Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | JOÃO PAULO VASCONCELOS RAPOSO | ||
| Descritores: | DOCUMENTO PRAZO DECLARAÇÕES DE PARTE CASO JULGADO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade do relator): I. Deve ser admitida a junção de um documento apresentado pela parte com antecedência superior a vinte dias sobre o início efetivo da primeira sessão da audiência final; II. O caso julgado formal de um despacho que não admita declarações de parte refere-se ao objeto decidido, incluindo o sentido material da decisão e os seus antecedentes lógicos necessários; III. O caso julgado formal de um despacho que não admita declarações de parte por omissão de indicação dos factos em que recairá não prejudica a apresentação e deferimento de novo requerimento com o mesmo fim, no prazo processualmente definido para o efeito, que cumpra a exigência de indicação material inicialmente omitida. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Decisão: I. Caracterização do recurso: I.I. Elementos objetivos: - Apelação – 1 (uma), em separado; - Tribunal recorrido – Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 1; - Processo em que foi proferida a decisão recorrida – Ação de processo comum n.º 2456/24.7T8PDL; - Decisão recorrida – Despacho de não admissão de declarações de parte e de junção de documento. --- I.II. Elementos subjetivos: - Recorrente (autor): - ---; - Recorrido (réus): - ---; - ---; - ---. -- --- I.III. Síntese relevante dos autos: - No âmbito de ação indemnizatória instaurada pelo autor contra os réus, tendo sido proferido despacho saneador com identificação do objeto do litígio e dos temas da prova, foram apresentados requerimentos probatórios pelas partes; - Requereu o autor, designadamente, a sua tomada de declarações; - Sobre tal requerimento foi proferido despacho, cujo segmento relevante tem o seguinte teor: B. Declarações de parte: Convido o Autor a indicar sobre os quais pretende prestar declarações, sob pena de indeferimento do requerido (artigo 452º, nº2 do Código de Processo Penal por remissão do artigo 466º, nº2 do mesmo código). - Na sequência, apresentou o autor requerimento, com o seguinte teor (transcrição integral): O Autor encontra-se preso no E. P. …, em …, e para que possa estar presente na diligência agendada para o próximo dia 03.11.2025, pelas 9H30, solicita ao Tribunal que se digne ordenar ao referido E. P., que assegure a deslocação do Autor ao Tribunal de Ponta Delgada, a fim de estar presente na audiência de discussão e julgamento, para prestar declarações de parte requeridas, pois a sua presença mostra-se imprescindível à descoberta da verdade material. - Na sequência de tal requerimento, foi proferido despacho, com o seguinte teor (transcrição integral do segmento relevante): - Requerimento nº 6351291 (de 13/06/2025): Vem o Autor requerer que este Tribunal ordene ao estabelecimento prisional a deslocação a este Tribunal, a fim de estar presente na audiência de discussão e julgamento para prestar declarações de parte. Todavia, aquele foi notificado para indicar os factos sobre os quais pretendia prestar declarações, sob pena de indeferimento do requerido. Ora, nada tendo dito, são tais declarações indeferidas. - Na sequência desse despacho, apresentou o autor novo requerimento, com o seguinte teor (trechos relevantes): ---, A., já id. nestes autos, notificado do douto despacho com a referência n.º 59634472, no qual não foi admitida a produção de declarações de parte do A., pela não indicação de matéria sobre o qual tais declarações deveriam incidir, vem ao abrigo do artigo 466.º, n.º 1, do C. P. C., requer novamente que sejam tomadas as declarações de parte ao A., referentes aos pontos n.ºs 1 a 9; 14 a 48 e 101 da p.i. Assim sendo, ao abrigo do artigo 466.º, n.º 2, do C. P. C., as declarações de parte podem ser requeridas “até ao início das alegações orais em 1.ª Instância”. (...) É certo que tem prevalecido o entendimento maioritário de que os factos sobre os quais incidam as declarações devem ser indicados. No entanto, a doutrina e jurisprudência maioritária sustentam também, que a não indicação desses factos não deve conduzir a um indeferimento imediato, veja-se neste sentido: (...) Não tendo feito tal indicação, deve o juiz convidar a parte a fazê-la.” (...) Termos em que deverão ser admitidas as declarações de parte do A., relativamente aos pontos n.ºs 1 a 9; 14 a 48 e 101, da p.i. - Apresentado nos autos, pelo autor, a 12 de setembro de 2025 mostra-se junto pelo autor novo requerimento, com o seguinte teor (trecho relevante): O A., também requer a junção aos autos da certidão e de um doc. que se anexam, onde se verifica claramente que os RR. doaram um prédio urbano que herdaram de (...) ao Senhor (...), depois da decisão da acção no Processo n.º 3308/16.0T8PDL, da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada – J1, que anulou as doações e o testamento efectuado por (...) ao ora A. e ao Senhor (...), testemunha indicada pelos RR. nesta acção, facto estranho e absurdo, quando na acção de anulação, os então AA. e ora RR., falsearam os factos usando aquele processo de forma manifestamente reprovável, para obterem um fim ilegal, prejudicando indevidamente os beneficiários daquelas liberalidades, e com a referida doação (cfr. docs. 1 e 2), os RR. fazem um mimo à testemunha, (...), para o lançar contra o ora A., quando o desacreditaram na supra referida acção de anulação. - E a 16/9/2025, apresentou o autor novo requerimento, cujo trecho relevante é: ---, A., já id. nestes autos, vem dizer a V. Ex.ª, que pretende estar presente na audiência de discussão e julgamento, agendada para o dia 3 de Novembro de 2025, pelas 9H30, para poder colaborar com o seu patrono, pois devido à complexidade dos autos, mostra-se imprescindível a sua presença no Tribunal, e também de acordo com o artigo 466.º, do C. P. C., pode o A. sempre requerer declarações de parte até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou que tenha conhecimento directo. Face ao exposto, o A. requer que preste declarações em sede de audiência de discussão e julgamento aos pontos 1 a 9, 14 a 48 e 101 da p.i., aliás, conforme já tinha sido solicitado no seu requerimento, cuja referência é 52885805, datado de 10.07.2025, mais requer que o Tribunal se digne ordenar ao E. P. …, que assegure a presença do A. na audiência de discussão e julgamento. - Na sequência destes requerimentos foi proferido despacho, a 6/10/2025, cujos segmentos decisórios relevantes têm o seguinte teor (transcrição integral de tais partes): - Requerimento nº6393745 (de 10/07/2025): Vem o Autor alegar que nunca foi notificado para indicar os factos sobre os quais pretendia prestar declarações. Tal só poderá decorrer de uma leitura enviesada do despacho proferido a 27/05/2025, sendo o mesmo claro quanto a tal convite. Assim sendo, nada mais a determinar. (...) - O Autor juntou ainda uma escritura de doação para justificar uma eventual manipulação, nos presentes autos, da testemunha ---. Todavia, tal doação é de 03/08/2023, quando a presente ação apenas deu entrada a 24/10/2024. Assim sendo, não admito a junção de tal documento, sendo certo que não foi impugnada a admissão daquele como testemunha (artigo 514º do Código de Processo Civil). (...) Requerimento nº 6470165 (de 16/09/2025): Continua o Autor a insistir nas declarações de parte, escusando-se este Tribunal de repetir o que por diversas vezes já foi afirmado (que estão indeferidas). Assim, e não sendo a sua presença obrigatória na audiência de julgamento, qualquer deslocação deverá ser vista com o Tribunal de Execução de Penas. - Deste despacho, não se conformando o autor, veio recorrer, pela presente apelação; - A audiência final nos autos iniciou-se no passado dia 3 de novembro, data em que se realizou a primeira sessão, sem a presença do autor, tendo sido inquiridas quatro testemunhas e tendo a sessão sido encerrada sem agendamento de data para continuação, consignando-se como razão que ainda se aguarda o laudo da Ordem dos Advogados. -- II. Objeto do recurso: II.I. Conclusões apresentadas pela recorrente nas suas alegações: a) O despacho recorrido indeferiu injustificadamente o requerimento do Autor, ora recorrente, através do qual este pretendia prestar declarações de parte e juntar aos autos uma escritura de doação essencial à descoberta da verdade material. b) O Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação e aplicação do artigo 466.º do Código de Processo Civil, ao indeferir as declarações de parte requeridas, por alegada falta de indicação dos factos, quando a lei não impõe essa exigência sob pena de indeferimento. c) A jurisprudência dominante e a doutrina (v.g. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª ed., pág. 551) são unânimes em afirmar que a falta de indicação dos factos deve ser suprida mediante convite judicial e não conduz a indeferimento imediato. d) O recorrente veio, entretanto, a identificar expressamente os factos sobre os quais pretendia prestar declarações (pontos 1 a 9, 14 a 48 e 101 da p.i.), pelo que o indeferimento se mantém destituído de fundamento legal. e) O despacho ao indeferir as declarações de parte viola o princípio da cooperação processual e o direito à prova consagrado nos artigos 7.º e 466.º, n.º 2, do CPC, restringindo de forma desproporcionada o exercício do contraditório. f) Quanto à recusa de junção da escritura de doação datada de 03.08.2023, o Tribunal a quo desconsiderou que o recorrente só teve conhecimento do documento em setembro de 2025, facto devidamente justificado no requerimento de 12.09.2025. g) A justificação apresentada é suficiente para enquadrar a junção posterior ao abrigo do disposto nos artigos 423.º, n.º 3, e 424.º do CPC, não havendo qualquer prejuízo processual para a contraparte. h) O indeferimento da junção do documento viola ainda o princípio do inquisitório previsto no artigo 411.º do CPC, segundo o qual incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade e à justa composição do litígio. i) Acresce que o recorrente, encontrando-se detido no Estabelecimento Prisional …, enfrenta dificuldades objetivas e notórias na obtenção de documentos e meios de prova, circunstância que deveria ter sido ponderada pelo Tribunal a quo. j) O despacho recorrido, ao impedir o exercício dos meios de prova legalmente admissíveis, configura violação dos princípios da igualdade das partes, da proporcionalidade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa). k) Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se a admissão das declarações de parte e da escritura de doação oferecida pelo recorrente, com as legais consequências. -- Os réus, notificados, não apresentaram alegações de resposta. -- II.II. Questões a apreciar: São questões a apreciar nesta apelação: a. Da admissibilidade de junção do documento apresentado pelo autor; b. Da admissibilidade de prestação de declarações de parte pelo autor e, especificamente quanto a esta, do eventual efeito de caso julgado relativamente à decisão de indeferimento. -- Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. – --- II.III. Apreciação do recurso: -- Os elementos relevantes a considerar são os que constam da síntese supra apresentada. – -- II.III.I. Da não admissão do documento apresentado: Face à referida súmula, são os seguintes os elementos dos autos que se mostram relevantes para apreciação desta questão: a. Foi apresentado pelo autor documento em fase de instrução; b. Tal documento foi apresentado aproximadamente 50 (cinquenta) dias antes da data agendada para o início da audiência final (audiência que se iniciou efetivamente no dia programado); c. Não foi invocada pelo autor qualquer superveniência, subjetiva ou objetiva, para não apresentação do documento com o articulado; d. A apresentação foi justificada com razões relacionadas com a posição de uma testemunha arrolada pelos réus; e. O despacho de indeferimento da junção do documento firmou-se em duas razões: - A não anterioridade do documento face à petição inicial; - A inexistência de uma impugnação formal à testemunha apresentada. -- Sustenta-se o recurso, em primeiro lugar, na invocação de uma superveniência subjetiva, que associa a dificuldades de obtenção do documento pelo autor, decorrentes da sua situação de reclusão prisional. Diz que só teve conhecimento do documento em setembro de 2025, facto devidamente justificado no requerimento de 12.09.2025 e que, encontrando-se detido no Estabelecimento Prisional …, enfrenta dificuldades objetivas e notórias na obtenção de documentos e meios de prova. Nem um nem outros destes argumentos colhem. Em primeiro lugar, não corresponde ao que consta dos autos que tenha invocado qualquer conhecimento superveniente do documento. Em segundo lugar, a mera invocação de uma situação de reclusão, a despeito da evidência de dificuldade de tratamento pessoal de qualquer assunto, porque foi apresentada sem qualquer outro facto de suporte, não permite afirmar, sem mais, uma impossibilidade de obtenção de documento, ou qualquer impedimento em sentido próprio. Não foi sequer invocada a forma concreta como o documento foi obtido e eventuais dificuldades inerentes à sua obtenção, desconhecendo-se, designadamente, se a sua obtenção resultou de diligências do próprio autor (necessariamente realizadas à distância), ou de pessoa que atuou em sua representação, v.g., o seu patrono nos autos. Nestes pontos, a argumentação do recorrente mostra-se, portanto, sem fundamento material, por simples falta de substanciação de factos que pudessem suportar as razões invocadas. Assim sendo, nessa parte, não têm sustentação os fundamentos de recurso. Resta a questão jurídico-processual singela de apresentação de um documento, mais de vinte dias antes da data de audiência final, com justificação numa contradita à posição de uma testemunha arrolada pela parte contrária. Esta é a questão a decidir, devidamente depurada. – -- A instrução probatória em processo civil pode ser autonomizada numa fase, o que ocorre quanto à produção de meios de prova que careça de ser prolongada no tempo, como sucede, designadamente, com a prova pericial. Quer isto dizer, pelo contrário, que as provas são indicadas e apresentadas nos articulados ou num momento processual próprio de indicação de requerimentos probatórios, sendo depois produzidas e/ou discutidas em sede de audiência pública contraditória – cf. art.º 410.º do Código de Processo Civil (CPC). Quer isto dizer também que, relativamente ao autor, tratando-se de um documento anterior à petição inicial, sem qualquer superveniência objetiva ou subjetiva, deveria ter sido apresentado com tal articulado (cf. art.º 552.º n.º 6 do CPC). O desrespeito dessa regra não traduz, todavia, uma proibição da sua apresentação posterior, como parece decorrer da decisão recorrida. Assim, quanto ao momento de apresentação de documentos, estabelece o art.º 423.º do CPC que a referida regra geral (de apresentação com os articulados) pode ser derrogada, sem consequências processuais para a admissão do meio, se vier a ser concretizada até vinte dias antes do início da audiência final. Assim, dispõe este preceito que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1); se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (n.º 2) e que, após esse limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Deve entender-se, por outro lado, que o prazo de vinte dias face à data de audiência deve ser entendido relativamente à data de início efetivo da 1.ª sessão da mesma, algo que, no caso, se verifica (neste sentido, designadamente, acórdão da Relação de Coimbra de 14/1/2025, Luís Cravo, trc.pt)1. Neste quadro, face aos elementos pertinentes, é claro que o documento deveria ter sido admitido, sendo a parte apenas condenada em multa pela sua não apresentação com a petição inicial, por não ter apresentado qualquer justificação relevante para o não ter feito. É o que cumpre decidir, sem necessidade de considerações adicionais. -- II.III.II. Da não admissão de declarações de parte do autor: Relativamente a este ponto, releva: - Que o autor começou por requerer prestação de declarações, sem indicação de objeto; - Que o tribunal proferiu um primeiro despacho convidando-o a indicar os factos sobre que as declarações incidiriam; - Que o autor veio apresentar um segundo requerimento, não indicando factos a que pretendia depor, solicitando apenas a sua presença em tribunal; - Que, na sequência, o tribunal proferiu um despacho a indeferir as declarações requeridas, por falta de indicação do respetivo objeto; - Que, na sequência deste despacho, o autor veio apresentar dois requerimentos, em ambos reiterando o pedido para prestar declarações em audiência final, indicando também em ambos factos sobre que pretende fazer incidir as mesmas (por referência à sua petição inicial); - Que o tribunal veio pronunciar-se reiterando o indeferimento anteriormente decidido, sustentando-o em estar a questão definitivamente decidida. -- Tomando por referência estes elementos, a primeira questão a tratar é a de saber se o direito processual do autor a requerer prestação de declarações ainda se encontrava ativo no momento em que o solicitou pela 2.ª vez (e depois, por maioria de razão, pela 3.ª), ou se, pelo contrário, estava definitivamente indeferido no processo. A questão não releva, obviamente, da permissão geral, que concede a qualquer parte o direito a requerer prestação de declarações até ao termo da audiência final, mas, em termos concretos, dos efeitos da primeira decisão proferida sobre a matéria. Recordando o iter processual relevante, foi proferido um primeiro despacho de não admissão das declarações de parte, de que o autor não recorreu, tendo posteriormente apresentado novos requerimentos com idêntica pretensão, tendo o tribunal a quo considerado que a questão estava decidida. Traduzindo juridicamente esta decisão, trata-se de avaliar se o primeiro indeferimento, ao transitar em julgado por não apresentação de recurso do mesmo, preclude a possibilidade de novos requerimentos e reapreciação da questão ou, em termos mais restritos, que efeitos processuais tem o trânsito em julgado do despacho inicial sobre a matéria. Recorde-se, antes de avançar, que a não admissão de meio de prova fundamenta apelação autónoma (cf. art.º 644.º n.º 2 al. d) do CPC) e, portanto, a não conformação com o decidido deve ser exercida de imediato, não aguardando a decisão final. Diz o art.º 620.º n.º 1 do CPC que as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre relação processual têm força obrigatória dentro do processo. Trata-se do chamado efeito de caso julgado formal. Este caso julgado formal, como qualquer situação que caiba nesta figura processual, impõe uma insusceptibilidade de impugnação, reversão ou modificação de uma decisão, neste caso ficando a deter força obrigatória no processo e, tratando-se de caso julgado material, dentro e fora dele. Para apreciar o âmbito objetivo do caso julgado, importa considerar o objeto concreto da decisão, que é o mesmo que dizer os seus pressupostos necessários. Como se disse ilustrativamente em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 6/5/2021 (Tibério Silva)2, é necessário aferir se a decisão foi ou não desvirtuada. Colocando assim a questão, deve entender-se que o pedido reformulado não desvirtua o decidido, na medida em que assenta em fundamentação não apreciada na decisão de indeferimento. Aliás, a decisão de indeferimento sustenta-se precisamente na omissão da fundamentação apresentada nos segundos e terceiro requerimentos. É facto que não assiste razão ao recorrente quando diz que o tribunal lhe devia ter dado, illo tempore, possibilidade de aperfeiçoar o seu requerimento, com a indicação dos factos sobre que as declarações deviam incidir - o tribunal recorrido concedeu-lhe, de forma expressa, clara e direta, tal possibilidade que, num primeiro momento, não foi correspondida. Isso não invalida, todavia, que ressalte que o despacho de indeferimento tenha assentado nessa estrita razão e não noutra. Em termos simples, foi indeferida a prestação de declarações de parte baseando-se apenas no incumprimento do ónus de especificação da respetiva matéria. Chegando a este ponto de análise, será pertinente convocar que se trata de uma decisão relativa a produção de um meio de prova que nunca poderia prejudicar a sua efetiva realização, se determinada ou requerida em contexto diverso. Assim, por exemplo, se fossem os réus a requerê-la, ou se fosse oficiosamente determinada, é claro que o efeito de caso julgado não operaria. Esta referência permite compreender que o julgado formal de uma decisão relativa a um ato de produção de prova é sempre, em alguma medida, provisório, podendo ser revertido por decisão diversa até ao termo da discussão em 1.ª instância. O caso julgado formal não pode, portanto, ser visto como algo que, absolutamente, impeça a reversão de uma decisão processual de não produção de um meio de prova – cf., a propósito, ac. STJ 10/4/2014 (Nelson Borges Carneiro)3. Deve, pelo contrário, como qualquer decisão definitiva, impedir nova decisão, extinguindo o poder jurisdicional sobre o objeto da mesma, no seu estrito âmbito, incluindo o sentido decisório propriamente dito e os fundamentos necessários, ou antecedentes lógicos, em que assente. Assim iluminada a questão, deve entender-se que o indeferimento encerrou definitivamente a questão da (in)admissibilidade de declarações de parte do autor, solicitadas pelo próprio, quando não fundamentadas na indicação concreta da matéria de facto sobre que deve incidir. Quer isto dizer, portanto, que não tem sustentação o despacho recorrido ao referir que a questão está definitivamente decidida. Está-o apenas nesse pressuposto lógico de ter se verificar uma falta de indicação da matéria de facto objeto de declaração. Tendo o autor apresentado novo requerimento, suprindo a omissão, muito antes do final do prazo estabelecido na lei processual para o fazer (que será o termo da produção de prova em audiência final), não se deve considerar prejudicado o seu conhecimento. Assim sendo, as conclusões seguintes a retirar decorrem diretamente desta premissa inicial: - não se verificando caso julgado formal quanto ao requerimento para prestar declarações com devida especificação da matéria de facto sobre que incide, e sendo o requerimento apresentado em momento muito anterior ao final da produção de prova em audiência final (muito antes até do próprio início da audiência), tem que ser deferido, porque a lei não estabelece qualquer requisito adicional para fundamentar o mesmo (cf. art.º 466.º n.º 1 do CPC). O recorrente poderá prestar, portanto, declarações em audiência final sobre a matéria de facto que indicou, cabendo ao tribunal a quo, no âmbito do seu poder-dever de gestão processual e de condução dos atos de audiência, avaliar e determinar a forma como essas declarações serão prestadas e, designadamente, se presencial ou remotamente. É o que se decide, nesta parte do recurso. – -- Em conclusão, a apelação procede na íntegra, o que se decide igualmente. --- III. Decisão: Face ao exposto, concede-se a apelação e, revogando-se a decisão recorrida, decide-se admitir a junção do documento apresentado, supra referido, bem como a prestação de declarações de parte pelo autor, à matéria por si indicada. Custas pelo recorrente. Notifique-se e registe-se. – --- Lisboa, 20 de novembro de 2025 João Paulo Vasconcelos Raposo Fernando Caetano Besteiro Pedro Martins ______________________________________________________ 1. - Prazo para apresentação de documentos. Audiência de julgamento. Ocorrência posterior. Princípio do inquisitório – Tribunal da Relação de Coimbra 2. https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:542.14.0T2STC.B.E1.S1.B2?search=BzshY_-xADh4TrETR8g 3. https://juris.stj.pt/1610%2F19.8T8VNG.P1.S1/1qMr0VLpu9OPlZCoD5mr3yA5qG4?search=hhyH9zrlm1jMHMkouDI |