os sujeitos passivos da declaração de insolvência (art. 2.º) a regra que emerge do número 2 do preceito, a saber: “As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis [ [13] ] (sublinhado nosso). Como se referiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 04-12-2014 “[o] advérbio “também”, usado no citado art.º 3º nº 2, não pode deixar de ser significativo no sentido de que esse é mais um critério adicional para considerar as pessoas colectivas e patrimónios autónomos como insolventes e não o único critério para formular um juízo de insolvência em relação às pessoas colectivas e patrimónios autónomos” [ [14] ] [ [15] ] [ [16] ]. Nos casos em que um terceiro está legitimado a instaurar o processo [ [17] ], o legislador elencou um conjunto de factos-índice ou factos presuntivos da situação de insolvência no art. 20º, nº 1, competindo àquele o ónus de alegação e prova da factualidade subsumível à hipótese normativa. Nos termos do art. 30.º, nº3, “[a] oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência” [ [18] ] [ [19] ]. Em face destes parâmetros de avaliação, centremo-nos, então, no caso em apreço. Na sentença recorrida, depois de breve enunciação do quadro legal, sem que a esse propósito se suscite qualquer controvérsia, fundamentou-se como segue: “O requerente alegou factos conducentes, na sua perspectiva, à verificação das situações previstas nas alíneas no artigo 20.º, 1, a), b), e g), i), ii) e iii). // Relativamente à suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, não se retira dos factos provados matéria que nos permita concluir pela sua verificação, na medida em que se mostra provado que a requerida apenas deixou de pagar à requerente, continuando a pagar à Autoridade Tributária e Aduaneira. // Relativamente à falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, temos de ter desde logo em conta que se mostra provado apenas o incumprimento por parte da requerida da obrigação perante a requerente, no montante de 7.750,00€, que não se pode considerar um montante particularmente elevado. // Ora, o incumprimento desta obrigação não revela, por si só, a impossibilidade de a devedora satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, pois por um lado, trata-se de um cumprimento isolado e, por outro lado, estamos perante um montante relativamente baixo tendo em conta o hábito no giro comercial, sendo certo que não temos provado qualquer facto que nos permita avaliar as circunstâncias do incumprimento. // Quanto ao incumprimento a que alude a alínea g), apenas se verifica o que se refere ao crédito da requerente, proveniente da cessão de contrato de trabalho. // Pelo exposto, considera o tribunal que não se mostra provado qualquer facto que nos conduza a concluir que a requerida se encontra insolvente e, em consequência, que estamos perante uma insolvente culposa. // Por fim, no que tange à matéria provada quanto ao activo e ao passivo da requerida (revelante nos termos do n.º 2 do artigo 3.º), temos que quanto ao exercício de 2022 o passivo ascendia ao montante de 124.012,79€ e o passivo a 69.173,99€, ou seja, uma diferente de 54.838,80€, ao passo que quanto ao exercício de 2023 o passivo baixou para o montante de 117.453,61€ e o activo subiu para 72.375,02€, sendo a diferença no montante de 45.078,59€. // Da análise desta factualidade, consideramos que não podemos afirmar que o passivo é manifestamente superior ao activo, sendo certo que a diferença entre ambos diminuiu em vez de aumentar. // Em suma, não se mostrando verificado qualquer facto gerador de presunção de insolvência nos termos previstos no n.º 1 do artigo 20.º, tem a presente acção de improceder” (sublinhado nosso). Não podemos acompanhar este juízo valorativo. Está em causa apreciar, segundo a delimitação objetiva feita no requerimento inicial, se é viável a subsunção do caso à tipologia prevista nas alíneas a), b) e g) do n.º 1 do artigo 20.º, a saber: - “Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” (alínea a); - “Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações” (alínea b) e - “Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos: i) Tributárias; ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato; iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência” (alínea g). Ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, considera-se estar preenchida a tipologia prevista na referida alínea b), tornando dispensável a eventual subsunção às demais alíneas. Assim: - A dívida à requerente não é particularmente elevada, como indicado pelo tribunal recorrido, mas, num país em que o SMN foi fixado, para o corrente ano de 2025, em 870,00€, também não se trata de valor insignificante (7.750,00€), tanto assim que a requerida assumiu expressamente não ter condições para pagar esse valor à sua ex-trabalhadora; - Estamos perante um crédito de natureza laboral, tendo por base uma transação judicial efetuada em 17-12-2024, num processo que correu termos no tribunal de trabalho, intentado pela requerente, fixando a requerente e a requerida o valor da dívida global e o pagamento da mesma em prestações mensais de 750,00€, sendo a última prestação de 1.000,00€; a requerida procedeu ao pagamento, apenas, das primeiras três prestações convencionadas, no valor global de 2.250,00€, incumprindo com as demais, que se venceram (art. 781.º do Cód. Civil), pelo que a falta de cumprimento da obrigação de natureza pecuniária por parte da requerida remonta a abril de 2025, ou seja, poucos meses depois de ter sido outorgado o referido acordo, não podendo a requerida ignorar que tinha assumido essa obrigação, num contexto em que tinha conhecimento das demais dívidas que impendiam sobre a sociedade e das condições que tinha para o pagamento do seu passivo, sendo que não se provou qualquer circunstância superveniente que de alguma forma seja suscetível de explicitar o incumprimento da obrigação assumida com a sua ex-trabalhadora; - Para além da dívida da requerente, a requerida tem dívidas ao Estado, de valor globalmente superior a 100.000,00€, não tendo quaisquer bens suscetíveis de suportar o pagamento do seu passivo – cfr. a factualidade aditada por esta Relação – sendo que a requerida nunca alegou sequer ter acesso ao crédito ou a qualquer forma de financiamento para suportar o pagamento do passivo, num contexto em que a sociedade (unipessoal), vem acumulando prejuízos nos anos de 2022 e 2023 e se desconhece quaisquer elementos pertinentes relativamente ao ano de 2024. Saliente-se que, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, podemos concluir que o passivo é manifestamente superior ao ativo e, se bem que se aceite ter diminuído de 2022 para 2023, tudo tendo por base, apenas, os documentos de prestação de contas apresentados, ainda assim o resultado não é significativo porquanto passou de um saldo negativo de 51.637,77€ em 2022 (124.012,79€ - 72.375,02€) para um saldo negativo de 48.279,62€ (117.453,61€ - 69.173,99€) em 2023, abstraindo-nos até da circunstância de, no ativo, a requerida incluir um crédito, de valor significativo, crédito que se arroga titular, sobre a Autoridade Tributária, sem qualquer elemento que permita confirmar a sua existência – cfr. a análise feita em sede de impugnação do julgamento de facto [ [20] ]. Em suma, entendemos que a falta de cumprimento da obrigação de pagamento, pela requerida, à requerente, da dívida aludida, no contexto apontado, revela a impossibilidade da requerida satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, verificando-se o índice a que alude a alínea b) do número 1 do art. 20.º, sendo que a requerida não provou, como lhe competia, a sua solvabilidade, não tendo provado qualquer circunstancialismo que permita concluir que, pese embora todos os fatores referidos, ainda assim a requerida, no exercício do seu objeto, evidencia capacidade económica para solver o compromisso que assumiu com a requerente. Impõe-se, pois, a alteração da sentença recorrida. * Pelo exposto, julgando procedente a apelação, revoga-se a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que, decretando a insolvência da requerida, VS Unipessoal, Lda., dê prosseguimento aos autos. Custas a cargo da requerida/apelada (art. 527.º, n.º 1 do CPC) Notifique. Lisboa, 11-11-2025 Isabel Fonseca Elisabete Assunção Ana Rute Costa Pereira _______________________________________________________ [1] Ação instaurada em 16-05-2025. [2] A numeração dada à factualidade assente padece de evidente erro de formatação, mas por razões de facilidade de raciocínio e melhor compreensão dos intervenientes processuais esta Relação não altera essa numeração. [3] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2017, Coimbra: Almedina, vol. 2º, p.737. [4] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obr. e loc. citados. [5] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2010, Coimbra: Almedina, p. 56. [6] Conforme indicação constante da ata de julgamento, o representante legal da requerida tem domicílio “na R (…) ”, local que corresponde à sede da requerida, conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial junta com a petição inicial. [7] Atente-se ao seguinte diálogo: Advogado: já agora, diga-me outra coisa, esta sociedade tem bens imóveis? Depoente: não Advogado: tem veículos automóveis? Depoente: não. Advogado: tem títulos créditos, depósitos a prazo… Depoente: não. [8] Como resulta do confronto entre o art. 11.º do CIRE e o art. 411.º do CPC, em sede de direito da insolvência o princípio do inquisitório tem uma amplitude muito mais vasta, conferindo ao juiz o poder-dever de investigar todos os factos juridicamente relevantes para a decisão, independentemente dos mesmos terem sido alegados pelos intervenientes processuais; donde, o juiz pode, oficiosamente, efetuar as diligências que entenda pertinentes para averiguação desses factos e deve atender aos mesmos se eles resultarem da instrução da causa. [9] No art. 39.º da petição inicial a requerente alegou “não conhecer à Requerida bens ou direitos, saldos ou créditos disponíveis, desonerados e avaliáveis pecuniariamente”. [10] Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2012, Coimbra: Almedina, p. 21. [11] Direito da Insolvência 2019, Coimbra: Almedina, p. 83. [12] O conceito assim delimitado reconduz-se à situação de insolvência atual; desta se distingue a situação de insolvência iminente, como a situação económica difícil, conceitos a que o legislador também se reporta (cfr. os arts. 17.º-A, nº1 e 222.º-A, nº1); no caso de ser o devedor a apresentar-se à insolvência, a lei equipara à situação de insolvência atual a que seja meramente iminente (número 4 do art. 3.º). [13] Releva, ainda, o seu número 3, com a seguinte redação: “Cessa o disposto no número anterior quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras: a) Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor; b) Quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspectiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso com exclusão da rubrica de trespasse; c) Não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do activo restante depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor”. [14] Processo: 877/13.0YXLSB.L1-6 (Relator: Antonio Martins). [15] Continua o acórdão: “Daqui decorre que a interpretação feita pela apelante pretendendo uma distinção entre os critérios de insolvência das pessoas singulares e pessoas colectivas, aquelas apenas com base no art.º 3º nº 1 e estas com base apenas no nº 2 do mesmo preceito, não tem qualquer apoio no texto legal. Consequentemente, segundo as boas regras de hermenêutica jurídica, não pode ser considerado pelo intérprete tal pensamento legislativo (cfr. art.º 9º nº 2 do Código Civil). // Aliás, se dúvidas existissem de que tal interpretação não tem fundamento, o elemento histórico de interpretação, face ao preâmbulo do diploma legal em causa, as dissiparia em absoluto. // Com efeito, no considerando 19 do referido preâmbulo, o legislador foi claro quando afirmou: “Simplificando a pluralidade de pressupostos objectivos presente no CPEREF, o actual diploma assenta num único pressuposto objectivo: a insolvência. Esta consiste na impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, que, quando seja o devedor a apresentar-se à insolvência, pode ser apenas iminente. Recupera-se, não obstante, como critério específico da determinação da insolvência de pessoas colectivas e patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente a superioridade do seu passivo sobre o activo” (sublinhados da nossa autoria, evidentemente, apenas para evidenciar o anteriormente afirmado). Temos pois por certo, em face do regime legal, nomeadamente o citado art.º 3º nºs 1 e 2, que o critério legal para poder ser considerado insolvente (seja pessoa singular ou pessoa colectiva ou património autónomo) é a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas e, quanto às pessoas colectivas e patrimónios autónomos, além daquele critério, também podem ser consideradas insolventes no caso de ser manifesta a superioridade do seu passivo em relação ao seu activo”. [16] Concorda-se com o que, a propósito do número 2 do art. 3.º refere Alexandre de Soveral Martins (Um Curso de Direito da Insolvência, 2021, vol. I, Coimbra: Almedina, pp. 65-66): // “Estamos, aqui, perante um critério autónomo, pretendendo a lei evitar que se mantenha ou agrave uma situação claramente perigosa para quem se relaciona com o devedor. A lei exige, é certo, que o passivo seja «manifestamente» superior ao ativo. Mas isso terá ficado a dever-se ao receio de que a situação fosse muito grave relativamente a um número demasiado elevado de devedores. // Entre nós já se defendeu que o n.º 2 do art. 3.º tem de ser relacionado com o n.º 1. Contudo, a relação não é muito próxima. Se o passivo excede manifestamente o ativo, a lei considera que o risco para os credores de o devedor continuar a exercer normalmente a sua atividade é demasiado elevado. Daí o art. 3.º, n.º 2. Mas não se pode por isso concluir que só é manifesta a superioridade do passivo em relação ao ativo quando revelar uma qualquer probabilidade de não cumprir pontualmente no futuro as suas obrigações. Este será, certamente, um aspeto a considerar para se ver se a superioridade é ou não manifesta. Mas não é o único, nem é necessário”. [17] Nos casos em que é o próprio devedor a apresentar-se à insolvência nos termos do art. 28º esse ato “implica o reconhecimento por este da sua situação de insolvência”. [18] Referem Carvalho Fernandes e João Labareda: “O estabelecimento de factos presuntivos da insolvência tem por principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundados na ocorrência de alguns deles, sem haver necessidade, a partir daí, de fazer a demonstração efectiva de situação de penúria traduzida na insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, nos termos em que ela é assumida como característica nuclear da situação de insolvência (vd. art. 3º, nº 1). // Caberá então, ao devedor, se nisso estiver interessado e, naturalmente, o puder fazer, trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente, pese embora a ocorrência do facto que corporiza a causa de pedir. Por outras palavras, cabe-lhe ilidir a presunção emergente do facto-índice” (2008, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado. Lisboa: Quid Juris, p.135). [19] Cfr., no mesmo sentido, o acórdão do TRC de 08-05-2012, processo: 716/11.6TBVIS.C1 (Relator: Artur Dias): “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. // Ao credor que requeira a declaração de insolvência do devedor incumbe alegar e provar algum ou alguns dos factos-índice enumerados no nº 1 do artº 20º, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o artº 3º. // Ou seja, provado(s) o(s) factos(s)-índice alegado(s) pelo requerente, a insolvência só não será declarada se o requerido ilidir a presunção dele(s) decorrente, demonstrando que, apesar da sua verificação, não se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, isto é, provando a sua solvência. // Não se provando o(s) factos(s)-índice alegado(s) pelo requerente, a insolvência não poderá ser declarada, nada precisando o requerido de provar”. [20] Sendo certo que, “[m]esmo que o devedor possua um activo superior ao passivo, cabe-lhe demonstrar a sua “viabilidade económica”, ou seja, que tem capacidade bastante para assegurar o cumprimento das suas obrigações na data do respectivo vencimento” (acórdão do TRL de 11-03-2025, processo: 9267/24.8T8SNT-B.L1-1 (Relator: Nuno Teixeira). |