Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11437/21.1T8LSB-X.L2-1
Relator: SUSANA SANTOS SILVA
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (cf. nº 7, do art.º 663º, do CPC):
I – A forma especial de ação de impugnação de ilicitude do despedimento prevista no art.º 98.º-C, n.º 1 apenas pode ser utilizada quando: i) haja uma comunicação por escrito da entidade patronal ao trabalhador; ii) que essa comunicação se reporte a uma decisão de despedimento individual; e iii) que esse despedimento individual tenha por fundamento facto imputável ao trabalhador, extinção do posto de trabalho ou inadaptação.
II - Sendo o despedimento uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro, para que tal declaração possa permitir o recurso à ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista no art.º 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, tem a mesma de revestir a forma escrita.
III – Se na comunicação escrita do empregador ao trabalhador for invocada outra modalidade de cessação do contrato de trabalho, como sucederá se for mencionada uma causa de caducidade do contrato de trabalho, como, por exemplo, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, nos termos do art.º 343.º, al. b) do CT, o meio processual adequado para a impugnação desse despedimento é a ação de processo comum.
IV - Na ausência da declaração escrita da entidade empregadora dirigida ao apelante mediante a qual lhe comunica a declaração de vontade unilateral e inequívoca de despedir o trabalhador, o despedimento efetuado pela entidade patronal a este trabalhador não cumpre os requisitos exigidos no art. 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, pelo que deve a secretaria recusar o recebimento do formulário de harmonia com o disposto no art.º 98-E do CPT. Ultrapassada essa fase, apesar de ser manifesto que o requerimento não deveria ter sido recebido, se o foi, já o juiz não o pode rejeitar, uma vez que, a lei não prevê a possibilidade de o juiz “corrigir” a omissão da secretaria, podendo conhecer da questão do erro na forma de processo, optando pelo indeferimento liminar, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 98º-F do CPT e 590º, n.º1 do CPC.
V - No caso dos autos, referindo o documento junto pelo autor como motivo da cessação do contrato a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, dele resulta, no mínimo, a legítima suspeita que terá sido essa a modalidade de cessação, fundamento excluído da previsão da ação para impugnação da ilicitude do despedimento do artigo 98º-C.
VI - Há erro na forma do processo, quando nenhum ato pode ser aproveitado, o que implica a nulidade de todo o processado, consubstanciando uma exceção dilatória insuprível, levando ao consequente indeferimento liminar do referido formulário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Por apenso ao processo de insolvência em que foi declarada a insolvência de SPDH, Serviços Portugueses de Handling, S.A., veio “A” instaurar a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra Massa Insolvente de Ground Force-SPDH, Serviços Portugueses de Handling, S.A. manifestando, por via da apresentação do requerimento a que alude o artigo 98.º - C do Código de Processo do Trabalho, a sua oposição ao despedimento tendo na parte referente a “Junta: Decisão de despedimento” feito constar comunicação ao IGFSS pela Entidade patronal da qual consta o seguinte: «informamos que o vinculo do trabalhador (…) com a entidade empregadora (…) com data de 2022-09-25, foi cessado em 2024-04-09 pelo motivo: Caducidade do contrato por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva do trabalhador ou do empregador».
Termina pedindo que o formulário a que alude o artigo 98º C do CPT seja aceite e o processo de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento siga os ulteriores trâmites.
2. Por despacho de 8/07/2024 (Ref. Citius n.º…) ordenou-se a notificação do autor para, no prazo de 10 dias, se pronunciar quanto à eventual incompetência material dos Juízos de Comércio para apreciar o pedido formulado.
3. O autor pronunciou-se conforme requerimento sob a Ref. n.º … pugnando pela competência material do Tribunal do Comércio para conhecer da presente ação.
4. Por requerimento de 19/10/2024 (Ref. n.º…) juntou o autor certidão judicial do Acórdão desta Relação de 21 de fevereiro de 2023 e sob a ref. n.º … da sentença proferida no processo comum coletivo n.º (…).
5. Por decisão de 16/01/2025 foi declarado o Juízo do Comércio de Lisboa materialmente incompetente para conhecer da ação e em consequência, foi a Ré absolvida da instância.
6. Inconformado com essa decisão, veio o autor A, interpor recurso, pugnando pela competência dos Juizos do Comércio para o julgamento da presente ação.
7. Por acórdão desta secção de 25/03/2025 (ref. n.º…), transitado em julgado, julgando-se a apelação procedente por se ter considerado ser da competência dos juízos do comércio o julgamento da presente ação, decidiu-se revogar a decisão proferida que julgou a incompetência deste Tribunal em razão da matéria.
8. Baixando os autos à primeira instância, em 13/05/2025, foi proferido despacho com o seguinte teor: Nos termos do artigo 98-E do Código de Processo de Trabalho, “é motivo de recusa pela secretaria do recebimento do formulário… quando: c) Não tenha sido junta a decisão de despedimento”// Ora, in casu, verifica-se que não se mostra junta a decisão de despedimento da Requerida, pelo que por este fundamento, se recusa o recebimento do formulário.// Notifique.”
Inconformado com essa decisão, veio o autor “A”, interpor recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES que se reproduzem:
1- O recorrente teve conhecimento do seu despedimento através de uma comunicação da Segurança Social em 12-06-2024, sendo o despedimento reportado a 09-04-2024.
2- Verifica-se que o despedimento do recorrente se configura de ilegal por não ter sido precedido do respectivo procedimento que está previsto na lei.
3- Foi através da Segurança social que o recorrente soube do seu despedimento.
4- A entidade patronal nunca lhe enviou qualquer comunicação ao recorrente.
5- O recorrente apresentou o formulário a que alude o artigo 98-E do Código de Processo de Trabalho e juntou os seguintes documentos:
comprovativo nomeação de patrono,
comprovativo da concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e
demais encargos com o processo,
Formulário ,
contrato de trabalho,
notificação cessação vínculo com entidade empregadora.
6- Não tem razão o juiz do Tribunal a quo porque o recorrente juntou com o formulário a comunicação da segurança social onde o informa da desvinculação da entidade patronal.
7- Sendo esta a única comunicação que o recorrente tem do seu despedimento, foi esta comunicação que juntou com o formulário.
8- Não nos parece que seja relevante se a informação do despedimento tenha sido comunicada pela entidade patronal ou pela Segurança Social Directa, em qualquer dos casos foi comunicado ao recorrente o acto de despedir.
9- É contra este acto de despedir que o trabalhador pode reagir através do procedimento do artigo 98-E do CPT, tendo com o formulário junto a comunicação de que dispunha.
10- Deve o formulário apresentado pelo recorrente nos termos do artigo 98-E do CPT ser aceite e o processo seguir os normais trâmites.
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O recurso foi recebido nos termos legais.
Foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela verificação de erro na forma de processo, insuprível, o qual deverá conduzir ao indeferimento liminar da ação, nos termos do artigo 98.ºF, n.º 1 do CPT e artigos 193.º, 577.º, b), 578.º e 590.º, n.º 1 do CPC, pois que não se encontra preenchido o requisito do artigo 98.º C, n.º1 - comunicação por escrito ao trabalhador da decisão de despedimento individual.
Por despacho de 9/07/2025 (ref. citius n.º…), dando-se cumprimento ao disposto no art. 3º, n.º3 e 652º do CPC, determinou-se a audição do apelante sobre a eventual verificação da exceção dilatória insuprível de erro na forma do processo – art. 193º do CPC, com o consequente indeferimento liminar do referido requerimento (arts. 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 98.º-F, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), nada tendo dito o apelante.
Por despacho de 1/08/2025 (ref. citius n.º…) determinou-se a baixa do processo à primeira instância a fim de ser proferido o despacho a que alude o artigo 641º, n.º 7 do CPC.
Em 16/09/2055 (ref. Citius n.º…) ordenou o Tribunal a quo a citação da ré para os termos do recurso e da causa nos termos do artigo 641.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
Citada a ré veio em 9/10/2025 pronunciar-se conforme requerimento sob a ref. Citius n.º…, no que ao recurso diz respeito pela verificação da exceção dilatória de erro na forma do processo, por a forma de processo especial a que se socorreu o A. nos presentes autos, não ser aplicável.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II– OBJECTO DO RECURSO
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objeto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, importa decidir se:
- o documento apresentado pelo apelante constitui ou não uma decisão de despedimento.
- do Erro na forma do processo.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) De Facto
Com relevo para a decisão da causa e atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados os factos constantes do relatório que antecede e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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B) O Direito
Considera o apelante que: i) apresentou o formulário a que alude o artigo 98-E do Código de Processo de Trabalho e juntou os seguintes documentos: comprovativo nomeação de patrono, comprovativo da concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, Formulário, contrato de trabalho, notificação cessação vínculo com entidade empregadora; ii) juntou com o formulário a comunicação da segurança social onde o informa da desvinculação da entidade patronal; iii) esta é a única comunicação que o recorrente tem do seu despedimento, comunicação que juntou com o formulário, não considerando relevante se a informação do despedimento tenha sido comunicada pela entidade patronal ou pela Segurança Social Direta, pois que em qualquer dos casos foi comunicado ao recorrente o ato de despedir, contra o qual pode reagir através do procedimento do artigo 98-E do CPT, tendo com o formulário junto a comunicação de que dispunha.
Vejamos então.
Dispõe o art.º 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, que:
1 - Nos termos do artigo 387.º do Código do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
Por sua vez, dispõe o art.º 98.º-E do Código de Processo do Trabalho que: A secretaria recusa o recebimento do formulário indicando por escrito o fundamento da rejeição quando: a) Não conste de modelo próprio;// b) Omita a identificação das partes; // c) Não tenha sido junta a decisão de despedimento;// d) Não esteja assinado.
Como resulta do citado art.º 98.º-C, n.º 1, esta forma especial de ação apenas pode ser utilizada quando: i) haja uma comunicação por escrito da entidade patronal ao trabalhador; ii) que essa comunicação se reporte a uma decisão de despedimento individual; e iii) que esse despedimento individual tenha por fundamento facto imputável ao trabalhador, extinção do posto de trabalho ou inadaptação.
Esta ação de impugnação só é o meio processual a que se deve recorrer se estiver em causa um despedimento individual, já que para a impugnação do despedimento coletivo está previsto um meio processual próprio, conforme decorre do disposto nos arts.º 388.º do CT de 2009 e 156.º e segs. do CPT. Assim, e como também se prevê de forma explícita naquela norma, estão abrangidas pela ação de impugnação os três tipos de despedimento individual, ou seja, o despedimento por facto imputável ao trabalhador, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação, enunciados nas alíneas c), e) e f) do art.º 340.º do Código do Trabalho.
Por outro lado, sendo um pressuposto da aplicabilidade desta ação de impugnação a existência de um despedimento individual comunicado por escrito, daí decorre que a ocorrência do despedimento não pode ser uma das questões a decidir na ação, devendo o mesmo ser inequívoco. Por outro lado, o despedimento deverá ter sido "assumido formalmente enquanto tal", deverá estar demonstrado, não podendo o mesmo ser fundamento do litígio (cf. Viriato Reis e Diogo Ravara in Cadernos de Formação do Centro de Estudos Judiciários, A ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, Abril de 2015, CEJ, pág. 36).
Da conjugação dos referido preceitos resulta que a ação se inicia com a entrega, pelo trabalhador ou por mandatário judicial por este constituído, junto do juízo do trabalho competente, de requerimento em formulário eletrónico ou em suporte de papel, do qual consta declaração do trabalhador de oposição ao despedimento, sendo apenas admitido tal requerimento pela secretaria se constar de modelo próprio, identificar as partes, juntar a decisão de despedimento e se encontrar assinado.
No caso em apreço, e apesar de o requerimento apresentado pelo autor não ter sido rejeitado pela secretaria, designadamente por nele não constar a decisão de despedimento, a divergência jurídica existente entre apelante e o tribunal a quo decorre do enquadramento jurídico a dar ao documento apresentado pelo apelante como constituindo a decisão de despedimento.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/12/2021, proc. n.º 864/21.4T8STR.E1, relatora Emília Ramos Costa, disponível para consulta in www.dgsi.pt, citando Pedro Furtado Martins em Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Principia, págs. 147/148 e 151, “o despedimento é uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro. (…) O despedimento é uma declaração vinculada, constitutiva, recipienda: vinculada, porque a validade do ato extintivo está condicionada à verificação de determinados motivos que a lei considera justificativos da cessação da relação laboral; constitutiva, porque o ato de vontade do empregador tem efeitos por si mesmo, o que significa que o despedimento é uma forma de cessação de exercício extrajudicial. (…) A qualificação do despedimento como uma declaração de vontade recipienda significa que ela só é eficaz depois de recebida pelo destinatário, isto é, pelo trabalhador.
Assim, sendo o despedimento “uma declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro”, para que tal declaração possa permitir o recurso à ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento prevista no art.º 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, tem a mesma de revestir a forma escrita (cf. o citado acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/12/2021). Sem embargo da comunicação do empregador dirigida ao trabalhador dever resultar a vontade daquele de proceder ao despedimento deste, não será necessário que sejam usadas nessa comunicação as expressões despedimento ou despedir (assim Viriato Reis e Diogo Ravara, in Ob. Cit., pág. 36 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/01/2015, processo n.º 553/14.6TTBRG.P1, relator Eduardo Petersen Silva). Assim, e como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/05/212, p. n.º 888/11.0TTLRS-A.C1, relator Azevedo Mendes) esta ação especial só é aplicável ao despedimento escrito. Sempre que o trabalhador invoque um despedimento por comunicação oral, não poderá recorrer a essa ação, sendo o meio processual adequado para a impugnação desse despedimento a ação de processo comum.
O mesmo se verificará em todas as outras hipóteses em que possa estar em causa um despedimento, na perspetiva do trabalhador, mas na comunicação escrita do empregador ao trabalhador seja invocada outra modalidade de cessação do contrato de trabalho, como sucederá se for mencionada uma causa de caducidade do contrato de trabalho, como, por exemplo, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, nos termos do art.º 343.º, al. b) do CT. Foi essa a vontade que o legislador manifestou no preâmbulo do diploma que procedeu à revisão do CPT, que introduziu a nova ação especial de impugnação (DL 295/2009, de 13-10), ao afirmar que a nova ação é aplicável "sempre que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual" e que "todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum." (cf. Viriato Reis e Diogo Ravara, in Ob. Cit., pág. 38).
No caso dos autos, como decisão de despedimento juntou o apelante a declaração de situação de desemprego remetida pela entidade patronal ao IGFSS, na qual consta como motivo para tal situação a “Caducidade do contrato por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva do trabalhador ou do empregador”, ou seja, e como é o próprio reconhece nas suas alegações (conclusões 7 e 8) não existe qualquer “declaração de vontade da entidade patronal, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro”, desde logo porque a declaração apresentada pelo recorrente não lhe foi dirigida, antes sim, ao IGFSS. Ou seja, a entidade patronal do trabalhador nunca lhe dirigiu, pelo menos sob a forma escrita, uma declaração de vontade destinada a fazer cessar, para o futuro, o contrato de trabalho entre eles existente, de resto como o próprio reconhece no seu requerimento inicial ao referir que “não recebeu qualquer notificação escrita por parte da massa insolvente, nem ocorreu qualquer processo disciplinar, nem tão pouco despedimento colectivo que abrangesse o autor., assim se concluindo que o próprio tem plena consciência da inexistência de qualquer declaração escrita a ele dirigida pela sua entidade empregadora.
A questão que se coloca, então, é a da possibilidade de recurso a esta ação especial que, como se viu requer que resulte, por escrito, uma vontade unilateral e inequívoca da entidade empregadora de despedir o trabalhador, quando o trabalhador junta com o formulário inicial que dá início à ação especial a declaração de situação de desemprego enviada ao IGFSS, assinado pelo empregador e no qual consta, no motivo da cessação do contrato de trabalho, assinalada a menção “caducidade do contrato por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva do trabalhador ou do empregador”, como no caso. Ou seja, se apresentando o trabalhador apenas e só esse documento e, por isso, não sendo junta a comunicação escrita da decisão de despedimento, prevista no art.º 98.º-C, n.º 1, do CPT será possível recorrer à ação especial, como defende o apelante.
Esse documento, emitido pela Segurança Social Direta, terá como finalidade a do trabalhador requerer a atribuição do subsídio de desemprego, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro (Lei do subsidio de desemprego), ou seja, tem um fim específico, relativo à obtenção do subsídio de desemprego, distinto do que é próprio da comunicação de despedimento dirigida pelo empregador ao trabalhador, a qual corporiza a transmissão de uma declaração de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho.
Por outro lado, aquela declaração emitida pela entidade empregadora, que pode entregar ao trabalhador ou remeter diretamente à Segurança Social via internet, como terá sido o caso, não configura uma comunicação escrita da decisão de despedimento que a lei (o art.º 98.º-C, n.º1, do CPT) prevê que deve ser junta com o requerimento de instauração da ação especial de impugnação do despedimento ilícito, pelo que, na falta do mesmo, a própria secretaria deve recusar o recebimento do formulário, conforme impõe o art.º 98.º-E, al. c) do CPT.
A referida "declaração de situação de desemprego", da qual conste que a causa da cessação do contrato de trabalho foi um despedimento, não substitui nem equivale à comunicação por escrito ao trabalhador da decisão de despedimento, podendo, até, traduzir-se numa "declaração de favor" para efeitos de obtenção do subsídio desemprego. Pelo que, em tal eventualidade, não se pode dizer que se está na presença de um despedimento inequívoco, razão pela qual não se poderá instaurar a ação especial apenas com a mencionada "declaração de situação de desemprego." (cf. Viriato Reis e Diogo Ravara, in ob. Cit., pág. 40).
Com efeito, o documento junto pelo autor não constitui uma decisão de despedimento, mas tão só um declaração da Ré, para efeitos de situação de desemprego, onde, na parte respeitante ao motivo da cessação do contrato, se refere a “Caducidade do contrato por impossibilidade superveniente absoluta e definitiva do trabalhador ou do empregador”
Como se disse, a impugnação de alguns despedimentos individuais deve ser feita através da ação especial e a de outros por via do processo comum (cfr. o disposto no art.º 48.º, n.º 3, do CPT), pelo que quando não se utilize o meio processual adequado se está perante o erro na forma de processo devendo tal situação seguir a forma do processo comum, prevista no art. 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho.
Em conclusão, na ausência da declaração escrita da entidade empregadora dirigida ao apelante mediante a qual lhe comunica a declaração de vontade unilateral e inequívoca de despedir o trabalhador, é manifesto que o despedimento efetuado pela entidade patronal a este trabalhador não cumpre os requisitos exigidos no art.º 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, pelo que deveria a secretaria ter recusado o recebimento do formulário de harmonia com o disposto no art.º 98-E do CPT, o que não sucedeu. Por isso é que, salvo o devido respeito, o despacho dado pelo Mmo. Juiz a quo, e agora impugnado, não faz sentido pois que se limitou a “corrigir” um ato da secretaria, o que, nesta fase, lhe está vedado.
Ultrapassada que foi essa fase, apesar de ser manifesto de que o requerimento não deveria ter sido recebido, se o foi, já o juiz não o poderia rejeitar, uma vez que a lei não prevê a possibilidade de o juiz “corrigir” a omissão da secretaria. Só em caso de desadequação processual o juiz pode conhecer.
Prevendo o art.º 98º-F, na redação dada pela Lei 107/2019 de 9/09, a possibilidade de indeferimento liminar, a apreciação sobre se o requerimento deve ser ou não indeferido não está vedada ao juiz, podendo este conhecer da questão do erro na forma de processo nesta fase.
Em momento anterior à alteração operada pela Lei 107/2019 de 9/09 (que passou a prever, expressamente, a possibilidade de indeferimento liminar do formulário) discutia-se na jurisprudência qual momento processual para a apreciação do erro na forma do processo, defendo uma corrente que tal apenas poderia ocorrer aquando da audiência de partes (cf. a titulo de exemplo os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/06/2010, processo 206/10.4TTLSB.L1.4 e de 12/01/2011, processo n.º 600/10.0TTFUN.L1-4, relatora Herminia Marques – citado pelo apelante nas suas alegações) e outra que admitia a possibilidade de indeferimento liminar, em momento anterior à designação da audiência de partes, quando o processo fosse concluso ao juiz ainda que não expressamente prevista (cf. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/03/2012, processo n.º 1149/11.0TTCBR.C1, relator Felizardo Paiva).
Tal divergência encontra-se, agora, ultrapassada, sendo, pois, legitimo ao juiz, verificando-se o erro na forma do processo, optar pelo indeferimento liminar, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 98º-F do CPT e 590º, n.º1 do CPC, nos casos em que nenhum ato possa ser aproveitado o que implica a nulidade de todo o processado e consubstancia uma exceção dilatória insuprível (art. 577.º, b), do Código de Processo Civil).
De todo o modo, impõe-se ao tribunal a avaliação da situação concreta a fim de aferir da possibilidade de convolação (art.º 193º, n.º1, desde que não resulte qualquer diminuição de garantia do réu (193º, n.º2 do CPC).
No caso dos autos, embora o documento junto pelo autor mais não seja do que uma declaração/modelo para efeitos de situação de desemprego, emitida pela entidade empregadora à Segurança Social, referindo como motivo da cessação do contrato a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, dele resulta, no mínimo, a legítima suspeita que terá sido essa a modalidade de cessação, fundamento excluído da previsão da ação para impugnação da ilicitude do despedimento do artigo 98º-C que se dirige apenas, como se disse, ao despedimento individual por facto imputável ao trabalhador, por extinção do posto de trabalho ou inadaptação.
Assim sendo, é manifesto que o despedimento efetuado pela entidade patronal a este trabalhador não cumpre os requisitos exigidos no art.º 98.º-C, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, devendo tal situação seguir a forma do processo comum, prevista no art. 51.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho.
Nesta conformidade, apenas nos resta concluir que estamos perante uma situação de erro na forma do processo, a qual é de conhecimento oficioso (art.º 196.º do Código de Processo Civil), nenhum ato podendo ser aproveitado, o que implica a nulidade de todo o processado e consubstancia uma exceção dilatória insuprível (art.º 577.º, b), do Código de Processo Civil), determinando o consequente indeferimento liminar do referido requerimento (arts. 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 98.º-F, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Constituindo, a nulidade do processo, por erro na forma do processo, exceção dilatória do conhecimento oficioso do Tribunal, cumpre a este Tribunal da Relação declará-la.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso, pese embora por fundamentos distintos.
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IV – Decisão
Pelo exposto, acordam as juízes desta 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
1) Julgar improcedentes as alegações de recurso.
2) Julgar verificado o erro na forma de processo, exceção dilatória insuprível, que é de conhecimento oficioso nos termos do art.º 577.º al. b), 278.º, nº 1, al. b), 193.º, 196.º e 590.º, nº 1, todos do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) e 98.º-F, n.º 1, todos do Código de Processo de Trabalho, determinando-se, em consequência, o indeferimento liminar do requerimento inicial.

Lisboa, 11-11-2025,
Susana Santos Silva
Manuela Espadaneira
Isabel Fonseca