Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
| Descritores: | DANO PERDA DE CHANCE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: - Em face do entendimento consagrado no acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2022, o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade. - Evidenciando-se que a conduta do lesante determinou um dano de perda de chance processual, consistente e sério, consubstanciado na forte probabilidade dos lesados conseguirem reverter a decisão do tribunal administrativo que julgou procedente a excepção de intempestividade e, sobretudo, de lograrem a anulação do acto de homologação da lista de antiguidade, o mesmo deverá ser indemnizado. - Este dano deverá ser indemnizado com base nos critérios estabelecidos pelo artigo 566.º, do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório. 1.1. Os autores: 1º. AA; 2.º BB; 3.º CC; 4º. DD; 5º. EE; e, 6º. FF, demandaram os réus: 1.º GG; e, 2.º Aon Portugal – Corretores de Seguros, S.A.. Peticionam a condenação solidária dos réus no pagamento: A) Por danos não patrimoniais: A quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros) a cada um dos AA; B) Por danos patrimoniais (perdas de vencimentos), as quantias: Ao 1º A : 124.349,32 euros; Ao 2º A : 130.149,60 euros; Ao 3º A : 138.826,24 euros; Ao 4º A : 83.292,16 euros; Ao 5º A : 81.709,03 euros; Ao 6º A : 77.950,90 euros; C) Por danos patrimoniais (encargos despendidos): A quantia de 465,00 € a cada um dos AA, referente ao pagamento de honorários e custas judicias despendidos por cada um relativamente ao recurso que o 1º Réu desistiu. D) Juros de mora, sobre todas as supra mencionadas quantias, à taxa legal, contados desde a citação até à data do integral pagamento. Em síntese, alegaram que celebraram com o 1.º réu um contrato de mandato forense, pelo qual este se obrigou para com todos a levar por diante uma impugnação judicial das listas de promoção em causa por preterição indevida dos seus nomes das mesmas. Essa acção foi intentada contra a Marinha, mas esta foi absolvida da instância sob o fundamento de que teriam decorrido mais de três meses desde o conhecimento dos factos pelos autores a 23/12/2016. Tal fundamento estará errado, porquanto o Meritíssimo Juiz enganou-se ao escrever a data de 14-4-2017 como sendo a data de entrada da ação em tribunal, em vez da data correta de 14-3-2017. Por email de 05-11-2020, o 1º Réu deu a conhecer aos AA, então seus constituintes, o teor do saneador-sentença e acrescentou “Tenho prazo para interpor recurso até ao dia 30 deste mês.” Contudo, o 1º Réu optou por não apresentar recurso do saneador-sentença. Na sequência, o 1º Réu em 26-12-2020 remeteu email aos AA, então seus constituintes, pelo qual, lamentando o sucedido, deu a conhecer esse desenlace de soçobro da ação assumindo a responsabilidade da sua conduta. A descrita conduta ilícita e negligente do 1º Ré causou um enorme sentimento de frustração, desgosto e revolta todos os AA. profundamente sentiram. A que acresce o dano patrimonial correspondente à perda de ganho de vencimentos que a promoção necessariamente implicaria. A 2.ª ré assumiu os riscos, a título de Responsabilidade Civil Profissional, com base em erro, omissão, ou negligência, no exercício da atividade profissional de Advocacia, com o capital por Advogado Segurado / Sinistro: € 150.000,00 e a franquia: € 5.000,00 (não oponível a terceiros lesados). * 1.2. O R. GG contestou a acção, impugnando a generalidade dos factos invocados pelos autores, nomeadamente quanto às alegadas perdas de vencimento, e pugnou pela sua absolvição de todos os pedidos formulados pelos AA.. * 1.3. A R. Aon Portugal, S.A., contestou a acção, invocando a ineptidão da petição inicial ou a sua ilegitimidade. * 1.4. Na sequência de chamamento, foi admitida a intervenção principal provocada da companhia de seguros XL Insurance Company SE. Esta contestou a acção, invocando o pedido de restituição do montante de € 465,00 a cada um dos autores, “referentes ao pagamento de honorários e custas judicias”, não consubstancia qualquer indemnização ou compensação, nomeadamente decorrente de responsabilidade civil profissional. Através do contrato de seguro dos Autos a Chamada apenas garantiu «(…) ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros. Invocou a acordada a franquia de € 5.000,00 por sinistro e a sua ilegitimidade relativamente a esse montante. Impugnou diversa factualidade alegada pelos autores e pugnou pela sua absolvição da instância ou do pedido. * 1.5. Foi proferido o despacho saneador que absolveu a ré Aon Portugal – Corretores de Seguros, S.A., da instância, por ilegitimidade. Após julgamento, foi proferida a sentença recorrida que decidiu: a) Condenar a Chamada XL Insurance Company SE (sucursal em Espanha) no pagamento a cada um dos Autores da quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação até integral e efetivo pagamento, a título de danos não patrimoniais; b) Condenar o Réu GG no pagamento a cada um dos Autores da quantia de € 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco euros), acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação até integral e efetivo pagamento; c) Absolver o Réu e a Chamada do demais peticionado; d) Absolver o Réu GG do pedido de condenação como litigante de má fé. * 1.6. Os autores interpuseram o presente recurso de apelação, em que formulam as seguintes conclusões: “1) É injustamente diminuto o quantum indemnizatório de € 2.000,00 em que o Tribunal a quo condenou a Chamada XL INSURANCE COMPANY a pagar aos AA pelos danos não patrimoniais por estes sofridos. 2) Sendo o valor peticionado de € 5.000,00 o justo e adequado aos factos provados de estado de choque, frustração, revolta, angustia, incredulidade e desgosto, que sofreram em consequência da violação pelo 1º Réu Advogado das legis artis possibilitando o trânsito em julgado de absolvição da Ré Marinha no saneador da ação administrativa e impossibilitando a apreciação da questão de fundo, o mérito dessa ação. 3) Afigurando-se despicienda produção de prova de que a mencionada seguradora internacional dispõe de situação económica apta a pagar indemnização de 5.000 euros, pois essa aptidão da seguradora para o homem comum é mais que evidente, é facto público e notório. 4) E sendo que, também para o homem comum, se ninguém enriquece abusiva e imoralmente recebendo 2.000 euros de indemnização por danos morais, o equivalente a pouco mais de ridículos dois salários mínimos, também seguramente isso não acontecerá por mais três salários mínimos. 5) A Sentença a quo não considerou devidamente o grau de culpabilidade do 1º Réu e ignorou o que para o homem comum é mais do que evidente, isto é, a óbvia capacidade económica de uma seguradora internacional de puder suportar uma indemnização de 5.000 euros sem qualquer mínima dificuldade, valor completamente irrelevante, manifestamente. 6) A Sentença considerou impropriamente como não provado que “à data de 31-12-2015 todos os AA reuniam as condições gerais e especiais de promoção ao posto superior seguinte” com fundamento essa prova não ter sido produzida nos presentes autos, porém, s.m.o., não foi e nem tinha que o ser pelas razões seguintes: 7) Desde logo, porque isso foi alegado na ação administrativa instaurada pelos AA contra a Marinha, e esta tal não impugnou, portanto, facto admitido por acordo cfr. disposto no artigo 574º nº 2 do CPC. 8) E sendo que, não impugnou porque bem sabendo, nem podendo deixar de saber, que essas “condições gerais e especiais previstas nos artigos 57º, 58º e 63º do EMFAR” se encontram lógica e necessariamente documentadas nos seus próprios serviços nos respetivos processos individuais de cada militar. 9) Com efeito, cfr. artigos 59º e 64º do EMFAR, cumpre à Instituição Militar a que o militar pertence verificar essas condições, daí que, se não impugnou foi porque as considerou verificadas, obviamente. 10) Portanto, carece de sentido os AA na presente ação cível terem de provar o que estava admitido por acordo na ação administrativa, e, aliás, elementos inexoravelmente integrando os processos individuais de cada militar por responsabilidade da própria Instituição militar. 11) Processos individuais onde obviamente se encontram reunidas todas as especificidades de cada militar, nomeadamente, as condições gerais e especiais que cada um reunirá para o efeito. 12) Portanto, ao invés, deveria ter disso dado como provado que à data de 31- 12-2015 todos os AA reuniam as condições gerais e especiais de promoção ao posto superior seguinte. 13) Aliás, nem tal era questão controversa na ação administrativa, o fundamento da Contestação da Ré Marinha, não foi de que lhes faltariam condições gerais e especiais, mas sim, e é este o ponto, por à data da elaboração das listas de promoções já não se encontrarem no ativo uma vez entretanto terem requerido a sua passagem à situação de reserva. 14) Ora sucede que, essa elaboração das listas de promoções para 2016 foi feita com um ano de atraso (dezembro de 2016 quando deveria ter sido em dezembro de 2015, conforme preceituado no EMFAR). 15) Não obstante esse atraso, uma vez que essa elaboração das listas visou promoções para 2016, consequente e necessariamente das mesmas deveriam constar os nomes dos militares reunindo as condições gerais e especiais para o efeito à data de 31.12.2015, nomeadamente os AA, que então as reuniam e então no ativo, 16) Ou seja, os AA não podem ser prejudicados pelo facto exclusivamente imputável aos serviços da Marinha de terem sido elaboradas as listas com um ano de atraso, designadamente após os AA terem passado à reserva, e daí na elaboração terem sido excluídos. 17) Todavia, embora elaboradas com um ano de atraso, mas como se fossem elaboradas no tempo devido, isto é, um ano antes em dezembro/2015, para as promoções em 2016, teriam de incluir os AA porque então ainda no ativo. 18) Na verdade, o que está em causa não é os AA serem promovidos enquanto militares na reserva, mas sim enquanto ainda todos eles no ativo. 19) Uma coisa é a data de elaboração das listas (cujo atraso, incumprindo o EMFAR, não pode prejudicar os AA), outra coisa, é a data a que se reportam, no caso, elaboradas em dezembro/2016 mas reportando-se a 31/12.2015 para promoções em 2016. 20) Como inclusive o aqui réu no seu depoimento de parte reconheceu. 21) Era esta a questão de fundo que o Tribunal administrativo tinha para julgar e que não teve oportunidade, e que muito provavelmente julgaria a favor dos AA uma vez que seria por demais injusto estes serem prejudicados pelo atraso das listas que de todo não lhes era imputável. 22) Consequentemente, também o aqui Tribunal cível a quo, ao fazer esse julgamento dentro deste julgamento, deveria ter julgado no sentido da forte probabilidade (isto é, probabilidade de sucesso não inferior à probabilidade de insucesso) daquela decisão do Tribunal Administrativo dar razão aos AA, contudo, erradamente assim não procedeu. 23) Aliás, a Sentença ora sob recurso doutamente reconhece que os AA poderiam obter ganho de causa relativamente à anulação do ato administrativo, isto é, anulando as listas por não incluírem os seus nomes. 24) Ora assim sendo, como é, dessa anulação, consequente e logicamente decorreria a elaboração de novas listas incluindo-os, como aliás ali peticionado (“anulação do ato impugnado” e condenação nos “atos devidos a praticar”). 25) Portanto, não se afigura adequada a consideração, até carecendo de sentido, salvo o devido respeito, do Tribunal a quo, de que a anulação das listas por falta dos seus nomes, não determinaria a feitura de novas listas com essa inclusão. 26) Também o Tribunal a quo ao julgar não provados os factos A) e G) por falta das certidões de nascimento dos AA, não decidiu adequadamente, por diversas razões: 27) Desde logo, porque tendo os AA alegado as suas datas de nascimento sob o artigo 65º da p.i., os RR não contestaram especificamente essa alegação. 28) Por outro lado, em sede de audiência prévia, nem o Tribunal nem nenhuma das partes considerou tal dever ser objeto de tema de prova. 29) E, por fim, o Tribunal a quo podia – e devia – notificar os AA para procederem à junção das certidões, ao abrigo do disposto nos artigos 590º, n.º 2, c) e nº 3 do CPC e ao abrigo do dever de gestão processual e do princípio da cooperação previstos nos artigos 6º e 7º do CPC, e designadamente quando pretendia proferir decisão sem produção da prova testemunhal. 30) O Tribunal a quo não o tendo feito, não pode daí penalizar, como penalizou, os AA recorrentes”. Terminaram peticionando a: a) Condenação da seguradora XL INSURANCE COMPANY no pagamento a cada um dos AA a quantia de 5.000 euros acrescida de juros de mora contabilizados desde a citação até integral e efetivo pagamento, a título de danos não patrimoniais; e a, b) Condenação da seguradora XL INSURANCE COMPANY a pagar as perdas salariais identificadas na alínea B) do petitório, acrescidas de juros de mora contabilizados desde a citação até integral e efetivo pagamento, a título de danos patrimoniais. * 1.7. A ré XL INSURANCE COMPANY, SE, recorreu igualmente da sentença e concluiu da seguinte forma: “I. Se com a conduta ilícita do R. advogado os Apelados não sofreram dano, uma vez que o resultado da Demanda seria sempre o mesmo, também não podem ter sofrido qualquer dano não patrimonial pois o resultado do processo judicial no qual ocorreu o erro do seu advogado seria sempre o mesmo, ainda que tal erro não tivesse ocorrido. II. A Decisão recorrida viola, por isso, nesta parte, o disposto nos artigos 342.º, 483.º, n.º 1 e 563.º do Código Civil. III. Da Fundamentação de Facto dos Autos não resulta existirem danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, sejam passíveis de merecer a tutela do direito, tendo o Tribunal “a quo”, nessa parte, violado o disposto no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil ao arbitrar aos Apelados indemnização a título de danos patrimoniais. IV. Da aplicação do direito aos referidos factos sempre se teria de concluir pela existência de responsabilidade solidária entre a ora Apelante e o 1.º Réu, segurado desta. V. Estamos perante dois responsáveis e uma obrigação com pluralidade de devedores, e, como tal, numa situação de solidariedade. VI. A existência de um seguro obrigatório faculta ao lesado o direito de ação direta, mas não lhe retira o direito de demandar o lesante, que responderá solidariamente com a seguradora para a qual foi transferida a obrigação de indemnizar, tratando-se de solidariedade imprópria, uma vez que o responsável poderá fazer repercutir na seguradora o que for obrigado a cumprir e com os limites acordados. VII. O dever de indemnizar que nasce na esfera do segurado é diferente do dever a que a seguradora, ora Apelante, se vincula por força do contrato de seguro. É um dever fundado no contrato e não decorrente da responsabilidade civil. VIII. Ao condenar apenas a Apelante seguradora no pagamento da indemnização peticionada nos Autos, o Tribunal “a quo” violou o disposto no n.º 1 do artigo 497.º do Código Civil e no artigo 512.º do Código Civil, uma vez que tanto o 1.º Réu como a ora Apelante são responsáveis, solidariamente, por qualquer indemnização decorrente dos factos dos Autos. IX. A obrigação de juros só se pode constituir com decisão judicial que determine, em concreto, o montante devido a título de indemnização, contabilizando-se os juros de mora desde a data do respetivo trânsito em julgado. X. O Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 805.º e 806.º do Código Civil, decidindo contra jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça. Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, a Decisão recorrida substituída por outra que julgue a presente ação totalmente improcedente”. * 1.8. A ré também respondeu ao recurso dos autores e referiu que: “I. Da Fundamentação de Facto dos Autos não resulta existirem danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, sejam passíveis de merecer a tutela do direito. II. O facto constante da alínea B) dos factos não provados é um facto conclusivo, desprovido de qualquer facto concreto e objetivo da vida real, e, como tal, não pode passar a constar dos factos provados. III. Não é pelo facto de a Marinha não ter contestado esse “facto” que o mesmo seria Considerado como “assente” ou admitido por confissão, pois que não estava obrigada a tal, na medida que não se trata de um facto concreto da vida real, mas sim de uma afirmação conclusiva, não passível de ser julgada como factualidade provada. IV. Ainda que os Apelantes tivessem recorrido do Despacho Saneador subjacente aos presentes Autos e obtido provimento de causa tal determinaria, tão-só, a anulação do ato administrativo de homologação das listas de promoção e a elaboração de novas listas de promoção, sem que tal determinasse a efetiva promoção dos Apelantes e, muito menos, qualquer alteração remuneratória. V. Estamos perante uma promoção que ocorre “por escolha” e não baseada em critérios objetivos. Trata-se de uma decisão discricionária da qual os Apelantes não lograram fazer prova nos Autos. VI. A Promoção pretendida pelos Apelantes só ocorre se existir a correspondente vaga, o que no caso dos Autos se desconhece em absoluto, uma vez que nada foi alegado nesse sentido. VII. Desconhece-se, nem os Apelantes alegaram, se reuniam as condições necessárias à alegada promoção. VIII. Inexiste probabilidade real, séria e consistente de os Apelantes verem a sua inclusão na pretendida lista de promoções. IX. Os Apelantes não sofreram qualquer dano de perda de chance. X. O recurso interposto pelos Apelantes deve ser julgado totalmente improcedente. Deve o recurso interposto pelos Apelantes ser julgado totalmente improcedente, por não provado e, em consequência, a Decisão recorrida mantida na sua íntegra, com exceção da parte que foi objeto de recurso por parte da ora Apelada”. * 1.9. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões dos recorrentes e centram-se no seguinte: - Impugnação da matéria de facto; - Verificação dos pressupostos para a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais e respectivo cálculo; - Verificação dos pressupostos para a atribuição de uma indemnização por dano de perda de chance processual e respectivo cálculo; - Pressupostos para a condenação solidária do réu lesante e a legitimidade da responsável seguradora para suscitar em recurso a questão da absolvição daquele; e, - Determinação dos pressupostos para o pagamento de juros de mora e o momento a partir do qual serão devidos. * 2. Fundamentação. * 2.1. A questão da impugnação da matéria de facto. O artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o dever de obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/1/2022 sintetizou a orientação jurisprudencial aí seguida, ao referir que: “No que diz respeito ao enquadramento processual da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 3/12/2015, proferido no processo n.º 3217/12.1 TTLSB.L1.S1 (Revista-4.ª Secção), que se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia. No mesmo acórdão refere-se que o art.º 640.º, do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Acrescenta-se que este conjunto de exigências se reporta especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC. Por fim, conclui-se que versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados. A propósito do conteúdo das conclusões, o acórdão de 11-02-2016, proferido no processo n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, refere que tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna (Cfr. no mesmo sentido acórdãos de 18/02/2016, proferido no processo n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 03/03/2016, proferido no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 324/10.9 TTALM.L1.S1 e de 13/10/2016, proferido no processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, todos da 4.ª Secção). No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2 TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 417/18.4T8PNF.P1.S1. Porém, não há que conhecer da impugnação da matéria de facto, quando a mesma se mostra prejudicada por outras questões que logicamente a precedem. Como refere o acórdão desta Relação de 11-5-2023: “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC)” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 8312/19.3T8ALM.L1-2. * 2.2. Idem. Os factos julgados não provados. Os apelantes autores insurgem-se quanto à decisão de julgar não provado que “à data de 31-12-2015 todos os AA reuniam as condições gerais e especiais de promoção ao posto superior seguinte”. Sustentam que tal facto deveria ter disso dado como provado – cfr. conclusões 6) a 12) do recurso. A apelada ré respondeu que se trata de um facto conclusivo, desprovido de qualquer facto concreto e objetivo da vida real, e, como tal, não pode passar a constar dos factos provados, como é pretensão dos apelantes. A sentença já havia tomado posição explícita quanto a esta questão ao afirmar que: “Não foram alegados quaisquer factos relativamente ao preenchimento, por cada um dos AA., das mencionadas condições gerais e especiais, mas apenas a conclusão de que reuniam essas mesmas condições. Só é possível concluir que os AA. reúnem as condições mencionadas através da análise de cada uma delas em concreto, com os elementos respeitantes à carreira de cada um dos AA. que o demonstrem, o que não existe nos autos. Não basta, para o efeito, as declarações prestadas pelos AA. sobre esta matéria, que se revelaram conclusivas à semelhança do alegado na petição inicial, sem indicação de factos e condições concretas que permitam a respetiva análise”. Os apelantes não rebateram a argumentação da sentença e limitaram-se a dizer que o facto foi julgado não provado porque essa prova não foi sido produzida nos presentes autos. Porém, a vicissitude que impediu que se considerasse provado que todos os AA. reuniam as condições gerais e especiais de promoção ao posto superior seguinte nada tem a ver com a produção de prova, mas sim com a natureza conclusiva da fórmula apresentada pelos autores. É verdade que a distinção entre a questão de facto e a questão de direito nem sempre se revela fácil e tem proporcionado várias perspectivas doutrinárias e jurisprudenciais. No entanto, no presente caso, não se afigura que revista particular polémica. Pelo menos, os autores tiveram o cuidado de evitar debruçar-se sobre essa questão no recurso e limita-ram-se a apelar ao que já estaria admitido por acordo na anterior acção administrativa (certamente no errado pressuposto de que tal admissão vincularia quem nem sequer era aí parte, como sucede com a aqui chamada…). Afiguram-se actuais e pertinentes as considerações do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/9/2014, não só sobre a possibilidade de eliminação de factos conclusivos equiparados a questões de direito consubstanciar uma prerrogativa dos tribunais superiores de longa tradição doutrinal e jurisprudencial, que pode ser exercida mesmo que não esteja prevista expressamente na lei processual, mas também quanto à identificação das questões de direito: “Segundo Karl Larenz, a “questão de facto” reporta-se ao que efectivamente aconteceu, enquanto a “questão de direito” se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica. Existe, contudo, um continuum entre matéria de facto e matéria de direito e não uma oposição absoluta entre ambos os conceitos, pois na concreta aplicação do direito acaba por verificar-se uma correlatividade entre ambos os elementos. Há que partir, portanto, da unidade do caso jurídico decidendo e dos problemas jurídicos por si colocados, devendo distinguir-se dois tipos de questões: uma que se refere aos dados pressupostos pelo problema concreto – questão de facto – e outra que tem a ver com o fundamento e o critério do juízo e com o próprio e concreto juízo decisório – questão de direito. Na matéria de facto concorrem não apenas dados empíricos, mas todos os pressupostos objectivos do problema colocado, por exemplo, elementos sócio-culturais e até jurídicos. Contudo, a tradição do nosso pensamento jurídico, no seguimento de Alberto dos Reis, considera que a actividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo, apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos. Continua o autor, afirmando que «tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória». Se na resposta a determinado quesito houver matéria de facto e matéria de direito, deve aproveitar-se a decisão na parte relativa à primeira e considerar-se não escrita na parte relativa à segunda. Tem-se entendido, na jurisprudência e na doutrina, que as respostas do julgador de facto sobre matéria qualificada como de direito consideram-se não escritas e que se equiparam às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 5146/10.4TBCSC.L1.S1 Ora, a afirmação em como, à data de 31-12-2015 todos os AA. reuniam as condições gerais e especiais de promoção ao posto superior seguinte, revela ser claramente a premissa maior de um juízo conclusivo, opinativo ou valorativo, que carecia de assentar em determinadas premissas, a saber: quais eram em concreto as condições que os autores reuniam. O tribunal tanto pode julgar essa singular afirmação como verdadeira e demonstrada como falsa e indemonstrada, na medida em que não pode ser sindicada por si só, isto é sem serem apresentados e debatidas as premissas menores em que assenta. Por conseguinte, reitera-se o argumento da primeira instância quanto à natureza conclusiva dessa afirmação e apenas se diverge quanto à formulação do julgamento que se deve limitar à consideração como não escrito, à semelhança do que resultava expressamente do anterior artigo 641.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, na versão que precedeu a reforma de 2013. * 2.3. Idem, os factos julgados não provados A) e G) [aliás, § A., alíneas a. a f. da sentença]. Os autores consideram que, tendo alegado as suas datas de nascimento sob o artigo 65º da p.i., os RR não contestaram especificamente essa alegação. Os art.ºs 571.º, n.º 2, 572.º e 574.º, do Código de Processo Civil, regulam a elaboração da contestação, referindo entre o mais que: “O réu defende-se por impugnação quando contradiz os factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor; defende-se por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido”; “na contestação deve o réu expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor”; “deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor” e “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior (…)”. O R. GG impugnou expressamente o que foi alegado no art.º 65.º, da petição inicial, no art.º 3.º, da sua contestação, não havendo elementos para entender que tal impugnação deva ser restringida ou limitada. O mesmo sucedeu no art.º 32.º, da contestação da chamada XL Insurance. Tal impugnação é plenamente operante e não admite que os factos possam ter-se por admitidos por acordo – art.º 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Logo a conclusão 27.ª do recurso dos autores (“Desde logo, porque tendo os AA alegado as suas datas de nascimento sob o artigo 65º da p.i., os RR não contestaram especificamente essa alegação”) revela desconhecimento sobre os aludidos articulados ou falta de seriedade dos recorrentes, na medida em que se mostra frontalmente contrariada pelos elementos dos autos. Pelo que o argumento não é de acolher. A conclusão 28) do recurso também esgrime que “em sede de audiência prévia, nem o Tribunal nem nenhuma das partes considerou tal dever ser objeto de tema de prova”. Quanto a esta questão, dir-se-á antes de mais que os apelantes autores não retiram qualquer consequência do que consideram ser uma lacuna ou omissão. Também não se afigura que o tribunal deva retirar oficiosamente qualquer consequência do argumento aduzido pelos autores. Por outro lado, novamente se nota a desatenção ou o desinteresse dos autores na análise dos autos, pois constata-se da acta da audiência prévia que: 1.º As datas de nascimento dos autores não constam do extenso elenco dos factos (quase 3 páginas) que o tribunal declarou estarem adquiridos por acordo; e, 2.º Foram indicados como temas da prova os danos sofridos pelos autores em consequência da actuação do 1º réu e a perda de vencimentos (isto é, em consonância com a sistematização apresentada pelos autores no art.º 65.º, da petição inicial, onde essa quantificação é realizada por referência à data de nascimento dos autores). Logo, se os autores estivessem com a devida atenção, logo teriam notado o que se afigura ser óbvio: as respectivas datas de nascimento não tinham sido consideradas admitidas por acordo e careciam de ser demonstradas. Mais argumentam os autores que o tribunal os penalizou por não tê-los notificado para procederem à junção das certidões (dos assentos de nascimento), ao abrigo do disposto nos artigos 590º, n.º 2, c) e nº 3 do CPC e ao abrigo do dever de gestão processual e do princípio da cooperação previstos nos artigos 6º e 7º do CPC. Entende-se que o disposto no artigo 590.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, não tem aplicação ao presente caso. Na verdade, o mesmo regula as situações em que o juiz pretende apreciar exceções dilatórias ou conhecer, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador (saneador-sentença). Ora, findos os articulados dos presentes autos, não foi decidido conhecer imediatamente do pedido, mas antes proceder ao seu saneamento, com vista à sua instrução e julgamento. Logo, as partes sabiam que teriam que oferecer prova relativamente aos factos tidos por relevantes. É verdade que o tribunal dispõe da faculdade e, em certas circunstâncias, terá o dever funcional de intervir activamente na instrução da causa, nomeadamente ordenando a apresentação de documentos (art.ºs 411.º e 417.º, do Código de Processo Civil) ou a sua requisição (art.º 436.º, do Código de Processo Civil). Não obstante, tal possibilidade não tem a virtualidade de desonerar e desresponsabilizar por completo as partes perante os ónus que a lei substantiva e processual lhes impõe (cfr. art.º 342.º, do Código Civil, e art.ºs 423.º e 414.º, do Código de Processo Civil). O juiz é o titular do órgão que é chamado a administrar a justiça e a resolver o litígio com independência, imparcialidade e isenção, conforme resulta do artigo 202.º, da Constituição da República Portuguesa. A pessoa que trata de instruir os autos e de apresentar os documentos que interessam à parte geralmente está abrangida pelo artigo 208.º, da Constituição da República Portuguesa. Convém que a intervenção activa do juiz não se confunda com o patrocínio de uma ou de outra parte, mas que encontre evidente respaldo numa norma ou princípio legal, como sucede quando estamos perante questões de conhecimento oficioso. “De iure” o juiz deve providenciar pela obtenção de documento relevante, conforme resulta do artigo 7.º, do Código de Processo Civil, convocado pelos autores. No entanto, essa intervenção do juiz não resulta da mera conveniência, desinteresse ou esquecimento da parte, mas antes carece da verificação da alegação justificada da “dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual” – idem, n.º 4. Isto é, a lei reitera que há um ónus ou dever processual na esfera da própria parte. A actuação do juiz será então fundamentada na dificuldade séria em obter documento que condiciona o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual. Tal situação não se evidencia dos autos, nem é de crer que se impunha a intervenção activa do juiz em prol da defesa activa do interesse processual dos autores. Por conseguinte, é de desatender a impugnação dos apelantes autores quanto à matéria de facto. * 2.4. Os factos provados que foram fixados pela primeira instância são os seguintes: 1. Os AA são militares da Armada, sendo os 1º, 2º e 3º AA oficiais com o posto de primeiro-tenente da Classe do Serviço Técnico (ST) e os 4º, 5º e 6º AA, sargentos com o posto de primeiro-sargento da Classe de Fuzileiros (FZ). 2. Em 23.12.2016 foram homologadas as listas de promoção de Oficiais para o ano de 2016, após reunião do Conselho de Classes de Oficiais, comissão da classe de Serviço Técnico ocorrida 17.10.2016. 3. Em 23.12.2016 foram homologadas as listas de promoção de Sargentos para o ano de 2016, após reunião do Conselho de Classes de Sargentos, comissão da classe de Fuzileiros ocorrida 29.11.2016. 4. Os AA. não constavam das listas homologadas. 5. Na sequência de pedido apresentado para o efeito, todos AA. passaram à reserva no ano de 2016, nas seguintes datas: a. AA: 31.10.2016; b. BB: 31.10.2016 (requerida em 27.07.2016; c. CC: 31.10.2016 (requerida em 26.07.2016); d. EE: 20.12.2016; e. FF: 23.12.2016 (requerida em 20.06.2016); f. DD: 31.10.2016 (requerida em 4.04.2016). 6. Para efeito de impugnarem judicialmente as listas de promoção os autores subscreveram procurações forenses a favor do Sr. Dr. GG. 7. O 1º réu elaborou a petição inicial da competente ação administrativa de todos, em coligação voluntária ativa, contra a Marinha, que remeteu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 13/3/2017 onde, sob o nº 181/17.4BEALM, foi distribuída à Unidade Orgânica 1. 8. Nela peticionou a anulação do ato de homologação das listas de promoção praticado em 23.12.2016, e que fosse determinada a prática dos atos devidos, sendo estes a elaboração de novas listas de promoção para o ano de 2016, referidas a 31.12.2015, que incluam os AA. nos lugares que lhes competiriam, a sua homologação e consequente promoção com datas de antiguidade do militar que na lista de promoção para o ano de 2016 ocupou a vaga que seria destinada a cada um, caso não tivesse sido praticado o ato anulado, ficando à direita de cada um destes, com o consequente pagamento das diferenças parcelares mensais entre as quantias que receberam e as que receberiam com a promoção, acrescidas de juros. 9. Para o efeito foi alegado que as listas de promoção contendo os militares que reuniam as condições de promoção até 31.12.2015 não foram homologadas até 15.12.2015 nem publicadas até 31.12.2015, atos que só vieram a ter lugar em Dezembro de 2016, sem que os AA. tivessem sido integrados em tais listas. 10. Foi também alegado que os AA. não foram notificados das razões de facto e de direito para não terem sido integrados nas listas. 11. E bem assim que, por falta de integração nas listas, alguns militares mais modernos que os AA. e que se encontravam em situação posterior na situação de quadro e na lista de antiguidade foram promovidos com data de antiguidade anterior à data de passagem à reserva dos AA. 12. Tendo solicitado informação sobre se em 31.12.2015 reuniam condições de promoção, não tendo obtido resposta. 13. Conclui-se em tal petição que caso tivessem sido cumpridos os prazos legais de elaboração de listas de promoção os AA. teriam sido nelas integrados, razão pela qual os atos de homologação impugnados violaram os artigos 54.º, 167.º, 183.º, n.º 1 e 184.º do EMFAR, encontram-se eivados do vícios de falta de fundamentação, entendendo-se ter sido igualmente violado o artigo 38.º, n.ºs 7 e 8 da Lei n.º 82- B/2014. 14. Subsequentemente, veio a Marinha apresentar a sua contestação, pronunciando-se sobre o mérito da causa e, desde logo, excecionando a intempestividade da ação fundamentada designadamente no seguinte: «10. (…) Os AA tiveram conhecimento dos atos impugnados em 23.12.2016. 11.Porém, a presente ação administrativa apenas veio dar entrada em 14.3.2017. (…) 13. Por isso, nos termos conjugados da alínea b) do nº1 do artigo 58º e do nº3 do artigo 59º do CPTA, quando a presente ação foi intentada já havia decorrido o prazo de três meses para a impugnação dos atos em causa. 14. O que constitui exceção dilatória de intempestividade que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância nos termos do nº 2 e da alínea k) do nº 4 do artigo 89º do CPTA.» 15. A Marinha deduziu também a exceção de ilegitimidade por entender não estar demonstrada a existência de interesse direito e pessoal dos AA. com a ação, uma vez que se conformaram com a decisão proferida pela Direção de Pessoal em Julho de 2016 de não inclusão na lista de militares a apreciar para efeitos de promoção aqueles que pedissem para passar à reserva. 16. Na sua defesa por impugnação a Marinha alegou que os AA. pretendem ser promovidos sem prescindirem da sua situação de passagem à reserva, o que não é admitido pelo EMFAR. 17. Acrescentou que tratando-se de promoção por escolha depende de existência de vaga e é independente da posição do militar na escala de antiguidade. 18. E que a falta de elaboração das listas de promoção nos prazos previstos no EMFAR decorre dos constrangimentos impostos pelas Leis dos Orçamentos de Estado, sendo necessária publicação para autorização da promoção. 19. Concluindo com a alegação de que caso tivessem sido promovidos nos termos pretendidos, o seu requerimento de passagem à reserva não seria apreciado nos mesmos moldes e, nessa medida, não forma prejudicados. 20. Com a contestação foi junto o documento 2 que constitui uma informação assinada pelo Diretor de Pessoal do Ministério da Defesa Nacional – Marinha, entregue aos AA. BB, CC e FF com o assunto “Passagens à situação de reserva”, onde se pode ler: «Em cumprimento dos princípio da boa-fé e da colaboração com os particulares (…) informa-se que, ao abrigo do artigo 38.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2015), cujos efeitos foram prorrogados pelo artigo 18.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), os militares, cujos requerimentos de passagem à reserva (…) foram deferidos, não serão incluídos no universo de apreciação para promoção e manter-se-ão no posto que ocupam à data em que apresentaram os respetivos requerimentos. Face ao que antecede, mais se informa que, mediante requerimento escrito, os interessados podem solicitar a revogação do despacho de deferimento de passagem à reserva, nos termos do n.º1 do artigo 165.º do CPA, devendo fazê-lo, atendendo à especial urgência da decisão, (…) no prazo de dois dias úteis, sob pena de se considerar deferido o pedido, nos moldes inicialmente requeridos, e de acordo com o entendimento acima exposto.» 21. Em sede de réplica elaborada pelo 1º Réu foi deduzida oposição à defesa por exceção da Marinha, pugnando pela tempestividade da ação e alegando que inexiste norma jurídico-estatutária militar que atribua à Direção de Pessoal da Marinha competência para excluir qualquer militar da lista de promoção, bem assim que a passagem à situação de reserva não obsta à apreciação dos militares que, à data da apreciação pelos Conselhos de Classe e à data da abertura de vaga figurem como militares no ativo. 22. Em 28.09.2020 foi proferido Saneador-Sentença na ação administrativa em causa, que julgou procedente a invocada exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual e absolveu a entidade demandada da instância. 23. Em tal decisão fez-se constar: «Atendendo a que a presente ação foi intentada no dia 14-04-2017 [cf. alínea O) da matéria assente] conclui-se que havia já decorrido o prazo de propositura de três meses para a impugnação e substituição dos atos sindicados» 24. Na alínea O) da matéria assente constava: «Em 14-03-2017, os Autores enviaram para este Tribunal a presente Petição Inicial por email (cf. fls. 1 dos autos).» 25. Por notificação datada de 29.10.2020 foi o despacho saneador-sentença remetido ao 1º Réu. 26. O 1º réu requereu em 10.11.2020 a reforma da sentença alegando a existência de erro na data atendida na fundamentação, que não coincide com a data considerada provada na matéria assente. 27. Por despacho proferido em 2.12.2020 foi a reclamação apresentada indeferida com o seguinte fundamento: «Ora, tendo sido proferida sentença, nos presentes autos, a absolver da instância a Entidade Demandada, sem se pronunciar sobre o mérito da causa, seria sempre admissível recurso, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 142.º do CPTA, nos termos e nos prazos do artigo 144.º do CPTA, pelo que é inadmissível o presente pedido de reforma da sentença, nos termos do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, in limine, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA. Face ao exposto e atentas as supracitadas disposições legais, indefere-se o pedido de reforma da sentença.» 28. O 1º R. se não deu atempadamente conta de que a peça processual que entregou em tribunal com vista a obter a retificação de um erro de escrita não suspendia o prazo de recurso. 29. O 1º réu veio a interpor recurso em 16.12.2020 do despacho que indeferiu o pedido de reforma da sentença e da própria sentença, juntando o comprovativo de pagamento de 7 taxas de justiça no valor de € 306,00 cada uma. 30. Cada um dos AA. pagou a taxa de justiça de € 306,00 que lhe correspondia, e os honorários solicitados pelo 1.º R. para a interposição deste recurso, cabendo a cada um a quantia de € 159,00. 31. Por requerimento de 21.12.2020 o 1º réu requereu que «seja dado sem efeito o sobredito recurso com o consequente desentranhamento dos autos.» 32. Na mesma data foi proferido despacho deferindo o requerido, dando-se sem efeito o requerimento de recurso e determinando-se o respetivo desentranhamento. 33. O desfecho do processo deixou os AA. em “estado de choque”, frustrados, revoltados, angustiados e incrédulos. 34. Sentiram uma enorme frustração, desgosto e revolta. 35. No acórdão proferido em 14.02.2008 pelo Supremo Tribunal Administrativo, Relator Juiz Conselheiro Adérito Santos, processo n.º 0918/07, foi entendido que a passagem à reserva de um militar não determina a inutilidade superveniente da lide em que se aprecia um recurso hierárquico de impugnação de decisão que preteriu a promoção do militar, interposto em momento prévio à mencionada passagem à reserva, ali se lendo o seguinte: «no questionado recurso hierárquico o que está em causa é o direito do ora recorrido a ser promovido, por escolha, ao posto de coronel. E não o der ser promovido enquanto militar da GNR na situação de reforma. Esse direito à promoção, a existir, não foi prejudicado pelo exercício do direito, que igualmente assistia ao mesmo recorrido, de passar à situação de reforma. Assim, como bem ponderou o acórdão impugnado, a eventual procedência do recurso hierárquico, interposto da decisão de preterição do referido militar na promoção ao posto de coronel, poderá levar a que lhe seja reconhecido o direito a essa promoção, com consequente reconstituição da respectiva carreira contributiva e alteração do montante correspondente à pensão de reforma a que tem direito. O que torna patente a utilidade da apreciação daquele recurso hierárquico, como bem decidiu o acórdão recorrido.» 36. No acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 25.11.2004, Relator Juiz Desembargador Dr. António Vasconcelos, processo n.º 06116/02, foi entendido que «o acto impugnado, ao promover a Sargento-Mor dois Sargentos-Chefes mais modernos que o recorrente consubstanciou uma patente inversão da antiguidade, já que, embora a promoção a Mor seja feita por escolha, tem que ser fundamentada, exactamente porque representa uma distorção ao princípio da antiguidade, sobre o qual assenta o desenvolvimento da carreira dos militares. Quanto ao argumento de que a anulação do acto recorrido seria inútil porque o recorrente, tendo entretanto passado à reserva, por limite de idade, já não poderia ser promovido, manifestamos a nossa discordância. Na verdade, o aproveitamento do acto impugnado de promoção de dois Sargentos ao posto de Sargento-Mor, por falta de fundamentação e não anulação do despacho impugnado, não pode prevalecer porquanto esse mesmo acto foi praticado no exercício de poderes discricionários e não vinculados. Como se refere no Ac do STA de 15/10/1999 in Rec nº 21 488 “o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, negando a eficácia invalidante de vício constatado, só pode valer em casos de actividade vinculada da Administração e apenas quando se possa afirmar, com inteira segurança, que o novo acto a praticar pela Administração em execução do julgado anulatório teria conteúdo decisório idêntico ao anulado”, sendo de considerar, no domínio da fundamentação, o indicado princípio do aproveitamento do acto administrativo, se tiver havido suficiente fundamentação, contudo errónea, mas não quando falte ou seja insuficiente a fundamentação (cfr. a propósito o Ac. do STA de 13/4/2000 in Rec nº 31 173). Nesta conformidade, patente que é a falta de fundamentação do acto recorrido e a irrelevância do indicado princípio de aproveitamento do acto administrativo nos termos supra expostos, deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida.» 37. Por Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 26.11.2020, Relatora Juíza Desembargadora Dra. Ana Celeste Carvalho foi apreciada a impugnação de decisões que recusaram o pedido efetuado por militares em situação de reserva, de atribuição de vacaturas que ocorreram em data em que ainda se encontravam no ativo, o que determinaria uma promoção por antiguidade. 38. Ali se entendeu que «embora as promoções tivessem na sua base o Despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior n.º 40/12, de 24/07, em que foram alterados os quadros especiais de oficiais, sargentos e praças dos quadros permanentes da Marinha para 2012, criando-se vagas para promoção aos postos superiores, com efeitos a 1 de janeiro de 2012, permitindo aos Autores que se pudessem inteirar dessa circunstância e assim tomarem a opção de querer continuar ou não no ativo e, consequentemente, apresentar ou não os requerimentos de passagem à reserva, os factos ocorridos ditam que as promoções não se concretizaram no ano de 2012, mas em 2013, quando já se tinha consolidado a situação jurídica dos Autores de se encontrarem na situação de reserva. Por isso, não estão em causa promoções ocorridas em 2012, para que os Autores a elas tivessem direito, por força das listas de promoção para vigorar em 2012 e por se encontrarem no ativo. Diferentemente se verifica em relação aos atos impugnados, que recusam a pretensão de cada um dos Autores em ser promovidos em 2013, quando já se encontravam na situação de reserva e quando não integravam a lista de promoção desse ano de 2013. Em 2013 já não vigoravam as listas de promoção de 2012, pelo que nunca os Autores poderiam ser nomeados com base numa lista de ordenação que já não se encontrava em vigor, nos termos do disposto no artigo 184.º, n.º 6 do EMFAR. (…) Ao contrário do decidido na sentença recorrida, não releva o momento em que ocorre a vacatura do lugar, mas o momento em que ocorre a promoção, pelo que, carece de fundamento legal a interpretação expendida na sentença recorrida. Por isso, é à data da promoção e em face da lista de promoções que vigorar nesse ano, que se têm de aferir as condições da promoção. Pode existir a vacatura do lugar e por diversos motivos, incluindo de natureza gestionária e de natureza económico-financeira, os lugares não serem imediatamente preenchidos. Trata-se de uma opção do foro do poder administrativo, na esfera de critérios de oportunidade, que ora nem sequer foram postos em causa no presente litígio. Tanto mais que, como antes referido, as promoções não ocorrem automaticamente por mera existência de vaga, dependendo de procedimentos administrativos prévios. A vacatura do lugar não confere qualquer direito subjetivo à referida promoção, nem sequer que a mesma ocorra num quadro temporal determinado. A vacatura do lugar concede apenas a legítima expectativa à referida promoção por parte dos respetivos militares no ativo e que integrem a respetiva lista de promoção do respetivo ano em que a promoção se realize, condições que não se verificam no caso dos Autores. Atenta a situação individual e concreta em que se encontrava cada um dos Autores em 01/01/2013, por nenhum se encontrar no ativo, mas antes em situação de passagem à reserva, não podia ser promovido nesse ano de 2013, por não só não ter esse direito subjetivo, como não ser titular de uma expectativa legítima, considerando que também não integravam as listas de promoção de 2013. A tal não obsta a que a vacatura do lugar, nos termos definidos pela Entidade Demandada, se reporte à data de 01/01/2012, no sentido de reportar a produção dos seus efeitos a essa data, por tal não colidir com o momento, esse sim relevante, em que as promoções ocorreram, nem a data das condições da promoção. A circunstância de a Entidade Demandada preencher os lugares vagos em 2013, exige que nessa data se verifiquem as condições da promoção, independentemente da data em que as respetivas vagas ocorreram ou da data a que se reportam os efeitos da promoção. O que não poderia acontecer é que na data em que ocorressem as promoções os militares não integrassem a respetiva lista de promoção, nem se encontrassem no ativo, como se verificaria em relação aos ora Autores. (…) Por isso, não releva a data em que existiu a vacatura do lugar, sendo este um facto irrelevante para a aferir o direito dos Autores a ver deferida a sua pretensão à promoção. Consequentemente, a promoção dos Autores não depende de se encontrarem no ativo aquando a existência ou da criação da vaga ou sequer do momento em que ocorreu o planeamento das promoções, mas antes de integrarem as listas de promoção no ano em que ocorrem as promoções e de se encontrarem no ativo no momento da promoção.» 39. Entre a XL Insurance Company SE, Sucursal em España e a Ordem dos Advogados de Portugal foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional titulado pela apólice de seguro n.º …21A. 40. Em tal apólice foram indicados como segurados “Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional”. 41. Através do referido contrato de seguro a Chamada segura a “Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00€ por sinistro. 42. Sendo a esta quantia deduzida a correspondente franquia contratual aplicável, cujo valor ascende aos € 5.000,00 por sinistro, não oponível a terceiros lesados. 43. A representante legal da Chamada em Portugal é a sociedade Van Ameyde Portugal, S. A.. * 2.5. A questão dos danos não patrimoniais - Conclusões 1) a 5) do recurso dos autores e conclusões 1) a 3) do recurso da chamada XL INSURANCE. A apelante chamada começa por considerar que há uma manifesta contradição na sentença pois foi considerado que: a) Inexiste um nexo de causalidade entre o dano patrimonial e a omissão praticada pelo 1.º réu, já que mesmo que não tivesse ocorrido a absolvição da instância administrativa por procedência da exceção, os autores não poderiam alcançar naquela acção a promoção pretendida; e, b) Existe fundamento para a fixação de uma indemnização de € 2.000 para cada um dos autores por danos não patrimoniais. Tal argumentação não colhe, na medida em que uma conduta ilícita poderá causar um dano não patrimonial e nenhum dano patrimonial ou vice-versa. Não podemos, assim, concluir que, se não há dano patrimonial, também não haverá dano não patrimonial. Os autores contrataram o 1.º réu para praticar actos jurídicos por conta daqueles, designadamente para impugnarem judicialmente as listas de promoção – cfr. facto # 6 e art.º 1157.º, do Código Civil. O 1.º réu não se comprometeu – nem se poderia comprometer – a anular as listas de promoção, mas sim a enveredar os melhores esforços e a desenvolver diligentemente o patrocínio forense no sentido de alcançar tal primeiro resultado pretendido pelos autores. É verdade que o resultado final pretendido pelos autores seriam as respectivas promoções como militares da Marinha. Afigura-se inquestionável que os autores teriam garantido o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, de questionar e impugnar o acto de homologação das listas de promoção que não os incluiu – art.ºs 20.º e 268.º, da Constituição da República Portuguesa. E, tal como já foi explanado na douta sentença recorrida e não vem impugnado, o 1.º réu omitiu ilicitamente os actos que se impunham no sentido de exercer o mandato com o devido grau de diligência, permitindo que transitasse em julgado a decisão do tribunal administrativo que absolveu da instância a Marinha. O 1.º réu podia ter impugnado tal decisão. E devia-o ter feito. Tal dever resulta de várias circunstâncias, tais como a viabilidade científica da fundamentação jurídica em termos da aptidão para reverter a decisão (porque fixou como fundamento que a 14-03-2017 os autores enviaram para o tribunal a petição inicial por email, mas depois, em aparente contradição, decidiu que tal acção foi intentada no dia 14-04-2017, e já teria decorrido o prazo de propositura de três meses para a impugnação), da própria conduta e posição técnico-jurídica assumida pelo 1.º réu (que reclamou contra a decisão e tardiamente recorreu) e da relevante vontade dos mandantes (que pagaram a taxa de justiça, o que pressupõe a vontade de impugnarem a decisão). Para haver responsabilidade civil é necessário que haja: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I., 4.ª edição, pág. 471). O nosso ordenamento jurídico prevê expressamente a indemnização dos danos não patrimoniais, embora a sua formulação e sistematização não seja isenta de reparos (vd. entre outros, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 6.ª Edição, pág. 504). Nos termos do art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil, só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Assim, para que o dano seja indemnizável é necessário que o mesmo tenha uma determinada relevância jurídica, sendo irrelevantes, designadamente, os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultem de uma sensibilidade anómala (Almeida Costa, ob. cit., pág. 503). A seguradora apelante não questionou a verificação dos três primeiros requisitos (o facto; a ilicitude; e a imputação do facto ao lesante), mas centrou o seu inconformismo na circunstância dos apelados não terem sofrido dano, pelo que entende que a decisão recorrida viola, por isso, nesta parte, o disposto nos artigos 342.º, 483.º, n.º 1 e 563.º do Código Civil – 1.ª e 2.ª conclusões do douto requerimento de recurso. No entanto, a seguradora faz tábua rasa do que foi julgado provado sob os n.ºs 33 e 34: “O desfecho do processo deixou os AA. em “estado de choque”, frustrados, revoltados, angustiados e incrédulos e sentiram uma enorme frustração, desgosto e revolta”. Independentemente do que os autores poderiam pressupor em termos de promoção na carreira (resultado final que motivou a contratação do 1.º réu), a mera frustração do resultado primeiro (e necessário) que consistia na apreciação da validade e na anulação do acto de homologação da lista de antiguidade, consubstancia um revés e uma evidente frustração. Os autores tinham a garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, em termos de impugnarem o acto de homologação das listas de promoção. Essa garantia era real e não se baseava numa mera vaidade ou fútil demanda, manifestamente votada ao insucesso. Em vista dos factos apurados é de crer que teriam uma fortíssima probabilidade de reverter a decisão que julgou procedente a excepção e uma séria possibilidade de lograrem anular o acto de homologação das listas. Este primeiro resultado que almejaram com a contratação do primeiro réu foi-lhes sonegado, em virtude da censurável distração, imperícia ou erro deste. No entanto, o dano é real e verificou-se apenas e tão só com a frustração do primeiro resultado que prosseguiam por meio da acção que intentaram perante o tribunal administrativo, i. é independentemente de saber se iriam lograr ou não lograr o resultado final que consistia nas respectivas promoções de posto. O que poderemos questionar, em termos de interpretação do facto, é se o estado de choque, frustração, revolta, angustia, incredulidade, desgosto e revolta dos autores resultou apenas do desenlace da acção administrativa ou igualmente da expectativa que alimentavam quanto a uma possível promoção no final da carreira. Tudo isso resulta da psicologia humana e nem sempre é de fácil distinção e compreensão. De qualquer forma, o dano não patrimonial é evidente e não resulta de uma mera contrariedade ou sensibilidade anómala. Os autores fizeram um investimento de uma vida na carreira militar, a qual gera justas expectativas de progressão. Sentindo-se injustiçados com a não inclusão nas listas de promoção, os autores seguramente realizaram igualmente um investimento, em termos de tempo, finanças e emoções com a acção que intentaram. A forma como a conduta ilícita do primeiro réu coartou abruptamente as legitimas, fortes e reais possibilidades de sucesso dos autores em termos de anulação do acto de homologação das listas de antiguidade foram idóneas a provocar o dano não patrimonial cuja reparação é reclamada. De acordo com o disposto no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º. Isto é, quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. Nada se evidencia de relevante, em termos da fixação da indemnização, quanto à situação económica do lesante ou da responsável. Já quanto ao grau de culpabilidade do agente e demais circunstâncias, há que considerar que os próprios autores alegaram e admitiram no artigo 38.º, da petição inicial, que “o 1º Réu em 26-12-2020 remeteu email aos AA, então seus constituintes, pelo qual, lamentando o sucedido, deu a conhecer esse desenlace de soçobro da ação assumindo a responsabilidade da sua conduta”. Apesar de tal facto não ter sido julgado provado (cfr. alíneas C. a E. da sentença), aproveita ao primeiro réu a circunstância de ter assumido a situação, escrevendo-lhes que: “sinto-me de certo modo responsável pelo erro, pois antes de fazer a reclamação devia ter consultado a jurisprudência mais actualizada sobre a matéria e poderia eventualmente descobrir o alçapão que impende sobre o pedido de reforma do processo, a partir de determinada data. Custa, mas vejo-me obrigado a dar a cara”. Isto é, ao invés de se escusar a qualquer satisfação, justificação ou se refugiar em subterfúgios, o Sr. Advogado teve um comportamento honroso em termos de assumir por escrito o infortúnio. Infelizmente, entre nós, tal situação não é muito comum e merece ser notada e valorizada. Não resolveu o problema, nem evitou os danos, mas deve ser considerada em termos de consubstanciar o princípio de uma satisfação moral aos autores e de ter evitado o agravamento exponencial dos danos não patrimoniais. A equidade não assenta na mera discricionariedade, mas deve ponderar todos os factos relevantes para a fixação da indemnização. Menezes Cordeiro aponta, de forma critica e com muitos exemplos, que: “Como elemento estrutural a corrigir, surge a grande parcimónia com que a jurisprudência nacional tem vindo a fixar indemnizações, sobretudo em casos de danos a pessoas. (…) Trata-se de uma autêntica página negra, na nossa jurisprudência, página essa que, de resto, iria prosseguir, praticamente até hoje” – Direito das Obrigações, Volume II, Tomo III, Almedina, 2010, pág.s 748-749. Sem prejuízo das diferentes circunstâncias (por vezes, bem marcantes) que rodeiam cada um dos casos, afigura-se com interesse considerar alguns exemplos jurisprudenciais, tais como: - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/3/2019, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 2743/13.0TBTVD.L1.S1: “Pode, contudo, ser fixada uma indemnização pelos danos não patrimoniais comprovadamente sofridos pelo ora autor com a negligente conduta do seu mandatário, a qual se mostra adequado ser fixada em € 10 000,00, por resultar provado que o autor: (i) sofreu, nomeadamente, ansiedade, nervosismo e estado depressivo após ter tido conhecimento das condutas do réu; (ii) vive num estado de desespero e inquietação por causa do agravamento da sua situação financeira, o que afectou a sua vida profissional e familiar e; (iii) em consequência das penhoras entretanto efectuadas sobre os seus imóveis teve dificuldade em renegociar empréstimos junto da sua instituição bancária e teve de recorrer à ajuda de amigos e familiares”. - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/3/2017, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 12617/11.3T2SNT.L1.S1.S1: A não propositura da ação judicial pela Recorrente determinou uma perda de chance ou de oportunidade para a Recorrida, daí advindo uma desvantagem jurídica, traduzida num interesse económico. Atribuída a indemnização de € 10 mil por danos não patrimoniais, acrescidos de € 10.000 de danos patrimoniais. - O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/1/2017, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 540/13.1T2AVR.P1.S1: Em que o indeferimento do recurso por extemporâneo, que visava suspender a execução de uma pena de prisão, confirmou a atribuição de uma indemnização de € 6 mil por danos não patrimoniais. Por conseguinte, sopesando as circunstâncias conhecidas, é de reconhecer o direito dos autores à reparação dos efeitos não patrimoniais do incumprimento dos deveres profissionais do primeiro réu, cujo montante se deverá elevar à quantia de € 4.000, a cada um. Tal montante é fixado considerando o momento actual, conforme o disposto no artigo 566.º, do Código Civil. Quanto à questão do momento em que se vencem os juros, ver infra 2.9.. * 2.6. A questão dos danos patrimoniais - Conclusões 15) a 19), 21) a 25) e pedido final do recurso dos autores. Os autores consideram que a factualidade provada (e a que impugnaram) importará a revogação da sentença, com a condenação da chamada seguradora XL INSURANCE a pagar as perdas salariais identificadas na alínea B) do petitório, acrescidas de juros de mora contabilizados desde a citação até integral e efetivo pagamento, a título de danos patrimoniais. Nos termos do disposto no artigo 320.º, do Código de Processo Civil, a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado. Importa, assim, perguntar se há mérito no pedido de condenação da chamada a pagar uma indemnização aos autores pelos alegados danos patrimoniais. A questão pode ser conhecida nos moldes clássicos que regem a responsabilidade contratual, nomeadamente em face do reconhecimento que o devedor primeiro réu faltou culposamente ao cumprimento da obrigação e se tornou responsável pelo prejuízo que causou aos autores credores – art.º 798.º, do Código Civil. Seguir-se-á a reparação do dano, nomeadamente em termos do cálculo da indemnização a que alude o artigo 564.º, do Código Civil: 1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. 2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior. Aparentemente, a petição inicial elabora e pressupõe a evidência do dano correspondente às diferenças salariais dos autores, como consequência directa e necessária da conduta do primeiro réu. No entanto, como é fácil de perceber, o sucesso desse raciocínio assemelha-se a uma escalada ao topo do monte Everest, na medida em que os autores teriam que atingir sucessivos e cada vez mais difíceis patamares – o último dos quais seria verdadeiramente impossível – em termos factuais e lógicos, que se resumem na demonstração de que: 1.º Não fosse a apresentação extemporânea e rejeição do recurso dos autores, seria revogada a decisão que julgou procedente a exceção dilatória da intempestividade e absolveu a Marinha; 2.º Os autores lograriam ulteriormente ter vencimento na acção e ver anulado o acto de homologação das listas de antiguidade (da qual não constavam); e, 3.º Seriam incluídos nas novas listas a elaborar em lugares que lhes permitiriam a almejada promoção no posto. Sem surpresa, constata-se que os autores não lograram demonstrar que seriam incluídos em lugares lhes permitiriam a almejada promoção no posto, desde logo porque apenas esboçaram tal conclusão na petição inicial, mas em face da circunstância de ignorarem todos os pressupostos necessários para alcançarem esse resultado. Sem supressa, porque como resulta dos artigos 51.º a 65.º, da douta contestação do primeiro réu, existem numerosos outros factores que são desconhecidos e que poderiam obstaculizar as derradeiras vantagens que os autores prosseguiam com a impugnação das listas de antiguidade: a promoção de posto e a correspondente valorização salarial. A extensa lista de contra-interessados apresentada pelos autores na petição da acção perante o tribunal administrativo (cuja cópia certificada foi junta a estes autos no dia 23/12/2021) evidencia a dificuldade de estabelecer que mais ninguém preferia aos autores em termos de promoção. A circunstância dos próprios autores nem sequer terem conseguido precisar quais deles ficariam graduados com uma antiguidade inferior à dos autores e de não ser possível saber da eventual existência de outros militares da Marinha em situação idêntica, evidenciam a dificuldade/impossibili-dade em afirmar que aqueles, não fosse a actuação do primeiro réu, iriam directa e necessariamente colher os benefícios (diferenças salariais) que aqui reclamam. * 2.7. A questão da perda de chance. Não obstante o supra referido, importa igualmente conhecer se a factualidade provada evidencia um dano patrimonial na esfera dos autores que seja indemnizável sob a perspectiva da perda de chance. Apesar da inexistência de uma regulação legal expressa e de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que afastam ou severamente limitam a verificação e reparação do dano de “perda de chance” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/10/2010, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 1410/04.0TVLSB. L1.S1 – tem-se assistido ao gradual reconhecimento e pertinência deste dano. O acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2022, convocado pela douta sentença recorrida, necessariamente pressupõe a reparação deste dano da perda de chance processual, ao fixar jurisprudência no sentido de, como fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade. Como é exemplificado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/5/2019: “Trata-se de um dano que, entre nós, encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente na jurisprudência deste Supremo Tribunal, que, após a prolação do Acórdão do STJ, de 22.10.2009 (processo nº 409/09.4YFLSB), fortaleceu-se e sedimentou-se no sentido de que o dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se tratar de uma chance consistente, designadamente se, tal como se afirma no Acórdão do STJ, de 29.04.2010 (processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1), se puder concluir «com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança» que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida. Procurando tomar posição sobre esta questão, diremos, desde logo, perfilharmos a orientação seguida nos Acórdãos do STJ, de 09.07.2015 (processo nº 5105/12.2TBSXL.L1.S1), e de 30.11.2017 (processo nº 12198/14.6T8LSB.L1.S1), no sentido de que a perda de oportunidade ou de “chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, pode-se traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e, portanto, qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto. Assim, transpondo esta qualificação da “perda de chance” como dano autónomo para o campo da responsabilidade civil contratual por perda de chance processual e adotando a metodologia seguida nestes mesmos acórdãos, diremos que, para se fazer operar tal responsabilidade, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa. E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 6720/14.5T8LRS.L2.S2. No presente caso, a questão foi resolvida pela sentença recorrida em termos da (não) verificação do dano por inexistência de promoção (danos patrimoniais correspondentes aos valores que os AA. deixaram de auferir por não terem sido promovidos). Não há dúvida que a questão poderá ser equacionada nesses termos e foi assim com base nesse raciocínio ou pressupostos maximalistas que os autores calcularam a indemnização a que se arrogam ter direito. Já vimos que a constatação em como os autores-lesados deixaram de obter todos esses benefícios (diferenças salariais) em consequência da lesão, dependia de múltiplos pressupostos, tais como: 1.º Não fosse a apresentação extemporânea e rejeição do recurso dos autores, seria re-vogada a decisão que julgou procedente a exceção dilatória da intempestividade e absol-veu a Marinha; 2.º Os autores lograriam ulteriormente ter vencimento na acção e ver anulado o acto de homologação das listas de antiguidade (da qual não constavam); e, 3.º Seriam incluídos nas novas listas a elaborar em lugares que lhes permitiriam a alme-jada promoção no posto. Naturalmente competiria às instâncias judiciais administrativas o julgamento definitivo sobre tais questões, mas afigura-se que, se o primeiro réu tivesse suscitado a evidente contradição lógica da decisão que julgou a excepção, muito provavelmente poderia ter logrado a sua reversão, com o inerente prosseguimento da acção administrativa (1.º pressuposto). Também se afigura que existiria uma probabilidade, consistente e séria, dos autores lograrem a anulação do acto impugnado, considerando os motivos que aduziram em termos de nem sequer terem sido notificados das razões pelas quais não foram considerados na lista de antiguidade e de ainda se encontrarem ao serviço à data a que reportava (2.º pressuposto). Porém, como já foi afirmado na sentença recorrida, os autores não lograram demonstrar, como era seu ónus, que existira igualmente uma probabilidade, consistente e séria, de serem incluídos na nova lista a elaborar em lugares que lhes permitiriam a almejada promoção no posto (3.º pressuposto). Não há factos que permitam concluir que esse benefício, mais do que uma mera expectativa, possibilidade ou hipótese, se perspectiva já como uma probabilidade, consistente e séria. E já vimos que o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade. Ora, os autores apelantes não rebateram nas alegações de recurso o entendimento expresso na sentença – central à improcedência do pedido de ressarcimento dos danos patrimoniais – em como “inexiste probabilidade séria e consistente de que o tribunal administrativo determinasse a inclusão dos AA. nas listas de promoção”. “A perda de chance é um dano autónomo, substancialmente diverso do dano decorrente da perda do resultado por ela propiciado: na realidade, e usando as palavras de Rute Teixeira Pedro, uma coisa é o prejuízo decorrente da perda de uma situação intermédia (por exemplo, da frustração da possibilidade de ganhar o prémio), outra diferente é o prejuízo decorrente do malogro do efeito final esperado (no mesmo exemplo, a perda do próprio prémio). É também um dano emergente, visto que, aceite a configuração da chance como uma realidade autónoma e parte integrante do património do lesado, então a sua perda ocorre necessariamente com referência a um bem já existente; um dano atual, por oposição a dano futuro, pois a chance fica logo afastada, em regra, aquando da prática do facto ilícito; e um dano certo, pois tem por objeto a perda da possibilidade atual de conseguir um resultado determinado, possibilidade essa que existia no momento da lesão” - Patrícia Cordeiro da Costa, in A Perda de Chance — Dez Anos Depois, JULGAR, n.º 42 – 2020, pág. 166. No entanto, em face do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, impõe- -se perguntar se, frustrando-se a perspectiva maximalista apresentada pelos autores na petição inicial em como o sucesso na acção administrativa se iria projectar em termos de subida de posto e de aumento salarial, ainda assim a perda de chance de reverterem a decisão do tribunal administrativo que julgou procedente a excepção de intempestividade e, sobretudo, de lograrem a anulação do acto de homologação da lista de antiguidade não consubstancia em si um dano indemnizável. O direito tutela a anulação de actos jurídicos e atribui valor às acções em que se discute a sua existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução. No caso dos autos, a conduta culposa do primeiro réu frustrou a chance dos autores lograrem obter vencimento na acção administrativa, nomeadamente em termos de lograrem obter a anulação do acto de homologação da lista de antiguidade. A indemnização da perda de chance não se restringe às acções em que se discutem valores materiais. Se assim fosse, em breve estaríamos a dizer que o dano de perda de chance de cura ou sobrevivência não seria passível de reparação, nem tão pouco a perda de chance nas acções que versam sobre bens imateriais. Tal seria inadmissível, considerando que a lei tutela igualmente tais valores e o seu ressarcimento. Os autores tinham o direito de impugnar a decisão do tribunal administrativo que julgou procedente a excepção de intempestividade e o direito de pedir a anulação do acto de homologação das listas de antiguidade. A conduta do primeiro réu frustrou essa chance processual, séria e consistente, o que determinou a produção do dano (impedindo a anulação de um relevante acto jurídico), independentemente do ulterior eventual ou hipotético sucesso dos autores em termos da almejada promoção no posto. Novamente recorrendo ao entendimento expresso no supra citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/5/2019, importa considerar que: “pese embora a maior dificuldade na determinação, no caso dos autos, do grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou “chance” perdida pelo ora autor, a verdade é que não pode deixar o Tribunal de fixar, equitativamente, a indemnização devida pela ré ao autor em função do caso concreto e dentro dos limites que tiver por provados, tal como decorre do disposto no art. 566º, nº3 do CPC, sob pena de desoneração do lesante por dificuldades probatórias. Assim, considerando-se, na esteira do Acórdão do STJ, de 05.03.2013 (proc. nº 488/09.4 TBESP.P1.S1), que a reparação da perda de uma chance deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser superior nem igual à vantagem que se procurava obter, julgamos que no caso em apreço, atenta a natureza da questão em discussão em cada um dos mencionados processos (incumprimento, por parte do ora autor, do contrato de cessão de exploração de serviço de … celebrado entre ele a CC, Ldª - cfr. docs juntos a fls. 11 a 34), bem como o facto de o ora autor ter sido condenado na ação nº 30/14.5TVLSB no pagamento da quantia de € 36.000,00, inexistem razões para discordar do acórdão recorrido, quer no que concerne ao critério seguido, quer relativamente ao quantum indemnizatório arbitrado, pelo que nenhuma censura merece este segmento da decisão recorrida”. E como também salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1/7/2014: “No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes a da oportunidade perdida, como um direito em si mesmo violado por uma conduta que pode ser omissiva ou comissiva; não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada” - disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 824/06.5TVLSB.L2.S1. Por conseguinte, a vantagem final esperada pelos autores não é o elemento em que assenta o seu direito à reparação, mas sim a perda de chance, da oportunidade de revogar a decisão que julgou procedente a excepção de intempestividade e de lograr anular o acto de homologação da lista de antiguidade. Este dano autónomo deverá ser indemnizado com base nos critérios estabelecidos pelo artigo 566.º, do Código Civil, sopesando particularmente a importância social e profissional que se reconhece à dignificação da carreira de militar, a relevância da progressão de posto na fase final da vida profissional dos autores e o que se evidencia em termos de provável investimento de tempo e esforço que dedicaram à impugnação judicial do acto. Julgando equitativamente em face do que se evidencia e não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, considera-se justa a atribuição de uma indemnização de € 10.000 a cada um dos autores pela perda de chance que lhes foi imposta, montante reportado à presente data. * 2.8. A questão da responsabilização solidária do primeiro réu. A apelante seguradora considerou que, “ao condenar apenas a Apelante seguradora no pagamento da indemnização peticionada nos Autos, o Tribunal “a quo” violou o disposto no n.º 1 do artigo 497.º do Código Civil e no artigo 512.º do Código Civil, uma vez que tanto o 1.º Réu como a ora Apelante são responsáveis, solidariamente, por qualquer indemnização decorrente dos factos dos Autos”. Porém, não retirou qualquer consequência desta linha argumentativa. Implicitamente pretenderá que, caso haja lugar a qualquer condenação, o primeiro réu também seja condenado. Sucede que, tendo ficado vencidos quanto à decisão que absolveu o primeiro réu, apenas os autores tinham legitimidade para recorrer e peticionar a condenação daquele – art.º 631.º, do Código de Processo Civil. Mas não o fizeram. A própria apelante seguradora deu-se conta desta evidência ao concluir (n.º VI.) que “A existência de um seguro obrigatório faculta ao lesado o direito de ação direta, mas não lhe retira o direito de demandar o lesante, que responderá solidariamente com a seguradora para a qual foi transferida a obrigação de indemnizar, tratando-se de solidariedade imprópria, uma vez que o responsável poderá fazer repercutir na seguradora o que for obrigado a cumprir e com os limites acordados”. Por outro lado, não está em causa, nem o tribunal foi chamado a decidir do relacionamento entre os devedores, mas tão só quanto à relação jurídica entre a parte activa (os lesados) e a parte passiva (o lesante e a seguradora responsável) – art.º 320.º, do Código de Processo Civil. Basta atentar que o que expressamente motivou o chamamento (intervenção principal provocada da apelante) foi a dedução da excepção de ilegitimidade da 2.º ré (Aon Portugal). Na verdade, há algumas situações em que o tribunal terá que apreciar a relação jurídica entre os devedores solidários – cfr. Assento n.º3/1981, in Diário da República, Série I, de 20/11/1981. Não se evidencia que tal suceda no presente caso. Por conseguinte, conclui-se que a apelante seguradora não tem legitimidade para, mediante recurso, peticionar a condenação solidária do réu, pelo que não se conhecerá desta questão. * 2.9. A questão do momento da exigibilidade dos juros. A apelante seguradora defende que o tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 805.º e 806.º do Código Civil, decidindo contra jurisprudência do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”. E que a obrigação de juros só se pode constituir com decisão judicial que determine, em concreto, o montante devido a título de indemnização, contabilizando-se os juros de mora desde a data do respetivo trânsito em julgado. Sucede que o Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a resolver uma questão que aí foi claramente enunciada: “sempre que, fazendo apelo ao critério actualizador prescrito no artigo 566.º, n.º 2, o juiz atribuir uma indemnização monetária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão da 1.ª instância - como foi o que aconteceu no caso sub judice - pode ele, sem se repetir, mandar acrescer a tal montante juros moratórios desde a citação, por força do disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, referido ao n.º 1 do artigo 806.º?” – nosso sublinhado. No caso sub judice, a Mma. Juíza considerou que é o 1.º R. responsável pelo pagamento aos AA. do dano não patrimonial que lhes provocou, no valor de € 2.000. E ainda que os RR. constituíram-se em mora com a respetiva citação, havendo lugar ao pagamento de juros de mora à taxa legal sobre as quantias devidas, contabilizados desde a citação e até integral pagamento. No entanto, não resulta expressamente da decisão recorrida o apelo ao critério actualizador prescrito no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil. Situação que contrariaria o entendimento do aludido aresto uniformizador, sendo certo que, não obstante a revogação do artigo 2.º, do Código Civil, sempre mereceria uma especial e ponderada justificação. Tão pouco parece ser de considerar implicitamente que o cálculo da indemnização foi feito de forma actualizada (i. é reportando-se à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal), na medida em que logo de seguida foi decidido que haveria lugar ao pagamento de juros de mora à taxa legal sobre as quantias devidas, contabilizados desde a citação e até integral pagamento. De qualquer forma, a questão mostra-se ultrapassada. No que diz respeito ao primeiro réu, transitou em julgado a decisão que o condenou no pagamento de juros de mora desde a citação – cfr. art.º 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. E no que diz respeito à chamada seguradora, ficou supra explicitado que as indemnizações foram atribuídas em face do critério actualizador prescrito no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil. Logo, em consonância com a citada jurisprudência uniformizadora do Supremo Tribunal de Justiça, a chamada seguradora será condenada a pagar juros de mora unicamente a partir da presente data e até integral pagamento aos autores, à taxa legal que estiver em vigor (art.ºs 805.º, 806.º, n.º 1 e 2 e 559.º, n.º 1, do Código Civil). * 2.10. A responsabilidade tributária. A responsabilidade tributária será repartida pelas partes, em função do respectivo decaimento – cfr. art.º 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Considerando ainda que: - Foi fixado em € 636.277,25 o valor da acção; - A complexidade da causa (pedidos e respectivos fundamentos) se revelou mediana; e, - Pese embora a necessidade das partes reformularem os articulados, a sua conduta processual revelou-se conforme ao princípios de colaboração e probidade, mormente em termos da síntese e objectividade dos requerimentos de recurso; Decide-se dispensá-las do pagamento do remanescente da taxa de justiça – cfr. art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais. * 3. Decisão: 3.1. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação da chamada seguradora. Na parcial procedência da apelação dos autores, condena-se a chamada XL Insurance Company SE (sucursal em Espanha) no pagamento a cada um dos autores: a) Da quantia de quatro mil euros, acrescida de juros de mora contabilizados desde a presente data e até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais; e, b) Da quantia de dez mil euros, acrescida de juros de mora contabilizados desde a presente data e até integral pagamento, a título de dano pela perda de chance. No mais, prevalece o decidido em primeira instância. 3.2. As custas da apelação da chamada seguradora são a suportar integralmente pela mesma e as custas da apelação dos autores são a suportar pelos mesmos e pela chamada seguradora na proporção respectivo decaimento. Dispensa-se as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça. 3.3. Notifique. Lisboa, 6 de Novembro de 2025 Nuno Gonçalves João Brasão Jorge Almeida Esteves |