Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | TERESA SANDIÃES | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESOLUÇÃO ESTABELECIMENTO COMERCIAL NÃO USO DO LOCADO OBRAS DE ADAPTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: (elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do CPC) A não abertura ao público do estabelecimento, por período superior a um ano, não reveste suficiente gravidade para tornar inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, atentas as diligências empreendidas pela arrendatária com vista à adaptação das lojas locadas e respetivas obras, já iniciadas - obras de adaptação previstas e autorizadas pelo senhorio no próprio contrato de arrendamento, sem que para a sua realização se tenha estipulado um prazo -, a natureza do local arrendado, o fim previsto, de restauração, assumindo a não abertura caráter temporário, e não se demonstrando consequências lesivas para o senhorio. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa FF – Lda. instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra RR, Lda., pedindo a resolução do contrato de arrendamento, pelo não uso do locado há mais de um ano, e a condenação da Ré a despejar o locado correspondente às lojas com os números 256 e 258, do prédio urbano sito na Rua de X, n.ºs 86, 88, 90 e Rua Y, n.ºs 254, 256 e 258, da freguesia da …, concelho de …. Para o efeito invocou ser a proprietária das mencionadas frações, das quais a R. é arrendatária, tendo sido acordado que a finalidade do contrato era o desenvolvimento no locado de um estabelecimento de restauração. A Ré nunca usou o locado e certamente que já não o usa pelo menos desde novembro de 2022. O prolatar desta situação acarreta graves prejuízos económicos para Autora, desde logo, uma mais rápida degradação do mesmo, desvalorizando-o, e impossibilitando a A. de rentabilizar economicamente o espaço. A R. apresentou contestação, tendo invocado que o facto de não ter a loja aberta ao público não deve ser visto como “falta de uso”, tendo estado a diligenciar pela elaboração e aprovação de determinados projetos junto da CML, que sofreram atrasos por várias vicissitudes, concluindo pela improcedência da ação. Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão que julgou a ação improcedente e absolveu a R. do pedido. A A. interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: “A. A Recorrente requereu o decretamento da resolução do contrato de arrendamento que tem por objecto o locado dos autos, pelo não uso do mesmo há mais de um ano por parte da Recorrida, e, concomitantemente, a condenação desta a despejar o locado, tendo, porém, a acção sido julgada improcedente, por não provada. B. No entanto, e salvo melhor opinião, a Sentença ora recorrida padece de diversos erros de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, os quais importam que, a final, seja aquela revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a acção, condenando a Recorrida nos termos peticionados pela Recorrente. C. Relativamente à matéria de facto dada como provada, consideram-se incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23. D. De igual modo, consideram-se incorrectamente julgados os factos não provados constantes das alíneas b), c), d) e e). E. O facto 15, “O locado esteve ocupado e só foi “libertado” pelo anterior inquilino no final de 2020”, foi alegado pela Recorrida na sua contestação e, no entendimento do Tribunal a quo, resultou provado do depoimento do arquitecto JJ, o qual, porém, não é apto a fazer prova do mesmo. F. O contrato de arrendamento objecto dos autos previa que o mesmo entrasse em vigor com a entrega do locado por parte do anterior arrendatário, prevendo-se que essa entrega ocorresse a 2 de Janeiro de 2019. G. No entanto, o Tribunal a quo deu como provado que essa entrega apenas ocorreu no final de 2020 em virtude do depoimento da testemunha JJ, o qual demonstrou não ter conhecimento directo, nem concreto, de quando foi desocupado o locado pelo anterior inquilino, como resultou das suas declarações (Diligencia_9376-24.3T8LSB_2025-05-20_10-58-16 – 00:14:21 a 00:15:13). H. Ademais, essa data de entrega do locado, caso tivesse sido diferente da que ficou estipulada no contrato, poderia ter sido facilmente provada pela Recorrida, juntando, por exemplo, o primeiro recibo de renda, o que não fez. I. O teor do contrato de arrendamento junto aos autos pela Recorrente não foi impugnado pela Recorrida, que aceitou o mesmo. J. Existindo um documento particular no qual se estabelece que a entrega do locado iria ocorrer a 2 de Janeiro de 2019, a prova testemunhal que pretende demonstrar a existência de convenção contrária à data de entrega acordada entre as partes é inadmissível, nos termos do disposto no art. 394.º, n.º 1 do Código Civil. K. Em todo o caso, não tendo a testemunha qualquer conhecimento directo dos factos, tendo inclusivamente recorrido a apontamentos durante o seu depoimento (Diligencia_9376-24.3T8LSB_2025-05-20_10-58-16 – 01:00:43 a 01:01:01), nunca o facto poderia ter sido dado como provado com base apenas neste testemunho. L. Assim, o ponto 15 dos factos provados deverá ser dado como não provado, devendo, ao invés, ser dado como provado que “O locado esteve ocupado e só foi entregue à Ré a 2 de Janeiro de 2019”. M. Também os factos constantes dos pontos 16 a 23 dos factos provados foram, salvo melhor opinião, incorrectamente apreciados pelo Tribunal a quo, porquanto também estes foram dados como provados apenas com base nas declarações da testemunha JJ, em virtude de a Recorrida não ter juntado qualquer documento aos autos. N. Não foi junto aos autos qualquer projecto, qualquer contrato com o escritório de arquitectura do qual a testemunha é sócio, qualquer estudo sobre a necessidade de reforço estrutural do prédio para a ligação dos dois locados, nem tão pouco qualquer documentação da Câmara Municipal de … relativamente aos supostos processos de licenciamento. O. Ademais, a testemunha demonstrou desconhecimento e falta de conhecimento directo sobre algumas matérias que vieram a ser dadas como provadas com base apenas nas suas declarações (Diligencia_9376-24.3T8LSB_2025-05-20_10-58-16 – 00:15:55 a 00:21:10). P. A testemunha não teve intervenção na alegada análise quanto ao reforço estrutural do prédio e respectivo custo, nem tão pouco se recorda se os projectos alegadamente realizados foram da sua autoria ou de colegas seus. Q. A testemunha confundiu datas, demonstrando não ter bem presentes os factos e o seu enquadramento temporal, o que, no presente caso, assume particular relevância (Diligencia_9376-24.3T8LSB_2025-05-20_10-58-16 – 00:15:55 a 00:21:10, 00:27:51 a 00:28:00, 00:34:49 a 00:35:38). R. Assim, sem qualquer outra prova no sentido das declarações da testemunha, não podia o Tribunal a quo ter valorado estas da forma que o fez. S. Aliás, tendo em conta as regras da experiência comum, é de estranhar que não tenham sido apresentados os projectos sobre os quais a testemunha falou, bem assim como documentos relativos ao licenciamento camarário, os quais só poderiam ser provados mediante prova documental. T. Sendo que a livre apreciação da prova não abrange os factos que só podem ser provados por documento, como resulta do disposto no art. 607.º, n.º 5 do CPC. U. Assim, e salvo melhor opinião, os factos constantes dos pontos 16 a 23 dos factos provados deverão ser dados como não provados. V. De igual modo, verifica-se um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo quanto aos factos não provados b), c), d) e e), os quais deveriam (à excepção da parte final do facto e)) ter sido dados como provados por se tratar de factos notórios, de acordo com o disposto no art. 412.º, n.º 1 do CPC. W. Efectivamente, nos termos da referida norma, são factos notórios os que são de conhecimento geral, não necessitando, por isso, de ser alegados e provados. X. Ora, o desgaste e degradação mais rápidos de um imóvel, bem como a desvalorização do mesmo, em virtude da sua não utilização, são factos notórios, de conhecimento geral da população. Y. É de conhecimento geral que um imóvel fechado se degrada mais rapidamente do que um imóvel que seja utilizado em condições normais. Z. É igualmente de conhecimento geral que um imóvel não utilizado desvaloriza, quer a nível comercial, quer enquanto activo imobiliário, pois que, estando o mesmo encerrado e sem utilização, os potenciais interessados saberão, à partida, que o poderão adquirir ou arrendar por um valor inferior. AA. Aliás, é precisamente por estes factos serem notórios que o Código Civil prevê, no seu artigo 1083.º, n.º 2, a possibilidade de resolução do contrato de arrendamento quando se verifique o não uso do locado por mais de um ano. BB. Assim, e salvo melhor opinião, os factos não provados constantes das alíneas b), c), d) e e) (este último apenas parcialmente) deveriam ter sido dados como provados com a seguinte redacção: “- A “não utilização” do locado acarreta uma mais rápida degradação do mesmo; - O não uso do locado como estabelecimento comercial conduz a uma desvalorização do mesmo no mercado imobiliário e comercial; - Deixa de ser atrativo para futuros arrendamentos/investimentos; - Inviabiliza que o espaço possa ser rentabilizado da melhor forma”. CC. Tendo ficado demonstrado que a Recorrida recebeu o locado em 2 de Janeiro de 2019 e que, até hoje, o locado continua encerrado, ao invés de nele se encontrar um estabelecimento comercial de restauração aberto ao público, como previa o contrato de arrendamento, dúvidas não podem restar que a Recorrida não usa o locado há mais de um ano, em incumprimento da obrigação prevista no art. 1072.º, n.º 1 do Código Civil. DD. O que apenas ocorre por mera opção comercial da Recorrida. EE. Deixando assim o locado objecto dos autos encerrado, a degradar-se e a desvalorizar-se, impedindo a Recorrente de o arrendar a quem o utilize efectivamente, eventualmente com uma renda superior, e impedindo também a Recorrente, caso assim o entendesse, de explorar ela própria o locado em causa. FF. Não estamos, no presente caso, perante um não uso de escassa importância que não permita a resolução do contrato de arrendamento. GG. A Recorrida, pura e simplesmente, não usa o locado, não existindo qualquer justificação para o efeito, nem tendo produzido qualquer prova que ateste a impossibilidade desse uso. HH. Com os efeitos que são notórios quando à desvalorização e desgaste do imóvel e impossibilidade, por parte da Recorrente, de o explorar da forma que entender, estando presa” a um contrato de arrendamento que não está a ser cumprido pela Recorrida, II. Para além do interesse geral de fomentar o aproveitamento de todos os locais disponíveis, subjacente à obrigação de utilização do locado e possibilidade de resolução em caso de violação dessa obrigação, interesse esse que não está a ser acautelado no caso concreto. JJ. Motivo pelo qual deverá a decisão ora recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida nos precisos termos peticionados pela Recorrente. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se o decidido pelo Tribunal a quo, sendo a Sentença recorrida substituída por outra que julgue a presente acção totalmente procedente, por provada, com a consequente condenação dos Recorridos nos precisos termos peticionados pela Recorrente, sendo declarada a resolução do contrato de arrendamento em vigor entre as partes e a consequente obrigação da Recorrida a desocupar e entregar o locado à Recorrente.” A R. apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: “1. A Meritíssima Senhora Juíza a quo decidiu os factos e o direito de forma assaz louvável e que não merece sombra de reparo. 2. Fez verdadeiramente justiça, ponderando muitíssimo bem a prova e o direito. 3. Quanto à decisão da matéria de facto, em virtude, como muito bem foi valorado nas páginas 2 a 7 da sentença, do depoimento Arquiteto JJ, sobretudo nos segmentos seguidamente identificados e transcritos supra 19: 3.1. Para os factos julgados provados: 3.1.1. Facto n.º 15 - segmentos supra citados nas páginas 9 a 11 da presente resposta; 3.1.2. Factos n.ºs 16 a 23 - segmentos supra citados nas páginas 11 a 19 da presente resposta; 3.2. E para aos factos julgados não provados a) a e), porque carecem de prova no caso concreto e deles não foi feita rigorosamente nenhuma. 4. E quanto à decisão da matéria de direito, porque: 4.1. De acordo com a jurisprudência e a doutrina supra citadas, sobre a regra do 1083 n.º 2 alínea d) do CC: 4.1.1. O uso do locado inclui os trabalhos necessários à sua utilização contratualmente prevista; 4.1.2. E a falta desse uso só fundamenta o despejo quando grave o suficiente, nos termos do corpo do n.º 2 do artigo 1083 do CC; 4.2. O que não foi o caso, em virtude: 4.2.1. De todas as diligências da Recorrida julgadas provadas; 4.2.2. E em contraponto, da total falta de prova dos danos alegados pela Recorrente precisamente para caracterizar a gravidade da falta de uso alegada. Nestes termos: Merecem, o recurso ser julgado improcedente e a douta sentença ser mantida na íntegra”. A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto: 1. A Autora é uma sociedade comercial que tem como objeto “Alojamento mobilado para turistas; compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento de bens imobiliários; administração de condomínios; outros locais de alojamento de curta duração. Comércio a retalho de vestuário para adultos, bebés e crianças. Agência de publicidade de serviços completos, consultoria de gestão de marketing e de logística, prestação de serviços”. 2. A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de restauração e bebidas, compra e venda de imóveis, compra de imóveis para revenda e gestão de imóveis próprios ou alheios, arrendamento, gestão e exploração de empreendimentos imobiliários, espaços comerciais e escritórios, prestação de serviços de hotelaria e de alojamento local, prestação de serviços administrativos e de gestão, entre outros. 3. Encontra-se registada, por apresentação datada de 16/06/2023, a aquisição a favor da Autora, por compra, do prédio urbano sito na Rua X, nºs 86, 88, 90 e Rua Y, nºs 254, 256 e 258, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número 83 da freguesia da …, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o artigo 60. 4. Entre o anterior proprietário e a Sociedade CR, NIPC …, foram celebrados dois contratos de arrendamento, datados de 28 de abril de 2017 e de 30 de novembro de 2018, tendo o primeiro por objeto as divisões suscetíveis de utilização independente correspondentes aos 1º direito e 1º esquerdo, ou lojas 90 e 92, e o segundo as divisões suscetíveis de utilização independente correspondentes às lojas com os números 256 e 258, que ficam no Rés do chão do prédio. 5. A sociedade CR, NIPC …, foi fundida, através de uma operação de fusão de sociedades, na RR Lda, NIPC …, ora Ré. 6. A fusão das Sociedades foi comunicada à Autora em outubro de 2023. 7. No dia 22 de junho de 2023, a Autora enviou duas cartas para a Ré (uma para o locado e outra para a sede) comunicando a transmissão da propriedade, sendo a nova senhoria, e indicando o IBAN para onde deveriam passar a ser transferidas as rendas. 8. O Contrato de Arrendamento referente às lojas com os números 256 e 258 foi celebrado pelo prazo de “10 (dez) anos, com início na data de entrega do Locado à Senhoria, a qual se prevê ocorra no dia 2 de janeiro de 2019 (…), renovando-se por períodos iguais e sucessivos de 5 (cinco) anos, se o Senhorio ou a Arrendatária não se opuserem à sua renovação ou se não o denunciarem (…)”. 9. Os locados destinavam-se à atividade de restauração. 10. Foi acordada a renda mensal de € 3.500,00, que se mantém inalterada até ao dia de hoje. 11. A Ré manteve as portas das lojas com os números 256 e 258 permanentemente fechadas, não exercendo nas mesmas qualquer atividade comercial. 12. A Autora enviou à Ré uma carta, datada de 25/09/2023, solicitando a realização de uma vistoria no dia 10 de outubro de 2023, pelas 10.00 horas. 13. No dia e hora da vistoria, a Ré fez-se representar mas o seu representante disse não ter a chave das lojas com os números 256 e 258, não tendo a Autora entrado nas mesmas mas tão só nas divisões suscetíveis de utilização independente objeto do contrato celebrado a 28 de Abril de 2017. 14. A Ré tem vários restaurantes abertos em Portugal. 15. O locado esteve ocupado e só foi “libertado” pelo anterior inquilino no final de 2020. 16. A Ré, tendo já arrendado a loja nº 254, contígua às lojas nºs 256 e 258, começou por projetar uma “loja única”, destinada à comercialização e produção de pastelaria, concretamente de pasteis de nata, com produção em montra virada para a rua. 17. Contratou com um gabinete de arquitetura a elaboração de projetos para o efeito. 18. No início de 2021, tinham em mente a possibilidade de ligar as “frações” (254 e 256-258). 19. A ligação das “frações” implicava o reforço estrutural do prédio. 20. No final do ano de 2021, concluiu-se que o custo desse reforço era um investimento demasiado elevado em comparação com a rentabilidade esperada para a loja projetada. 21. Pelo que a Ré a abandonou esse projeto e passou, então, à elaboração de um destinado só ao espaço em causa. 22. Este começou a ser desenvolvido durante o ano de 2022 e foi apresentado à CM em novembro de 2023. 23. Em maio de 2024 foi aprovado o projeto de arquitetura, tendo os projetos de especialidade sido aprovados no final do ano e as obras começado em fevereiro de 2025.” A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto: “a) com a vistoria a Autora tinha o objetivo de apurar se o locado tinha sinais de uso; b) a “não utilização” do locado acarreta uma mais rápida degradação do mesmo; c) o não uso do locado como estabelecimento comercial conduz a uma desvalorização do mesmo no mercado imobiliário e comercial; d) deixa de ser atrativo para futuros arrendamentos/investimentos; e) inviabiliza que a Autora possa rentabilizar o espaço da melhor forma e pelo preço que seria “mais justo”; f) o preço da renda tem-se mantido “muito inferior” àquele que a Autora poderia estar a auferir neste momento; g) o primeiro projeto foi elaborado em novembro de 2020 e o segundo em dezembro desse ano; h) em 26 de julho de 2021, a Ré enviou um e-mail à Câmara Municipal de …, tendo em conta a necessidade de apresentar um Relatório de Avaliação da Vulnerabilidade Sísmica de Edifício; i) a Ré, apesar de não ter a chave naquele momento, ofereceu-se para marcar um outro dia em que a Autora poderia voltar e proceder a uma nova vistoria, caso assim entendesse; j) contudo, a Autora não se mostrou interessada. “ Revestindo interesse para a decisão, aditam-se os seguintes factos, consubstanciados no teor do contrato identificado no facto provado 8, conforme documento nº 5 anexo à p.i., não impugnado: A) Do contrato de arrendamento referido no facto provado 8 consta: “(…) 2.1. O presente arrendamento vigorará por prazo certo, pelo período de 10 (dez) anos, com início na data de entrega do Locado à Senhoria, a qual se prevê ocorra no dia 2 de janeiro de 2019, sem prejuízo da possibilidade de tal data ser prorrogada no caso de o atual arrendatário do Locado não entregar o mesmo à Senhoria, como previsto, renovando-se por períodos iguais e sucessivos de 5 (cinco) anos, se o Senhorio ou a Arrendatária não se opuserem à sua renovação ou se não o denunciarem, nos termos previstos nos números seguintes. (…) 5. Obras 5.1. Todas as obras ou benfeitorias que a Arrendatária pretenda realizar nos Locados estão dependentes de autorização escrita do Senhorio e ficam a fazer parte integrante dos mesmos, sem que por elas possa pedir-se qualquer indemnização no final da ocupação ou usar do direito de retenção. 5.2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, o Senhorio autoriza, desde já e pelo presente, as obras de adaptação dos Locados ao fim a que se destinam, de acordo com os princípios técnicos internacionalmente reconhecidos e com sujeição a uma competente e profissional direção técnica, desde que as mesmas não alterem ou interfiram com elementos estruturais dos Locados e sejam obtidas as necessárias autorizações camarárias, administrativas ou outras que se mostrem necessárias para o efeito. § O Senhorio concederá também à Arrendatária, se e quando necessário, e desde que em cumprimento da legislação aplicável, o acesso às partes comuns do Imóvel para garantir a correta realização das obras de adaptação nos Locados ao fim a que se destinam. 5.3. São da exclusiva responsabilidade da Arrendatária os custos referentes às obras indicadas nos números anteriores da presente Cláusula, assim como a obtenção e pagamento das autorizações, licenças, e demais despesas necessárias para a realização das obras que a Arrendatária pretenda vir a efetuar nos Locados e partes comuns do Imóvel, cumprindo ao Senhorio a atribuição de poderes à Arrendatária para a obtenção de tais autorizações.” Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC). São as seguintes as questões a decidir: 1. Da impugnação da decisão de facto 2. Da resolução do contrato de arrendamento em virtude do não uso do locado 1. Da impugnação da decisão de facto A apelante impugnou os factos provados 15 a 23 e os factos não provados das alíneas b), c), d) e e). Defende que o facto provado 15 deve considerar-se não provado por ter sido fundamentado apenas no depoimento da testemunha JJ, que não tem conhecimento direto do mesmo, e por o contrato de arrendamento estipular que o mesmo entraria em vigor com a entrega do locado por parte do anterior arrendatário, prevendo-se que essa entrega ocorresse a 2 de janeiro de 2019. Acrescenta que a prova testemunhal para demonstrar a existência de convenção contrária à data de entrega acordada entre as partes é inadmissível, nos termos do disposto no art. 394.º, n.º 1 do Código Civil. Mais entende que deve ser considerado provado que o locado esteve ocupado e só foi entregue à Ré a 2 de janeiro de 2019, como previsto no contrato e que não foi afastado pela R. Recorda-se o teor da cláusula do contrato de arrendamento invocada: “2.1. O presente arrendamento vigorará por prazo certo, pelo período de 10 (dez) anos, com início na data de entrega do Locado à Senhoria, a qual se prevê ocorra no dia 2 de janeiro de 2019, sem prejuízo da possibilidade de tal data ser prorrogada no caso de o atual arrendatário do Locado não entregar o mesmo à Senhoria, como previsto, renovando-se por períodos iguais e sucessivos de 5 (cinco) anos, se o Senhorio ou a Arrendatária não se opuserem à sua renovação ou se não o denunciarem, nos termos previstos nos números seguintes.” (sublinhado nosso) As partes fizeram depender o início de vigência do contrato da entrega do locado pelo arrendatário anterior ao então senhorio, estando previsto que tal ocorreria em 02/01/2019. Mais estipularam que se tal não sucedesse poderia ser prorrogada essa data. A transcrita cláusula não permite presumir a data do seu início, sendo a indicada mera previsão da entrega do locado pelo então arrendatário. Na petição inicial a A. não concretizou em que data se iniciou o contrato (ou em que foi entregue o locado pelo anterior arrendatário), referindo que o contrato vigora há mais de 5 anos (artº 37º). A R., por seu turno, alegou na contestação (cfr. arts. 37 e 38) que o locado só foi entregue à Ré em dezembro de 2020, porque, até então, esteve ocupado pelo seu anterior arrendatário. A data em que ocorreu a entrega do locado pelo anterior arrendatário ao senhorio não constitui convenção contrária ou adicional ao contrato de arrendamento, pois neste não se fixou uma data concreta de início do contrato, antes se fez depender da verificação de condição – entrega pelo anterior arrendatário - não recaindo na previsão da norma do art. 394º, nº 1 do CC, pelo que não está vedada a prova testemunhal sobre tal facto. JJ, arquiteto que integra atelier contratado pela R. para elaboração de diversos projetos, designadamente o das lojas objeto do contrato de arrendamento sub judice, explicou o acompanhamento e intervenção de todo o processo de elaboração de projetos e licenciamento na CM, das lojas 254 e 256 a 258. Referiu em detalhe que, aquando do arrendamento da loja 254 (que não é objeto do contrato dos autos) já se prevendo o arrendamento futuro das lojas 256 e 258, contíguas, que se encontravam ocupadas por arrendatário, e sendo a ideia inicial de unir as referidas lojas, de forma faseada, foi feito, em 2018-2019, um projeto para mais tarde ser ampliado. Esclareceu que na ocasião não tinha informação rigorosa do levantamento das lojas 256 e 258, apenas teve acesso a umas fotografias e um desenho simples, que o inquilino acabou por libertar as lojas arrendadas muito depois da data estimada para o efeito, que situou no final do ano de 2020, tendo elaborado o levantamento de arquitetura em fevereiro de 2021. Esclareceu que quando as lojas foram desocupadas aperceberam-se que estavam muito diferentes do que constava do licenciamento na CM. A A. nenhuma prova produziu quanto à data do início de vigência do contrato. O depoimento da testemunha JJ foi claro, consistente e credível pelo que se mantém o facto 15. A apelante impugnou os factos provados nºs 16 a 23, entendendo que os mesmos devem ser considerados não provados, por a sentença se ter fundado apenas no depoimento da testemunha JJ, que não tem real conhecimento das questões relativas ao reforço estrutural do prédio, análise da sua viabilidade e custos, que terão sido estudadas por engenheiros de estabilidade, através de um gabinete de engenharia. Aduz que o licenciamento e as diligências que a R. alega que foram sendo adotadas desde que tomou posse do locado, só seriam suscetíveis de ser provados mediante documentos, que não foram juntos aos autos. A sentença fundou os referidos factos provados no depoimento da testemunha JJ. Como já mencionado a testemunha JJ explicou as diligências e vicissitudes relacionadas com o que a R. pretendia realizar nas lojas locadas, a instalar pastelaria de pastéis de nata, com confeção e venda no local, designadamente com base na ideia inicial de junção das lojas, ideia que foi abandonada depois de feito estudo prévio de arquitetura e de ter sido entregue a um gabinete de engenheiros a questão da alteração estrutural de uma parede. Mais explicou que os engenheiros concluíram que era necessário reforçar estruturalmente todo o edifício, o que se revelou desproporcional dos pontos de vista da obra e financeiro, a implicar um custo de centenas de milhares de euros, quando apenas se pretendia unir lojas mediante demolição de uma parede, e atenta a pequena dimensão destas. Perante isto a R. entendeu que não era viável (no final de 2021). Ainda ponderou a colocação de um passa pratos a meio de uma parede, foram feitos estudos prévios (em 2022), até que a R. alterou o conceito e decidiu instalar uma gelataria, projeto de arquitetura que lhe foi adjudicado em 2022, apresentado na CM em 2023 e aprovado em maio de 2024, entregues os projetos de especialidades em dezembro de 2024 e em 2025 emitido o alvará de obra. A apelante questiona o conhecimento e a credibilidade da testemunha, nomeadamente afirmando ser difícil compreender como é possível um projeto ser aprovado pela Câmara Municipal antes de a entidade que apresenta esse projeto para aprovação ter o real conhecimento das características do locado. Esta questão prende-se com o projeto feito em 2018 que previa uma escada interior. Mas tal projeto não diz respeito às lojas objeto do contrato de arrendamento dos autos, como explicado pela testemunha logo no início do seu depoimento. A testemunha aludiu ao “Eurocódigo antissísmico”. A apelante na tentativa de descredibilizar o depoimento afirmou que a legislação em causa - que identificou, com dúvidas - entrou em vigor em data anterior, não beneficiou de período transitório mencionado pela testemunha, etc. Estes aspetos não assumem a relevância que a apelante lhes pretende atribuir. Dúvidas não subsistiram de que, perante o projeto de arquitetura que contemplava a ligação das lojas, os engenheiros de estabilidade alertaram para a necessidade de ser reforçada toda a estrutura do edifício. Não está em causa a avaliação da conduta dos engenheiros. Se faltou rigor na indicação da data da entrada em vigor da legislação mencionada pela testemunha, nenhum efeito tal acarreta para a sua credibilidade, sendo admissível eventual lapso deste teor. A testemunha revelou conhecimento direto dos factos, quer os relacionados com os estudos, projetos a nível de arquitetura, elaborados pelo seu gabinete, quer com as alterações estruturais, desde logo por estar em contato com o gabinete de engenheiros de estabilidade, não se vislumbrando qualquer indício de falta de credibilidade, pelo que os factos 16 a 21 devem manter-se inalterados. A apresentação/entrega de projetos nas câmaras municipais, as autorizações camarárias, aprovações de projetos, licenças e alvarás são factos suscetíveis apenas de serem provados documentalmente (artº 369º do CC). Dado que a R. não juntou os respetivos documentos, impõe-se eliminar dos factos 22 e 23 esses elementos, os quais passam a ter a seguinte redação: “22. Este começou a ser desenvolvido durante o ano de 2022. 23. Após o projeto de arquitetura foram elaborados os projetos de especialidade; as obras começaram em fevereiro de 2025”. Correspondentemente aditam-se aos factos não provados os seguintes: “k) O projeto referido em 22 foi apresentado à CM em novembro de 2023. l) Em maio de 2024 foi aprovado o projeto de arquitetura, tendo os projetos de especialidade sido aprovados no final do ano.” A apelante impugna os factos não provados das als. b), c), d) e e), pugnando para que sejam considerados provados, por constituírem factos notórios, com a seguinte redação: “- A “não utilização” do locado acarreta uma mais rápida degradação do mesmo; - O não uso do locado como estabelecimento comercial conduz a uma desvalorização do mesmo no mercado imobiliário e comercial; - Deixa de ser atrativo para futuros arrendamentos/investimentos; - Inviabiliza que o espaço possa ser rentabilizado da melhor forma”. Nos termos do disposto no artº 412º, nº 1 do CPC “não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.” São "factos notórios apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação" (Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, vol. III, p. p. 261) “Como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 209, seguindo de perto a lição de Castro Mendes, “(S)ão notórios os factos do conhecimento geral, isto é, conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência (…) No domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa. Embora o âmbito da notoriedade apareça hoje consideravelmente alargado mercê dos meios modernos de comunicação de massas, tal não significa que deva ser considerado notório todo o facto divulgado pela imprensa, rádio ou televisão, pois se pode mesmo assim duvidar da sua ocorrência. Sendo, por definição, indiscutível a sua verificação, o facto notório não carece de prova nem é suscetível de prova contrária, sem prejuízo de poder impugnar-se a sua notoriedade.” (Ac. RL de 11-07-2019, proc. nº 14285/18.2T8LSB.L1-2, in www.dgsi.pt). O teor das alíneas b), c), d) e e) tem natureza manifestamente conclusiva. A referida matéria não se pode considerar ser do conhecimento geral, na citada aceção, dependendo do caso concreto. As referidas conclusões não constituem factos notórios, carecendo, pois, de alegação concretizada e de prova – o que não sucedeu, pelo que improcede, nesta parte, a impugnação. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, com a alteração da redação dos factos provados nºs 22 e 23 e correspondente aditamento ao elenco dos não provados das als. k) e l), como sobredito. Mais se determina a eliminação das als. b), c) d) e e) por o seu conteúdo ser manifestamente conclusivo. 2. Da resolução do contrato de arrendamento em virtude do não uso do locado A apelante pugna pela resolução do contrato de arrendamento com fundamento no disposto os artºs 1072 e a alínea d) do nº 2 do artº 1083º do CC. Dispõe o artº 1072º do CC: “1 - O arrendatário deve usar efetivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano. 2 - O não uso pelo arrendatário é lícito: a) Em caso de força maior ou de doença; b) Se a ausência, não perdurando há mais de dois anos, for devida ao cumprimento de deveres militares ou profissionais do próprio, do cônjuge ou de quem viva com o arrendatário em união de facto; c) Se a utilização for mantida por quem, tendo direito a usar o locado, o fizesse há mais de um ano. d) Se a ausência se dever à prestação de apoios continuados a pessoas com deficiência com grau de incapacidade superior a 60 /prct., incluindo a familiares.” Estabelece o artº 1083º do CC: “1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte. 2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio: a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio; b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública; c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio; d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 1072.º; e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio. 3 - É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 a 5 do artigo seguinte. 4 - É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte. 5 - É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato. 6 - No caso previsto no n.º 4, o senhorio apenas pode resolver o contrato se tiver informado o arrendatário, por carta registada com aviso de receção, após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que é sua intenção pôr fim ao arrendamento naqueles termos.” Este preceito contém uma cláusula geral, enunciada no nº 2, de que são exemplos os incumprimentos descritos nas suas diversas alíneas. Assim, para que o incumprimento do contrato por parte do arrendatário funde a sua resolução, é necessário que o mesmo, em si ou pelas suas consequências, assuma uma gravidade tal que torne inexigível ao senhorio a sua manutenção. Impõe-se, assim, ao senhorio a alegação e prova do incumprimento culposo, bem como circunstanciadamente dos factos que permitam concluir pela inexigibilidade da manutenção do contrato, a aferir mediante juízo objetivo, proporcional e razoável. Esta técnica legislativa dos exemplos-padrão significa, pois, que para o decretamento da resolução do contrato, não basta o preenchimento objetivo, automático de um dos exemplos (padrão), exigindo-se que se verifiquem os requisitos da cláusula geral, a qual se aplica, igualmente, a situações não previstas nas diversas alíneas. Albertina Pedroso, “A Resolução do Contrato de Arrendamento no Novo e Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano”, revista “Julgar”, n.º 19, Janeiro de 2013, págs. 45-47, defende que “este é o entendimento que preconizamos porque efetivamente não consideramos que tendo o legislador optado por esta enunciação exemplificativa na sequência da exigência de um incumprimento grave, por si ou pelas suas consequências, e que por tal motivo torne inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento, a simples alegação e prova de qualquer uma das situações enunciadas possa configurar o imediato preenchimento das aludidas cláusulas gerais. Basta pensar que, se assim fosse, que razão teria o legislador para não avançar para a possibilidade de resolução extrajudicial nestes casos? Tal opção do legislador, que impõe quanto aos fundamentos enquadrados neste n.º 2 do artigo 1083.º o recurso à ação judicial, só pode ter como justificação válida precisamente a indispensabilidade do preenchimento do conceito geral de justa causa, fazendo impender sobre o senhorio, autor na ação de despejo, o ónus da alegação e da prova (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC) da factualidade subsumível, não apenas nas diferentes alíneas do n.º 2, mas também, na cláusula geral constante da 1.ª parte do n.º 2. Na verdade, a simples alegação e prova de factos subsumíveis em qualquer uma das situações enunciadas, pode não bastar para o imediato e indispensável preenchimento da cláusula geral do n.º 1 do preceito, até porque as causas resolutivas previstas nas diversas alíneas configuram níveis de gravidade de grau muito diferente entre si, sendo que algumas das situações “eleitas” pelo legislador têm, quando objetivamente consideradas, um grau de gravidade menor do que outros fundamentos não elencados, por exemplo, as obras não autorizadas.” Na mesma esteira, Maria Olinda Garcia, “Arrendamento Urbano Anotado”, pág. 32, referindo-se às alterações das alíneas do nº 2 do artº 1083º, introduzidas pela Lei nº 31/2012, afirma que “o propósito legislativo não foi o de tornar mais fácil ou mais difícil a resolução do contrato nessas hipóteses, pois em todas elas o relevo resolutivo do incumprimento previsto terá de continuar a ser aferido pelo preenchimento da cláusula geral constante do nº 2 do artº 1083º.” Esta corrente é maioritária na jurisprudência, de que é exemplo, o Ac. STJ de 09/12/20201, proc. nº 3069/19.0T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt: III. Mesmo nas hipóteses previstas nas alíneas a) a e), do nº 2, do artigo 1083º, do Código Civil, a resolução do contrato de arrendamento não opera automaticamente, verificada que esteja a factualidade objetiva integradora de cada uma daquelas situações, sendo necessário averiguar, caso a caso, se a gravidade e as consequências derivadas dessas violações contratuais se revestem de suficiente gravidade para tornarem inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento. IV. O conceito de “inexigibilidade da manutenção do contrato de arrendamento”, há-se ser determinado com base num juízo objetivo e concreto de ponderação e proporcionalidade entre a intensidade concreta e o grau de censurabilidade da violação contratual cometida e a gravidade objetiva do efeito que lhe corresponde. V. Assim, para saber se certo comportamento ilícito e culposo do inquilino deve configurar-se como idóneo para produzir, segundo um juízo objectivo e casuístico de razoabilidade e proporcionalidade, a irremediável destruição da própria relação contratual, terá o intérprete e aplicador da lei, para alcançar a justiça do caso concreto, que formular um juízo de balanceamento ou ponderação, tendo em conta, por um lado, as concretas circunstâncias envolventes, quer do contrato e do fim que lhe subjaz, quer do incumprimento das obrigações do locatário e, por outro lado, a pretensão resolutiva do senhorio à luz dos princípios ou cláusulas gerais do abuso de direito e da boa fé contratual.” A prova dos factos constitutivos dos fundamentos invocados para a resolução do contrato competia à A. (artº 342º, nº 1 do CC). Vejamos se a A./apelante logrou fazer prova dos mesmos. Entre o anterior proprietário e a sociedade CR, Lda. (que posteriormente se fundiu na sociedade RR, Lda.), foi celebrado, em 30/11/2018, contrato de arrendamento das divisões correspondentes às lojas nºs 256 e 258 do prédio urbano sito na Rua Y. Os contraentes fizeram depender o início da vigência do contrato da entrega do locado ao senhorio pelo então arrendatário, o que veio a ocorrer no final do ano de 2020. O contrato foi celebrado pelo prazo de 10 (dez) anos, renovando-se por períodos iguais e sucessivos de 5 (cinco) anos, se o senhorio ou a arrendatária não se opuserem à sua renovação ou se não o denunciarem, mediante a renda mensal de € 3.500,00. As lojas objeto do arrendamento destinam-se à atividade de restauração. A Ré manteve as portas das lojas com os números 256 e 258 permanentemente fechadas, não exercendo nas mesmas qualquer atividade comercial, o que sucedia há mais de um ano, à data da instauração da ação (09/04/2024). Demonstrou-se, contudo, que: - a R., tendo já arrendado a loja nº 254, contígua às lojas nºs 256 e 258, começou por projetar uma “loja única”, destinada à comercialização e produção de pastelaria, concretamente de pasteis de nata, com produção em montra virada para a rua; - contratou com um gabinete de arquitetura a elaboração de projetos para o efeito; - no início de 2021, tinham em mente a possibilidade de ligar as “frações” (254 e 256-258); - a ligação das “frações” implicava o reforço estrutural do prédio ; - no final do ano de 2021, concluiu-se que o custo desse reforço era um investimento demasiado elevado em comparação com a rentabilidade esperada para a loja projetada; - pelo que a Ré abandonou esse projeto e passou, então, à elaboração de um destinado só ao espaço em causa; - este começou a ser desenvolvido durante o ano de 2022; - após o projeto de arquitetura foram elaborados os projetos de especialidade; as obras começaram em fevereiro de 2025. Tal como referido pela apelada, a entrega do locado/início de vigência do contrato ocorreu em plena pandemia de Covid 19. Em Portugal o estado de emergência foi decretado, por períodos de 15 dias, em 18 de março de 2020, 2 de abril de 2020, renovado em 16 de abril, e 20 de novembro de 2020, tendo vigorado também o estado de calamidade e estado de alerta, tendo este cessado em 30/09/2023, no âmbito dos quais foram implementadas diversas medidas restritivas, algumas de proibição de atividades, o que certamente provocou atrasos em todo o processo de licenciamento das obras a realizar, já demorado em condições normais. O comportamento da arrendatária não revela abandono ou afastamento do locado (não transferiu a sua atividade para outro local), antes encetou diversas diligências, procurando soluções para a finalidade pretendida. As referidas vicissitudes são reveladoras da manutenção do seu interesse no arrendamento, bem como da vontade e intuito de abrir o estabelecimento ao público. A factualidade provada sob os nºs 16 a 23, ora transcrita, justifica a não abertura do estabelecimento ao público, ainda que tenha decorrido num período relativamente longo. Decorre das clausulas 5.2 e 5.3 do contrato de arrendamento, que estavam previstas obras de adaptação dos locados ao fim a que se destinam, que foram expressamente autorizadas pelo senhorio. O teor de tais cláusulas indicia manifestamente que se tratava de obras de vulto, estando expressamente previsto que podiam abranger partes comuns, dado que ficou contemplado que deviam ser feitas de acordo com os princípios técnicos internacionalmente reconhecidos e com sujeição a uma competente e profissional direção técnica, desde que as mesmas não alterem ou interfiram com elementos estruturais dos Locados e sejam obtidas as necessárias autorizações camarárias, administrativas ou outras que se mostrem necessárias para o efeito, concedendo o senhorio o acesso às partes comuns do imóvel para garantir a correta realização das obras de adaptação nos Locados ao fim a que se destinam. Mais estipularam ser da exclusiva responsabilidade da arrendatária os custos referentes às obras indicadas, assim como a obtenção e pagamento das autorizações, licenças, e demais despesas necessárias para a realização das obras que a Arrendatária pretenda vir a efetuar nos Locados e partes comuns do Imóvel.” (destaques nossos). Januário Gomes, Arrendamentos Comerciais, Livraria Almedina, p. 244, cita os seguintes acórdãos proferidos ao abrigo de anterior legislação, mas que mantêm atualidade: “Ac. do STJ de 06/02/1976 (BMJ, 254, 196): II – Não se verifica o fundamento de resolução do contrato de arrendamento previsto na al. h) do nº 1 do artº 1093º do Cód. Civil, quando durante o período aí previsto, não se exerça qualquer atividade comercial no local arrendado para esse fim, em virtude de nele se proceder a obras, que o senhorio autorizou, indispensáveis à sua adaptação a loja de comércio.” Ac. RL de 11/05/1977 (BMJ nº 269, pág. 198): “O arrendamento de prédio urbano à Caixa Geral de Depósitos para instalação dos respetivos serviços, com autorização de feitura de obras, ainda que envolvendo a estrutura do prédio, não pode resolver-se por encerramento há mais de um ano, se este se deveu a necessidade de realização prévia das referidas obras embora demoradas, se não foi fixado por acordo ou judicialmente um prazo razoável para a conclusão das mesmas obras.” Como defendido pela apelada o conceito de “uso” do locado deve ser interpretado de forma ampla, abrangendo não apenas a abertura ao público, mas também todas as diligências preparatórias, projetos, obras e procedimentos de licenciamento necessários à instalação do estabelecimento comercial. Considerando as diligências empreendidas pela arrendatária com vista à adaptação das lojas locadas e respetivas obras, iniciadas no corrente ano, obras de adaptação previstas e autorizadas pelo senhorio no próprio contrato de arrendamento, sem que para a sua realização se tenha estipulado um prazo, a natureza do local arrendado, o fim previsto, de restauração, a não abertura ao público por período superior a um ano, assumindo caráter temporário, mostra-se justificada, não se verificando a gravidade a que alude o nº 2 do art. 1083º do CC. Acresce que não se apuraram quaisquer consequências lesivas para o senhorio, pelo que se impõe concluir que a não abertura ao público do estabelecimento não reveste suficiente gravidade para tornar inexigível à A./apelante a manutenção do arrendamento. Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo da apelante. Lisboa, 6 de novembro de 2025 Teresa Sandiães Rui Oliveira Ana Paula Nunes Duarte Olivença |