Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | FÁTIMA REIS SILVA | ||
| Descritores: | INSOLVÊNCIA APREENSÃO RESTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DE BENS MASSA INSOLVENTE APREENSÃO DE DIREITOS IRRECORRIBILIDADE DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/10/2025 | ||
| Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REJEIÇÃO | ||
| Sumário: | 1 – Cabe em exclusivo ao administrador de insolvência proceder à apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente – arts. 149º nº1 e 150º nºs 1, 2 e 3 do CIRE. 2 - A forma de “oposição” à apreensão indevida de bens é o pedido de separação e restituição e não qualquer outro meio. 3 - É aplicável à apreensão em processo de insolvência o regime da penhora, num afloramento da norma geral implícita de acordo com a qual o regime da penhora é subsidiariamente aplicável a todas as outras figuras de apreensão em processos judiciais. 4 - A apreensão de direitos dá-se com a notificação do administrador da insolvência, nos termos do disposto no art. 773º nº1 do CPC, com as devidas adaptações. 5 - O despacho judicial que, a pedido do administrador da insolvência ordenou nova notificação da ora recorrente para que procedesse à transferência de determinado montante para a conta da massa insolvente, quando tal transferência não havia sido efetuada na sequencia de prévia notificação do AI, analisa-se numa intervenção para efetivar a apreensão já realizada e em reforço de autoridade, num exercício de colaboração. 6 – Trata-se, assim, de um despacho de expediente, nos termos do nº4 do art. 152º do CPC (ex vi art. 17º nº1 do CIRE), irrecorrível por força do disposto no nº1 do art. 630º do CPC. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | 1. Relatório Petit Pied - Comércio de Calçado, Vestuário e Acessórios, Lda, foi declarada insolvente por sentença de 13/05/2025, transitada em julgado. Por requerimento de 03/06/2025, a Sra. Administradora da Insolvência expôs as diligências de apreensão ocorridas com duas instituições bancárias e requereu fosse oficiado ao “Banco Eurobic para proceder à transferência imediata da quantia de 50.000,00€, depositada na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1... para a conta da massa insolvente tem o IBAN 2..., da Caixa Económica Montepio Geral.”, bem como idêntico procedimento quanto a outra instituição bancária. Tal requerimento foi deferido por despacho de 05/06/2025, nos seguintes termos: “Requerimento de 03.06.2025 Face ao requerimento da Sr.ª Administradora da Insolvência e o disposto no art. 149º do CIRE, proceda como requerido, oficiando: - (…); - ao Banco Eurobic para proceder à transferência imediata da quantia de 50.000,00€, depositada na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1..., para a conta da massa insolvente com o IBAN 2..., da Caixa Económica Montepio Geral. Notifique. DN.” Inconformado apelou Banco BIC Português, S.A., pedindo a procedência do recurso “revogando-se o Despacho ora recorrido, com a consequente: - Retoma da tramitação do processo no momento imediatamente anterior à prolação da referida decisão; OU - Substituição por outra que atenda a toda a matéria de facto e de direito relevante para a decisão da questão suscitada nos autos pela Sra. Administradora de Insolvência, determinando que o valor referente ao depósito a prazo de €50.000,00 foi validamente compensado pelo aqui Recorrente.” E formulando as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso interposto do Despacho proferido a 05/06/2025 a fls._, cujo conteúdo foi notificado ao ora Recorrente em 06/06/2025, pelo Tribunal a quo (ref.ª 446152774), o qual ordenou o ofício do aqui Recorrente para proceder à transferência do montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), depositado na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1..., para a conta da massa insolvente. 2. Entendeu o Tribunal a quo serem procedentes os argumentos expostos pela Sra. Administradora de insolvência, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 149.º do CIRE, ordenou que o aqui Recorrente procedesse à devolução para a massa insolvente do montante de €50.000,00 que se encontrava depositado na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1.... 3. Sucede, porém, que salvo o devido respeito, que é muito, o ora Recorrente não se conforma com o teor do douto Despacho proferido pelo Tribunal a quo, considerando que a decisão ora recorrida não acolhe devidamente a especificada matéria e o âmbito jurídico da mesma, sendo certo que enferma de erro de julgamento manifesto ao considerar que o montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) que se encontrava depositado na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1... deverá ser apreendido para a massa insolvente, nos termos do artigo 149.º do CIRE e, consequentemente, integrar a mesma. 4. Adicionalmente, entende o aqui Recorrente que da decisão proferida resulta igualmente claro que a mesma não se mostra deviamente fundamentada, diga-se, não se mostra fundamentada de todo, à revelia do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 154.º do CPC, a que acresce o facto de ter o Tribunal a quo optado, face ao requerimento junto aos autos pela Sra. Administradora de Insolvência, por proferir tal decisão sem, para o efeito, chamar o aqui Recorrente a pronunciar-se sobre a matéria em apreço, em clara violação do principio do contraditório, conforme estatuído no n.º3 do artigo 3.º do CPC, factualidade que não só consubstancia uma nulidade processual nos termos do n.º1 do artigo 195.º do CPC, como torna o referido Despacho e, bem assim, a decisão dele constante, ferida de nulidade, nos termos das alínea b e d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do n.º3 do artigo 613.º daquele Código. 5. Pelas presentes Alegações de recurso, a ora Recorrente vem insurgir-se contra a transferência do montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) que se encontrava depositado na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1... para a massa insolvente, conforme ordenado pelo Tribunal a quo, pugnado pela revogação do Despacho recorrido e, por conseguinte, pela substituição deste por outro que opte por não acolher os argumentos expostos pela Sra. Administradora de Insolvência no seu requerimento junto aos autos em 03/06/2025 (ref.ª 43024670) ou, caso assim se entenda, pela previa concessão ao aqui Recorrente da oportunidade de se pronunciar nos autos quanto à matéria em apreço, em respeito do principio do contraditório, estatuído no n.º3 do artigo 3.º do CPC. 6. No exercício da sua atividade creditícia, o aqui Recorrente celebrou com a Insolvente Petit Pied - Comercio de Calçado Vestuário e Acessórios, Lda., na qualidade de mutuária e com P1, na qualidade de avalista, o Contrato de Abertura de Crédito n.º WFC20220011452001. 7. A par da livrança subscrita, e igualmente para garantia do cumprimento das obrigações contratuais, a Sociedade Insolvente constituiu a favor do ora Recorrente um direito real de penhor sobre os direitos de crédito emergentes da conta deposito a prazo n.º 16460657 (IBAN 1...), no montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), cf. artigo 12.º do aditamento ao contrato. 8. O referido penhor destinava-se à eventual compensação, total ou parcial, em caso de incumprimento da obrigação garantida (Contrato de Abertura de Crédito n.º WFC20220011452001), conforme aditamento ao Contrato. 9. Sucede que o referido Contrato veio a ser incumprido, não tendo a Sociedade Mutuária nem o avalista cumprido com as obrigações dele emergentes, apesar de devidamente interpelados para o efeito. 10. Motivo pelo qual, outra alternativa não restou ao aqui Recorrente, que não proceder à denúncia do Contrato, nos termos do n.º2 do artigo 3.º do Contrato, com efeitos a partir de 03 de maio de 2025, a qual foi comunicada à Insolvente mediante carta registada com aviso de receção remetida em 17 de Abril de 2025. 11. Destarte, encontrando-se o Contrato em apreço garantido por penhor sobre depósito a prazo na conta n.º 16460657, no montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) e em virtude da denúncia do Contrato operada em 17 de Abril de 2025, com efeitos a partir de 03 de Maio de 2025, o aqui Credor Reclamante deu internamente ordens, em 05 de Maio de 2025, para que fosse processada a desmobilização daquele depósito a prazo, para posterior compensação face aos valores em divida verificados, a qual veio a ser aprovada e ordenada em 13 de Maio de 2025, com a consequente concretização em 15 de Maio de 2025, pelas 12h49m. 12. Sucede que, em 13 de Maio de 2025 veio a ser decretada a Insolvência da Empresa Petit Pied - Comercio de Calçado Vestuário e Acessórios, Lda. (na qual o aqui Recorrente já logrou igualmente reclamar os seus créditos, cf. reclamação de créditos aqui junta), cujo respetivo anúncio veio a ser publicado em 14 de Maio de 2025. 13. Nessa sequência, veio a Sra. Administradora de Insolvência, mediante requerimento junto aos autos em 03/06/2025 (ref.ª 43024670) requerer ao Tribunal a quo que oficiasse o aqui Recorrente para “(…) para proceder à transferência imediata da quantia de 50.000,00€, depositada na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1... para a conta da massa insolvente tem o IBAN 2..., da Caixa Económica Montepio Geral”, uma vez que, conforme exposto naquela sede, entende a mesma que tal montante se encontrava já apreendido para a massa insolvente à data da sua compensação, concluindo assim que “ (…) o Banco Eurobic andou mal ao utilizar o saldo da conta para saldar uma garantia bancária.” 14. Posteriormente, mediante Despacho proferido em 05/06/2025 (ref.ª 446099263), objeto do presente recurso, veio o Tribunal a quo pronunciar-se quanto ao requerimento da Sra. Agente de Execução, proferindo decisão na qual ordenou o ofício do aqui Recorrente para proceder à imediata transferência da quantia de 50.000,00€, depositada na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1..., para a conta da massa insolvente com o IBAN 2... 15. O aqui Recorrente apresentou nesta data, junto do Tribunal a quo, requerimento de arguição de nulidade. Porém, à cautela e por dever de patrocínio, vem desde já no presente recurso arguir igualmente as nulidades invocadas naquela sede, da qual padece o Despacho proferido do qual ora se recorre. 16. Conforme se constata da análise do Despacho recorrido, o Tribunal a quo terá omitido por completo a fundamentação em que baseou a sua decisão, limitando-se, assim, a deferir o requerido pela Sra. Administradora de Insolvência. 17. Ora, não entende o aqui Recorrente, nem se conforma, com o facto de ter o Tribunal a quo proferido decisão em que apenas faz alusão ab initio ao “(…) requerimento da Sr.ª Administradora da Insolvência e o disposto no art. 149º do CIRE.”, o que na verdade, não poderá sequer considerar-se fundamentação, tornando o referido Despacho claramente omisso quanto à mesma. 18. Assim, entende o aqui Recorrente que a simples e indireta remissão feita pelo Tribunal a quo para a argumentação apresentada pela Sra. Administradora de Insolvência, bem como para o disposto no artigo 149.º do CIRE não constituem qualquer tipo de fundamentação para a decisão que vem a proferir e que vai ao encontro do requerido pela Sra. Administradora de Insolvência, antes consistindo num mero Despacho em que defere o requerido pela mesma, sem fundamentar o motivos fácticos e respetivos preceitos legais que levam a tal decisão, quando outra factualidade e outras disposições legais deveriam ter sido atendidas para a decisão quanto à matéria vertente. 19. Veja-se que o Despacho em apreço não constitui, no entender do aqui Recorrente, um mero despacho de expediente, não se limitando a promover o andamento do processo, nos termos do n.º1 do artigo 630.º do CPC, antes consistindo, face ao teor do mesmo, numa decisão que impacta negativamente (e diga-se, avultadamente) o aqui Recorrente, enquanto Credor da Insolvente, que se vê obrigado, por força dessa decisão, a restituir para a massa insolvente o montante global de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) que, no seu entender não deverá ser apreendido para a mesma. 20. Em sentido semelhante, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 21 de Maio de 2015, no âmbito do processo n.º 1/08.0TJVNF-EK.G1, disponível em https://www.dgsi.pt: “Não se trata, aqui de um despacho de mero expediente, no sentido de que se limita a prover ao andamento do processo, de acordo com a tramitação legalmente prescrita – artigo 630.º, n.º 1 do CPC. O despacho vai mais longe, autorizando um acto expressamente solicitado por um interveniente processual, à margem do normal andamento do processo. Daí que seja recorrível.” 21. Assim, dadas as semelhanças entre o caso vertente e a factualidade na qual assentou a conclusão alcançada pelo Coletivo do Tribunal da Relação de Guimarães no Acórdão supra aludido, resulta mister concluir que o Despacho aqui recorrido não constitui, por isso, um Despacho de mero expediente, na medida em que vai mais longe ao deferir o requerido pela Sra. Administradora de Insolvência, à margem do normal andamento do processo, o que o torna, assim, recorrível. 22. Ora, tal decisão não constitui um Despacho de mero expediente, dado o impacto negativo que reveste na esfera do aqui Recorrido e ao facto de ter sido proferida, única e exclusivamente, com a pronúncia por parte da Sra. Administradora de Insolvência, mas já não do aqui Recorrente, nunca poderia revelar-se esvaziada de qualquer fundamentação, conforme sucedido. 23. Face ao exposto, resulta mister concluir que o Despacho ora recorrido é nulo, por falta de fundamentação, nos termos do disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do n.º3 do artigo 613.º daquele Código, na medida em que, não se vislumbra no mesmo a exposição de quaisquer fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão proferida. 24. Ademais, veja-se o estatuído no n.º1 do artigo 154.º do CPC: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.” 25. Adicionalmente, e veja-se com elevada relevância para o caso vertente, preceitua o n.º2 que: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.” 26. Ora, conforme conclui igualmente o Douto Acórdão supra aludido, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães: “É nulo um despacho que omite por completo a fundamentação em que se baseia, limitando-se a deferir o requerido.” 27. Adicionalmente, resulta claro que o Despacho ora recorrido viola igualmente o dever de motivação/fundamentação das decisões judiciais, estatuído no n.º1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) e bem assim reforçado pelo já referido artigo 154.º do CPC. 28. Conclui-se assim, que o Despacho ora recorrido encontra-se igualmente ferido de nulidade ao abrigo do disposto no n.º do artigo 195.º do CPC, a par da nulidade já identificada, prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do n.º3 do artigo 613.º daquele Código. 29. Ademais, no Despacho ora recorrido o Tribunal a quo nada mais fez, pelas suas próprias palavras, que deferir o requerido pela Sra. Administradora de Insolvência mediante requerimento junto aos autos em 03/06/2025 (ref.ª 43024670). 30. Sucede que, tendo a questão sido colocada à consideração do Tribunal a quo pela Sra. Administradora de Insolvência e atendendo a que os efeitos da decisão que viesse a ser proferida quanto à matéria ali vertida repercutir-se-iam (como, aliás, se repercutiram), na esfera aqui Credor, que se vê prejudicado pela referida decisão, tal pedido efetuado nos autos pela Sra. Administradora de Insolvência deveria ter sido notificado ao aqui Credor, sendo o mesmo chamado a pronunciar-se quanto ao ali requerido. 31. Ora, conforme resulta da análise dos presentes autos, em momento algum foi o aqui Credor chamado a pronunciar-se quanto ao requerido pela Sra. Administradora de Insolvência, o que só por si, demostra uma clara violação do princípio do contraditório, previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, que constitui um princípio basilar no nosso ordenamento jurídico, mormente, no âmbito do processo civil. 32. Estatui o n.º 3 do artigo 3.º do CPC que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” 33. Salvo o devido respeito, que é muito, entende o aqui Recorrente que o caso vertente não se poderá considerar inserido na parte daquele preceito legal que se reporta a casos de manifesta desnecessidade. 34. Conclusão que se revela necessária, aliás pelo facto do Tribunal a quo, na decisão ora proferida, ter deixado de atender a factualidade que, no entender do aqui Recorrente, se mostrava essencial à eventual decisão a proferir quanto à matéria suscitada nos autos pela Sra. Administradora de Insolvência, a qual teria sido prestada caso o aqui Recorrente, conforme deveria ter sido, tivesse sido chamado a pronunciar-se nos autos quanto ao requerido por aquela, factualidade essa que, quiçá, conduziria a uma decisão em sentido diverso da ora proferida, na medida em que, com base na mesma, outros preceitos legais deveriam ter sido atendidos na resolução da questão em apreço, de entre os quais, os relativos à compensação de créditos, cuja possibilidade vem prevista no artigo 99.º do CIRE. 35. Mister será concluir, assim, que o Despacho ora recorrido se encontra igualmente ferido de nulidade por força do preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ex vi do n.º3 do artigo 613.º daquele Código. 36. Não obstante as nulidades evidenciadas, das quais o Despacho ora recorrido se encontra ferido, cumpre igualmente referir que, no entender do aqui Recorrente, o teor da decisão recorrida revela um manifesto erro de julgamento do Tribunal a quo, uma vez que a mesma não acolhe devidamente a especificada matéria e o âmbito jurídico da mesma. 37. Considerou o Tribunal a quo na decisão recorrida que o montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) que se encontrava depositado na conta de depósitos a prazo com o IBAN 1... deverá ser apreendido para a massa insolvente, nos termos do artigo 149.º do CIRE e, consequentemente, integrar a mesma. 38. Sucede, porém, que no entender do aqui Recorrente, mal andou o Tribunal a quo, não só em atender única e exclusivamente aos fundamentos apresentados pela Sra. Administradora de Insolvência, mas igualmente em não atender a outros preceitos legais/institutos jurídicos aplicáveis in casu e que se revelam cruciais para a decisão da matéria suscitada. 39. Estatui o artigo 149.º do CIRE sob a epigrafe “Apreensão de bens” que: “1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido: a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social; b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.; 2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.” 40. Do supra referido preceito legal, resulta assim que, proferida que esteja a sentença de declaração de insolvência, deverá proceder-se de imediato à apreensão de todos os bens, valores ou direitos integrantes da massa insolvente, ainda que estes se mostrem, à data, arrestados, penhorados, etc. 41. Ora, relevante para entender o sentido do preceito legal supra referido, importa igualmente atender ao disposto no n.º1 do artigo 46.º daquele mesmo Código, que descortina aquilo que se deverá entender por “massa insolvente”. Assim, estatui o n.º1 do artigo 46.º do CIRE que: “1 - A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.” 42. Assim, a massa insolvente, por força do preceito legal supra referido será integrada por todo o património da Insolvente, à data da declaração de insolvência, bem como de todos os bens e direitos que esta venha a adquirir na pendência do processo de insolvência. 43. Conforme se logrou expor, tendo-se verificado o incumprimento do Contrato de Abertura de Crédito n.º WFC20220011452001, a mesma não foi regularizada pela aqui Insolvente, pelo que outra alternativa não restou ao aqui Recorrente, que não proceder à denúncia do Contrato com efeitos a partir de 03 de Maio de 2025, da qual a Insolvente foi devidamente interpelada. 44. Nessa sequência, e atento ao facto do Contrato em apreço se encontrar garantido por penhor sobre depósito a prazo na conta n.º 16460657, no montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), o aqui Recorrente deu internamente ordens em 05 de Maio de 2025, para que fosse processada a desmobilização daquele depósito a prazo, a qual veio a ser aprovada e ordenada em 13 de Maio de 2025, com a consequente concretização em 15 de Maio 2025, pelas 12h49m. 45. Atente-se que, ao abrigo do clausulado Contratual, bem como do disposto no artigo 847.º do Código Civil (doravante CC), o aqui Recorrente encontrava-se expressamente autorizado a proceder à compensação de créditos até ao montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), para respetiva imputação ao montante em divida por conta do eventual incumprimento do daquele Contrato – conforme sucedeu. 46. Ora, atenta a factualidade exposta, outros preceitos legais, a par dos já indicados supra, deverão ser assim atendidos na resolução da matéria sobre a qual se debruçou o Tribunal a quo (os quais, no entender do aqui Recorrente, não foram equacionados na prolação da decisão vertida no Despacho do qual se recorre), nomeadamente, os artigos 847.º do CC e 99.º do CC. 47. Conforme estatui o artigo 847.º do CC, sob a epigrafe “requisitos” (da compensação): “1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.; 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.;3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.” 48. Adicionalmente, preceitua a alínea a) do n.º1 do artigo 99.º do CIRE, igualmente sob a epigrafe “compensação” que: “1 - Sem prejuízo do estabelecido noutras disposições deste Código, a partir da declaração de insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifique pelo menos um dos seguintes requisitos: a) Ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da declaração da insolvência; (…)” 49. Reitere-se que o Contrato em apreço foi denunciado em 17 de Abril de 2025, denúncia essa que passou a produzir os seus efeitos a partir de 3 de Maio de 2025. 50. Ora, a Insolvência da Empresa Petit Pied-Comercio de Calçado Vestuário e Acessórios, Lda. terá sido decretada em 13/05/2025 (com publicação do respetivo anúncio em 14/05/2025). 51. Assim, atenta a factualidade e preceitos legais acima expostos e melhor analisados, cumpria ao Tribunal a quo, aquando confrontado com o requerimento junto aos autos pela Sra. Administradora de Insolvência, verificar se, àquela data (do decretamento da insolvência) poderia o aqui Recorrente encontrar-se autorizado a proceder conforme procedeu, nomeadamente, indagar sobre o eventual preenchimento dos requisitos da compensação previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 99.º do CIRE, conjugado com o artigo 847.º do CC (o que, salvo devido respeito, poderia ter sucedido caso o aqui Recorrente, conforme deveria, tivesse sido chamado a pronunciar-se nos autos sobre o requerimento junto pela Sra. Administradora de Insolvência, do qual não havia sequer sido notificado). 52. Atenta a denuncia do Contrato, cujos efeitos se produziram a partir de 3 de Maio de 2025, bem como ao facto daquele Contrato se encontrar garantido por penhor sobre depósito a prazo na conta n.º 16460657, no montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), a partir dessa data, a aqui Insolvente constituiu-se, a par de credora do aqui Recorrente (que já era) do montante de €50.000,00 depositado a prazo na conta n.º 16460657 (atenta à natureza das relações bancárias), igualmente devedora para com este do valor em divida por conta do incumprimento do Contrato de Abertura de Crédito n.º WFC20220011452001. 53. Em contrapartida, o aqui Recorrente, àquela data, passou não só a ser devedor (que já era) do montante de €50.000,00 depositado a prazo na conta n.º 16460657 (atenta à natureza das relações bancárias), mas igualmente credor para com a Insolvente do valor em divida por conta do incumprimento do Contrato de Abertura de Crédito n.º WFC20220011452001. 54. Nesta senda, em sede de nota explicativa cumprirá, portanto, ter em mente que, através da abertura de conta de depósito a prazo, constituiu-se, entre a Insolvente depositante e o Recorrente, depositário, um contrato de depósito bancário, pelo qual este último se obrigou a restituir, ou entregar a quem a primeira ordena-se, de uma só vez ou em parte, o montante depositado, sendo a restituição devida em género (daí que, quanto àquele depósito a prazo, no montante de €50.000,00, a Insolvente fosse credora do aqui Recorrente naquele montante e, em contrapartida, fosse o aqui Recorrente devedor daquele montante à Insolvente). 55. Em sentido idêntico, veja-se Miguel Pestana de Vasconcelos in “Direito Bancário” p. 113, “Da conta decorre um crédito face ao banco, se esta tiver fundos (…)” 56. Com igual relevância para o caso sub judice, veja-se ainda, conforme refere o A. na obra supra aludida, p. 118 que “A relação entre o banco e o seu cliente, que se inicia com o contrato de abertura de conta, é uma relação dinâmica. Sendo o cliente credor da instituição de crédito pelo saldo da conta à ordem e, eventualmente, das contas a prazo, ele também pode ser devedor da instituição, por ter contraído um empréstimo, pelo saldo de uma abertura de crédito, por um descoberto em conta que o banco tenha pontualmente tolerado, etc. Nascem, desta forma, créditos recíprocos provenientes de fontes diversas.” 57. Veja-se ainda que o crédito o aqui Recorrente, por conta do incumprimento do referido Contrato, atenta a denuncia validamente operada, tornou-se judicialmente exigível, sem contra ele existir qualquer exceção peremptória ou dilatória de direito material procedente. 58. As duas obrigações do aqui Recorrente, na qualidade de credor e, simultaneamente, devedor do montante de €50.000,00 depositado a prazo na conta n.º 16460657 tinham ambas o mesmo objeto, uma determinada quantia pecuniária. 59. Isto posto, e atendendo que nos encontramos no âmbito de um processo de insolvência, cujas particularidades são conhecidas, cumpre igualmente indagar se, a par dos requisitos do artigo 847.º do CC, se encontram igualmente preenchidos in casu os requisitos do artigo 99.º do CIRE, para que possa ser validamente operada a compensação de créditos no âmbito deste tipo de processo judicial. 60. Ora, conforme já referido anteriormente, para que uma compensação de créditos efetuada após o decretamento de insolvência da devedora possa ser considerada validamente eficaz, preceitua o artigo 99.º do CIRE, nomeadamente o seu n.º1 que, após a declaração de insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência (como é o caso do aqui Recorrente) poderão compensá-los com dividas à massa (como o montante de €50.000,00 detido pela Insolvente na conta de depósito a prazo n.º16460657), desde que verificado algum dos requisitos previstos nas respetivas alíneas a) e b). 61. In casu, e atendendo a que as alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 99.º do CIRE não se mostram cumulativas, relevará a analise do disposto na alínea a), a qual estatui que a compensação em apreço considerar-se-á valida e eficaz quando o preenchimento dos pressupostos legais da compensação (previstos no artigo 847.º do CC, os quais já se logrou demonstrar encontrarem-se preenchidos) seja anterior à data da declaração de insolvência (que, conforme se logrou igualmente demonstrar, se mostra igualmente preenchido, atendendo a que o preenchimento dos pressupostos legais da compensação se deu a partir do dia 3 de Maio de 2025, com a denúncia do contrato). 62. Veja-se, ainda que, in casu, não nos encontramos perante nenhuma das situações previstas no artigo 853.º do CC ou no n.º4 do artigo 99.º do CIRE, as quais constituem impedimentos à valida e eficaz compensação de créditos, neste caso, após a declaração de insolvência. 63. E não se diga que se poderia encontrar verificada a situação prevista na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 853.º do CC, que estatui: “2. Também não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado.” 64. Pese embora tal argumento venha, não raras vezes, a ser utilizado como oposição à compensação de créditos por parte de um credor da insolvência ao abrigo do artigo 99.º do CIRE, considerando que tal compensação prejudica os direitos dos credores da insolvência e respetivo tratamento igualitário para com os mesmos, tal argumento não deve merecer, in casu, no entender do aqui Recorrente, qualquer acolhimento. 65. A este respeito, importa atender aos fundamentos utilizados pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido em 11/12/2018 no âmbito do processo n.º 1975/17.6T8LRA.C1, disponível em https://www.dgsi.pt: “Refira-se, desde logo, que, a ser assim, parece que a compensação nunca seria admissível após a declaração de insolvência uma vez que ela implicaria sempre um prejuízo para os demais credores. Mas a verdade é que o legislador admitiu expressamente, dentro de determinados limites, a compensação após a declaração de insolvência e, portanto, aquele entendimento iria contra a vontade expressa do legislador, sendo certo que nenhuma razão existiria para que o legislador elaborasse uma norma onde expressamente admite, em determinadas circunstâncias, a compensação de créditos após a declaração de insolvência para se considerar depois que, afinal, tal compensação não seria admissível em virtude de implicar prejuízo para os demais credores e violar o princípio da igualdade. (…) Assim, ainda que o exercício desse direito após a declaração de insolvência possa, de algum modo, interferir com o princípio da igualdade dos credores no âmbito do processo de insolvência, parece não haver dúvidas de que foi essa a vontade e a intenção do legislador quando admitiu expressamente – dentro de determinados limites – a compensação de créditos após a declaração de insolvência, eventualmente para evitar que os credores/devedores perdessem direitos que já estavam em condições de exercer e que apenas não haviam exercido antes da declaração de insolvência por desconhecerem que esta iria ser declarada. (…) Com efeito, os direitos de terceiros que ali são referidos – cujo prejuízo determina a inadmissibilidade da compensação – não são os direitos dos demais credores dos titulares dos créditos a compensar. Importa notar que a norma em causa é uma disposição de carácter geral (que não se aplica apenas quando está em causa uma situação de insolvência) e, portanto, a entender-se que os direitos de terceiro ali contemplados são os direitos dos demais credores, a compensação nunca seria admissível se existissem outros credores cujos créditos tivessem sido constituídos antes da verificação dos pressupostos da compensação, o que obrigaria, naturalmente (designadamente quando a compensação fosse invocada judicialmente), a averiguar o demais passivo eventualmente existente e a data da respectiva constituição para determinar se a compensação era ou não admissível e pensamos ser claro que não é assim. (…) Pensamos, na verdade, que os direitos de terceiro que são contemplados na norma citada são apenas os direitos que incidem sobre os próprios créditos a compensar, tais como um direito de penhor, um usufruto, uma penhora ou um arresto[2] e não os direitos de crédito que correspondem apenas ao direito de exigir uma determinada prestação e que, ressalvando os casos em que gozem de alguma garantia especial, não incluem qualquer direito especifico sobre determinados bens do devedor (designadamente sobre o direito de crédito a compensar) e apenas usufruem da garantia geral que incide sobre a generalidade do património do devedor que seja susceptível de penhora (cfr. artigo 601º do CC). A norma em questão não se configura como uma norma de protecção da generalidade dos credores; o que ali se pretende proteger são apenas os direitos de terceiro que incidem sobre o próprio direito de crédito e que ficariam totalmente esvaziados ou inutilizados caso esse direito se extinguisse por efeito da compensação.” 66. Ora, acolhendo assim o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra no Douto Acórdão proferido, resulta claro que, in casu, o preceituado no n.º2 do artigo 853.º do CC não se verifica, não obstando assim à compensação de créditos operada pelo aqui Recorrente. 67. Ademais, à luz daquele Acórdão, na parte em que refere que “(…) os direitos de terceiro que são contemplados na norma citada são apenas os direitos que incidem sobre os próprios créditos a compensar, tais como um direito de penhor, um usufruto, uma penhora ou um arresto[2] e não os direitos de crédito que correspondem apenas ao direito de exigir uma determinada prestação (…)”, sempre se diria que, o único “terceiro” que poderia, eventualmente, considerar-se prejudicado com a compensação operada, seria o aqui Recorrente, face ao penhor sobre aquele depósito bancário, no montante de €50.000,00 constituído a seu favor. 68. Do exposto, resulta mister concluir que, à data da declaração de insolvência da empresa Petit Pied-Comercio de Calçado Vestuário e Acessórios, Lda. (em bom rigor, desde 3 de Maio de 2025) já se encontravam preenchidos os pressupostos prescritos pelos artigos 847.º do CC e 99.º do CIRE para uma valida compensação de créditos. 69. Pelo que, no entender do aqui Recorrente, a compensação operada e que ora se invoca era legalmente admissível à data em que foi efetuada, o que a torna assim, plenamente válida e eficaz e, por conseguinte, revela um manifesto erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, que na análise do caso apenas relevou os fundamentos apresentados pela Sra. Administradora de Insolvência, sem atender a outras circunstâncias/institutos jurídicos (como o da compensação) que pudessem autorizar validamente o aqui Recorrente a proceder à utilização daquele montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) para pagamento (parcial) dos montantes em divida por conta do incumprimento do Contrato de Abertura de Crédito n.º WFC20220011452001. 70. Em face do exposto e, salvo douto e melhor entendimento, não deveria o Tribunal a quo ter decidido pela devolução do montante de €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros) por parte do aqui Recorrente à massa insolvente, porquanto, conforme se logrou demonstrar, não só a decisão proferida se encontra ferida de várias nulidades, o que se invoca com todos os devidos efeitos legais, como padece de um manifesto erro de julgamento quanto à questão de facto e de direito apreciada, devendo-se assim concluir pela procedência do presente recurso no que às nulidades invocadas respeita, com a consequente alteração da decisão proferida pelo Tribunal a quo, retomando-se a tramitação do processo no momento imediatamente anterior à prolação da referida decisão ou, em alternativa, ser a decisão proferida pelo Tribunal a quo revogada, por manifesto erro de julgamento e substituída por outra que atenda a toda a matéria de facto e de direito relevante para a decisão da questão suscitada nos autos pela Sra. Administradora de Insolvência, determinando que o valor referente ao depósito a prazo de €50.000,00 foi validamente compensado pelo aqui Recorrente.” * Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi admitido por despacho de 15/09/2025 (Ref.ª 448174053), no qual a Sra. Juiz a quo consignou: «Requerimentos de 24.06.2025 Face ao que dispõe o art. 615º n.º 4 do CPC e atentas as concretas nulidades arguidas no requerimento ref.ª 43208796 (nulidades da decisão), entende-se que a respectiva apreciação apenas pode ter lugar no recurso da decisão proferida, sendo certo que o credor interpôs simultaneamente recurso com esse objecto (ref.ª 43209130). Assim sendo, passa-se a proferir despacho sobre o requerimento de recurso nos termos do art. 641º do CPC, ficando prejudicada a apreciação do requerimento ref.ª 43208796. * Por ter legitimidade, estar em tempo e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pelo credor Banco BIC Português, S.A. (requerimento de 24.06.2025 ref.ª 43209130), o qual é de apelação, sobe de imediato e em separado, e tem efeito meramente devolutivo - artigos 631º n.º 1, 638º n.º 1, 641º n.º 1, 644º n.º 2 alínea h), e 647º, n.º 1, todos do CPC, ex vi do art. 17º do CIRE, e art. 14º n.º 5 do CIRE. Para os efeitos do art. 617º n.º 1 do mesmo diploma consigna-se que não se vislumbra que ocorram as nulidades previstas no art. 615 n.º 1 alíneas b) e d) do CPC, como alegado, porquanto: - na decisão recorrida faz-se expressa menção aos fundamentos fácticos invocados pela Administradora da Insolvência e é indicado o enquadramento jurídico aplicável nesta fase (art. 149º do CIRE); - por outro lado, afigura-se que não há lugar a contraditório prévio à apreensão de bens, em decorrência da declaração de insolvência, cabendo ao credor, salvo melhor opinião, suscitar a ilegalidade da apreensão através de pedido de restituição e separação de bens da massa. Autue por apenso, juntamente com certidão da petição inicial, sentença, relatório do art. 155º do CIRE, requerimento da Administradora da Insolvência de 03.06.2025, decisão recorrida, alegações de recurso e do presente despacho. Após, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa. Oportunamente, conceda-se o acesso/acompanhamento electrónico dos autos.» * Nos termos do disposto nos arts. 652º nº1, als. b) e d), 655º e 6º, todos do CPC, por despacho da relatora de 29/10/2025, foi fixado à recorrente o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciar quanto à admissibilidade do recurso por si interposto, exercendo o contraditório quanto à questão suscitada por este Tribunal (tratar-se, na essência, de ato do administrador judicial e existir um meio de tutela próprio para as apreensões indevidas). A recorrente veio pronunciar-se, defendendo a admissibilidade do recurso e argumentando, em síntese, que a forma de reagir à transferência ordenada pelo Tribunal no despacho recorrido não poderia um pedido de separação e restituição (141º a 146º do CIRE), dado que o bem, a quantia de € 50.000,00, não está apreendida para a massa insolvente, como resulta dos autos de apreensão constantes dos autos. Tal tutela apenas pode ser utilizada para bens que tenham sido apreendidos, o que não sucedeu. * 2. Objeto do recurso Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma. Considerada a tramitação descrita, cumpre apreciar, como questão prévia, a admissibilidade do recurso interposto. * 3. Questão prévia: admissibilidade do recurso A instância de recurso supõe, além dos pressupostos processuais gerais, dois processuais específicos positivos: um objetivo - a recorribilidade da decisão, outro subjetivo - a legitimidade do recorrente. Tanto a legitimidade recursiva como a recorribilidade da decisão são pressupostos processuais específicos do recurso, ou seja, condições para que o tribunal ad quem decida da procedência ou improcedência do recurso. Nestas condições, o recurso pode existir mesmo quando faltem os pressupostos necessários à apreciação do seu objeto; neste caso, porém, o recurso é inadmissível. Neste sentido, vale plenamente, no domínio da instância de recurso, devidamente reconformada, a conhecida asserção segundo a qual, os pressupostos processuais do recurso são pressupostos, não da existência do recurso – mas da admissibilidade do recurso existente. Os pressupostos processuais específicos tornam admissível a decisão do recurso; a sua falta produz, correspondentemente, o efeito inverso. Como quaisquer outros pressupostos processuais, são aferidos em relação ao objeto do recurso apresentado pelo recorrente e devem mostrar-se assegurados durante toda a pendência do recurso. Qualquer destes pressupostos é de conhecimento oficioso. A verificação destes pressupostos específicos do recurso está sujeita ao controlo oficioso sucessivo do tribunal a quo e do tribunal ad quem. O tribunal a quo deve indeferir in limine o requerimento de interposição do recurso sempre que, designadamente, a decisão não seja recorrível (artº 641 nºs 1 e 2, al. a), do CPC). A decisão do tribunal a quo que julgue verificado qualquer pressuposto processual específico do recurso é inimpugnável, mas não vincula o tribunal ad quem (artº 641 nº 5 do CPC). O tribunal superior deve controlar a verificação daqueles pressupostos específicos do recurso, e, caso conclua pela sua ausência, deve, naturalmente, abster-se de conhecer do seu objeto (artºs 652 nº 1, als. b) e h), e 655 nºs 1 e 2 do CPC). A admissibilidade do recurso, como referido, depende da respetiva recorribilidade. Uma das circunstâncias que podem obstar ao conhecimento do recurso é a “ausência de pressupostos processuais em matéria de recursos”.[1] A matéria dos recursos surge regulada em processo de insolvência por uma única norma de carater geral (art. 14º do CIRE) e algumas normas específicas (como os arts. 17º-F nº9, 40º nº3, 42º, 73º nº5, 78º nº2, 158º nº4, 188º nº5, 207º nº2, todos do CIRE, entre outros). É, assim, no Código de Processo Civil, mas com as devidas adaptações quando se mostrem necessárias, que encontramos as regras relativas à admissibilidade e regime dos recursos em processo de insolvência e seus apensos, sempre que não contrariem o disposto no CIRE, nos termos do nº1 do art. 17º do CIRE. O recurso foi interposto da decisão que deferiu o pedido da Sra. administradora da insolvência no sentido de ser ordenado à recorrente, uma instituição bancária, que transferisse para a conta bancária da massa insolvente, determinada verba que existia em conta bancária da insolvente após a declaração da insolvência. O recurso interposto, para além da arguição de nulidade da decisão, alega, em síntese, as seguintes razões de discordância: - o tribunal considerou que aquela quantia deve ser apreendida para a massa insolvente; - o contrato nos termos do qual tal quantia servia de garantia, por incumprido pela insolvente foi denunciado, denúncia comunicada à insolvente e eficaz a 03/05/2025, tendo o Banco ordenado internamente a desmobilização do depósito em 05/005/2025, vindo a ser aprovada e ordenada em 03/05/2025 e concretizada em 15/05/2025 pelas 12h e 49 m; - o clausulado do contrato, o disposto no art. 847º do CC e no art. 99º do CIRE permitiam a compensação de créditos até ao montante daquele depósito. O administrador da insolvência é o órgão da insolvência especialmente encarregue de proceder à administração da massa insolvente a quem está cometida uma miríade de funções não refletidas e ressalvadas no art. 55º do CIRE. Só para dar alguns exemplos, compete-lhe proceder à apreensão de bens (149º), decide o destino dos negócios em curso (102º e ss.), aprecia de forma determinante os créditos reclamados (128º e ss.), elabora o relatório e seus anexos (153º e ss.), procede à liquidação (158º), elabora parecer sobre a qualificação, sempre que seja entendido ou necessário (188º), elabora plano de insolvência se assim entender ou for determinado pela assembleia de credores (193º e 156º), entre outras. Como acima referido, nos termos do art. 150º nºs 1, 2 e 3 do CIRE é, em exclusivo ao administrador que cabe proceder à apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente – 149º nº1 do CIRE. Caso essa apreensão seja incorretamente efetuada, incida sobre bens de terceiro, etc., a forma de reação é a prevista nos arts. 141º e ss. do CIRE – as várias formas de restituição e separação de bens. Tal resulta claramente das várias alíneas do nº1 do art. 141º do CIRE, que enumeraram como fundamento para tal pedido os casos de apreensão de bens de terceiros de que o insolvente fosse possuidor e nome alheio, o direito do cônjuge a separar da massa insolvente do cônjuge insolvente os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns e os bens de terceiro indevidamente apreendidos, bens dos quais o insolvente não tenha a plena propriedade, bens estranhos a insolvência ou insuscetíveis de apreensão. Confrontando o artigo 46º do CIRE (conceito de massa insolvente) com o artigo 141º do mesmo diploma (aplicável a todos os tipos de separação e restituição – 144º nº1 e 146º nº2 do CIRE) facilmente verificamos que todos os casos ali previstos são de apreensão de bens que não deveriam ter sido apreendidos e que não integravam a massa insolvente. O que implica que a forma de “oposição” à apreensão é o pedido de separação e restituição e não qualquer outro meio. Assim se pronunciou expressamente Lebre de Freitas[2] “A oposição à apreensão de bens para a massa insolvente não dá lugar a embargos de terceiro (art. 351-2 CPC). Há, sim, no Código um meio específico de oposição, que se processa como a reclamação de créditos: o da ação de restituição e separação de bens. Deve ela ser instaurada no prazo fixado na sentença para a reclamação de créditos ou, no caso de apreensão superveniente de bens, nos 5 dias posteriores (arts. 36-j, 141 e 144), prazo este que não pode, a meu ver, sob pena de injustificada desigualdade de tratamento, deixar de se contar também no caso de apreensão de bens efetuada menos de 5 dias antes do termo do prazo para a reclamação. Passado esse prazo, os pedidos de separação e de restituição são ainda admissíveis, mas já não pelo meio específico do Código: deve então o terceiro propor uma ação declarativa comum, que corre, no entanto, ainda por apenso ao processo de insolvência e cujos efeitos neste processo estão condicionados à efetivação, nele, dum termo de protesto, sem o qual o terceiro perde o direito aos bens logo que estes sejam vendidos e só será embolsado até à importância do produto da venda e, mesmo assim, com importantes limitações (arts. 146 a 148).” A razão de ser deste regime prende-se com o desenho legal do processo de insolvência e com os papéis que a lei distribui entre os seus órgãos – como o administrador da insolvência – e protagonistas – como o juiz. Inexiste qualquer regra que consagre a possibilidade de impugnação em geral para o juiz dos atos do administrador da insolvência – o que ao administrador da insolvência compete em exclusivo, não deve e não pode ser eliminado, anulado ou exercido pelo juiz. As consequências deste desenho e opções legislativas são conhecidas e tratadas com alguma exaustividade por exemplo no domínio da liquidação do ativo[3], outra das áreas exclusivas, por excelência, do administrador da insolvência. Também no domínio da apreensão não se pode impugnar, para o juiz, do ato de apreensão, mas a lei estabeleceu uma forma específica de impugnação, regulando-a de acordo com os interesses e objetivos do processo de insolvência: o regime da separação e restituição de bens. Tal como não se reclama, para o juiz da insolvência, dos atos do administrador da insolvência em matéria de apreensão (e não só), não há possibilidade de recurso jurisdicional dos mesmos. Não se prejudicam quaisquer interesses porque o titular pode e deve pedir, de uma das formas previstas, e de acordo com as circunstâncias da apreensão, a separação e restituição e nesse incidente, apenso, ou ação apensa, as regras de recurso são as gerais, nos termos do art. 14º do CIRE e regras aplicáveis do CPC. A questão que se coloca nestes autos é de se, uma vez que o juiz do processo interveio na efetivação da apreensão, mediante um despacho em que ordenou a uma entidade bancária que procedesse a uma transferência de determinada quantia para a massa insolvente, isso importa uma alteração dos limites e competências próprias do administrador da insolvência e o juiz da insolvência. A resposta é, muito claramente, negativa. A apreensão é, como já se referiu, uma função exclusiva do administrador da insolvência. A intervenção do juiz deu-se a pedido do administrador da insolvência porque a entidade bancária visada negou/ignorou o pedido de transferência do montante que materialmente cumpriria a apreensão já efetuada. Tratou-se de uma intervenção materialmente equiparável à prevista no art. 55º nº6 do CIRE, como se verá. É aplicável à apreensão em processo de insolvência o regime da penhora, num afloramento da norma geral implícita[4] de acordo com qual o regime da penhora é subsidiariamente aplicável a todas as outras figuras de apreensão em processos judiciais. Estamos, no caso, ante uma apreensão de um direito, que segue as regras dos arts. 773º e ss. do CPC, com as devidas adaptações. O que implica que a apreensão se deu com a notificação da administradora da insolvência – o que a própria recorrente corrobora, ao invocar o regime da compensação entre dívidas da massa e créditos sobre a insolvência, ou seja, assumindo uma dívida à massa – nos termos do disposto no art. 773º nº1 do CPC, com as devidas adaptações. Porque a apreensão se deu com a notificação da Sra. Administradora da Insolvência, o despacho proferido pela Sra. Juiz, aqui recorrido, acaba por ser apenas o exercício do dever de colaboração entre os intervenientes no processo de insolvência, no caso Tribunal e Administrador da Insolvência, que perpassa todo o processado previsto e tem um dos seus afloramentos mais importantes no art. 55º nº6 do CIRE. E assim sendo, a eventual revogação do despacho recorrido não teria qualquer efeito na apreensão já efetuada, não mediante a notificação do despacho recorrido, mas através da anterior notificação efetuada pela administradora da insolvência. A recorrente, em pronúncia sobre a questão da admissibilidade do recurso veio alegar que não poderia lançar mão da ação de separação e restituição por a quantia em causa não ter sido, ainda, apreendida, juntando os autos de apreensão elaborados nos autos e dos quais não consta a apreensão da quantia de € 50.000,00, diferentemente do que sucede com a quantia que outra entidade bancária, que cumpriu o despacho proferido no mesmo sentido e na mesma data, transferiu e foi objeto de apreensão. Sucede, porém, que a apreensão se considera efetuada nos termos do respetivo regime jurídico aplicável e não mediante a inclusão do bem ou direito num auto de apreensão. O auto de apreensão junto aos autos é o auto previsto no art. 150º nº4, al. e) do CIRE, regime complementado pelo do art. 766º do CPC[5] e do qual resulta, com clareza a distinção entre a penhora e a elaboração do auto de penhora[6]. Por outro lado, o regime da apreensão em insolvência, tal como o regime de penhora em processo executivo singular, está moldado pelo regime da penhora de bens corpóreos, imóveis e móveis, regulando-se apenas os aspetos distintos das apreensões de direitos. “Tal como em sede de penhora, o bem pode ser material ou imaterial, pelo que, utilizando a terminologia, não muito rigorosa, do Código de Processo Civil, também ele aqui se deixa classificar em coisa imóvel, coisa móvel e direito; nem sempre a sua natureza se harmonizando com a subsequente constituição de depósito a que se refere o art. 150-1, este só tem lugar em regra.”[7] E não havendo dúvidas sobre o regime aplicável – o já referido art. 773º nº1 do CPC, com as devidas adaptações – nem sobre a natureza do bem – não um depósito, mas o direito à quantia que, à data da declaração de insolvência, estava em depósito em nome da insolvente – a apreensão, independentemente da elaboração do respetivo auto, já se deu com a notificação efetuada pela administradora da insolvência. E tanto é suficiente para que possamos concluir estar perante um caso de irrecorribilidade. Detalhando, apenas as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recurso – cfr. art. 627º nº1 do CPC. Ora, sendo a decisão de apreensão a que a recorrente entende ter sido prejudicial, não de uma decisão judicial, mas sim de uma decisão do administrador da insolvência, no exercício das suas funções, o recurso não é a forma adequada de impugnar a apreensão. Como qualificar o despacho judicial que, a pedido da administradora da insolvência ordenou nova notificação da ora recorrente para que procedesse à transferência do montante para a conta da massa insolvente? No alinhamento estrutural do processo de insolvência, que se desenvolve entre vários protagonistas com papéis e funções definidas, o juiz não tomou esta decisão, porque não lhe competia. Acompanhou o administrador da insolvência, que a havia tomado, intervindo apenas para efetivar a apreensão e em reforço de autoridade, num exercício de colaboração. Ou seja, proveu ao andamento do processo, no caso ao andamento da apreensão de todos os bens da insolvente, sem interferir na decisão de apreensão previamente tomada pelo órgão da insolvência competente para tal. Estamos, assim, perante um despacho de expediente, nos termos do nº4 do art. 152º do CPC (sempre ex vi art. 17º nº1 do CIRE), irrecorrível por força do disposto no nº1 do art. 630º do CPC. Aqui chegados há que verificar se esta irrecorribilidade acarreta prejuízos desproporcionais a algum dos intervenientes, designadamente ao recorrente. A resposta é negativa, essencialmente por duas ordens de razões: Em primeiro lugar porque, a todo o tempo, o recorrente pode exercer o direito de pedir a separação e restituição do direito em causa da massa insolvente, nos termos dos arts. 141º, 144º ou 146º do CIRE – sendo essa a única forma válida de se opor a esta apreensão, podendo fazê-lo com os exatos argumentos substantivos que agora pretendia ver apreciados. Depois, porque na aplicação do regime da penhora de direitos à apreensão em insolvência, resulta a eficácia da possibilidade de fazer valer os direitos que entende ter pela forma prevista no CIRE. Sinteticamente, e olhando ao regime do CPC pelo crivo do art. 17º nº1 do CIRE concluímos que o devedor pode efetuar as declarações sobre o crédito que tenha por convenientes (773º nº2 do CPC), mas, negando a existência do crédito, não se lhe segue a aplicação do disposto no art. 775º do CPC. Nos termos do art. 775º do CPC, a consequência da negação do crédito é a notificação do exequente e do executado para se pronunciarem, devendo, vinculadamente o exequente, declarar se mantém a penhora ou desiste dela. Passando esta regra acriticamente da execução singular para a execução universal de insolvência[8] teríamos assim que o administrador da insolvência teria que declarar se desistia da apreensão, atitude que não pode tomar sob pena de violação grave dos seus deveres funcionais para com os credores da insolvência (todos os credores e não especificamente a recorrente). A regra do art. 775º do CPC não é, claramente, aplicável em processo de insolvência, sendo que a função da contestação do crédito em processo executivo singular será aqui desempenhada pelo pedido de separação e restituição, designadamente para os efeitos previstos no art. 777º do CPC, aplicável nestes precisos termos. E ainda que assim se não entendesse, há a notar que o art. 775º do CPC não contém qualquer mecanismo de decisão judicial da contestação do crédito, pelo que a sua eventual aplicação em processo de insolvência nunca daria lugar a contraditório com vista à decisão da existência do crédito: a regra prevê que o crédito passe a considerar-se litigioso e como tal adjudicado ou transmitido, o que, mais uma vez, não faz qualquer sentido numa execução universal que, no caso de liquidação de empresas detidas por sociedades comerciais vai conduzir à extinção do devedor, no final do processo de insolvência. Ou seja, a decisão que o recorrente entende ter sido tomada pelo tribunal a quo, não o foi: não foi o tribunal a decidir que se deveria proceder à apreensão. Assim, nos termos do nº1 do art. 630º do CPC, com as devidas adaptações à situação concreta, a decisão impugnada, o despacho de 05/06/2025, não admite recurso, pelo que há que julgar findo o recurso por não haver que conhecer do seu objeto, nos termos do disposto no art. 652º nº 1, als. b) e h), 2ª parte, do CPC). * Não são devidas custas na presente instância recursiva, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil [9]. * 4. Decisão Pelos fundamentos expostos, declaro a inadmissibilidade do presente recurso e, em consequência, declaro-o findo. Sem custas na presente instância recursiva. * Lisboa, 10/11/2025 (elaborei e revi) Fátima Reis Silva _______________________________________________________ [1] Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, 2022, pg. 292. [2] Em Apreensão, Separação, Restituição e Venda, em I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2013, pg. 234. [3] Num exemplo entre muitos no Ac. TRE de 13/03/2025 (Cristina Dá Mesquita – 7471/22) decidiu-se “A liquidação no âmbito do processo de insolvência é da competência exclusiva do administrador da insolvência, nos termos do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea a), do CIRE e artigo 2.º/1, do Estatuto do Administrador da Insolvência; logo, o despacho judicial em que se ordena ao administrador da insolvência que diligencie pela venda da verba única da massa insolvente pela proposta de valor mais elevado inclusive, já depois de o administrador da insolvência ter aceite a proposta apresentada por um outro proponente é ilegal na medida em que o julgador extravasou os seus poderes no âmbito da liquidação, não lhe cabendo, de todo, dar ordens ao administrador da insolvência sobre o modo de proceder no que respeita à dita conversão dos bens da massa insolvente em quantias pecuniárias.” [4] A expressão é de Lebre de Freitas, local citado, pg. 232, onde enuncia exatamente esta regra. [5] Nos termos do art. 17º nº1 do CIRE e como apontam João Labareda e Carvalho Fernandes em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, 2015, pg. 569. [6] Ali constando, no nº1 «Da penhora lavra-se auto…» [7] Lebre de Feitas, local citado, pg. 232. [8] Cfr. art. 1º nº1 do CIRE. [9] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/. |