Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | PAULO RAMOS DE FARIA | ||
| Descritores: | PROCESSO DE INVENTÁRIO CABEÇA DE CASAL VIOLAÇÃO DO DEVER DE COOPERAÇÃO LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ MULTA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/18/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: I - A violação pelo cabeça de casal dos seus deveres legalmente impostos, sendo grave, cauciona a sua condenação em multa processual, constituindo-se tal violação como um caso de litigância de má-fé. II - É grave a conduta do cabeça de casal que, depois de sancionado pelo incumprimento das suas funções durante cerca de 11 meses, mantém, injustificadamente, este incumprimento, designadamente durante e após um prazo adicional fixado pelo tribunal. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa A. Relatório A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio AAA e BBB instauraram a presente ação, com processo especial de inventário, para partilha das heranças abertas por óbito de XXX e por óbito de YYY, seus pais. Indicaram como herdeiros CCC, DDD e EEE. Citado o interessado indicado para exercer as funções de cabeça de casal, CCC, não foram pelo mesmo prestados o compromisso e as informações previstos no art. 1102.º do Cód. Proc. Civil, durante cerca de 11 meses. Decorrido aquele período, o tribunal a quo condenou o referido interessado, ora apelante, numa multa processual, por incumprimento dos seus deveres, e notificou-o para, no prazo que fixou, praticar os atos omitidos. Um dia depois de ultrapassado o prazo assinalado pelo tribunal a quo, sem dilações, o apelante requereu uma prorrogação do prazo concedido, por 30 dias. Pronunciando-se sobre este requerimento, o tribunal quo decidiu: “Nestes termos, atento o decurso do prazo conferido e a advertência feita anteriormente, indefere-se a prorrogação do prazo requerida pelo Cabeça de Casal e condena-se o mesmo em nova multa processual no valor de 2 UC, à luz do disposto no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil”. Inconformado, o cabeça de casal (que, entretanto, prestou o compromisso previsto no art. 1102.º do Cód. Proc. Civil) apelou desta decisão, concluindo, no essencial: “1. Ao ter condenado o Cabeça de Casal em Multa de 2 UC (…), ignorando o estado de saúde concretamente atestado no apenso A, mais a mais na sequência de uma intervenção processual activa do recorrente, na parte em que pediu em 14.01.2025, prorrogação do prazo para apresentar relação de bens, o Despacho recorrido violou o disposto nos artigos a 1.º a 7.º, 154.º, 417.º, 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, todos do CPC, preceitos e princípios que foram interpretados em violação dos Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, da Proporcionalidade, da Confiança, da Igualdade e do Acesso ao Direito e, bem assim, do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 13.º e 20.º, 58.º e 205.º da Constituição da Republica Portuguesa. 2. O Tribunal (…) [não deveria ter] condenado o recorrente em multa, isto ainda que indeferisse o pedido de prorrogação do prazo para apresentar a relação de bens”. Não foram apresentadas contra-alegações. A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar Pelas razões adiante desenvolvidas, não se enfrentarão as nulidades arguidas. Não há questões de facto a decidir. A única questão de direito é a da admissibilidade e adequação da multa processual aplicada ao apelante. * B. Fundamentação B.A. Factos provados (conforme decidido pelo tribunal ‘a quo’) 1. Nomeação do cabeça de casal 1 – Em 11 de janeiro de 2024 (ref. 148451019), pelo tribunal quo foi proferido o seguinte despacho: Para exercer o cargo de cabeça de casal, designa-se CCC, melhor identificado no requerimento inicial junto pelas Requerentes, nos termos do art. 2080.º, n.º 1, al. b) do Código Civil. * Cite-se o cabeça de casal nos termos e para os efeitos previstos no art. 1102.º do Código de Processo Civil. 2 – Em 18 de janeiro de 2024 (refs. 148524832 e 24877044), foi o cabeça de casal designado citado e notificado do despacho referido no ponto 1 – factos assentes –, constando da carta de citação, designadamente: “O que deve fazer se não se opuser à nomeação Fica responsável por administrar a herança até que ela seja dividida. Para isso, terá de reunir algumas informações. Terá de confirmar o pedido de inventário ou pedir a sua correção Se aceitar a nomeação, precisa de comunicar ao tribunal: se confirma as informações apresentadas no pedido de inventário, ou se quer corrigir ou completar esse pedido. Para corrigir ou completar o pedido, terá de fornecer alguns dados Para corrigir ou completar as informações que constam do pedido de inventário, vai precisar de indicar: o nome da pessoa que faleceu e deixou esta herança, a morada da casa onde vivia, a data e o lugar onde faleceu, e em que regime de bens era casada (se fosse casada) o nome completo, estado civil e morada: – dos/das filhos/as e da pessoa com quem a pessoa que faleceu era casada, se essa pessoa ainda estiver viva – dos/as legatários/as, ou seja, pessoas que não teriam automaticamente direito à herança, mas que o/a falecido/a incluiu no testamento – das pessoas que tenham recebido doações do/a falecido/a – caso o/a falecido/a fosse casado/a ou tivesse filhos/as, mãe, pai ou netos/as. Se os seguintes documentos ainda não estiverem no processo, deve enviá-los também: certidão de óbito da pessoa que faleceu documentos que comprovem que as pessoas envolvidas neste processo de partilha são herdeiros/as diretos/as (a mulher ou o marido e os/as filhos/as, ou os pais, se não tiver filhos/as) dessa pessoa: – certidões de nascimento – testamentos – convenções antenupciais – escrituras de doações Fica responsável por entregar a relação dos bens a dividir Terá de apresentar ou completar a lista dos bens deixados pelo/a falecido/a e os documentos que comprovam a sua situação no registo e na matriz predial (se estiveram descritos na conservatória do registo predial). Quando criar a lista, tem de respeitar as seguintes regras: A lista tem de respeitar uma ordem, que é explicada abaixo. Cada bem é identificado com um número e descrito indicando características que permitam identificá-lo e perceber em que estado está. Deve indicar o valor do bem. Deve indicar a inscrição do bem no registo ou na matriz predial, se for um bem que tem de estar registado (uma casa ou um terreno, por exemplo). Se for um terreno, uma casa ou um edifício, tem de indicar quais são as suas confrontações. Por exemplo, se for um terreno, é preciso dizer-se se um dos lados se estende até uma estrada, se no outro é delimitado por um terreno de agricultura ou por um edifício, se no outro lado termina num rio, etc.. A lista pode ter duas partes. A primeira parte é obrigatória. Deve apresentar os bens pela seguinte ordem: 1. direitos de crédito (contas bancárias, fundos de investimento, ações e certificados de aforro, planos poupança-reforma e seguros de vida, quotas em empresas, por exemplo) 2. dinheiro 3. moedas estrangeiras 4. objetos de ouro, prata e pedras preciosas ou semelhantes 5. outros objetos (veículos, móveis, obras de arte, etc.) 6. bens imóveis (terrenos, casas, etc.). A segunda parte só existe se a herança tiver créditos ou dívidas. Deve identificar: os créditos que a herança tem a receber – ou seja, valores que a pessoa que faleceu tinha a receber e que com a sua morte passam a pertencer à herança As dívidas que a herança tem a pagar – ou seja, dívidas que a pessoa que faleceu tinha e que terão de ser pagas com a herança. Tem de apresentar uma declaração de honra Juntamente com as informações pedidas acima, tem de apresentar uma declaração em como se compromete pela sua honra a exercer fielmente as suas funções de cabeça de casal. Esta declaração tem de ter a assinatura reconhecida, exceto se pedir a um/uma advogado/a para tratar deste assunto por si” 3 – Em 28 de fevereiro de 2024 (ref. 149477909), pelo tribunal quo foi proferido o seguinte despacho: Insista com o cabeça de casal para vir cumprir o já determinado, sob pena de incorrer em multa processual não inferior a 2 UC (€ 204,00), nos termos do art. 417.º do CPC. 2. Pedido de escusa do cabeça de casal 4 – Em 5 de março de 2024 (ref. 25184739), pelo cabeça de casal designado foi apresentado o seguinte requerimento: Exmo. Senhor Doutor juiz de Direito, Impossibilitado de exercer a função de Cabeça de Casal Por ser agente da PSP e, estar, como tal, impedido (art. 8.º EPSP e LTFP); Mesmo que assim se não entendesse, Por motivo de doença, CCC, requer seja concedida Escusa do Cargo. Junta: Declaração Médica e cópia do cartão de polícia: 5 – Em 14 de outubro de 2024 (ref. 153454073), pelo tribunal quo foi proferido despacho, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: (…) [D]este normativo [art. 8.º do Estatuto da Polícia de Segurança Pública] não resulta qualquer impedimento ou impossibilidade de um agente da PSP exercer o cargo de cabeça de casal (…). (…) [N]ão existindo alegação nem prova no sentido de discriminar a doença de que padece e o porquê dessa doença o impedir de exercer as funções que lhe foram designadas de forma conveniente, será de improceder o preenchimento de tal fundamento nestes autos. (…) Face ao exposto, considera-se o incidente de escusa improcedente por não provado, mantendo-se a designação de CCC para o cargo de cabeça de casal da herança aberta por óbito de FFF. 6 – Em 30 de outubro de 2024 (ref. 153871396), foi espedida notificação da decisão referida no ponto 5 – factos assentes – ao cabeça de casal designado, não a tendo este impugnado. 3. Multa por falta de cooperação 7 – Em 13 de dezembro de 2024 (ref. 154734079), pelo tribunal quo foi proferido o seguinte despacho: Tendo transitado em julgado a decisão proferida no âmbito do Apenso A (escusa do cabeça de casal), no sentido de indeferir essa pretensão, e verificando-se que o cabeça de casal ainda não deu cumprimento ao disposto no art. 1102.º, n.º 1, do CPC, vai o mesmo condenado em multa processual no valor de 2 UC, nos termos do art. 417.º do CPC, tal como já tinha sido alertado por despacho de 28/02/2024. * Notifique novamente o cabeça de casal, para no prazo máximo de 8 dias, sob pena de lhe ser aplicada nova multa processual, cumprir o disposto no art. 1102.º do CPC, nomeadamente vindo: – Confirmar, corrigir ou completar o que consta no requerimento inicial; – Juntar os documentos que se mostrem necessários, nomeadamente extratos bancários com os valores dos saldos à data do óbito; – Apresentar relação de bens, com indicação dos bens por verbas, e indicando o valor de cada uma; – Apresentar o compromisso de honra do fiel exercício das suas funções. 8 – Em 19 de dezembro de 2024 (ref. 154890573), foi espedida notificação da decisão referida no ponto 7 – factos assentes – ao cabeça de casal designado, não a tendo este impugnado. 9 – Em 14 de janeiro de 2025 (refs. 27098591 e 51004311), pelo cabeça de casal designado foi apresentado o seguinte requerimento: CCC, Requer lhe seja concedido prazo não inferior a 30 (trinta) dias, por não ter, ainda, logrado conseguir (em razão da mesma doença que motivou o pedido de escusa) reunir todos os dados e documentos indispensáveis ao cumprimento da obrigação determinada pelo Tribunal. 10 – Em 20 de janeiro de 2025 (ref. 155296038), pelo tribunal quo foi proferido o seguinte despacho: Compulsados os autos verifica-se que aguardam há mais de um ano pelo cumprimento do art.º1102.º do CPC. Com efeito, por despachos de 11/01/2024 (ref. Citius 148451019), 28/02/2024 (ref. Citius 149477909) e 13/12/2024 (ref. Citius 154734079), o Cabeça de Casal foi sendo notificado para cumprir o disposto no art. 1102.º, n.º 1, do CPC e, no último despacho foi condenado em multa processual em 2 UC’s, pela sua inércia, e advertido para cumprir o determinado por este Tribunal no prazo de 8 dias, sob pena de lhe ser aplicada nova multa processual. Após um mês desse último despacho, vem agora o Cabeça de Casal solicitar que lhe seja concedido prazo não inferior a 30 dias para cumprir o art. 1102.º do CPC, alegando que ainda não conseguiu reunir todos os dados e documentos necessários em razão de doença (que já se viu não ser fundamento para qualquer omissão). Ora, constata-se que ao longo deste ano o Cabeça de Casal não veio juntar qualquer documento nem tão pouco o seu compromisso de honra. Foram-lhe sendo concedidos prazos sucessivos e nada foi junto ou declarado, nem tão pouco comprovado que se encontra a diligenciar pela obtenção de algum documento. Inexiste por isso qualquer fundamento válido para a prorrogação do prazo, pelo que se indefere o requerido. Nestes termos, atento o decurso do prazo conferido e a advertência feita anteriormente, indefere-se a prorrogação do prazo requerida pelo Cabeça de Casal e condena-se o mesmo em nova multa processual no valor de 2 UC’s, à luz do disposto no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. * Notifique o Cabeça de Casal para, no prazo máximo de 8 dias e sob pena de lhe ser aplicada nova multa processual nos termos do art.º417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumprir o previsto no art.º1102.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (…)” B.B. Arguição de nulidades (vícios processuais) Sustenta o apelante que “o despacho condenatório recorrido é nulo por falta de fundamentação, já que não indica, nem as razões de facto e de direito que motivaram a decisão”. Conforme se refere no Ac. do TRP de 25-03-2021 (59/21.7T8VCD.P1), “[p]or força da regra da substituição ao tribunal recorrido (artigo 665.º do Cód. Proc. Civil), quando a nulidade da sentença recorrida é apenas um dos vários fundamentos de impugnação dessa decisão, a arguição da nulidade é um ato inútil e não necessita sequer de ser apreciada pela Relação se a sentença puder ser confirmada ou revogada por outras razões”. Devendo o tribunal da Relação julgar o restante objeto da apelação (art. 665.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), abrangendo este julgamento todo o objeto da causa alegadamente afetado pela nulidade da sentença reclamada, o conhecimento desta é um ato inútil. Em todo o caso, sempre se dirá que a reclamação de nulidade é totalmente desprovida de mérito, raiando a sua apresentação a litigância de má-fé. São patentes a fundamentação de facto – omissão da prática dos atos previstos no art. 1102.º do Código de Processo Civil – e a fundamentação de direito – arts. 417.º, n.º 2, 1102.º do Código de Processo Civil – invocadas pelo tribunal a quo para sustentar a sua decisão condenatória. Em face do exposto, julga-se improcedente a reclamação de nulidade da decisão recorrida. B.C. Análise dos factos e aplicação da lei São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar: 1. Admissibilidade da condenação do cabeça de casal em multa 2. Verificação dos pressupostos da condenação em multa 3. Justificação apresentada 4. Responsabilidade pelas custas 1. Admissibilidade da condenação do cabeça de casal em multa Dispõe o art. 1102.º do Cód. Proc. Civil (citação do cabeça de casal): “1 – Se o requerimento inicial não tiver sido entregue pelo cabeça de casal, este é advertido, no ato da sua citação, de que, no prazo de 30 dias, deve: a) Confirmar, corrigir ou completar, de acordo com o estabelecido no artigo 1097.º, o que consta do requerimento inicial e juntar os documentos que se mostrem necessários; b) Apresentar ou completar a relação de bens nos termos da alínea c) do n.º 2 artigo 1097.º e do artigo 1098.º; c) Apresentar o compromisso de honra do fiel exercício das suas funções nos termos da alínea e) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 1097.º 2 – Se não estiver em condições de apresentar todos os elementos exigidos, o cabeça de casal justifica a falta e pede, fundamentadamente, a prorrogação do prazo para os fornecer”. Entendeu o tribunal a quo que a insatisfação destas obrigações por parte do cabeça de casal pode justificar a sua condenação numa multa processual, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.os 1 e 2, do Cód. Proc. Civil (dever de cooperação para a descoberta da verdade). Rezam estes números: “1 – Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados. 2 – Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil. (…)”. Não se nos afigura, no entanto, que estas normas possam ser vistas como uma ferramenta processual “multiusos”. O seu escopo sancionatório torna difícil a sua aplicação analógica – e mesmo a sua interpretação extensiva –, pelo que não é apropriada a sua convocação fora dos casos de violação do dever de cooperação para a descoberta da verdade na fase de instrução do processo. Ora, os deveres do cabeça de casal transcendem este âmbito da cooperação processual – pense-se nos matriciais deveres de apresentação do compromisso de honra do fiel exercício das suas funções ou de diligência. No entanto, é incontroverso que nos movimentamos no domínio do dever de cooperação e da sua satisfação. O mesmo é dizer que que o problema suscitado pela violação dos deveres do cabeça de casal deve ser enquadrado pelo princípio enunciado no art. 7.º do Cód. Proc. Civil. O cabeça de casal está processualmente obrigado a cooperar para que seja obtida, com brevidade e eficácia, a justa partilha do acervo hereditário (art. 1082.º do Cód. Proc. Civil). Não se trata de um ónus – cuja insatisfação gera meras preclusões processuais –, mas sim de uma obrigação, como claramente resulta dos enunciados dos n.os 1 e 3 do art. 7.º do Cód. Proc. Civil. A violação do dever de cooperação, sendo grave, justifica a condenação do infrator numa multa processual. A lei tipifica mesmo esta conduta como sendo um caso de má-fé processual (art. 542.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil). Em conclusão, a violação pelo cabeça de casal dos seus deveres legalmente impostos, sendo grave, cauciona a sua condenação em multa processual, constituindo-se tal violação como um caso de litigância de má-fé. 2. Verificação dos pressupostos da condenação em multa No caso dos autos, o apelante foi notificado (com a citação), em 18 de janeiro de 2024, para praticar os atos previstos no art. 1102.º do Cód. Proc. Civil, no prazo de 30 dias. No entanto, durante perto de 11 meses, o cabeça de casal não desenvolveu a atividade que a lei lhe adjudica. Entretanto, em 28 de fevereiro de 2024, o tribunal quo advertiu e alertou o apelante para o facto de incorrer em multa processual não inferior a 2 UC (€ 204,00), nos termos do art. 417.º do CPC), se se mantivesse a sua inércia. Na sequência desta advertência, em 13 de dezembro de 2024, o tribunal quo condenou o apelante “em multa processual no valor de 2 UC, nos termos do art. 417.º do CPC”. Mantendo-se o incumprimento do cabeça de casal, em 20 de janeiro de 2025, o tribunal quo condenou-o “em nova multa processual no valor de 2 UC, à luz do disposto no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Civil” – decisão impugnada por meio desta apelação. É grave a conduta do cabeça de casal que, depois de sancionado pelo incumprimento das suas funções durante cerca de 11 meses, insiste, injustificadamente, neste incumprimento por mais 8 dias – dispondo, na prática, de um período superior, dado que a decisão anterior foi notificada durante as férias judiciais e o incumprimento prolongou-se até, pelo menos, à data da decisão impugnada. A lei e as decisões dos tribunais devem ser cumpridas – ou ser objeto de impugnação. Não podem ser desconsideradas (art. 205.º, n.º 2, da Con. Rep. Portuguesa). Resta acrescentar que o montante da multa aplicada não ultrapassa o mínimo legal (art. 27.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil), pelo que nada há a censurar quanto ao valor fixado. 3. Justificação apresentada Alegou o apelante que o tribunal a quo ignorou “o estado de saúde concretamente atestado no apenso A, mais a mais na sequência de uma intervenção processual activa do recorrente, na parte em que pediu em 14.01.2025, prorrogação do prazo para apresentar relação de bens”. Começamos a análise desta defesa por sublinhar que não é verdade que “o estado de saúde” tenha sido “atestado no apenso A”. Nenhum estado de saúde incapacitante do cabeça de casal ficou demonstrado no apenso A. Por assim ser, o seu pedido de escusa foi ali julgado improcedente. Note-se que o requerimento de escusa não tem efeito suspensivo do processo (art. 1103.º. n.º 3, do Cód. Proc. Civil). Se vier a ser julgado procedente, a conduta omissiva do requerente será considerada justificada, não porque a questão incidental tenha tido efeito suspensivo da instância – ou dos deveres do cabeça de casal –, mas sim por se verificar a causa de justificação do incumprimento (justo impedimento) que também fundou o deferimento do pedido de escusa. Já se o pedido vier a ser julgado improcedente, a conduta omissiva do requerente não tem justificação, não tendo o seu pedido, repisa-se, efeito suspensivo do pontual cumprimento dos seus deveres. Defender diferente interpretação da lei mais não seria do que oferecer ao requerente uma ferramenta para desenvolver estratégias processuais meramente dilatórias. Este raciocínio vale para o pedido de prorrogação de prazo. Se este for infundado, não deixará o prazo legal ou judicialmente fixado de ser considerado ultrapassado, se não for respeitado, já que o pedido não tem, em si mesmo, qualquer efeito suspensivo ou interruptivo. Acresce, por um lado, olhando para o caso concreto, que não se concebe uma prorrogação de um prazo que já está ultrapassado – já se tendo produzido os seus efeitos extintivos ou preclusivos. Ora, no caso, o apelante requereu a prorrogação do prazo já depois de o mesmo se ter completado, pelo que, na verdade, não pretende a sua extensão, mas sim o seu ressuscitamento, bem como que se ignorem os efeitos extintivos e preclusivos que o seu decurso já produziu. Por outro lado, aparentemente, o apelante requereu a prorrogação (ressuscitamento) do prazo adicional fixado pelo tribunal a quo, e não, diretamente, do prazo legal – há muito ultrapassado. No entanto, tendo sido ultrapassado o prazo legal, a fixação oficiosa de um prazo adicional pelo tribunal mais não é do que uma decisão no sentido de não ser afirmado e apreciado o ilícito processual (violação do prazo legal) ocorrido durante esse período. Trata-se, pois, de uma verdadeira graça do tribunal (favor debitoris), assegurando ao infrator que o ilícito (incumprimento do prazo legal), durante o prazo judicialmente fixado, não terá consequências jurídico-processuais. Ultrapassado este lapso de tempo, mantendo-se o incumprimento (do prazo legal), tais consequências devem ser (re)afirmadas pelo tribunal. Resta acrescentar que o “prazo processual marcado pela lei é prorrogável nos casos nela previstos” (art. 141.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), e apenas nestes casos, pelo que o pedido de prorrogação de prazo apesentado pelo ora apelante é, além do mais, um pedido de prorrogação (melhor, de ressuscitamento) do prazo previsto no art. 1102.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil (um prazo legal, portanto) – para além de ser um pedido de prorrogação (de ressuscitamento) do prazo correspondente ao período adicional já concedido pelo tribunal. Ora, a prorrogação do prazo legal está dependente da apresentação de uma justificação (fundada) para a conduta omissiva (art. 1102.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil). No entanto, o requerente não apresentou nenhuma justificação para sua omissão nem para a efetiva necessidade de uma prorrogação do prazo – para além da genérica e não circunstanciada alegação de doença, já julgada insubsistente no apenso A. Em concreto, o apelante não explicou a razão pela qual não podia prestar de imediato as suas declarações e o seu compromisso. Também não demonstrou que não teve anteriormente (durante mais de um ano, em especial, na última quinzena) oportunidade de requerer ou de obter os documentos necessários à instrução da relação de bens . Não merece provimento a apelação, sendo de manter a decisão apelada. 4. Responsabilidade pelas custas A responsabilidade pelas custas cabe ao apelante (art. 527.º do Cód. Proc. Civil), por ter ficado vencido. C. Dispositivo C.A. Do mérito do recurso Em face do exposto, na improcedência da apelação, acorda-se em manter a decisão recorrida. C.B. Das custas Custas a cargo do apelante. * Notifique. Lisboa, 18 de novembro de 2025 Paulo Ramos de Faria João Bernardo Peral Novais Diogo Ravara |