Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | RUI VULTOS | ||
| Descritores: | RECURSO INUTILIDADE SUPERVENIENTE DO RECURSO SENTENÇA NÃO TRANSITADA EM JULGADO PAGAMENTO VOLUNTÁRIO EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário[1] I. Se na pendência de ação executiva, cujo título é constituído por sentença ainda não transitada em julgado, o executado procede ao pagamento voluntário da quantia exequenda e respetivas custas, o processo executivo extingue-se. II. Se o executado, R. na ação declarativa que titulava a mesma ação executiva, interpôs previamente recurso da sentença proferida naquela e este se encontra pendente aquando do pagamento e extinção da ação executiva, ocorre a inutilidade superveniente da lide do mesmo recurso. III. Não constitui coação ou qualquer outro obstáculo a que o pagamento no processo executivo seja qualificado como voluntário, o facto do executado/recorrente ter pago a quantia exequenda para poder vender o imóvel penhorado naquela execução, para a qual já tinha efetuado o respetivo contrato-promessa de compra e venda, ou para evitar juros e outras despesas. IV. Este entendimento não viola o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa nem o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quando se referem à necessidade de um processo equitativo, sendo que, as normas legais aplicáveis foram exatamente estabelecidas para tornar o processo mais equitativo, ponderando os interesse em jogo de ambas as partes - o exequente/A. e o executado/R.. [1] Da responsabilidade do Relator – artigo 663.º n.º 7 do Código do Processo Civil. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório. […] Lda., instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra […], pedindo que este fosse condenado na restituição à A. do montante de € 1.808,85 (mil oitocentos e oito euros e oitenta e cinco cêntimos) de que indevidamente se apropriou (em sede de execução contratual ou enriquecimento sem causa); no pagamento à A. dos juros de mora vencidos – € 5,15 (cinco euros e quinze cêntimos) – e vincendos, desde a interpelação para pagamento (14.05.2020), relativos à quantia referida supra; no pagamento à A. do montante de € 14.629,61 (catorze mil seiscentos e vinte e nove euros e sessenta e um cêntimos) a título de danos patrimoniais causados à A. em virtude do incumprimento pelo R., dos seus deveres contratuais, ou, subsidiariamente, pela prática de ilícito civil; no pagamento à A. dos juros de mora relativos a esta quantia que se vençam a contar da citação do R..” O R. apresentou contestação, concluindo que: “Deve a presente contestação proceder por provada e a ação intentada pela A. ser julgada improcedente por não provada, sendo o R. absolvido de pagar seja que valor for à A.”. Em 27 de março de 2025, foi proferida a respetiva sentença, na qual se decidiu: condenar o R.: na restituição à A. do montante de € 1.808,85 (mil oitocentos e oito euros e oitenta e cinco cêntimos) de que indevidamente se apropriou; no pagamento à A. dos juros de mora vencidos – € 5,15 (cinco euros e quinze cêntimos) – e vincendos, desde a interpelação para pagamento (14.05.2020), relativos à quantia referida supra; no pagamento à A. do montante de € 14.629,61 (catorze mil seiscentos e vinte e nove euros e sessenta e um cêntimos) a título de danos patrimoniais causados à A. em virtude do incumprimento pelo R., dos seus deveres contratuais., e ainda: no pagamento à A. dos juros de mora relativos à quantia referida na alínea anterior que se vençam a contar da citação do R.”. O R. apresentou recurso desta sentença, no segmento em que condena o R. a indemnizar a A. no montante de € 14.629,61 (catorze mil seiscentos e vinte e nove euros e sessenta e um cêntimos) a título de danos patrimoniais, por não concordar com a mesma, concluindo pedindo a revogação desta decisão. A recorrida apresentou igualmente as suas alegações, propugnando pela improcedência do recurso. Foi apresentado requerimento pela recorrida, no qual informava que, no âmbito da ação executiva movida contra o recorrido, este pagou as quantias a que foi condenado, pelo que a presente instância deveria ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide. Respondeu o recorrente, defendendo que não se verifica a inutilidade da lide, uma vez que só pagou a quantia exequenda à recorrida porque a “(…) viu como única saída para evitar a sua insolvência a venda de tal casa. Já tinha contrato promessa assinado quando foi informado que constava do registo predial um ónus sobre a sua casa. (…)”, mas não porque concordasse com a condenação. Mostra-se junta certidão das peças processuais relevantes do mencionado processo executivo. Foi proferida decisão singular pelo Relator que decidiu: “Assim, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código do Processo Civil, determina-se a inutilidade superveniente da lide quanto ao presente recurso e, em consequência, declara-se a extinção da instância.” É desta decisão que o recorrente vem reclamar para a Conferência nos termos do artigo 652.º n.º 3 do Código de Processo Civil, defendendo, no essencial, que não pagou a quantia a que foi condenado voluntariamente, só o tendo feito porque foi coagido a tal pela sua situação financeira e necessidade de vender o imóvel, entretanto penhorado no âmbito da execução da sentença recorrida. A recorrida respondeu, defendendo a manutenção da decisão singular. * São as seguintes as razões da reclamação (sic.)[1]: A. A sentença recorrida condenou o aqui reclamante ao pagamento de duas quantias, mais juros, uma no valor de 1.808,85 euros e outra no valor de 14.629,61 euros. O reclamante, entendendo ser ilegal e profundamente injusta tal condenação, recorreu, mas apenas do segmento da sentença que o condenou na quantia de 14.629,61 euros. A sentença é datada de 27 de março de 2025 e o recurso do recorrente/reclamante deu entrada em juízo em 15 de maio de 2025. (factos constantes dos autos em requerimentos das partes) Nos termos da lei processual atualmente em vigor, tal recurso teve efeito meramente devolutivo, o que permitiu à recorrida, pouco depois, em 10 de abril de 2024, intentar uma acção executiva contra o património do recorrente/reclamante (aí executado). Isto é, a recorrida intentou acção executiva 14 dias depois de proferida a sentença. (factos constantes dos autos em requerimentos das partes) Como já dito, por não se conformar com a sentença, dentro do prazo para recorrer o aqui reclamante fê-lo - em 15 maio 2025 (houve férias judiciais pelo meio). Na acção executiva, a recorrida desde logo arrolou a casa de morada de família do recorrente/reclamante, que foi penhorada. O executado, ora recorrente, mesmo sem ter sido citado, soube da penhora sobre a sua casa quando, na vigência e cumprimento de um contrato promessa de compra e venda da sua casa, estava a reunir a documentação necessária para efectuar o contrato definitivo e se deparou na conservatória do registo predial com tal ónus que inviabilizaria a concretização do negócio prometido, para além do mais com as consequências legais e contratuais do regime do sinal e do incumprimento. (contrato junto aos autos) Com o receio mais que fundado de que se não realizasse a escritura teria de devolver o sinal em dobro, indagou junto da conservatória e obteve o contacto da agente de execução, do titular do processo executivo. Para não ter de pagar o sinal em dobro e para não perder o negócio que o retiraria de uma situação económica aflitiva (a venda da sua casa), pagou a quantia exequenda que lhe foi apresentada pela Srª Agente de Execução. No âmbito, portanto, do processo executivo e porque a isso foi forçado – pagamento coercivo -, de modo nenhum voluntário. O valor pago de quantia exequenda foi de 22.134,14€, já cerca de 6.000 euros mais que aquilo em que o R./Executado/Recorrente tinha sido condenado, e isto apenas cerca de 3 meses depois. (factos constantes dos autos em requerimentos das partes) Pouco depois, a penhora foi cancelada e o recorrente/reclamante pode celebrar o contrato de compra e venda da sua casa a que se tinha obrigado perante terceiros. Em momento nenhum o Recorrente desistiu do recurso, ou comunicou qualquer outra vicissitude, v.g. a inutilidade superveniente da lide. Pelo contrário, manteve-o, porque as razões que o levaram a interpô-lo se mantêm, na íntegra; Agora com uma razão acrescida, a de que lhe seja devolvido o dinheiro que pagou em sede de execução. Reitera-se, o pagamento que fez da quantia exequenda foi coercivo, a contragosto, não foi voluntário, deveu-se, apenas, à necessidade imperiosa do aqui recorrente colocar termo à penhora da sua casa. Não obstante, veio a recorrida alegar a ideia peregrina e totalmente destituída de fundamento, que o recorrente teria aceite a condenação e que o recurso já não fazia sentido por inutilidade superveniente da lide... O recorrente respondeu com as suas razões – estas, supra - e juntou, até, o contrato de compra e venda a estes autos. B. Por ser curto e para maior facilidade, transcreve-se ipsis verbis, o despacho de que agora se reclama. «Veio recorrida informar os autos que o executado/recorrente já lhe pagou a quantia a que foi condenado nestes autos, pedindo que seja declarada a inutilidade superveniente da lide, juntando respetivos documentos. O recorrente foi notificado do requerimento e respondeu, defende que, apesar de ter pago a quantia a que foi aqui condenado, não concorda com a decisão que continua a querer ver revogada. Entendemos que nada obsta ao conhecimento da questão (artigo 652.º n.º 1 alíneas b) e c) do Código do Processo Civil). Não tem aqui aplicação o disposto no artigo 656.º do mesmo código, uma vez que não se trata de entendimento oficioso e sim a requerimento de uma parte, notificada à outra. Encontra-se junta certidão de que a execução foi extinta por sentença em virtude do pagamento pelo aqui recorrente, devidamente transitada em julgado, bem como certificado que a mesma quantia foi efetivamente paga. Cumpre decidir: Conforme se constata noa autos de ação executiva que tinha como base a sentença sob recurso, o aqui recorrente pagou a quantia integral a qual foi condenado nestes autos. Nessa sequência dos autos de execução foram declarados extintos por sentença transitada em 30 de setembro de 2025. Nessa sequência a aqui recorrida e aí exequente deixou de ter qualquer interesse nos autos sob recurso. Isso quer dizer que nestes autos deixa de existir pedido pendente, que já se encontra satisfeito. Ora, se deixa de existir pedido efetivo também cai, como consequência, a oposição/contestação do executado sobre esse pedido (que já não existe). Resulta assim que o presente recurso ficou sem objeto uma vez que tal objeto (pedido no recurso) incidia sobre a não obrigação de pagamento que, entretanto, o mesmo recorrente já pagou. A eventual decisão deste recurso não teria assim qualquer efeito, pois o recorrente, ainda que fosse dado provimento ao recurso, não poderia reaver aquilo que voluntariamente já pagou. As razões pessoais do mesmo para efetuar o pagamento não têm relevância para este efeito, uma vez que tal foi um comportamento voluntário do mesmo. Certo é que qua a dívida que tinha sido reclamada já não existe e o recorrido já não a pode voltar a reclamar. Seria assim uma inutilidade a absolvição ou a confirmação da condenação do recorrente (não se pode absolver ou condenar de algo que já não é pedido). Resulta assim o nosso convencimento de que este prosseguimento é absolutamente inútil, por o mesmo já não conduzir à tutela efetiva dos direitos identificados pelo recorrente ou recorrido. Veja-se que as ações ou os recursos não servem dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso torna-o uma mera questão académica sem interesse processual. * Assim, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código do Processo Civil, determina-se a inutilidade superveniente da lide quanto ao presente recurso e, em consequência, declara-se a extinção da instância. Custas a cargo do recorrente, que deu causa à inutilidade (artigo 536.º n.º 3 do Código do Processo Civil). Lisboa, d.s. Notifique.” C. O Reclamante, não se conforma com este entendimento que, na verdade, coloca em crise, para além da Justiça, a segurança jurídica e a coerência do Sistema, sem motivo, de facto ou jurídico, que o justifique; O despacho do Sr. Juiz Relator acolhe acriticamente a boutade da recorrida, como se não tivesse existido uma sentença condenatória, um recurso da mesma e uma ação executiva, no âmbito da qual o pagamento foi realizado. Não existe inutilidade superveniente da lide pelos seguintes motivos. O recorrente não cumpriu voluntariamente aquilo em que fora condenado na sentença de 1ª instância. Pagou sim, coercivamente, uma quantia exequenda de que teve conhecimento por necessitar de fazer um negócio que envolvia a sua casa penhorada pelo processo da recorrida, e mesmo que não tivesse de fazer o negócio com a sua casa, ninguém quer ver a sua casa penhorada, correr o risco de a mesma ser vendida e muito menos saber que tem uma dívida a crescer todos os dias de forma absolutamente iníqua. Uma coisa é pagar uma quantia na pendência de um processo declarativo, antes de ter sido proferida a decisão. Neste caso, há, sem dúvida, um pagamento voluntário. Outra é o R. pagar depois de proferida uma sentença condenatória num processo declarativo de um tribunal de comarca, caso em que se pode discutir se o pagamento foi voluntário, ou não, antes em cumprimento dessa sentença. Outra, completamente diferente, é o pagamento, em cumprimento de uma sentença, de uma quantia exequenda, ter sido realizado numa acção executiva, depois de ter sido interposto recurso da sentença condenatória, recurso sem efeito suspensivo e na pendência deste. Foi o caso dos autos. As sentenças são para se cumprir. Uma sentença não transitada mas por recurso com efeito meramente devolutivo que é aqui o caso - pode desde logo ser imposta pela parte vencedora. Se a parte condenada não concorda nem se conforma com tal decisão, deve interpor recurso; O qual tem o efeito cominado na lei; Atualmente, o efeito deixou de ser suspensivo, mas, apenas, meramente devolutivo. In casu, foi exatamente esse o efeito que o douto despacho que admitiu o recurso Fixo. Para ser voluntário, o acto do agente tem que poder ter sido escolhido entre alternativas lícitas. E razoáveis. O Juízo sobre a voluntariedade tem que ser feito à luz das alternativas ao dispor do agente. Se o agente não tem escolha, não há voluntariedade atendível. In casu, o ora recorrente tinha uma sentença contra si a produzir efeitos imediatos; E, mais do que isso, tinha contra si um processo executivo; E, mais do que isso, tinha a cobrança de juros e despesas elevadíssimos; E, por fim, tinha a sua casa penhorada. O juízo de voluntariedade feito no douto despacho reclamado não tem qualquer fundamento; atinge toda a lógica, razoabilidade e justiça do sistema, e produz um resultado ilegal e iníquo. Se a parte, depois de interpor recurso, pagar a quantia em que foi condenado para evitar juros e outras despesas no caso, que não espera, mas em termos de hipótese não pode deixar de admitir, de uma improcedência do recurso, é uma situação que não pode ser interpretada como uma aceitação da condenação ou uma desistência de fazer valer a sua razão, é, antes sim, uma estratégia perfeitamente normal e avisada. A proceder o entendimento do despacho reclamado, coartar-se-ia, na prática, a possibilidade de recorrer, pois a parte perdedora, obrigada a cumprir a sentença, incluindo numa execução judicial dela, veria sempre decretada a inutilidade superveniente da lide, como aconteceu in casu. O decidido no despacho reclamado vai contra toda a lógica do sistema; É inconstitucional, por coartar o direito do recorrente/reclamante a um processo justo e equitativo caso o entendimento ora reclamado subsista, viola quer os arts. 20º da CRP, como o próprio art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O que a Lei, por razões práticas, no que constitui mais uma armadilha processual de constitucionalidade discutível, não aceita é que seja interposto recurso depois do cumprimento voluntário da sentença – cfr. art. 632º do CPC -. O caso ora sub judice é, precisamente o oposto. O pagamento, não voluntário, antes coercivo, foi realizado depois de interposto o recurso. A lei, lógica e justamente, não comete a iniquidade a raiar a estupidez de cominar solução idêntica para o cumprimento da sentença depois de interposto recurso. A alínea e) do ar+go 277.º do Código do Processo Civil não tem qualquer aplicabilidade ao caso sub judice porque pura e simplesmente a lide não é inútil, subsiste um pedido num recurso, feito tempestivamente, para que um segmento de uma sentença seja corrigido. Não existe base legal para o peregrino entendimento do despacho reclamado. Ainda sem conceder, Diz o despacho de que agora se reclama e que na verdade é o fundamento do decidido: (...) “A eventual decisão deste recurso não teria assim qualquer efeito, pois o recorrente, ainda que fosse dado provimento ao recurso, não poderia reaver aquilo que voluntariamente já pagou. As razões pessoais do mesmo para efetuar o pagamento não têm relevância para este efeito, uma vez que tal foi um comportamento voluntário do mesmo. Certo é que a dívida que tinha sido reclamada já não existe e o recorrido já não a pode voltar a reclamar. Seria assim uma inutilidade a absolvição ou a confirmação da condenação do recorrente (não se pode absolver ou condenar de algo que já não é pedido).” (...) Não podemos conformar-nos e questionamos o acerto do início do transcrito! O recorrente pagou com a expectativa de ver o recurso decidido a seu favor e de, transitado este, reaver a quantia a que foi obrigado a pagar, nos termos legais. É exatamente isso que espera. Por outro lado, entendemos que as razões (pessoais) do recorrente para pagar a quantia exequenda, não sendo necessárias para decidir a questão, são bastante relevantes e úteis, pois ilustram na prática a iniquidade da solução adotada pelo despacho reclamado, pois, para além dos argumentos apenas formais, ilustram, concretizam na prática e deixam bem claro que o executado não pagou a quantia voluntariamente, antes teve uma razão bastante forte e impreterível para o fazer (poder vender a sua casa sobre a qual pendia uma penhora e livrar-se de pagar o sinal em dobro ao promitente comprador) Também não podemos concordar, nem, na verdade, entender inteiramente, com a parte final do trecho transcrito quando diz “Seria assim uma inutilidade a absolvição ou a confirmação da condenação do recorrente (não se pode absolver ou condenar de algo que já não é pedido)” Ora, o recorrente recorreu de uma decisão numa sentença declarativa cível que o condenou a pagar a quantia de 14.629,61 euros. Essa decisão, embora exequível nos atuais termos legais, não transitou em julgado. E, do pagamento, coercivo, não se pode presumir, de modo nenhum, que tenha operado esse trânsito, porque estava já pendente um recurso. Do pagamento, coercivo, em sede de execução, não se pode presumir, de modo nenhum, que o recorrente teria pretendido desistir do recurso. Uma tal desistência carece de uma declaração expressa do recorrente. Que, in casu, nada disse, nem diria. Pelo contrário, opôs-se expressamente à abusiva interpretação, de má-fé, da recorrida, que, surpreendentemente, o despacho reclamado acolheu. O recorrente ora reclamante, pagou coercivamente, numa instância executiva; não lhe restava outra possibilidade, lícita ou razoável. O ora recorrente recorreu da sentença declarativa, tempestivamente e antes de a ter cumprido coercivamente. Não recorreu em nenhuma acção executiva, não tinha fundamento para isso; nem sequer se pode dizer que recorreu de um pedido feito pela recorrida. Ao executado, nestes autos recorrente, não restava outra hipótese, ou pagava, ou via a sua casa ir à praça. Na verdade, o pedido em sede de recurso é do recorrente, consiste em querer ver a sentença condenatória revogada, em ordem a ser absolvido da condenação no pagamento… e esse pedido subsiste. O pedido do recurso não é o mesmo da ação em que foi proferida a sentença que lhe deu causa; Por isso, não tem, de todo, razão, o despacho reclamado quando entendeu que «nestes autos deixa de existir pedido pendente, que já se encontra satisfeito». A revogação da sentença ainda não foi decretada. É este o pedido do recurso. O objeto do recurso (é a sentença) não é o mesmo da ação em que foi proferida a sentença que lhe deu causa; A instância de recurso é outra, esta Segunda, neste Venerando tribunal, que não a primeira onde decorreu a sentença que lhe deu causa. O sujeito ativo do recurso é o recorrente, não a recorrida. É o interesse processual dele, e não o dela, que está em causa e deve ser apreciado, ao contrário do que o despacho reclamado entendeu. As partes são as mesmas, mas com qualidade diversa: o Tribunal é outro e, como vimos, o objeto (a sentença) é outro e o pedido (revogação da sentença) é outro. Como referido, a alínea e) do artigo 277.º do CPC não se aplica ao caso. O art. 632º do CPC pode aplicar-se, sim, mas a contrario; Sustentando esta reclamação. Não existe nenhum facto material ou base (norma) legal que pudesse levar à decisão de que se reclama, pelo que deve ser revogado o despacho de que se reclama e o recurso apreciado. Como conclusão (s) 1. A sentenças são para se cumprir, o que não quer dizer que o obrigado ao pagamento de determinada quantia não esteja em desacordo com tal decisão. 2. Contra a decisão constante de tal sentença e ao mesmo tempo salvaguardar o seu património, o recorrente/reclamante fez o que devia fazer: 3. 3.Primeiro recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, e, confrontado com uma agressão imediata ao seu património, pagou uma quantia exequenda pedida numa acção executiva. 4. Pagou por ter sido obrigado a isso, pagou pois era fundamental que a sua casa não estivesse penhorada, pois tinha já uma venda prometida da mesma, foi portanto coercivamente levado a pagar. O pagamento que fez da quantia exequenda foi coercivo, a contragosto, não foi voluntário, deveu-se, apenas, à necessidade imperiosa do aqui recorrente colocar termo à penhora da sua casa. 5. Além de que, em pouco mais de 3 meses viu a quantia a que foi condenado a pagar subir cerca de 6000 euros, se não tivesse pago e esperasse pela decisão do recurso arriscava-se a pagar o dobro ou mais, acresce que muito provavelmente teria de pagar o sinal em dobro ao promitente comprador da sua casa (contrato está nos autos). 6. O pagamento de tal quantia exequenda não pode ser encarada como uma desistência da lide por parte do Recorrente/Reclamante, nem sequer é um facto gerador de uma inutilidade da lide, tudo nos autos indica exactamente o contrário, pois não foi um pagamento voluntário. 7. A interpretação "a contrario" dos nºs 2 e 3 do artigo 632º do CPC (que "abre a porta" à inutilidade do recurso se o condenado pagar e apenas depois recorrer) vem dar razão ao Recorrente/Reclamante. 8. Ao contrário do que diz o despacho ora reclamado, se for dada razão ao Recorrente/Reclamante em sede de recurso sendo o segmento da sentença de que recorreu revogado, existem formas processuais de exigir à recorrida a devolução das quantias pagas. 9. Nada existe nos autos que indique que o Recorrente/Reclamante não tem interesse na continuação da lide através do conhecimento do recurso que interpôs, muito pelo contrário. 10. 10.O pedido nos presentes autos de recurso é o do Recorrente/Reclamante, não é já o primitivo pedido da recorrida, este foi já satisfeito pelo Tribunal da 1ª instância, o pedido agora é o de revogar tal decisão por injusta e ilegal. 11. E este pedido subsiste, e tem de ser apreciado. 12. Pelo que vai dito, a não apreciação do recurso do Recorrente/Reclamante é uma violação ao direito a um processo justo e equitativo, mandamento fundamental da Constituição da República Portuguesa (artº20º) e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artº 6º), que, a subsistir, será inconstitucional, o que desde já se invoca. * II. Questões a decidir. Como é sabido, resulta da conjugação dos artigos 635.º n.º 4 e n.º 1 do artigo 639.º, ambos do Código de Processo Civil, que são as conclusões delimitam a esfera de conhecimento do tribunal ad quem. Deriva assim, que este tribunal apenas se pode ocupar do objeto definido pela parte que interpôs recurso. Esta limitação não se verifica, no entanto, quanto à qualificação jurídica dos factos bem como relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo possua os elementos bastantes para tal conhecimento, conforme decorre do n.º 3 do artigo 5.º do Código do Processo Civil. Está ainda vedado ao tribunal de recurso conhecer de questões novas, que não tenham sido suscitadas e apreciadas pelo tribunal a quo e que não sejam de conhecimento oficioso. No caso vertente, trata-se de questão que só foi desencadeada na fase de recurso. Assim sendo, a questão a apreciar e decidir, consististe apenas apurar se a situação apresentada nos autos relativamente ao recorrente, se subsume ou não à figura da inutilidade superveniente da lide com a consequente extinção da instância recursiva, mantendo-se ou não a decisão singular proferida. * IV. Subsunção ao direito. Conforme se afere do precedente, a questão jurídica que nos ocupa é a de saber é se a situação descrita foi corretamente decidida na decisão singular proferida nos autos. Ainda de índole jurídica e fulcral para a apreciação é a de aferir: se o pagamento efetuado pelo recorrente não foi voluntário, mas sim sob coação; se a situação de facto se subsume à figura jurídica da inutilidade superveniente da lide prevista na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil. Para tal, cumprirá apreciar se o pagamento da quantia exequenda efetuado pelo ora recorrente, no processo executivo tem efeitos na tramitação do presente recurso, atento o facto do pagamento integral da quantia a que o recorrente foi condenado e se tal pagamento foi ou não voluntário uma vez que este pretendia evitar juros e outras despesas e também vender o imóvel de sua propriedade e para qual já tina assinado um contrato-promessa de compra e venda, sendo que o mesmo imóvel já havia sido penhorado, entretanto na ação executiva, cujo título era a sentença objeto do recurso. Na decisão sumária, foi entendido que face ao pagamento voluntário do R./executado/recorrente, o aí A. deixou de ter interesse nos autos sob recurso e, como consequência, que nestes autos deixa de existir pedido pendente, que já se foi satisfeito pelo próprio executado. Ou seja, o R. pagou voluntariamente a quantia a que foi condenado no processo declarativo, e é esta quantia (entretanto paga) que se encontra em causa no presente recurso. Deixando de existir pedido efetivo também cai, como consequência, a oposição/contestação do R./executado/recorrente executado sobre esse pedido (que já não existe). Resulta assim que o presente recurso ficou sem objeto uma vez que tal objeto (pedido no recurso) incidia sobre a não obrigação de pagamento que, entretanto, o mesmo recorrente já pagou. Nessa sequência, também a aqui recorrida e aí exequente não teria mais qualquer interesse (naturalmente, pois já recebeu a quantia que reclamava). Haverá aqui, no entanto, que referir constatar-se agora que nessa decisão singular se referiu que a execução tinha sido extinta por sentença, o que resultou de um lapso de atenção. Efetivamente, assim não foi, pois essa extinção foi decidida pelo Agente de Execução. Seja como for, a eventual decisão deste recurso não teria qualquer efeito, pois o recorrente, ainda que fosse dado provimento ao recurso, não poderia reaver aquilo que voluntariamente já pagou (passaria assim a existir uma incongruência). As razões pessoais do executado/recorrente para efetuar o pagamento não têm relevância para este efeito, uma vez que tal foi um comportamento voluntário do mesmo. Certo é que que a dívida que tinha sido reclamada já não existe e o recorrido já não a pode voltar a reclamar nem o recorrente pode pedir o pagamento de volta. Seria assim uma inutilidade a absolvição ou a confirmação da condenação do recorrente (não se pode absolver ou condenar de algo que já não é pedido). Resulta assim o convencimento de que este prosseguimento é absolutamente inútil, por o mesmo já não conduzir à tutela efetiva dos direitos identificados pelo recorrente ou recorrido. As ações ou os recursos não servem dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso torna-o uma mera questão académica sem interesse processual. A reclamação do recorrente não traz factos nem entendimento diferente relevante do que o mesmo já tinha alegado anteriormente à decisão sumária. Efetivamente aquele apenas separa os seus anteriores argumentos, alguns em doses repetitivas, concluindo pela mesma solução. O ponto fulcral da sua argumentação é de que o pagamento que efetuou não foi “voluntário”, porque entende que foi “coagido” a fazê-lo. Ora, essa “coação” resultaria de uma situação do foro pessoal e que não se poderia imputar a nenhuma das partes, conforme resulta das alegações e conclusões do próprio reclamante. Efetivamente “1. Diz-se feita sob coação moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração. 2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro. 3. Não constitui coação a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial” (artigo 255.º do Código Civil). Logo do teor literal deste artigo ressalta que não estamos minimamente perante a existência de coação. Com efeito, não se vê que mal o declarante teria sido ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração, não se vislumbrando “mal, ameaça ou ilicitude”. Aliás, ainda que hipoteticamente tivesse existido ameaça, no nosso caso isso não constituiria coação moral, conforme resulta do n.º 3 da referida disposição legal “Não constitui coação a ameaça do exercício normal de um direito (..)”. E aqui, estamos perante o exercício pela A./exequente/recorrida de um direito que lhe assiste: o recurso aos tribunais para fazer valer os direitos que entendeu estarem a ser violados. Noutra vertente, não poderemos deixar de dizer que, tivesse existido efetivamente coação, o próprio pagamento na execução seria inválido, impedindo assim a venda do imóvel. A verificar-se este caso, o recorrente teria omitido aquando do pagamento na execução que estava sob coação e que tal pagamento não era voluntário. E era aí que, a acontecer, o teria que ter alegado. Se o tivesse dito, provavelmente esse pagamento não teria sido aceite, se o tribunal considerasse que assim era, e a execução teria seguido os seus termos normais. É assim manifestamente incongruente a postura do recorrente nas duas situações. “Para procederem a alegação de coação moral e o consequente pedido de anulação, é necessário que se demonstre que a declaração negocial que esteja em causa foi provocada por medo do declarante, e que esse medo resultou de ameaça ilícita de um mal à pessoa, honra ou fazenda do próprio ou de terceiro (dupla causalidade), intencionalmente dirigida à sua obtenção”[2]. Não existindo coação e não tendo sido alegado qualquer outro vício da vontade, o ato do pagamento não poderá deixar de se entender como voluntário. Veja-se, que o facto voluntário é aquele que o sujeito que o pratica pretende fazer, independentemente das razões pessoais porque o faz. Ora, não existem dúvidas que o recorrente pretendeu efetivamente pagar a quantia exequenda, o que ele próprio deixa claro. Se tal foi para poder vender o bem penhorado na execução ou para evitar juros e outras despesas, face à sua situação económica, isso não afasta que o recorrente tenha pago a referida quantia porque quis e sem qualquer vício da vontade. Aliás, no âmbito da execução, o ora recorrente tinha sido notificado nos seguintes termos “Fica V.ª Ex.ª, na qualidade de Executado, notificado nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 846º e da alínea f) do art.º 849 do Código de processo civil da extinção da instância executiva, com fundamento em pagamento voluntário” (notificação de 29/07/2025 – sublinhado nosso), não havendo notícia do aí executado e aqui recorrente se ter oposto a tal designação. Noutro âmbito, a execução foi declarada extinta pelo pagamento e sem ser aposta qualquer condição resolutiva ao pagamento pelo que não se vê como poderia operar a hipotética devolução da quantia já paga ao recorrido. E não se diga que estas situações violam desproporcionadamente o direito do recorrente, sendo que a lei tem uma salvaguarda para estas situações (n.º 3 do artigo 704.º do Código de Processo Civil). Também o efeito devolutivo dos recursos pode ser obstado com prestação de caução. Trata-se aqui de clara opção legal efetuada pelo legislador para obstar a que o vencedor do processo em primeira instância não tenha que esperar pela decisão dos eventuais recurso(s) apresentado(s) para poder intentar a respetiva ação executiva e, eventualmente, ou com muita probabilidade (o que parece também iria acontecer neste caso, pois o próprio recorrente afirma estar em difícil situação financeira), acabar por não encontrar já qualquer bem penhorável que permitisse o ressarcimento do seu crédito. Tratou-se aqui claramente de fazer atuar uma ponderação e equilíbrio de valores e dos interesses em jogo no respetivo processo, conforme, aliás, a lei e julgador devem fazer. Não se vê assim qualquer violação do direito do recorrente a um processo equitativo previsto no artigo 20.º da CRP, ou qualquer outra inconstitucionalidade ou violação da Convenção dos direitos do homem, reforçando-se que o direito a um processo equitativo não se se aplica só a uma das partes, mas sim a ambas. Assim, não obstante o lapso da referência na decisão singular à extinção da execução por sentença, ora oficiosamente reconhecido, tal em nada altera a decisão proferida, pelo que a pretensão do recorrente/reclamante não poderá proceder. * V. Decisão. Por tudo o que expendeu e tendo em conta as normas legais invocadas, julga-se a reclamação improcedente, mantendo-se a decisão singular do Relator. Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido. Lisboa, 06-11-2025, Rui Vultos Cristina Lourenço Carla Matos [1] Que transcrevemos integralmente, para que não restem dúvidas. [2] Ac. Do STJ de 19/04/2022, proc. 1212/05.6TBPTM.P1.S1. |