Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | NUNO LOPES RIBEIRO | ||
| Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO EUROPEU EMBARGOS DE EXECUTADO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | (Sumário elaborado pelo Relator) O Tribunal português competente para a ação executiva com base em decisão judicial proferida por outro Estado-Membro, certificada como Título Executivo Europeu, sobre um crédito não contestado, na ausência do devedor, não pode declarar a nulidade da citação deste, efetuada na ação declarativa pelo Tribunal de origem. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. O relatório Euroform RFS interpôs acção executiva, contra Centro Europeu de Línguas, Lda., alegando: 1. EUROFORM RFS, associação sem fins lucrativos de direito italiano, NIPC IT03228110049, exequente, vem intentar acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo sumário, contra CENTRO EUROPEU DE LÍNGUAS, LDA., NIPC PT501505342, executada. 2. Em 17/03/2021 a Exequente apresentou, em Itália, um Requerimento de Injunção de Pagamento Europeu com o n.° 294/2021, ao qual foi aposta fórmula executória em 16/03/2021 (Doc. N° 1). 3. O requerimento tornou exequível a dívida do executado para com a exequente, num total de €15.720,00 (quinze mil e setecentos e vinte euros). 4. À referida quantia devem acrescer: a) juros de mora, à taxa legal de 8%, desde 09/11/2018, data da intimação do pagamento à devedora, até efectivo e integral pagamento; b) as despesas legais e custas processuais pelo total de €975,43 (novecentos e setenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos), sendo esta última quantia o resultado do somatório dos valores de €668,50 (seiscentos e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos) a título de honorários profissionais e €306,93 (trezentos e seis euros e noventa e três cêntimos) a título de reembolso das despesas calculado forfetáriamente pelo Tribunal Italiano. 5. Os juros entretanto vencidos desde 09/11/2018 ascendem ao valor de €5.506,95 (cinco mil quinhentos e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescidos dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento. 6. O valor total da execução corresponde, assim, à presente data, a €22.202,38 (vinte e dois mil duzentos e dois euros e trinta e oito cêntimos). A executada deduziu os presentes embargos, peticionando a absolvição do pedido exequendo ou, caso não se entenda, a redução da quantia exequenda para € 7.734,00. Alegou, em síntese, a inexistência de título executivo, por não ter ocorrido a sua citação na acção declarativa e não ter reconhecido a dívida; a inexigibilidade da obrigação, por mora da credora e a compensação parcial, por ser detentora de um contra-crédito sobre a exequente no montante € m4.841,60. Em 16/11/2023, foi proferida decisão liminar, com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, indefiro liminarmente os presentes Embargos de Executado. * Inconformada, a executada interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: I. A exequenda deduziu Embargos de Executado, ao abrigo do art.° 729.°, als. a), c) e d)/CPC, com fundamento na falta de requisito fundamental do Título Executivo Europeu (TEE), nomeadamente a falta de citação do devedor, a ora Executada. O título executivo europeu foi instituído e encontra-se regulado pelo Reg. (CE) n.° 805/2004. II. Nos termos do art.° 3.° n.° 1 do Regulamento (CE), o Título Executivo Europeu é aplicável às decisões, transações judiciais e instrumentos autênticos sobre créditos não contestados. III. Acontece que, conforme se pode constatar da sentença junta aos autos, não é feita qualquer referência à citação do devedor, a ora Executada. Sendo que a citação, efetivamente, não se verificou. IV. Nem ocorreu qualquer reconhecimento da dívida exequenda. V. Ora, o art.° 20.° do Regulamento (CE), reporta-se aos "trâmites da Execução" e não à validade do Título Executivo Europeu com os necessários requisitos de validade, que resultam dos citados artigos anteriores. VI. Por outro lado, o art.° 10.° do Regulamento (CE), refere-se apenas à retificação ou revogação do Título Executivo Europeu, por erros materiais ou emissão de forma errada. VII. Mas, o que está em causa no presente processo não são vícios da certidão, mas procedimentos da decisão judicial para poder ser executada através do Título Executivo Europeu, nomeadamente a citação do devedor. VIII. Acresce que o princípio do contraditório é uma garantia fundamental da Constituição, consagrada no art.° 20.° da Constituição. IX. Nesta conformidade, a douta sentença recorrida violou o art. 729.° al.s a), c) e d)/CPC, assim como art.° 3.° n.° 1 do Regulamento (CE) n.° 805/2004. Nestes termos e nos mais de Direito, com o douto suprimento de Vs. Exas Senhores Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por outra, que julgue os embargos procedentes, por falta de título executivo, com as legais consequências. * Notificada para os termos do recurso, a embargada apresentou contra-alegações, propugnando pela improcedência do recurso. * O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, nos autos e efeito meramente devolutivo. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. * II. O objecto e a delimitação do recurso Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio. De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo. Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso. Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras. Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: Dos fundamentos dos embargos deduzidos. * III. Os factos Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados: 1 - A exequente apresentou à execução Título Executivo Europeu, de certificação de decisão judicial condenatória proferida pelo Tribunal Civil de Cosenza, Itália, junto ao processo executivo e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 2 - Invocou no requerimento executivo, além do mais, que: «(…) 2. Em 17/03/2021 a Exequente apresentou, em Itália, um Requerimento de Injunção de Pagamento Europeu com o n.° 294/2021, ao qual foi aposta fórmula executória em 16/03/2021 (Doc. N° 1). 3. O requerimento tornou exequível a dívida do executado para com a exequente, num total de €15.720,00 (quinze mil e setecentos e vinte euros). 4. À referida quantia devem acrescer: a) juros de mora, à taxa legal de 8%, desde 09/11/2018, data da intimação do pagamento à devedora, até efectivo e integral pagamento; b) as despesas legais e custas processuais pelo total de €975,43 (novecentos e setenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos), sendo esta última quantia o resultado do somatório dos valores de €668,50 (seiscentos e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos) a título de honorários profissionais e €306,93 (trezentos e seis euros e noventa e três cêntimos) a título de reembolso das despesas calculado forfetáriamente pelo Tribunal Italiano. 5. Os juros entretanto vencidos desde 09/11/2018 ascendem ao valor de €5.506,95 (cinco mil quinhentos e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescidos dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento». * IV. O Direito No caso dos autos verifica-se que a exequente apresentou à execução um Título Executivo Europeu, de decisão judicial objecto de certificação como título executivo europeu. Acompanha o requerimento executivo a certidão da sentença judicial e a certificação daquela decisão enquanto título executivo europeu, cuja emissão foi materializada no formulário de título executivo europeu. Assim, impõe-se concluir pela manifesta suficiência do título executivo, já que o documento apresentado preenche os requisitos de título executivo europeu, à luz do disposto no art. 20.°, n.° 1 e 2 do Regulamento (CE) n.° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004. Fundou a Exma. Juíza a quo a sua decisão, nos seguintes termos: Por outro lado, a alegação de que não foi citada no processo declarativo e de não reconheceu a dívida exequenda, estes vícios, a terem ocorrido no processo declarativo do Estado de origem, não são, como vimos, susceptíveis de serem invocados em sede de oposição à execução, já que apenas são admissíveis à luz da faculdade prevista no art. 10° do Regulamento (CE) n.° 805/2004, para pôr em causa a certificação, em sede de revogação. E a alegação de que existe mora da exequente, por não lhe ter enviado a documentação necessária para pode concluir o projecto, não só visa pôr em causa a condenação constante da decisão proferida em sede declarativa, como reporta-se a factos pretéritos à sua certificação, estando vedado ao executado invocar essa factualidade em sede de embargos de executado, não se subsumindo, por isso, a fundamento de oposição à execução de sentença. Pretende o Embargante, com a sua invocação, pôr em causa a condenação no pagamento de quantia certa constante da sentença que se encontra certificada mediante título executivo europeu. Reitera-se, ainda, que quanto à invocada circunstância de que não foi citada na acção declarativa e de que não reconheceu o crédito, na vertente de violação da cláusula de ordem pública, na sua vertente processual, inviabilizadorada certificação, está precludida a possibilidade da sua invocação enquanto fundamento de oposição à execução no Estado de execução. Conclui-se, pois, que tal factualidade não constitui fundamento de embargos à execução fundada em decisão judicial certificada como título executivo europeu. Tais considerações merecem a nossa total concordância, mostrando-se corolário de jurisprudência pacífica. A esse respeito, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/9/2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), disponível em www.dgsi.pt: I - Conforme tem sido afirmado pelo TJUE, “decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão de 5 de Dezembro de 2013, Vapenik, C-508/12, EU:C:2013:790, n.º 23 e jurisprudência referida)” – acórdão de 16/6/2016, proc. C-511/14. II - A definição de “Decisão”, constante do art. 4.º do Regulamento (CE) n.º 805/2004 (que criou o título executivo europeu para créditos não contestados) é perfeitamente clara quanto à respectiva interpretação e aplicação ao caso concreto, não se justificando, portanto, proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE. III - Estando em causa uma decisão jurisdicional – posto que não há qualquer dúvida de que a decisão certificada nos autos como título executivo europeu por um tribunal italiano constitui, para efeitos do referido Regulamento, uma decisão – e não uma injunção, não valem aqui as razões subjacentes à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, “da norma constante do art. 857.º, n.º 1, do CPC (…) quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta fórmula executória”. IV - Não pode ser invocado como fundamento de oposição à execução, que tem por base a decisão do tribunal italiano, um facto extintivo da obrigação exequenda que seja anterior ao início do processo nesse tribunal ou, mais rigorosamente, à citação nele efectuada nos termos certificados. V - A limitação temporal constante do art. 729.º, al. g), do CPC está relacionada com a eficácia temporal do caso julgado material formado pela decisão (quando esta se torna definitiva) e com a regra da preclusão da defesa na contestação; esta inadmissibilidade ou preclusão vale nesta execução, tal como valeria na execução de uma sentença transitada em julgado, proferida por um tribunal português, numa acção não contestada, tanto mais que a decisão certificada como título executivo europeu é executada no Estado de execução “nas mesmas condições que uma decisão proferida” nesse mesmo Estado (art. 20.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 805/2004 e considerando n.º 8). Do mesmo modo, veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães, de 11/4/2024 (Alexandra Rolim Mendes), disponível na mesma base de dados: - A interpretação dos Regulamentos tem de ser feita de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia; - Assim, o Tribunal português competente para a ação executiva com base em decisão judicial proferida por outro Estado-Membro, certificada como Título Executivo Europeu, sobre um crédito não contestado, na ausência do devedor, não pode declarar a nulidade da citação deste, efetuada na ação declarativa pelo Tribunal de origem, sem os respetivos documentos estarem redigidos ou acompanhados de uma tradução numa língua que esse demandado compreenda ou na língua oficial do Estado‑Membro requerido, com omissão de envio do formulário previsto no art. 8º do Regulamento (CE) 1393/2007 e constante do anexo II do mesmo Regulamento. - Com efeito, como decidiu o TJUE, o Regulamento (CE) n° 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional segundo a qual a omissão do formulário a que alude o art. 8º e anexo II desse regulamento gera a nulidade da citação ou da notificação, entendendo aquele tribunal que o regulamento exige que tal omissão seja regularizada através da comunicação ao interessado do mencionado formulário. - Este entendimento não prejudica os direitos de defesa do Executado, já que este, de acordo com o art. 19º do Regulamento (CE) 805/2004, tem direito a requerer uma revisão da decisão junto do Tribunal de Origem, nomeadamente quando tiver sido impedido de deduzir oposição ao crédito por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excecionais, sem que haja culpa da sua parte. - Por outro lado, tendo requerido a mencionada revisão pode requerer a suspensão ou limitação da ação executiva, nos termos do preceituado no art. 23º do mesmo Regulamento. * Como é consabido o Titulo Executivo Europeu foi criado pelo Regulamento 805/2004, de 21/04, para os créditos não contestados pelos seus devedores, sendo que, conforme refere esse regulamento, o título Executivo Europeu é um certificado que permite que as decisões, transacções judiciais e instrumentos autênticos relativos a créditos não contestados sejam reconhecidos e executados automaticamente noutro Estado-Membro sem qualquer procedimento intermédio. Dispõe o artigo 21º, do Regulamento, que decisão ou a sua certificação como Título Executivo Europeu não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro de execução, pelo que, assim sendo, facilmente se constata que, tratando-se tal título europeu de sentença judicial e como tal reconhecida, os fundamentos para a oposição devem seguir os motivos apenas tipificados no art. 729.º do Código de Processo Civil. E em conformidade com o que se dispõe nesse preceito, a oposição só pode ter por fundamento qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e que se prove por documento. Pelo que nenhuma crítica nos merece a decisão recorrida, improcedendo a apelação. Numa última nota, sublinhe-se que a recorrente deixou cair, nesta instância, a invocação da extinção do crédito exequendo, por compensação, pelo que, a esse respeito, sempre transitou a decisão recorrida. * V. A decisão Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. * Lisboa e Tribunal da Relação, 6 de Novembro de 2025 Nuno Luís Lopes Ribeiro Jorge Almeida Esteves Cláudia Barata |