Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ISABEL TEIXEIRA | ||
| Descritores: | CASO JULGADO CUSTAS RECURSOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário I – A violação do caso julgado formal pressupõe que as decisões recaiam sobre a mesma questão de direito no mesmo contexto fático-processual. Quando a segunda decisão incide sobre fase processual diferente e aplica norma diversa a situação distinta não se verifica essa identidade. II - O art. 13º, nº 3 do RCP é norma especial face ao art. 6º e portando, prevalece sobre este. III - O art. 13º, nº 3 do RCP manda aplicar a tabela I-C a qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução instaurada por grandes litigantes, não distinguindo tabela diferente para os recursos. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: Meo – Serviços de Comunicações, S.A. intentou contra a ré, ora recorrente Nos Comunicações, S.A. acção de processo comum em que foi proferida sentença em 24.05.2022 que decidiu: «Por tudo o que se deixou exposto, julga-se a excepção de autoridade de caso julgado procedente por provada e, consequentemente, absolve-se a Ré da instância. Cfr. arts.577º, al. i) 580º, 581º e 576º, nº2, do CPCivil. Valor da Causa: o fixado pela A.. Custas pela A.. Não há lugar ao pagamento do remanescente. Cfr. art.6º, nº8, do RCP.» O recurso de apelação da sobredita sentença, intentado pela Autora, foi julgado improcedente. Foi também negada a revista, ficando as custas a cargo da recorrente/Autora, tendo ainda o Supremo Tribunal de Justiça dispensado o pagamento de 75%, do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias. Foi elaborada a conta em 24-09-2024, com custas da responsabilidade da Autora e da Ré, nos valores de 211.178,25 € e 212.504,25 €, aplicando-se a tabela I-A ao processo em 1ª instância e a tabela I-B aos recursos de apelação e de revista. Em 09-10-2024 a Ré reclamou da conta de custas, de sua responsabilidade, bem como da conta da responsabilidade da Autora, dizendo em suma que na acção integral ganho de causa e, por conseguinte, não é por ela devido o pagamento de qualquer remanescente; - quanto à conta da autora, alega que estão em falta os valores de remanescente que seriam devidos pela Ré NOS, mas que são da responsabilidade da Autora MEO, nos termos do artigo 14.º, n.º 9 do RCP; os valores relativos ao remanescente devido pela Autora MEO estão mal calculados, pois não tiveram em consideração que à mesma se aplica não a Tabela IA nem a Tabela IB mas antes a Tabela IC, dado ser grande litigante, o que implica que “para além dos € 275000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25 000 ou fracção (…) 4,5UC no caso da coluna C.”. A Sr.ª Escrivã contadora pronunciou-se, em 16-10-2024, dizendo: «Assiste razão à reclamante. Assim de acordo com o disposto no artº. 14º n.9 do RCP " Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do nº7 do artº. 6º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.", A conta de custas é da inteira responsabilidade da A. por ter ganho de causa integral. Assim de acordo com o decidido no douto Acordão do Supremo Tribunal de Justiça deverá ser elaborada uma única conta com dispensa de 75% do remanescente devido, sendo aplicado à responsabilidade da A. a taxa da tabela IC do RCP e à R a tabela IA, na 1ª Instância.». O recorrido secundou tal posição. Apreciando as reclamações, em 28/10/2024 o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: «Reclamações das contas apresentadas pela Ré (req. de 09/10/2024): Tem razão a reclamante, porquanto, deveria ter sido aplicado o disposto no art. 14º nº 9 do R.C.P. (o remanescente da taxa deve ser apenas imputado à parte vencida), bem como a tabela I-C à Autora, o que logo foi reconhecido pela Sra. Contadora. Outrossim, o Ministério considerou ser de deferir o requerido e nem a Autora se opôs. Assim, assistindo razão à reclamante, proceda-se à reformulação da conta a cargo da Autora tendo em consideração o disposto no art. 14º nº 9 do R.C.P. e a tabela que lhe é aplicável. Sem custas.» Foi reformulada a conta, em 05-12-2024, dela resultando o montante total a pagar de 565 080,00 € pela Meo - Serviços de Comunicações e Multimédia S.A.. Da mesma reclamou, de novo, a recorrente Nos Comunicações, S.A., argumentando que “(…) os valores relativos ao remanescente devido pela Autor MEO estão mal calculados, pois quanto à tramitação da ação na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça não tiveram em consideração que à mesma se aplica não a tabela I-B mas antes da Tabela I-C, dado a MEO ser qualificada como grande litigante (…)”. Também a Autora apresentou reclamação da sobredita conta, defendendo a exclusão dos valores correspondentes ao remanescente de taxa de justiça pela tramitação do processo na primeira instância, nos termos do artg. 6º, nº 8 do RCP. A Sr.ª Escrivã contadora pronunciou-se em 24-01-2025, dizendo: « A A. reclama no sentido de não ser aplicado o remanescente da taxa em divida na 1ª Instância, por a decisão ter sido dada antes da fase de Instrução ( artº 6º n. 8 do RCP) Assiste nesta parte razão ao reclamante, não tendo a exponente tido em consideração tal disposição legal ao elaborar a conta, pelo que se pede desde já a relevação de tal falta; O R. reclama no sentido de ser aplicada a Tabela IC nas taxas devidas pelos recursos tramitados no Tribunal da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça. Não assiste razão à reclamante, uma vez que a Tabela IC só á aplicavél na 1ª Instância uma vez que a taxa devida nos Tribunais Superiores ( Relação e Supremo) é a da Tabela IB - ( artº. 13º nº 3 do RCP). Para que a Tabela IC fossem aplicável nas instâncias superiores teria que ser o Mmº Juíz a determinar a final (artº 6º nº 5 do RCP) Nestes termos e pelo acima descrito a conta deverá ser apenas rectificada indicando não haver taxas em divida pelo impulso processual em 1ª Instância.» O Ministério Publico declarou concordar com a informação da Sr.ª Escrivã. O tribunal de 1ª instância, em 28/01/2025, proferiu o seguinte despacho: «Reclamações da conta de custas apresentadas pelas partes: Notificada da conta veio a Ré NOS S.A. reclamar da mesma e requerer a sua reformulação de modo a que o remanescente devido pela Autora MEO seja calculado por aplicação da Tabela I-C. Também a Autora MEO S.A., vencida na causa, apresentou reclamação defendendo que não há lugar, nos termos do artigo 6.º, n.º 8, do RCP, ao pagamento de qualquer valor de remanescente na primeira instância. A Sra. Contadora pronunciou-se nos termos que constam da sua pronúncia de 24/01/2025 (reconhecendo a razão da Autora mas não a da Ré) com a concordância do Ministério Público. Vejamos No que toca à taxa de justiça aplicável à Autora por ser grande litigante, efectivamente, compaginando o disposto no art. 13º nº 3 com o art. 6º nº 2 do R.C.P., temos de concluir que apesar de a Autora ser uma grande litigante a quem é aplicável a taxa prevista na tabela I-C (para qualquer providência cautelar, acção, procedimento, ou execução), tal não acontece com os recursos em que a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B. Assim, indefere-se a reclamação apresentada pela Ré. Custas do incidente no mínimo. Quanto à reclamação apresentada pela Autora, verifica-se que a acção terminou com saneador-sentença, ou seja, sem instrução, pelo que não haveria lugar ao pagamento de taxa remanescente na 1ª instância (cfr. art. 6º nº 8 do R.C.P.). É verdade que a decisão proferida pelo S.T.J. determinou a dispensa do pagamento do remanescente de 75% em todas as instâncias, porém, não pode deixar de se entender que a mesma não se aplica à 1ª instância (o S.T.J. não afastou o art. 6º nº 8 do R.C.P. tal como não o fizemos no nosso anterior despacho que apenas visou a imputação do remanescente à parte vencida), sob pena de frontal violação do disposto no art. 6º nº 8 do R.C.P. cuja redacção é claramente aplicável aos presentes autos. Assim, defere-se a reclamação apresentada pela Autora, devendo a conta ser reformulada em conformidade com o supra exposto (exclusão da taxa remanescente na 1ª instância apenas). Sem custas. Notifique.» Inconformada com tal decisão, dela recorreu a ré Nos Comunicações, S.A., apresentando as seguintes conclusões: 1.ª — No douto despacho de 28.10.2024, deferiu-se a reclamação deduzida pela NOS da conta inicialmente elaborada nestes autos, na qual a NOS requeria que o remanescente devido pela Autora MEO pela tramitação da acção na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça — ou seja, pelos recursos de apelação e de revista fosse calculado por aplicação da tabela I-C em atenção ao facto de a MEO ser qualificada como grande litigante. 2.º — Tendo esse despacho transitado em julgado, essa questão ficou definitivamente decidida nestes autos, pelo que a Mma. Juíza a quo ao decidir, no douto despacho recorrido, indeferir a reclamação da NOS da nova conta de custas com o fundamento de que ao remanescente devido pela MEO pela tramitação nos tribunais superiores não se aplicaria a tabela I-C mas antes a I-B, incorreu em violação do caso julgado formal formado sobre o seu despacho anterior, de 28.10.2024. 3.ª — Deve, por isso, o douto despacho recorrido ser revogado e ser deferida a reclamação, em respeito do decidido no despacho de 28.10.2024. 4.ª — Ainda que não se entenda ter ocorrido violação do caso julgado formal — no que não se concede —, sempre se imporia a revogação do douto despacho recorrido por ao cálculo do remanescente da taxa de justiça devido pela MEO pela tramitação nos Tribunais Superiores ser aplicável a tabela I-C. 5.ª — O artigo 13.º, n.º 3, do RCP pretende ser o mais abrangente e inclui no seu âmbito de aplicação qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução intentado pela sociedade qualificada como grande litigante, como é o caso da MEO, ficando abrangida pela norma toda a tramitação em cada uma dessas espécies processuais, incluindo na fase de recurso. 6.ª — Por conseguinte, não existe fundamento para não sujeitar o cálculo dos valores relativos ao remanescente da taxa de justiça respeitante à MEO na Relação e no Supremo à Tabela I-C. 7.ª — Nesse sentido, veja-se o decidido em acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.06.2024, proferido no processo n.º 26897/18.0T8LSB-B.L1-2 (no qual intervieram, aliás, também a NOS e a MEO), disponível em www.dgsi.pt, no qual se afirma, nomeadamente, o seguinte: “No caso dos autos, dúvidas não temos de que a Apelante assume nos mesmos a posição de demandante, independentemente de assumir ou não, nos recursos interpostos no âmbito da presente ação, a posição de recorrente ou de recorrida. Ora, assim sendo, a aqui Autora enquadra-se na previsão dos artigos 13º, n.º 3, do RCP e 530º, n.º 6, do CPC, o que significa que lhe é aplicável, automaticamente, a tabela I-C, inclusive nas instâncias de recurso”. 8.ª — A solução de tributação agravada dos grandes litigantes estabelecida no artigo 13.º, n.º 3, constitui uma regra especial que afasta, no seu domínio de vigência, a aplicação da regra geral de submissão dos recursos à tabela I-B daquele artigo 6.º. 9.ª — Perante o exposto, deverá ser rectificada a conta de custas notificada à Autora MEO por forma a que o cálculo do remanescente da taxa de justiça respeitante à MEO devido pela tramitação da acção na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça seja calculado por aplicação da Tabela I-C, sendo por ela devidos os valores seguintes: • Relação: 215.768,25€, em lugar dos 71.922,75 constantes da conta de custas, • Supremo Tribunal de Justiça: 215.768,25€€, em lugar dos 71.922,75 constantes da conta de custas. 10.ª — O douto despacho recorrido violou a norma do artigo 620.º, n.º 1, do C.P.C., ao não observar o caso julgado formado sobre o douto despacho de 28.10.2024, e violou também, por errada interpretação em aplicação, as normas dos artigos 6.º, n.º 2 e 13.º, n.º 3, do RCP, que deveriam ser aplicadas com o sentido de ser aplicada a tabela I-C aos grandes litigantes também pela tramitação nos Tribunais Superiores. 11.ª — Atento o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, bem como no artigo 530.º, n.º 7, do C. P. C., requer-se seja a NOS dispensada do pagamento de remanescente da taxa de justiça pela sua intervenção processual no presente recurso. Para tanto notificado, contra-alegou apenas o Ministério Público, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida. * II – QUESTÕES A DECIDIR: Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), as questões a tratar são as seguintes: i. violação do caso julgado formal formado sobre o despacho anterior, de 28.10.2024; ii. se ao cálculo do remanescente da taxa de justiça devido pela MEO pela tramitação nos Tribunais Superiores é aplicável a tabela I-C. III – FUNDAMENTAÇÃO: Os factos a considerar são os constantes do antecedente relatório. * Enquadramento jurídico: Cumpre apreciar se a decisão proferida em 28/01/2025 incorreu em violação do caso julgado formal formado pela decisão anterior de 28/10/2024, na medida em que ambas se pronunciaram sobre a tabela de taxas de justiça aplicável – I-B ou I-C – às partes envolvidas, em particular à autora MEO. Para tanto, importa recordar que a autoridade de caso julgado apenas pressupõe uma decisão transitada em julgado, sem exigir a tripla identidade exigida pelo caso julgado (quanto ao pedido, causa de pedir e sujeitos), visando evitar que a relação jurídica por ela definida seja novamente apreciada de modo diferente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica e acarretando, mesmo, o desprestígio da função jurisdicional. A autoridade do caso julgado impõe-se e justifica-se necessidade de certeza e da segurança nas relações jurídicas. E tal autoridade não é retirada, nem posta em causa, mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado correctamente os factos ou haja interpretado erradamente a lei. Nas palavras de Alberto dos Reis1, no Mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça. Diz-nos Anselmo de Castro2 que por caso julgado formal se entende a imodificabilidade da decisão dentro do mesmo processo pelo juiz que a proferiu, exceptuados os casos do artigo 620º, nº 2 e 630 – despachos de mero expediente, em que se compreendem os destinados a regular, em harmonia com a lei, os termos do processo; - imodificabilidade que desde logo ocorre quando a causa não admita recurso ordinário, ou, admitindo-o, tenha precludido a sua interposição, por uma razão de disciplina ou ordem no desenvolvimento do processo. Ora, no caso vertente, está em causa a invocada contradição entre o despacho recorrido, na parte em que decidiu: «(…) No que toca à taxa de justiça aplicável à Autora por ser grande litigante, efectivamente, compaginando o disposto no art. 13º nº 3 com o art. 6º nº 2 do R.C.P., temos de concluir que apesar de a Autora ser uma grande litigante a quem é aplicável a taxa prevista na tabela I-C (para qualquer providência cautelar, acção, procedimento, ou execução), tal não acontece com os recursos em que a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B. Assim, indefere-se a reclamação apresentada pela Ré.» E o despacho anterior, em que havia sido decidido: «Reclamações das contas apresentadas pela Ré (req. de 09/10/2024): Tem razão a reclamante, porquanto, deveria ter sido aplicado o disposto no art. 14º nº 9 do R.C.P. (o remanescente da taxa deve ser apenas imputado à parte vencida), bem como a tabela I-C à Autora, o que logo foi reconhecido pela Sra. Contadora. Outrossim, o Ministério considerou ser de deferir o requerido e nem a Autora se opôs. Assim, assistindo razão à reclamante, proceda-se à reformulação da conta a cargo da Autora tendo em consideração o disposto no art. 14º nº 9 do R.C.P. e a tabela que lhe é aplicável. Afigura-se que não tem razão a recorrente. Em ponto algum da primeira decisão se diz que a tabela a aplicar é a I-C todos os actos e fases do processo. Aliás, a decisão, escassamente fundamentada, remete para a pronúncia da Sr.ª Escrivã datada de 16/10/2024, que dizia de forma clara que o erro na tabela aplicada se referia apenas à 1ª Instância «sendo aplicado à responsabilidade da A. a taxa da tabela IC do RCP e à R a tabela IA, na 1ª Instância.». Embora esta informação laborasse em erro, pois afirmava que a «a R. reclama na forma da elaboração da conta na qual lhe é atribuída a responsabilidade do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, bem como da tabela aplicada em 1ª Instância na responsabilidade da A.», o que só uma leitura desatenta da reclamação justifica, pois a ré reclamava, não só da aplicação da tabela em 1ª instância, mas precisamente que «o cálculo do remanescente da taxa de justiça respeitante à MEO devido pela tramitação da acção na Relação e no Supremo Tribunal de Justiça seja calculado por aplicação da Tabela I-C.», certo é que naquela informação, para que remete o despacho, apenas disse que a tabela I-C se aplicava à 1ª instância, nunca aos recursos. O tribunal, nesse despacho, nada disse, expressa ou implicitamente, nem sequer por remissão, sobre a tabela aplicável aos recursos. Não apreciou, nessa parte, a reclamação da ré. Não disse que a sua reclamação era totalmente procedente, não disse qual era a tabela a aplicar na Relação ou no Supremo, não disse qual era o valor final. Certo é que se limita a concordar com uma informação que só fala da 1ª instância. Mais certo ainda, o tribunal apenas mandou usar a tabela “que lhe é aplicável”. O tribunal acolheu, pois, o entendimento de que, por força do artigo 13.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, sendo a Autora uma grande litigante, lhe é aplicável a Tabela I-C na determinação da taxa de justiça, e não a Tabela I-B, o que determinou a reformulação da conta, tendo em consideração o disposto no art. 14º nº 9 do R.C.P. e a tabela que lhe é aplicável. O objeto dessa decisão restringiu-se à aplicação da Tabela I-C à Autora, enquanto critério de cálculo da taxa de justiça remanescente, e à imputação da responsabilidade pelo pagamento à parte vencida. Não houve então apreciação quanto à natureza do ato processual em causa (se recurso ou não), nem se delimitou o âmbito de aplicação dessa tabela para outras fases processuais. Por sua vez, na decisão de 28/01/2025, o tribunal indeferiu a pretensão, afirmando expressamente que “apesar de a Autora ser uma grande litigante a quem é aplicável a taxa prevista na Tabela I-C (para qualquer providência cautelar, ação, procedimento ou execução), tal não acontece com os recursos, em que a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da Tabela I-B”. Ora, esta segunda decisão não contradiz o decidido anteriormente, antes o complementa e especifica no âmbito de um contexto processual diverso: se a decisão de 28/10/2024 disse que a tabela I-C era aplicável à autora, como reconhecido pela Sr.ª Escrivã (apenas para a 1ª instância), mandando reformular a conta de acordo com “a tabela que lhe é aplicável”, a decisão de 24/01/2025 delimitou o regime próprio aplicável aos recursos, nos quais a taxa de justiça se rege por norma distinta — artigo 6.º, n.º 2, do RCP, que remete expressamente para a Tabela I-B. Assim, não há contradição entre as duas decisões. A segunda esclareceu e complementou a primeira. Não se verifica, nesta conformidade, violação do caso julgado. * Resta apreciar se ao cálculo do remanescente da taxa de justiça devido pela MEO pela tramitação nos Tribunais Superiores é aplicável a tabela I-C. O art. 530º, nº 6 do Código de Processo Civil preceitua: Nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais. Por sua vez, o art. art. 6º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais dispõe: Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento. Por fim, o art. 13º, nº 3 do mesmo Diploma estabelece: Quando o responsável passivo da taxa de justiça seja uma sociedade comercial que tenha dado entrada num tribunal, secretaria judicial ou balcão, no ano anterior, a 200 ou mais providências cautelares, acções, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada, para qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução intentado pela sociedade de acordo com a tabela i-C, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, em que a taxa de justiça é fixada de acordo com a tabela ii-B. Afigura-se ter razão, neste sentido, a recorrente. Apelando à redacção do nº 6 do art. 530º do Código de Processo Civil, a norma do art. 13º, nº 3 do RCP afigura-se numa relação de especialidade no confronto com o art. 6º. Na interpretação e aplicação das previsões normativas ao caso concreto, o julgador deve nortear-se, sempre, não só pelo preceituado no art. 9º do Código Civil, mas também os critérios de interpretação, de entre os quais avulta, no caso, o da especialidade. Perante um conflito entre normas, como é o caso, importa ter em conta quatro factores3 fundamentais para decidir qual delas prevalece no caso concreto: - o critério da superioridade, segundo o qual prefere a norma de fonte hierárquica superior; - o critério da posteridade, segundo o qual, em caso de conflito entre leis da mesma hierarquia, prevalece a mais recente; - com a ressalva do critério da especialidade, segundo o qual a lei especial prevalece sobre a lei geral; - a intenção inequívoca do legislador. Quanto à hierarquia e à posteridade, ambas as normas em conflito estão previstas no mesmo diploma, o Regulamento das Custas Processuais. Todavia, o art. 530º, nº 6 do Código de Processo Civil, por ter sido aprovado por uma Lei da Assembleia da República datada de 26 de Junho de 2013 deva contribuir de forma decisiva, precisamente com base nestes critérios, para resolver o conflito entre as duas normas do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro. A existir alguma dúvida sobre qual a interpretação pretendida pelo legislador, perante a aparente contradição entre ambas as normas do RCP, deve considerar-se que o Código de Processo Civil prevalece, desde logo por ser posterior. Ao referir que «Nas ações propostas por sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções, a taxa de justiça é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais.», o legislador não faz qualquer distinção entre o tipo de acções, fases processuais ou de incidentes propostos. A distinção é feita em relação ao sujeito da norma. As “sociedades comerciais que tenham dado entrada em qualquer tribunal, no ano anterior, 200 ou mais ações, procedimentos ou execuções”, quando instauram uma acção, estão sujeitas à taxa de justiça que é fixada nos termos do Regulamento das Custas Processuais. O que logo nos fornece o bom caminho a seguir. Que é definitivamente apontado pelo critério da especialidade. Como refere Oliveira Ascensão4, ocorre uma relação de especialidade quando “as normas estão entre si em relação de género a espécie. Uma das normas caberia integralmente no conteúdo de outra”. É o que sucede, nomeadamente, quando as normas têm diferentes destinatários. Que é o caso dos autos. O art. 6º do RCP, como resulta da própria epigrafe, “Regras gerais”, aplica-se à generalidade dos casos. De acordo com o mesmo, se outra não estiver prevista, aplica-se a taxa de justiça prevista na tabela i-A. Aos recursos, aplica-se a tabela i-B. Mas em relação a alguns responsáveis passivos, como também logo indica a epígrafe do art. 13º, estabelecem-se normas especiais, nomeadamente a aplicação da a tabela i-C para qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução. A autora Meo é um desses sujeitos passivos. O art. 13º é norma especial face ao art. 6º e portando, prevalece sobre este. O art. 13º manda aplicar a tabela I-C a qualquer providência cautelar, acção, procedimento ou execução, não distinguindo tabela diferente para os recursos. Os recursos são sempre instâncias incidentais das acções, procedimentos ou execuções, não são instâncias autónomas que existam fora daquelas. Logo, apoditicamente, o art. 13º manda aplicar a tabela i-C à totalidade das acções, procedimentos ou execuções, incluindo aos seus recursos. Neste sentido, aliás, já se pronunciou, como bem apontou a recorrente, o acórdão desta Relação, datado de 20-06-2024, proferido no processo 26897/18.0T8LSB-B.L1-2, entre as mesmas partes. O que tudo leva à total procedência do recurso. As custas são da responsabilidade da recorrida autora, por ser a parte vencida no recurso – art. 527º do Código de Processo Civil. * IV - DISPOSITIVO Termos em que acordam os juízes nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação e consequentemente revogam a decisão recorrida, na parte em que indeferiu a reclamação à conta de custas apresentada pela ré/recorrente e, consequentemente, determinam a correção da conta de custas em conformidade com o que acima ficou exposto. Custas pela recorrida autora. Notifique. Lisboa, 6 de Novembro de 2025 Isabel Maria C. Teixeira Nuno Luís Lopes Ribeiro Carlos Miguel Santos Marques ____________________________________________________ 1. in “Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 94. 2. In “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, página 383. 3. Seguimos J. Batista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1990, pag. 170-171. 4. In “O Direito, Introdução e Teoria Geral. Uma perspetiva Luso-Brasileira”, 11.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 524. |