Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8384/24.9T8LSB.L1-8
Relator: CARLA FIGUEIREDO
Descritores: LOCATÁRIO FINANCEIRO
RESTITUIÇÃO DE POSSE
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sumário: (da responsabilidade da relatora, artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
- A extensão da tutela possessória ao locatário financeiro é assim equivalente à dispensada pelo art. 1037º nº 2 do Código Civil ao locatário comum, permitindo a este lançar mão da acção prevista no art. 1278º, nº 1 do Código Civil;
- A servidão, como direito real de gozo sobre coisa alheia, limita o gozo efectivo do proprietário dessa coisa, na medida em que inibe este titular de praticar actos que possam prejudicar o exercício daquele direito, em benefício do titular do direito de servidão, benefício que se traduz em utilidades para o dono do prédio dominante, mas que este só pode gozar como tal e por intermédio do seu prédio;
- As servidões legais podem ser constituídas, na falta de constituição voluntária, por sentença judicial ou decisão administrativa, dizem-se coactivas ou judiciais (art. 1547º, 2 do CC);
- Exemplo de servidão legal é a servidão de passagem prevista no art. 1550º do CC;
- Cabe a quem invoca a “posse” sobre uma servidão de passagem, demonstrar a alegada existência da constituição de uma servidão legal de passagem ou invocar a posse correspondente a uma servidão de passagem resultante, por exemplo, da posse aquisitiva, ao abrigo dos arts. 1287º e ss e art. 1547º, nº 1 do CC (aquisição por usucapião, mediante a demonstração de uma situação de posse que tenha determinadas características, a prática reiterada, com publicidade, dos actos correspondentes ao exercício do direito, e perdurado pelo período legalmente necessário), sendo certo que a usucapião carece de invocação (art 303º do CC aplicável ex vi do art. 1292º do mesmo Código).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – RELATÓRIO
JJ (…), intentou a presente acção declarativa sob a forma comum de processo, contra,
MM e AA, casados entre si, residentes em…, formulando os seguintes pedidos de condenação:
“a) Na restituição à sua pessoa da posse de um armazém, correspondente à fração autónoma designada pela letra “A”, do prédio sito na Rua …, em Lisboa;
b) A abrir o portão que dá acesso ao referido armazém, sem qualquer obstáculo;
c) A demolirem a parede feita a tijolo edificada na cave 1, junto à cave nº 3;
d) A desobstruírem quaisquer obstáculos que o impeçam de circular livremente, de pessoas e bens, no acesso ao referido armazém.
e) A indemnizá-lo de todas as despesas suportadas desde o fecho do portão até à resolução da ação;
f) No pagamento da quantia mensal de 1.500,00;
g) No pagamento de uma compensação por danos não patrimoniais no valor de 15.000,00 euros”.
Alegou, em síntese, que é locatário financeiro de um armazém situado na cave de um prédio constituído em propriedade horizontal e a sua fracção sempre teve acesso à via pública pelos prédios contíguos, nomeadamente pela cave do prédio situado no nº 5 da mesma rua, que é propriedade dos Réus; que no dia 25 de Maio de 2023 viu-se proibido de entrar no armazém por parte dos Réus, que fecharam a cadeado o portão de acesso à cave de que são proprietários, não lhe fornecendo as chaves. Posteriormente, em Novembro de 2024, os Réus procederam ao levantamento de uma parede entre a sua cave e a cave contígua, impedindo, por completo, o acesso do Autor ao seu armazém.
O Autor está a ter despesas com a actuação dos Réus, nomeadamente, com o pagamento da renda devida à locadora financeira, seguro, imposto municipal sobre imóveis e condomínio, num total de cerca de € 1.500,00 por mês. Mais alega que devido à mesma conduta, a sua situação clínica agravou-se, sentindo-se injustiçado e revoltado.
Os Réu contestaram, impugnando, por falsidade e desconhecimento, parte dos factos alegados pelo Autor, e contrapondo, em síntese, que o acesso ao armazém invocado pelo Autor é propriedade exclusiva deles, nunca tendo havido qualquer acesso comum ao exterior, tanto mais que estão em causa fracções autónomas pertencentes a prédio distintos, não havendo registo de servidão de passagem nem sendo esse pedido objecto da acção.
O Autor foi convidado ao aperfeiçoamento da petição inicial, a que respondeu, liquidando os pedidos genéricos de condenação formulados.
Por despacho de 20 de Novembro de 2024 foi admitida a ampliação do pedido quanto aos juros de mora reclamados.
Foi proferido despacho saneador que identificou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova, que não mereceram reclamação.
Em 13 de Março de 2025 foi proferido despacho que admitiu a ampliação do pedido indemnizatório em mais € 223,58.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
“Face ao acima exposto, decide-se julgar o pedido formulado pelo Autor JJ contra os Réus MM e AA parcialmente procedente e, nessa medida:
I. Condenam-se os Réus a restituírem ao Autor a posse do armazém correspondente à fracção designada pela letra A, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº …, situado na Rua …, abrindo o portão que dá acesso a esse armazém, sem qualquer obstáculo, demolindo a parede edificada na fração dos Réus junto à fração contígua e desobstruindo quaisquer obstáculos que impeçam o Autor de circular livremente, de pessoas e bens, no acesso ao referido armazém.
II. Condenam-se os Réus a pagar ao Autor a quantia de 24.242,58 euros (vinte e quatro mil duzentos e quarenta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde 6 de outubro de 2024 até integral pagamento.
III. Condenam-se os Réus a pagar ao Autor o valor das rendas que ele venha a suportar desde o 2º trimestre de 2025, inclusive, bem como as comissões de cobrança, impostos e contribuições para as despesas do condomínio que o mesmo pague, no âmbito do contrato de locação financeira relativo à fração autónoma identificada no ponto I, no ano de 2025 e seguintes, até à efetivação da restituição da posse acima determinada, a liquidar em incidente posterior.
IV. Condenam-se os Réus no pagamento de juros de mora, à taxa legal de juros civis, sobre a quantia que venha a ser liquidada nos termos anteriores, calculados desde a data da notificação do requerimento de liquidação até integral pagamento.
V. Condenam-se os Réus no pagamento ao Autor da quantia de 2.000,00 (dois mil euros) de compensação por danos não patrimoniais.
Na restante parte, julga-se o pedido formulado pelo Autor JJ contra os Réus MM e AA improcedente e do mesmo se absolvem estes.
As custas da ação, nas vertentes encargos e custas de parte, ficarão a cargo do Autor e dos Réus na proporção de 15% para o primeiro e 85% para os segundos”.
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Inconformados com a sentença, os Réus interpuseram recurso, pedindo que seja revogada a sentença da primeira instância e absolvidos os Réus, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
A) Entendem os ora Recorrentes que o Tribunal a quo fez uma má valoração da prova produzida, cuja reapreciação se requer, no que concerne aos pontos 6, 8, 9 e 10 dados como provados.
B) Do depoimento do A., cfr. suporte digital 8384-24.9T8LSB_2025-03-31_12-09-20, resulta a confissão, sem qualquer margem para dúvidas que existia uma escada de acesso da via pública ao armazém de que é locatário, pela entrada do 1C, escada esta que foi demolida.
C) A testemunha M…, cfr. depoimento gravado em 8384-24.9T8LSB_2025- 01-31_14-34-22, também confirmou a existência da escada de acesso do armazém cave de que o A. é locatário à via pública.
D) Por outro lado, a existência da escada no projecto e nas telas finais resulta do depoimento de R…, cfr. ficheiro áudio n.º Diligência_8384-24.9T8LSB_2025-03-31_10-12-11.
E) E, ainda, do depoimento de G…, cfr. ficheiro áudio 8384- 24.9T8LSB_2025-01-31_11-28-23.
F) Aliás, é o próprio tribunal que aceita e reconhece, cfr. ponto 14, que “A única possibilidade de acesso à fração referida no nº 2, assim como ao armazém com acesso pelo nº 3-C, através de veículo automóvel, é pelo portão do nº 5-C atrás referido.”
G) Assim, resulta claro que o A. não logrou provar que:
“8. Existe, desde a data da conclusão dos edifícios em 1962, um portão de acesso, único e comum aos três armazéns situados ao nível da cave desses prédios (incluindo os que constituem as frações descritas no nº 2 e no nº 5), que tem o número de polícia 5-C da Rua...
9. Apesar dos espaços desses três armazéns constituírem frações autónomas de prédios distintos, os mesmos sempre estiveram unificados, sem qualquer separação entre eles, e com entrada pelo portão do 5-C da Rua….
10. Os proprietários dos referidos três armazéns utilizavam e serviam-se do portão com o nº 5-C para entrada e saída desses espaços.”
H) Assim sendo, não devia o Tribunal a quo ter dado como provado tais factos.
I) Por outro lado, o Tribunal a quo desconsiderou factos relevantes que deveriam ter sido dados como provados, na sentença, a saber:
1. A fracção do A. tem entrada pelo n.º 1 C.
2. Da certidão relativa ao prédio à fracção A do prédio nº 1 e da certidão relativa à totalidade do prédio não se verifica qualquer alusão a qualquer acesso comum.
3. Existe uma escada de acesso ao armazém do prédio com o nº 3, com ligação directa para a via pública (pelo nº 3C),
4. No âmbito do respectivo anúncio de leilão electrónico, apenas constava como “ónus ou limitação” um usufruto e um arrendamento.
5. O A. é proprietário, desde, pelo menos, 2002, das fracção C e D do prédio referido no nº 1, que actualmente se encontram interligadas.
6. Foi o A. que ordenou a demolição da escada referida no facto provado nº 20.
7. O espaço com entrada pelo número de polícia nº 1C, onde se localiza, actualmente, um cabeleireiro, não é fracção autónoma, mas sim parte integrante da fracção A..
J) Os referidos factos resultam da inspecção judicial realizada, das certidões permanentes dos imóveis, certidões de teor da matriz, anúncio da venda da fracção, escritura de constituição da propriedade horizontal, bem como dos depoimentos prestados pelo A., cfr. suporte digital 8384-24.9T8LSB_2025-03-31_12-09-20, pela testemunha M…, cfr. depoimento gravado em 8384-24.9T8LSB_2025-01-31_14-34-22 e pela testemunha J…, cfr. ficheiro áudio n.º 8384-24.9T8LSB_2025-01-31_11-45-32.
K) Resulta, assim, da matéria provada, que o projecto e as telas finais do edifício contemplavam a existência de uma escada que dava acesso desde o armazém até ao piso intermédio, com acesso directo à rua, onde actualmente se localiza o cabeleireiro; essa escada foi construída e existia, mas foi demolida por ordem do A., pelo que, hoje, a fração A, do prédio 1 (cave) não tem acesso directo para a rua.
L) Por outro lado, o A. não peticionou que fosse reconhecida uma servidão de passagem, nem alegou nem peticionou a invalidade do título constitutivo de propriedade horizontal.
M) Assim, o Tribunal extravasou o pedido ao julgar parcialmente procedente a acção, por considerar que se verifica uma ilegalidade do título constitutivo da propriedade horizontal e uma servidão de passagem, pelo que a sentença é nula, cfr. alínea d) do nº 1, do art. 615º do Código do Processo Civil.
N) Acresce que, o A., nesta acção limita-se a pedir a restituição da posse (e nada mais) do “seu” armazém, pelo que, não peticionou a posse do “acesso” até ao armazém; não peticionou a posse da fracção – ou parte - dos RR..
O) O “acesso ao referido armazém” de que o A. é locatário é por dentro da propriedade (fracção autónoma) dos RR., pelo que o acesso é propriedade privada dos RR.
P) O A. não peticiona que lhe seja restituída a posse do “acesso” até à sua fracção (acesso este que se localiza dentro da fracção A do nº 5C, propriedade dos RR.).
Q) E o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, está a permitir que o A. “passe” por dentro da fracção dos AA., lesando o seu direito de propriedade, sem que tenha sido alegada e provada a posse, pelo A., desta fracção dos RR. e sem que tenha sido pedida e provada a constituição de uma servidão legal de passagem.
R) O Tribunal não deu como provado que o A. tinha a posse desse acesso (dessa parte da fracção dos RR).
S) No caso em apreço não há registo de qualquer servidão de passagem nem tal pedido é objecto destes autos.
T) Os RR. não poderão ser obrigados a permitir a passagem por dentro da sua fracção autónoma de veículos automóveis e bens de grande dimensão, só porque o acesso daquela outra fracção autónoma foi destruído pelo A..
U) Constituída como está a propriedade horizontal, o seu instrumento de constituição obedeceu aos requisitos legais e, como tal, não se pode de modo nenhum afirmar que a fracção autónoma do A. não pode voltar a ter acesso à via pública, nos termos em que a lei define a sua constituição.
V) Se a constituição da propriedade horizontal não está de acordo com o determinado na lei, (falta de acesso à via pública) então haveria nulidade do título constitutivo, o que determinaria a sujeição daquela parte do prédio a uma única fracção, com um único proprietário ou vários em compropriedade.
W) Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 04/06/2001, no âmbito do processo nº 0150512.
X) A matéria de facto dada como provada não revela uma actuação do A. que traduza uma utilização que, sendo representada por sinais que revelam a existência de uma servidão aparente, coloquem o proprietário do prédio serviente de sobreaviso relativamente a eventuais efeitos constitutivos de uma situação real suscetível de onerar o seu prédio em termos definitivos e com eficácia erga omnes.
Y) Por último, a não resulta provada a existência de qualquer dano, nem do nexo de causalidade.
Z) O dano patrimonial por esbulho não pode corresponde, directamente, aos encargos financeiros que o A. suportou com o contrato de locação financeira.
AA) Isto porque, se não tivesse ocorrido o alegado esbulho, aqueles encargos teriam, na mesma medida, sido suportados pelo A., na integra., uma vez que o A. não teve de pagar os encargos financeiros por qualquer acto ilícito por parte dos RR.
B) Os encargos financeiros não podem ser considerados danos e, por conseguinte, indemnizáveis e também não se verifica preenchido o requisite do nexo de causalidade, porquanto não foi o alegado esbulho que implicou o pagamento dos encargos financeiros.
CC) Também não ficou demonstrado em Tribunal a existência de danos não patrimoniais susceptíveis de serem indemnizados”.
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O autor/recorrido apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
A – O Recorrido entente que decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, fez a correta aplicação o do Direito e de toda a factualidade.
B – Os factos que os Recorrentes entendem que não foram bem valorados, foram dados como provados por acordo das partes nos respetivos articulados, pela inspeção o judicial ao local, documentação junta aos autos e corroborado pelo depoimento de testemunhas e nos factos dados como provados.
C – O Tribunal deu como provado e bem que desde a construção dos 3 prédios em 1962, que o Portão do N.º 5 – C é e sempre foi o único e exclusivo acesso comum aos 3 armazéns, sendo o único acesso possível através de veículo automóvel.
D – As frações C e D do prédio N.º 1, sempre foram completamente separadas e independentes da Fração A – Armazém. Não havendo nenhuma passagem/ligação ou escadaria entre elas até 1983/1984, sendo completamente separada por placa de betão e completamente intransponível, pelo que, as 3 portas na loja composta pelas frações C e D nunca deram passagem ou serventia para a Rua ao Armazém Fração do Recorrido.
E – Mesmo que existisse uma tal possível escada interior entre o Armazém Fracção A e o Entrepiso, nunca até 1983 e 1984 existiu no local qualquer porta de acesso direto a Rua. A qual, só foi feita e autorizada pela Camara Municipal de Lisboa em 1984, pelo projeto de alteração N.º …, que consistiu em se transformar uma janela nessa Porta N.º 1 C. Tudo legalmente e exclusivamente para serviço da Loja Frações C e D, bem como todo esse entrepiso que passou a ser parte integrante da loja, frações C e D.
F – Sendo toda essa área separada/demarcada/destacada do Armazém Fração A, o qual e desde 1962, continuou e como sempre foi, a ter exclusivamente entrada e saí da pelo portão comum N.º 5 C, tudo como melhor resultou da documentação junta aos autos e da prova testemunhal inquirida, que consubstancia nos factos dados como provados.
G – Conforme se verificou pela Documentação junta aos autos, inspecção judicial ao local e depoimento de testemunhas, desde 1962 ate 1984, 2011 e também até a presente data, nunca o Armazém Fração A, teve outro acesso exclusivo para a Rua que não seja pelo portão comum N.º 5 C tal e qual como resulta do Processo N.º …. O acesso comum dos três armazéns é efetivamente o referido portão 5-C, não existindo quaisquer indícios que permitam sair autonomamente do armazém do Recorrido, como bem refere o Douto Tribunal na Sentença proferida tudo corroborado ale m da prova documental pelo depoimento da testemunha, do Chefe de Divisa o do Departamento de Apoio a Gesta o Urbanística da Ca mara Municipal de Lisboa, Arquiteto R…
H – Por várias vezes o depoimento da testemunha M…, entra em contradição inclusive com prova documental existente nos autos e com os factos dados como provados. Também ao contrário do que a mesma testemunha refere e que é comprovado pela documentação junta aos autos o acesso para o armazém 1 Fração A, nomeadamente através de veículo automóvel é e sempre foi feito exclusivamente pelo portão 5 C. O Pai e os Tios nunca quiseram fazer a separação dos 3 Armazéns, servindo-se todos eles destes Armazéns e Portão Comum, N.º 5 C.
I – Sendo ainda deveras estranho como após a conclusão em 1962 da construção destes 3 Armazéns e em que e até 1984, o Armazém 1 Fração A, não tinha nenhuma Porta, alem do acesso comum pelo Portão N.º 5 C desde 1962, então como poderiam entrar e sair veículos automóveis com o transporte de maquinaria pesada e objetos de grande porte. Só este facto comprova imediata e inequivocamente que o único acesso possível e legal desde 1962 é efetivamente o Portão 5 C.
J – A testemunha G… teve arrendado durante muito tempo, os 3 armazéns, tendo todas as locações como senhorios elementos da família “A..” e em todas eles consta uma cláusula que impede a denúncia separada dos demais, revelando desta forma, a unicidade que caracteriza o espaço das 3 frações. E utilizou durante todo o tempo da locação os 3 Armazéns sem qualquer limitação, barreiras ou paredes, com entrada de veículos, cargas e descargas, e tudo exclusivamente com acesso pelo Portão N.º 5 C.
K – Refere-se ainda que, sendo o Recorrido proprietário da Loja Frações C e D, ou seja, do café e cabeleireiro mencionados e ainda locatário do Armazém Fração A, se porventura quiser vender alguma das referidas frações, seria absolutamente impossível e ilegal perante todos os projetos aprovados e atual realidade, na o se respeitar estes seus legítimos e exclusivos acessos auto nomos e independentes, pois que o cabeleireiro na o tem de dar passagem ao Armazém m e vice-versa.
L – O Recorrente esta na posse desde dezembro de 2020 como locatário do armazém fração A e desde janeiro de 2022 como proprietário da loja frações C, D e respetivo entrepiso.
M – O armazém, fração A, com o seu acesso exclusivo e como sempre teve desde 1962, ou seja, o portão comum 5C, que dava acesso a rua a pé e de carro, aliás conforme se pode constar na inspeção judicial ao local, que «(…) permitiu verificar que o acesso comum dos três armazéns é efetivamente o referido portão não existindo, de novo, qualquer indício de escada que permita sair autonomamente do armazém do Autor.».
N – Conforme o Douto Tribunal refere e bem, da prova documental na o há qualquer evidência de efetiva construção de uma escada entre o Armazém Fração A e o piso intermédio e da saí da, por essa via para a rua, facto dada como provado.
Se a referida escada existisse aquando da construção em 1962, como parece resultar das plantas, não se compreenderia o referido das duas vistorias camarárias em 1962, para licenciamento e para constituição da propriedade horizontal quanto ao modo como se acedia ao exterior.
A construção da escada seria ilegal uma vez que não existe licenciamento para tal e nunca na o constituiria um acesso próprio do Armazém a Rua, uma vez que utilizaria como supra referido o espaço de outras frações autónomas.
O – Por tudo o referido em Douta Sentença e que resultou como provado, estamos perante um ato de esbulho por parte dos Recorrentes, primeiro através do cadeado que colocaram no portão único de acesso aos armazéns e posteriormente pela edificação de uma parede divisória com o armazém contíguo.
P – Privando o Recorrido em absoluto do acesso a sua fração, o qual só é fisicamente possível a pé e com utilização de escadas mediante autorização do respetivo proprietário, um terceiro à ação, o que não se coaduna com os presentes.
Q – O Recorrido e desde a aquisição datada de dezembro de 2020 que utiliza o armazém para guardar objetos volumosos. E sem oposição de quem quer que fosse, acedia desde a referida data ao armazém quer a pé, quer de veículo automóvel e entrava pelo 5-C da Rua…, passando pelo Armazém correspondente a fração dos Recorridos e desta passava para o armazém do terceiro e a partir deste então chegava à sua fração. A única possibilidade de acesso à fraçao A – Armazém do Recorrido bem como ao Armazém de com acesso pelo n.º 3C, através de veículo automóvel é pelo portão do 5º C.
R – A propriedade horizontal em causa nos presentes foi constituí da em 1962, em que vigorava o regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40 333 de 14 de Outubro de 1955. Nos termos do qual no art. 4º e previsto que as frações autónomas deverá o ser «(…) suficientemente distintas e isoladas entre si.». Como foi provado tal na o acontece quanto à fração do ora Recorrido, dado que nunca esteve separada das caves dos prédios vizinhos, constituindo com as mesmas um espaço contínuo. Ademais, duas das frações autónomas da cave dos 3 edifícios, tem saída para a via pública através de uma fração autónoma que está em prédio alheio.
S – Os Recorrentes esta o a privar o Recorrido do uso que e objeto do seu direito e conforme bem refere a Douta Sentença «A posse sobre uma servidão de passagem a favor do prédio de que faz parte a fração do Autor e que onera o prédio em que se integra a fração dos Réus, afigura-se, face ao manancial de factos provados, incontornável (…)».
T – Quanto ao valor das quantias que os Recorrentes foram condenados, pelo esbulho, conforme Douta Sentença pontos II, III, IV e V o mesmo e adequado, tendo sido demonstrado o nexo causal.
U – Na o existe assim na Sentença qualquer vício, irregularidade ou nulidade que a inquine.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).
No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do Recurso interposto são as seguintes:
- se ocorre a nulidade suscitada pelos recorrentes;
- se a decisão da matéria de facto deve ser alterada;
- se deve ser revogada a decisão de mérito.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos
Na 1ª instância foi considerada a seguinte factualidade:
Atenta, por um lado, a factualidade assente por acordo das partes e documentos com força probatória plena e, por outro, o resultado da produção de prova e da discussão da causa, dos factos relevantes para a decisão de mérito, julgam-se demonstrados os seguintes:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº …, um prédio situado, na mesma freguesia, na Rua ….
2. A fração autónoma desse prédio, designada pela letra “A”, encontra-se descrita nesse registo como “cave – destinada a armazém”.
3. Pela apresentação nº 2507 de 2 de dezembro de 2020 a aquisição dessa fração foi inscrita a favor da Caixa Leasing e Factoring – Sociedade Financeira de Crédito, S.A.
4. O Autor celebrou com a Caixa Leasing e Factoring – Sociedade Financeira de Crédito, S.A o acordo escrito intitulado “Contrato de locação financeira imobiliária nº 100127096”, datado de 2 de dezembro de 2020, junto como documento nº 56 com o aperfeiçoamento à petição inicial, que aqui se dá por reproduzido e do qual, nomeadamente, se fez constar:
“CONDIÇÕES PARTICULARES
1. Imóvel: Fração(ões) autónoma(s) designada(s) pela(s) letras(s) A (cave-destinada a armazém), do prédio urbano situado na Rua …, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial Lisboa sob a ficha número …e inscrito na matriz sob o artigo ….
2. (…)
CONDIÇÕES GERAIS
1ª – Objeto
O presente contrato tem por objeto o imóvel descrito nas Condições Particulares, adquirido pelo Locador sob proposta do Locatário, que aquele cede e este aceita em locação financeira nos termos clausulados”.
5. Os Réus têm inscrita a seu favor, pela apresentação nº 3794 de 17 de maio de 2019, a aquisição, por adjudicação, a favor de terceiro, proponente em ação de divisão de coisa comum, da fracção autónoma, designada pela letra “A”, descrita como “cave, destinada a armazém, com entrada pelo nº 5-C”, do prédio sito na Rua …, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº …..
6. Os prédios referidos nos nºs 1 e 5 são contíguos, sendo a fração “A” do primeiro correspondente à cave 1-A, a fração “A” do segundo à cave 5-A e pertencendo a cave 3-A a um terceiro.
7. As referidas frações dos dois prédios eram propriedade da família A.., tendo a Caixa Leasing e Factoring – Sociedade Financeira de Crédito, S.A adquirido a fração “A” do prédio descrito no nº 1, em 2 de dezembro de 2020, a V… e marido J… e a M e mulher M e os Réus adquirido a fração “A” do prédio descrito no nº 5, no âmbito de uma ação judicial com familiares.
8. Existe, desde a data da conclusão dos edifícios em 1962, um portão de acesso, único e comum aos três armazéns situados ao nível da cave desses prédios (incluindo os que constituem as frações descritas no nº 2 e no nº 5), que tem o número de polícia 5-C da Rua ….
9. Apesar dos espaços desses três armazéns constituírem frações autónomas de prédios distintos, os mesmos sempre estiveram unificados, sem qualquer separação entre eles, e com entrada pelo portão do 5-C da Rua ….
10. Os proprietários dos referidos três armazéns utilizavam e serviam-se do portão com o nº 5-C para entrada e saída desses espaços.
11. O Autor utiliza o armazém referido no nº 2 para guardar mobílias e material de hotelaria, nomeadamente arcas frigoríficas e máquinas de café.
12. Desde a data do acordo referido no nº 4, o Autor, para aceder a esse armazém, quer a pé quer de veículo automóvel, entrava pelo nº 5-C da Rua …, passando pelo armazém correspondente à fração descrita no nº 5, desta passava para o armazém do terceiro e a partir deste alcançava a fração referida no nº 2.
13. Fazia-o, até à data referida no nº 15, sem oposição de quem quer que fosse, nomeadamente dos proprietários do armazém com entrada pelo nº 5-C, os quais, até à mesma data, nunca causaram nenhum obstáculo a essa entrada.
14. A única possibilidade de acesso à fração referida no nº 2, assim como ao armazém com acesso pelo nº 3-C, através de veículo automóvel, é pelo portão do nº 5-C atrás referido.
15. No dia 23 de maio de 2023 os Réus fecharam o portão da entrada pelo nº 5-C com um cadeado e não forneceram ao Autor uma chave desse cadeado.
16. Em data concreta não apurada, situada entre essa outra e 21 de dezembro de 2023, os Réus construíram uma parede em alvenaria para separar a fração referida no nº 5 do armazém contíguo.
17. Após a edificação dessa parede, o acesso à fração referida no nº 2 ficou totalmente impossibilitado, salvo, a pé e com utilização de escadas, pelo nº 3-C da Rua…, mediante autorização do respetivo proprietário (um terceiro à ação).
18. Em situação de incêndio, inundação ou qualquer outra que implique utilização de meios de socorro, não existe outro acesso além desse ao armazém referido no nº 2, não existindo, nomeadamente, acesso através de veículo automóvel.
19. Após a edificação da referida parede ficaram no interior da fração referida no nº 2 equipamentos para a instalação de um estabelecimento de pastelaria numa outra fração autónoma, de que o Autor é proprietário e que deu em arrendamento a um terceiro.
20. No prédio referido no nº 1 existiu, pelo menos, desde 2002 até data concreta não apurada anterior a 2011, uma escada que fazia a ligação entre o piso intermédio do edifício e o armazém referido no nº 2 e que, através das frações designadas pelas letras “C” e “D” do mesmo prédio, permitia o acesso à rua.
21. O Autor pagou os seguintes valores de renda, no âmbito do acordo referido no nº 3:
- no 1º trimestre de 2023 – 3.042,69 euros;
- no 2.º trimestre de 2023 – 3.122,73 euros;
- no 3.º trimestre de 2023 – 3.159,23 euros;
- no 4.º trimestre de 2023 – 3.182,13 euros;
- no 1.º trimestre de 2024 – 3.176,75 euros;
- no 2.º trimestre de 2024 – 3.141,03 euros;
- no 3.º trimestre de 2024 - 3.141,91 euros;
- no 4.º trimestre de 2024 – 3.093,35 euros;
- no 1.º trimestre de 2025 – 3.033,75 euros.
22. Na execução do mesmo acordo pagou, a título de imposto municipal sobre imóveis, em cada um dos anos de 2023 e 2024, a quantia de 267,57 euros.
23. Em comissões pelo pagamento desses impostos, o Autor pagou à Caixa Geral de Depósitos, S.A a quantia de 110,70 euros.
24. Em despesas comuns do condomínio, relativas à fração referida no nº 2, o Autor pagou, no ano de 2023, 84,53 euros e, no ano de 2024, 114,58 euros.
25. O mesmo despendeu a quantia de 299,05 euros, na obtenção de documentos para instruir a presente ação e em registos postais de cartas dirigidas aos Réus.
26. Os factos descritos nos nºs 15 a 17 causaram ao Autor ansiedade, angústia, revolta e sentimento de injustiça.
27. O edifício de que faz parte a fração referida no nº 2 foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública, outorgada em 20 de novembro de 1962, por M… e mulher V…, na qual estes declararam serem proprietários de um prédio urbano “que se compõe de cave com a designação de armazém, com um único compartimento, rés-do-chão, com cinco lojas, uma habitação e casa da porteira, e primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto andares” e ainda que a fração letra A corresponderia a “cave destinada a armazém, com uma só divisão”.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Dos factos relevantes para a decisão de mérito não se provou:
a) Que um dos fatores que levou o Autor a adquirir a fração referida no nº 2 dos factos provados tivesse sido a localização, a dimensão e o fácil acesso que a mesma tem por automóvel.
b) Que exista no fração referida no nº 2 dos factos provados uma rutura na canalização de águas pluviais, que provoca uma inundação desse espaço sempre que chove, cuja reparação, já agendada, não se realizou por o portão do n.º 5-C se encontrar fechado.
c) Que o Autor tenha uma entrada direta para a fração referida no nº 2 por umas escadas, as quais sempre permitiram o acesso a esse espaço.
d) Que após terem colocado o cadeado no portão os Réus tenham permitido o acesso do Autor para retirar uma carrinha com bens desse espaço.
e) Que o Autor tenha despendido, no pagamento de seguro de responsabilidade civil relativo à fração referida no nº 2 dos factos provados, o valor de 231,32 euros.
f) Que o mesmo tenha despendido, no pagamento de seguro “multirriscos” da mesma fração, a quantia de 376,34 euros.
g) Que a situação de doença do Autor se tenha agravado por causa da atuação dos Réus descrita nos factos provados, tendo o Autor despendido, em consequência, a quantia de 273,20 euros.
h) Que o Autor tenha despendido em contribuição para o condomínio, relativamente à fracção referida no nº 2 dos factos provados, no ano de 2025, 168,48 euros.
i) Que o mesmo tenha despendido, no mesmo ano, com seguros, 98,19 euros e 57,83 euros”.
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3.2. O Direito
3.2.1. Da Nulidade Invocada
Os Réus defendem que o tribunal a quoextravasou o pedido ao julgar parcialmente procedente a acção, por considerar que se verifica uma ilegalidade do título constitutivo da propriedade horizontal e uma servidão de passagem, pelo que a sentença é nula, nos termos da alínea d) do nº1 do art. 615º do Código de Processo Civil”, sendo que na petição inicial o Autor não peticionou que fosse reconhecida uma servidão de passagem, nem alegou ou peticionou a invalidade do título constitutivo de propriedade horizontal.
Ao proferir o despacho que admitiu o recurso interposto, o tribunal a quo não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos arts. 641º, nº 1 e 617º, nº 1 do CPC. A omissão deste despacho não determina necessariamente a remessa dos autos à primeira instância para tal efeito (cfr. nº 5, do referido art. 617º), cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável (neste sentido Abrantes Geraldes, in Recursos no Processo Civil, 7ª ed., p. 215).
No caso dos autos, tendo presente a natureza das questões suscitadas e o enquadramento que devem merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
De acordo com o a al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A causa desta nulidade está directamente relacionada com o art. 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Como refere António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed, pág. 782, “Sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, o juiz deve limitar-se às questões que tenham sido invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al.d), in fine. A qualificação jurídica dos factos é de conhecimento oficioso (art. 5º, nº 3), mas esse poder não pode deixar de ser conjugado com outras limitações, designadamente aquelas que obstam a que seja modificado o objecto do processo (integrando tanto pelo pedido como pela causa de pedir) ou as que fazem depender um determinado efeito da sua invocação pelo interessado como ocorre com a anulabilidade (…)”.
Na fundamentação pode ler-se: “Se as três frações autónomas que constituem a cave dos três edifícios, já eram, à data da referida constituição da propriedade horizontal, um desvio à lei, essa ilegalidade resulta mais vibrante quando se verifica que duas delas têm saída para a via pública através de uma fração autónoma que não está sequer no mesmo prédio, mas em prédio alheio.
Isto posto, parece inevitável concluir que há uma ilegalidade congénita no título constitutivo da propriedade horizontal.
Essa ilegalidade (cujo efeito negativo mereceria aturada discussão, uma vez que o Decreto-Lei nº 40 333 não contém norma equivalente ao art.º 1416.º do Código Civil) não tem, salvo melhor juízo, o efeito pretendido pelos Réus. Esse efeito é obstar à restituição da posse do armazém, para tanto, refutando a servidão de passagem por contrária à lei.
A restituição da posse não pode negar-se, quando, como atrás se viu, os Réus estão a privar o Autor do uso que é objeto do seu direito.
A posse sobre uma servidão de passagem a favor do prédio de que faz parte a fração do Autor e que onera o prédio em que se integra a fração dos Réus, afigura-se, face ao manancial de factos provados, incontornável (nºs 8, 9, 10, 12, 13, 14 e 17 da fundamentação de facto) (arts. 1543.º e 1544.º do Código Civil).
Afirmar que essa servidão não pode existir por ser contrária ao regime jurídico da propriedade horizontal, é negar a realidade, brandindo contra ela o Direito, com o qual aquela deveria conformar-se, mas não se conforma. E não se conforma, porquanto, como se disse, a constituição da propriedade horizontal, estando errada, não permite, como se viu, que a fração do Autor tenha uma saída independente”.
Antes de mais, facilmente se pode concluir que o tribunal a quo não “extravasou o pedido ao julgar parcialmente procedente acção”, não só porque não reconheceu formalmente a existência de uma servidão de passagem, como também não declarou a ilegalidade do título constitutivo da propriedade horizontal, o que, a ter acontecido, acarretaria a nulidade prevista na al. e) do nº 1 do art. 615º do CPC.
É verdade que a Exmª Srª Juiz a quo tece considerações sobre a “ilegalidade congénita no título constitutivo da propriedade horizontal” dos prédios descritos nos factos provados, mas fá-lo na sequência da defesa dos Réus, que sustentam que a autonomia das fracções autónomas no regime da propriedade horizontal torna juridicamente impossível o uso de fracção alheia para chegar à via pública e, em consequência, a existência de uma servidão de passagem a onerar a sua propriedade. De qualquer forma, deixa bem claro que não cabe no objecto da acção discutir os efeitos jurídicos da apontada ilegalidade.
Por outro lado, a alusão à servidão de passagem a favor da fracção de que o Autor é locatário financeiro tem por base o alegado na petição inicial (cfr. arts. 9º, 10º, 13º, 16º e 22º), que mereceu impugnação por parte dos Réus na contestação.
Significa isto que o tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que não tivessem sido levantadas e discutidas nos autos, pelo que não se pode dizer que tenha havido excesso de pronúncia nos termos do art. 615º, nº 1, d), in fine e, como tal, improcede a nulidade invocada.
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3.2.2. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Em sede de recurso, os recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância, designadamente o ponto 6, para o qual defendem uma nova redacção, os pontos 8 a 10 dos factos provados, que pretendem que transitem para os factos não provados e, por fim, sustentam que o tribunal a quo desconsiderou factos relevantes para a decisão.
O artigo 640º do CPC impõe ao recorrente o ónus de:
a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Todavia, para que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto seja admitida, não é necessário que todos os ónus estabelecidos no artigo 640º, do CPC, constem obrigatoriamente da síntese conclusiva.
Nesta conformidade, enquanto a especificação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados deve constar obrigatoriamente da alegação e das conclusões recursivas, já não se torna forçoso que constem da síntese conclusiva a especificação dos meios de prova, e muito menos, a indicação das passagens das gravações.
Quanto a elas, basta que figurem no corpo da alegação, desde que nas conclusões se identifique, com clareza, os concretos pontos de facto que se impugnam e a decisão que sobre eles se pretende que recaia” (cfr. Ac. do STJ de 12/7/2018, proc. 167/11.2TTTVD.L1.S1).
Recentemente, o STJ, através do Ac. Uniformizador de 17/10/2023, fixou a seguinte jurisprudência: “nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
Entendemos que o recurso interposto pelos recorrentes relativo à impugnação da matéria de facto cumpre o ónus imposto pelo art. 640º do CPC, pelo que passaremos à análise da referida impugnação.
Apreciando.
Do ponto 6 dos factos provados consta o seguinte:
“Os prédios referidos nos nºs 1 e 5 são contíguos, sendo a fração “A” do primeiro correspondente à cave 1-A, a fração “A” do segundo à cave 5-A e pertencendo a cave 3-A a um terceiro”.
Os recorrentes defendem que, na realidade, o prédio referido no nº 1 é contíguo à cave 3-A, pertencente a um terceiro, que por sua vez é contígua à cave 5-A. Assim, devia ser dado como provado que “O prédio referido no nº 1 é contíguo à cave 3-A que pertence a um terceiro, que por sua vez é contigua à cave 5-A”.
Na motivação, o tribunal a quo refere que este facto provado mereceu o acordo das partes nos respectivos articulados.
Na petição inicial, o Autor alegou, no ponto 8, que “Os prédios acima referidos [as fracções autónomas identificadas nos arts. 6 e 7 da p.i.] são contíguos sendo o do A. correspondente à cave 1-A. E a dos RR. correspondente à cave 5-A. E a cave 3-A é de outro proprietário”. Na contestação, os Réus aceitaram o teor dos arts. 6, 7 e 8 da petição inicial.
Acontece que a sentença, ao identificar os prédios referidos na petição inicial, descreve no ponto 1 apenas o prédio “descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº…, um prédio situado, na mesma freguesia, na Rua …” sem fazer menção à fracção autónoma de que o Autor é locatário financeiro, a qual apenas descreve no ponto 2. Já o mesmo não acontece com o ponto 5 dos factos provados, onde vem descrita a fracção e o prédio da qual faz parte, referindo-se que os Réus têm inscrito a seu favor na CRP a “fracção autónoma, designada pela letra “A”, descrita como “cave, destinada a armazém, com entrada pelo nº 5-C”, do prédio sito na Rua…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº …”.
Ao mencionar no ponto 6 dos factos provados que os prédios referidos no ponto 1 e no ponto 5 são contíguos, não se adere ao alegado no art. 8 da petição inicial, pois o Autora queria claramente fazer referência às fracções autónomas de Autor e Réus e a uma terceira fracção. Por outro lado, resulta dos documentos juntos com a p.i., que o prédio identificado no ponto 1 não é, efectivamente, contíguo ao prédio onde se situa a fracção identificada no ponto 5. De permeio, existe um terceiro prédio, também sito na Rua …, com os nºs 3-A, 3-B e 3, onde se situa outra fracção autónoma, a cave 3-A, de um terceiro proprietário.
Assim, considerando os documentos juntos aos autos com a p.i., nomeadamente os doc. 3, 4, 5 e 6 deve dar-se provimento à impugnação dos Réus, passando a constar do ponto 6 a seguinte redacção:
“A fração autónoma descrita no ponto 2 é contígua à cave 3-A que pertence a um terceiro, que por sua vez é contígua à cave 5-A, descrita no ponto 5”.
Quanto ao pontos 8, 9 e 10 dos factos provados, foi a seguinte a motivação do tribunal: “Nºs 8 e 9 – Sobre a construção, licenciamento de utilização e constituição em propriedade horizontal do prédio de que faz parte a fração autónoma de que o Autor é locatário financeiro (fração A do prédio nº …) encontra-se junta abundante documentação aos autos, dela resultando, de forma concordante, que as caves dos três prédios da Rua…, onde se localizam os armazéns versados na ação, sempre tiveram um portão de acesso único e comum pelo nº 5-C da mesma rua. Esse facto é atestado na informação lavrada pela testemunha R… (arquiteto, funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, onde exerce funções como chefe de divisão do Departamento de Apoio à Gestão Urbanística) datada de 12 de setembro de 2023 e junta com a petição inicial, é confirmado pelo auto de vistoria para licenciamento datado de 13 de agosto de 1962 (do qual resulta textualmente em “nota”, o seguinte: “a cave faz parte duma ocupação cuja entrada é pelo prédio vizinho nºs.5-A, 5-B e 5-C de polícia”) e pelo auto de vistoria para a constituição da propriedade horizontal em 9 de outubro de 1962 (neste se lendo “o piso em cave e com a designação de armazém, na zona correspondente ao mesmo prédio e que é constituído atualmente por um único compartimento independente que se prolonga, também em cave, para além da respetiva periferia do próprio prédio, sob dois outros novos prédios. Com os nºs 3, 3-A, 3-B e 5-A, 5-B, 5-C, tendo entrada pelo portão, com o nº 5-C do prédio a que corresponde a mesma numeração”).
Sem embargo do que infra se dirá quanto à demonstração da existência, num determinado intervalo de tempo, de uma escada a ligar o armazém do Autor ao piso intermédio do prédio (sobreloja ou mezanino) não foi produzida qualquer prova que permitisse estabelecer o uso de um acesso distinto ao referido armazém, não existindo, segundo se crê, qualquer evidência da construção de escadas como aquelas que unem o nº 3-C (ao nível do piso intermédio) ao armazém imediatamente abaixo, tanto mais que, como bem resultou da inquirição da testemunha acima identificada, a abertura da porta que hoje corresponde ao nº 1-C (mezanino do prédio nº 1313) resultou de uma alteração introduzida em 1984 (processo nº 998/OB/84, pelo qual foi licenciada uma alteração de fachada, abrindo uma porta onde estava uma janela), não havendo evidência de licenciamento, nesse mesmo processo, de qualquer escada. A inspeção judicial ao local, cujos termos constam reproduzidos no filme junto em “pendrive” aos autos, permitiu verificar que o acesso comum dos três armazéns é efetivamente o referido portão, não existindo, de novo, qualquer indício de escada que permita sair autonomamente do armazém do Autor.
Nºs 10, 12 e 13 – Além do que resulta das plantas e autos de vistoria juntos e acima mencionados, bem como dos resultados da inspeção judicial, a convicção sobre esses factos foi extraída da conjugação dos depoimentos das testemunhas G… (foi arrendatário dos três armazéns através dos escritos que constam como documentos nºs 18, 19 e 20 do articulado de aperfeiçoamento da petição inicial e que são datados de 1993 e 1996, tendo todas as locações, como senhorios, elementos da família “A…”, registando-se ainda que de todos eles contêm uma cláusula que impede a denuncia separada dos demais, assim revelando a unicidade que caracterizava o espaço das três frações) e J… (atualmente arrendatário do Autor nas lojas onde se encontra o estabelecimento de pastelaria, com entrada pela Rua …, conhece bem os espaços em causa por ter crescido na zona)”.
Defendem os Réus que não devia ter sido dado como provado que desde 1962 o portão de acesso com o número de polícia 5C é único e comum aos três armazéns, desde logo por estar em contradição com o ponto 20 dos factos provados, na medida em que resulta deste que “No prédio referido no nº 1 existiu, pelo menos, desde 2002 até data concreta não apurada anterior a 2011, uma escada que fazia a ligação entre o piso intermédio do edifício e o armazém referido no nº 2 e que, através das fracções designadas pelas letras “C” e “D” do mesmo prédio, permitia o acesso à rua”. Mais alegam que resultou da inspecção ao local que o acesso ao armazém do prédio com o nº 3 é feito pelo portão de acesso com o nº 3 C que tem uma escada de acesso ao referido armazém. Acresce que o Autor, em sede de declarações confessou que desde 1984 e até 2011 existia uma escada que permitia a saída do armazém através de umas escadas com acesso à porta 1C. Por fim, recorrem às declarações da testemunha M…, filho do construtor do prédio descrito no ponto 1 dos factos provados, para contrariar a convicção a que chegou a Srª Juiz a quo.
No caso dos autos, ouvidos os depoimentos das testemunhas indicadas nesta parte da motivação, as declarações de parte do Autor e depoimento da testemunha M…, bem como analisada criticamente e de forma conjugada os documentos juntos aos autos, nomeadamente os documentos juntos com a petição inicial, designadamente os docs. nºs 3 a 7 e fotografias docs. 8 a 17, contrato de arrendamento doc. 19 – celebrado entre os anteriores proprietários e a testemunha G… – juntos com a petição inicial e fotografias juntas com a contestação, bem como o resultado da inspecção judicial, cujo auto foi lavrado a 31/1/2025, não podemos deixar de aderir à fundamentação do tribunal a quo, com excepção de uma alteração de facto que se entende ser necessário introduzir no ponto 8 dos factos provados, como se esclarecerá infra.
Conforme referido na motivação, a testemunha R…, arquitecto da Câmara Municipal de Lisboa, a exercer funções como chefe de divisão do Departamento de Apoio à Gestão Urbanística, prestou a informação datada de 12 de Setembro de 2023, junta com a petição inicial; chamado a depor em tribunal foi de grande relevância para esclarecer o tribunal quanto às plantas juntas com a petição inicial e pelos Réus com o requerimento de 3/2/2025 e os autos de vistoria para constituição de propriedade horizontal de 9/10/1962 e para licenciamento datado de 13 de Agosto de 1962, dos dois documentos resultando que a cave, com designação de armazém, fracção “A” do prédio descrito no ponto 1 dos factos provados, é contígua às caves de mais dois edifícios, com os nºs 3, 3-A, 3-B e 5-A, 5-B, 5-C, tendo entrada pelo portão com o nº 5-C.
A testemunha G…, arrendatário dos três armazéns até há cerca de 25 anos, sendo senhorios “elementos da família A…”, os construtores dos três edifícios, conforme documentalmente (contrato promessa de arrendamento e contratos de arrendamento correspondentes às fracções “A”, caves/armazém, de cada um dos prédios constituídos em propriedade horizontal com os números de porta 1, 1A e 1B, 3 a 3B e 5 a 5c, celebrados entre Agosto de 1993 os dois últimos e, Outubro de 1996 o primeiro, declarou que durante muitos anos fez uso da referida cave, unificada, para o exercício da sua actividade comercial, com uma única entrada pelo portão 5C. Como se salienta na sentença recorrida os referidos contratos “contêm uma cláusula que impede a denuncia separada dos demais, assim revelando a unicidade que caracterizava o espaço das três fracções”.
A testemunha J…, actual arrendatário das lojas onde se explora um estabelecimento de pastelaria, com entrada pelo nº 102A e 102B da Rua …, revelou ter conhecimento dos edifícios e espaços em causa, na medida em que foi nascida e criado na zona, tendo mencionado que quando celebrou o contrato de arrendamento com o Autor chegou a utilizar a cave, fracção “A”, identificada no ponto 2 dos factos provados, com autorização deste, para guardar material necessário à instalação do estabelecimento de pastelaria e que a entrada foi feita, necessariamente pelo portão 5C, por não haver qualquer outro acesso de automóvel para a referida cave, unificada com as demais. Sempre conheceu aquela entrada como único acesso, de automóvel, para aquele armazém, o que acontecia já no tempo da testemunha G…. Finalmente, acabou por explicar que depois de os Réus terem impedido o acesso à cave, conforme referido no ponto 15 dos factos provados, esteve vários meses sem poder retirar o “material” que tinha guardado no armazém e era essencial para iniciar a sua actividade, mas que, depois, por cortesia do proprietário da fracção com entrada pela 3C, conseguiu fazer sair esse referido material por esse portão, que tem acesso à cave através de umas escadas.
Das declarações de parte do Autor resulta que, efectivamente, existiram umas escadas na fracção descrita no ponto 2 dos factos provados que, em tempos deram acesso a um piso intermédio. Em 2002, quando visitou as lojas com números de porta 102A, B e C, da Rua …, estas davam acesso a um piso intermédio e foi nessa altura que percebeu que esse piso dava acesso à cave, por umas pequenas escadas. Nesse piso intermédio, havia uma janela que foi transformada em porta, em 1984, dando lugar ao 1C, para servir uma loja, de que também é arrendatário. Mas, como esclareceu, quando celebrou o contrato de leasing referente a essas fracções, e quando tomou “posse” das mesmas, já o referido piso intermédio estava “entaipado”, sem acesso à cave, deixando de ver as escadas. Só mais tarde, em 2011, em resultado do culminar de um projecto de alteração na Câmara, é que as lojas passaram a ter serventia do piso intermédio e, nessa altura, já não havia escada para a cave.
A testemunha M…, filho do construtor do prédio descrito no ponto 1 dos factos provados, explicou a razão de ser de as caves serem um espaço único e confirmou que até os Réus contruírem a parede referida no ponto 16, o acesso a todo o espaço inferior, comum aos três prédios sempre foi feito, por carro, pelo portão 5C. Apesar disso, explicou que quando negociou com o Autor a venda da fracção autónoma “A”, não entregou a chave do portão 5C e disse-lhe que devia separar a dita fracção das restantes. Esclareceu, ainda, que a fracção identificada no ponto 2 dos factos provados tinha dois pisos, correspondendo um deles ao tal piso intermédio, o que se passava igualmente com a fracção “A” do prédio com o nº 3. Nessa altura havia duas escadas que serviam as duas referidas fracções, com acesso a esses pisos intermédios, tipo mezaninos. Segundo esta testemunha, foi a utilização do espaço hoje destinado a cabeleireiro que impediu o acesso à fracção do Autor, pois era daí que se acedia, por escada a essa fracção.
Relacionado com esta matéria, concorda-se totalmente com o teor da argumentação desenvolvida pelo tribunal a quo quanto à al. c) dos factos não provados, e à desvalorização deste depoimento, pois como ali se escreveu, quando questionada sobre a entrada de automóvel para o armazém, a testemunha disse que “não era possível, sempre tendo sido assim. Este depoimento é totalmente desconforme com a restante prova, quer documental quer testemunhal, sobre o acesso ao armazém, é desconforme, aliás, com a afetação do espaço a armazém (constando da referida escritura de compra e venda, aliás, a afetação a “armazém e a actividade industrial”), bem como com a informação camarária, lavrada em 5 de setembro de 1961 (nº 3767/4ª-C), produzida pela Repartição de Viação e Trânsito da CML quanto às condições de utilização de automóvel e manobrabilidade dentro do espaço da cave, nela se lendo textualmente: “Esta Repartição informa que com as alterações propostas se pretende unir as caves dos lotes 743, 744 e 745, formando um todo que se destinará a armazém, com entrada situada ao nível do r/chão no alçado lateral poente do 1.º lote indicado. Mais se informa que, do ponto de vista do trânsito, não se vê inconveniente no que se projecta dado que o armazém apresenta um acesso de 6.00m de largura, seguida de patamar em 5.00m, seguido de rampa com i=18, permitindo a entrada de veículo em manobra”.
Acontece que desde 1962, tal como consta dos documentos já mencionados, autos de vistoria para constituição de propriedade horizontal e para habitação e ocupação, a cave do prédio nº 1, fracção “A” era um espaço aberto, contíguo às caves dos edifícios com os nºs 3 e 5 e com entrada pelo portão 5C. Naquela data esse era, sem dúvida, o único acesso à dita fracção de que hoje é locatário financeiro o autor. Como referido pela testemunha R…, no ano de 1983, há um projecto de alteração com vista a unir as duas lojas de que o Autor viria a ser proprietário a partir de 2002, que se tornam extensíveis à cave, por escadas. Nesta fase, projectam umas escadas das lojas para o piso intermédio. Em 1984, há um novo projecto, e prolongam piso intermédio em extensão, para a zona inferior do prédio nº 3. É nesta altura que aparece a porta 1C, alteração de fachada, resultante da transformação de uma janela desse piso intermédio que, neste momento, dá acesso à fracção da pastelaria. Tudo isto foi regularizado num mais recente projecto de 2011, em que teve intervenção a testemunha R…, e que visava regularizar as alterações efectuadas até então, ao nível das arrecadações, casas de banho, escadas intermédias).
Tendo em conta o exposto, resulta claro o teor do ponto 20 dos factos provados, pois, pelo menos desde 2002 até data não apurada de 2011, existiu a tal escada de acesso entre o piso intermédio e a fracção identificada no ponto 2 dos factos provados e que através das fracções “C” e “D” dava acesso à rua.
Ao mesmo tempo, não se pode deixar de considerar que o ponto 8 dos factos provados não corresponde totalmente à verdade. É certo que desde 1962 o portão 5C é o único que dá acesso, por automóvel, aos três armazéns situados ao nível da cave dos respectivos prédios (pensamos que era a este tipo de acesso que as vistorias já mencionadas faziam referência ao referirem como único acesso às três fracções o portão nº 5C), mas nem sempre foi esse o único acesso. Por um lado, desde 1984 até, pelo menos, ao ano de 2002, altura em que o Autor visitou as fracções/lojas a comprar, as lojas tinham acesso à cave, passando por um piso intermédio. Ou seja, a cave chegou a ter acesso à rua, a pé, por outro meio que não o referido portão 5C. Por outro lado, a fracção “A” do prédio nº 3 tem entrada para a cave através de um portão com o nº 3C, constituído por duas folhas, com uma largura de 2,20 metros e sem acesso automóvel, a partir do qual se acede a umas escadas em mármore e permitem chegar à fracção “A” desse mesmo prédio e à fracção autónoma identificada no ponto 2, que lhe é contígua (conforme resulta do auto de inspecção).
Não procedendo totalmente a pretensão dos Réus quanto ao ponto 8 dos factos provados, impõe-se, antes, uma alteração na sua redacção.
Assim, o ponto 8 passará a ter a seguinte redacção:
8. Existe, desde a data da conclusão dos edifícios em 1962, um portão que é o único acesso por automóvel, comum aos três armazéns situados ao nível da cave desses prédios (incluindo os que constituem as frações descritas no nº 2 e no nº 5), que tem o número de polícia 5-C da Rua …”.
Por tudo o que se expôs, a impugnação dos pontos 9 e 10 dos factos provados improcede, uma vez que os Réus de forma alguma conseguiram esgrimir argumentos capazes de infirmar a conclusão a que chegou o tribunal a quo. Note-se que em nenhum destes pontos se refere, ao contrário do que acontecia no ponto 8 dos factos provados, que o portão com o nº 5C é a única entrada para os armazéns situados ao nível da cave dos três prédios, sendo incontornável, com base nos elementos de prova já referidos e mencionados na motivação da sentença, que os proprietários daqueles armazéns sempre se serviram do referido portão com o número 5C para entrar e sair dos referidos espaços.
Com a impugnação da matéria de facto, os Réus sustentaram, ainda, que o tribunal a quo desconsiderou factos relevantes que deveriam ter sido dados como provados, na sentença, nomeadamente:
“a) A fracção do A. tem entrada pelo n.º 1 C;
b) Da certidão relativa ao prédio à fracção A do prédio nº 1 e da certidão relativa à totalidade do prédio não se verifica qualquer alusão a qualquer acesso comum;
c) Existe uma escada de acesso ao armazém do prédio com o nº 3, com ligação directa para a via pública (pelo nº 3C);
d) No âmbito do respectivo anúncio de leilão electrónico, apenas constava como “ónus ou limitação” um usufruto e um arrendamento;
e) O A. é proprietário desde, pelo menos, 2002, das fracção C e D do prédio referido no nº 1, que actualmente se encontram interligadas.
f) Foi o A. que ordenou a demolição da escada referida no facto provado nº 20;
g) O espaço com entrada pelo número de polícia nº 1C, onde se localiza, actualmente, um cabeleireiro, não é fracção autónoma, mas sim parte integrante da fracção A.”.
Ora, analisados os articulados, nomeadamente a contestação, verifica-se que os Réus apenas alegaram que “a fracção do A. tem entrada pelo n.º 1 (e não pelo n.º 5C)”, que “na certidão relativa ao prédio – à totalidade do prédio - também não se verifica qualquer alusão a qualquer acesso comum” e que “os RR. adquiriram a fracção constante dos autos através de leilão electrónico, no âmbito de uma acção de divisão de coisa comum”, sendo que “No âmbito do respectivo anúncio, apenas constava como “ónus ou limitação” um usufruto e um arrendamento” (arts. 15 a 18 da p.i.), nada tendo sido alegado quanto aos restantes factos que agora pretendem ver incluídos na factualidade provada. Destes, apenas o primeiro poderia ter relevância para a decisão da causa, mas como já dissemos, resultou não provado que o Autor tivesse uma entrada directa para a fracção referida no ponto 2 por umas escadas, as quais sempre permitiram o acesso a esse espaço (cfr. al. c) dos factos não provados), sendo que também não resultou das declarações do Autor, ao contrário do afirmado nas alegações dos recorrentes, que tivesse sido este a ordenar a demolição de tais escadas (al. f) dos factos que os recorrentes pretendem ver incluídos na factualidade provada, directamente relacionada com a primeira alínea).
Desta forma, improcede, também aqui a impugnação da matéria de facto.
*
3.2.3. Da subsunção jurídica
Cumpre, agora, analisar se, em face da matéria de facto, a sentença sob recurso pode manter-se.
Com a presente acção, o Autor pretendia que fosse ordenada a restituição à sua pessoa da posse do armazém, correspondente à fracção autónoma descrita no ponto 2 dos factos provados e os Réus condenados a abrir o portão que dá acesso ao referido armazém, sem qualquer obstáculo e a demolirem a parede feita a tijolo edificada junto à cave nº 3 e a desobstruírem quaisquer obstáculos que o impeçam de circular livremente, de pessoas e bens, em tal armazém. A primeira instância deu provimento a estas pretensões do Autor.
Apreciemos.
A sentença recorrida inicia com uma correcta e bem fundamentada caracterização da posição jurídica do Autor enquanto locatário financeiro da fracção autónoma descrita no ponto 2 dos factos provados, pelo que reproduzimos o que aí foi escrito a respeito:
O Autor é o locatário financeiro de uma fração autónoma de um prédio, cuja finalidade é armazém (nºs 1 e 4 dos factos provados).
Sendo o pedido primeiro destes autos a condenação dos Réus na restituição do Autor à posse dessa fração (o que leva a enquadrar a ação no disposto no art.º 1278.º, do Código Civil) a primeira questão a decidir é saber se o Autor é possuidor da fração autónoma ou, não o sendo, se pode utilizar a tutela possessória para defender o uso que faz da coisa.
Segundo o Professor Menezes Leitão “só pode recorrer às acções possessórias quem detenha a posse da coisa nos termos de um direito real (art.º 1251.º), incluindo os direitos reais de garantia susceptíveis de posse (art. 670.º, a) e 758.º) ou nos termos de um direito pessoal de gozo que beneficie dessa tutela (arts. 1037.º, nº 2, 1125.º, nº 2, 1133, nº 2, e 1188.º, nº 2)” (Direitos Reais, 7ª edição, pág. 147, Almedina).
O Autor titular do direito à utilização da fração autónoma no âmbito de um contrato de locação financeira, contrato esse que a lei descreve como aquele “pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nelo determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados” (art.º 1.º do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de junho).
De acordo com o disposto no art.º 10.º, nº 2, alínea a) do regime da locação financeira, assiste ao locatário financeiro o direito de “defender a integridade do bem e o seu gozo, nos termos do seu direito”, concretizando a alínea c) que ele tem direito a “usar das acções possessórias, mesmo contra o locador”.
A extensão da tutela possessória ao locatário financeiro é assim equivalente à dispensada pelo art.º 1037.º nº 2 do Código Civil ao locatário comum (quanto a essa extensão, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de junho de 2005 no processo nº 6958/2005-6 e de 7 de abril de 2022, no processo nº 10662/20.7T8LSB-A.L2-2, ambos em www.dgsi.pt).
Essa extensão permite ao Autor lançar mão da ação prevista no art.º 1278.º, nº 1 do Código Civil”.
Porque os Réus, na contestação, sustentaram que a autonomia das fracções autónomas no regime da propriedade horizontal torna juridicamente impossível o uso de fracção alheia para chegar à via pública e, como tal, a existência de uma servidão de passagem que onere a sua propriedade, a sentença prossegue discorrendo sobre a constituição da propriedade horizontal em causa, que remonta a 1962, para concluir que “há uma ilegalidade congénita no título constitutivo da propriedade horizontal”, mas que essa ilegalidade não tem “a virtualidade de obstar à restituição da posse do armazém, para tanto, refutando a servidão de passagem por contrária à lei”, ali se afirmando que “A restituição da posse não pode negar-se, quando, como atrás se viu, os Réus estão a privar o Autor do uso que é objeto do seu direito.
A posse sobre uma servidão de passagem a favor do prédio de que faz parte a fração do Autor e que onera o prédio em que se integra a fração dos Réus, afigura-se, face ao manancial de factos provados, incontornável (nºs 8, 9, 10, 12, 13, 14 e 17 da fundamentação de facto) (arts. 1543.º e 1544.º do Código Civil).
Afirmar que essa servidão não pode existir por ser contrária ao regime jurídico da propriedade horizontal, é negar a realidade, brandindo contra ela o Direito, com o qual aquela deveria conformar-se, mas não se conforma. E não se conforma, porquanto, como se disse, a constituição da propriedade horizontal, estando errada, não permite, como se viu, que a fração do Autor tenha uma saída independente.(…)
Face ao exposto, procederá a restituição da posse peticionada pelo Autor, nela se incluindo os pedidos formulados sob as alíneas b) a d) do petitório e que visam executar plenamente essa restituição” (sublinhado nosso).
Nas suas alegações, os recorrentes defendem que o recorrido limitou-se a pedir a restituição da posse do seu armazém e não a posse do “acesso” ao armazém, ou a posse de parte da fracção autónoma dos recorrentes e que o tribunal a quo, ao decidir como decidiu, está a permitir que recorrido “passe” pela da fracção autónoma dos recorrentes, lesando o seu direito de propriedade, sem que tenha alegado e provado a posse sobre esta fracção (ou parte dela) e sem que tenha sido pedida e provada a constituição de uma servidão legal de passagem.
Antes de mais, importa notar que não é objecto desta acção a validade ou invalidade do acto constitutivo da propriedade horizontal do prédio onde se situa a fracção do Autor (nem, tão pouco, dos prédios contíguos), pelo que não nos pronunciaremos sobre a referida questão, como o fez e salientou a Srª juiz a quo na sentença recorrida.
Assente que está que ao recorrido, como locatário financeiro, é permitido lançar mão da acção prevista no art. 1278º, nº 1 do CC (manutenção e restituição da posse), vejamos se a sua pretensão podia ter vencimento, tal como decidido em primeira instância.
O art. 1251º do CC define a posse como o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao direito de propriedade ou de outro direito real.
A posse adquire-se: a) pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito; b) pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor; c) por constituto possessório; d) por inversão do título da posse, diz-nos o art. 1263º do CC.
Para distinguir a posse da mera detenção importa ainda que o corpus (os actos matérias públicos e reiterados) sejam acompanhados do elemento subjectivo, o qual é revelado através de factos demonstrativos da intenção e convicção da titularidade do direito real correspondente.
A posse e a aquisição nela fundada tem como pressuposto a publicidade inerente à fruição evidente, à vista de todos (pública e notória) de uma coisa ou direito, por um determinado tempo. Funda-se numa manifesta aparência do direito. Exercidos os actos materiais à vista de todos pode entender-se a criação de uma presunção de titularidade. Protege-se a posse, porque em regra o possuidor tem o direito que a justifica.
Na petição inicial, o Autor alegou que a única entrada para três armazéns é o portão 5C, que faz parte da fracção autónoma dos recorrentes, referindo que existe uma “servidão de passagem legalmente constituída desde 1962” (cfr. art. 22 da p.i.), mais alegando que as fracções/caves dos três edifícios eram propriedade da família “A…” (cfr. arts. 9 e 10 da p.i.), que utiliza o mencionado armazém/cave 1-A para guardar material de hotelaria, máquinas, vitrines, armários, prateleiras de aço e inox, além de outros objectos não só do Autor como também de pessoas que pedem para ali guardar materiais, que utiliza o referido portão desde a “aquisição” da sua fracção autónoma em 2020, para aí entrar com veículo de transporte de mercadorias, à vista de toda a gente sem oposição de quem quer que seja ou for (crf. arts. 11 e 13 da p.i.) e que os Réus, desde a aquisição da sua fracção autónoma e até ao dia 25/5/2023 nunca causaram qualquer impedimento ou proibição de acesso ao armazém do Autor pelo mencionado portão, que é a única entrada de acesso à cave por veículos (cfr. arts. 15 e 16 da p.i).
O Autor pede a restituição da posse da sua fracção autónoma, a cave descrita no ponto 2 dos factos provados, mas do que realmente se trata é da restituição da posse de uma determinada parcela de terreno, com acesso pelo dito portão, pela qual tem de passar para aceder à sua cave, pressupondo, pois, a existência de uma servidão legal de passagem a favor do prédio do Autor e que onera os prédios que lhe são contíguos, designadamente o dos recorrentes (onde se situa o portão que dá o único acesso automóvel a todas as caves).
A servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia - cfr. art. 1543º do CC.
A servidão, como direito real de gozo sobre coisa alheia, limita o gozo efectivo do proprietário dessa coisa, na medida em que inibe este titular de praticar actos que possam prejudicar o exercício daquele direito, em benefício do titular do direito de servidão, benefício que se traduz em utilidades para o dono do prédio dominante, mas que este só pode gozar como tal e por intermédio do seu prédio.
A classificação mais relevante das servidões prediais é a que as cinde em legais e voluntárias. As servidões legais podem ser constituídas, na falta de constituição voluntária, por sentença judicial ou decisão administrativa, dizem-se coactivas ou judiciais (art. 1547º, 2 do CC). As servidões voluntárias são constituídas no exercício da autonomia privada.
As servidões legais não resultam imediatamente da lei. A expressão servidão legal, não designa casos em que a servidão é um efeito da lei, sem o concurso de um acto jurídico, mas sim os casos em que a lei concede ao titular do prédio dominante o direito potestativo de exigir a constituição da servidão. Nessa situação, ou o titular do prédio serviente colabora na constituição da servidão ou se recusa, mas em ambos os casos fala-se de servidão legal. A recusa de colaboração do prédio dominado pode ser ultrapassada por recurso ao tribunal, ou, nalguns casos, às entidades administrativas (art. 1547 nº 2 do CC). Ou seja, a servidão legal é aquela que pode ser coactivamente imposta, mesmo que não o tenha sido. Se as partes, por contrato, por exemplo, regularem a situação, a lei não deixa de considerar existente uma servidão legal, como comprovadamente decorre da circunstância da extinção por desnecessidade das servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição (art. 1569 nº 3 do CC).
Exemplo de servidão legal é a servidão de passagem prevista no art. 1550º do CC.
A sentença recorrida, na fundamentação jurídica, afirma a existência da “posse sobre uma servidão de passagem a favor do prédio de que faz parte a fração do Autor e que onera o prédio em que se integra a fração dos Réus”.
Mas que servidão de passagem?
Na verdade, como já referimos supra, o Autor alega a existência de uma servidão legalmente constituída desde 1962, mas não o demonstra. A existir, tal servidão legal deveria ter sido constituída por contrato, sentença judicial ou decisão administrativa, o que de forma alguma resulta da matéria de facto provada.
Do mesmo modo, dos factos não se retira que tenha sido constituída a favor do prédio do Autor uma servidão de passagem a onerar o prédio dos recorrentes por destinação de pai de família (art. 1549 do CC), ou por usucapião (art. 1548º do CC).
Por outro lado, a existir tal direito de servidão a favor do Autor, onerando o prédio dos recorrentes, qual seria a sua extensão? Como estaria definida, de forma a causar o menor prejuízo ao prédio serviente (art. 1565º, nºs 1 e 2 do CC)? Também não foi alegado.
Ponto assente é que o Autor não só não demonstrou a existência desde 1962 de uma servidão legal de passagem (nem sequer esclarecendo na p.i. o concreto modo da respectiva constituição), como não invocou a posse correspondente a uma servidão de passagem resultante, por exemplo, da posse aquisitiva, ao abrigo dos arts. 1287º e ss e art. 1547º, nº 1 do CC (aquisição por usucapião, mediante a demonstração de uma situação de posse que tenha determinadas características, a prática reiterada, com publicidade, dos actos correspondentes ao exercício do direito, e perdurado pelo período legalmente necessário), sendo certo que a usucapião carece de invocação (art. 303º do CC aplicável ex vi do art 1292º do mesmo Código.
Desta forma, não tendo o Autor provado a posse justificadora dos pedidos efectuados, carece de fundamento a restituição que lhe foi concedida pela sentença recorrida, com a condenação dos Réus na abertura do portão que dá acesso ao seu armazém, sem qualquer obstáculo, com a demolição da parece edificada e desobstruindo quaisquer obstáculos que impeçam o Autor de circular livremente, de pessoas e bens, no acesso (propriedade dos recorrentes) à fracção identificada no ponto 2 dos factos provados, bem como a condenação no pagamento da indemnização fixada e a liquidar, que tinha como pressuposto a perturbação da referida posse.
O recurso é, pois, procedente.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogam a sentença recorrida, julgam a acção improcedente e absolvem os Réus do pedido.
Custas da acção e da apelação pelo Autor.

Lisboa, 6/11/2025
(o presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam)
Carla Figueiredo
Teresa Sandiães
Carla Matos