Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6/18.3GAVMS-A.G1
Relator: MADALENA CALDEIRA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO EXECUÇÃO
REGIME DE PROVA
VIOLAÇÃO GROSSEIRA DOS DEVERES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. Para efeitos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão prevista no art.º 56.º, n.ºs. 1 e 2, do CP, a infração dos deveres impostos pelo plano de reinserção social, aprovado no âmbito do regime de prova, tendo de ser culposa, tanto pode ser dolosa, como negligente.
II. Constitui grosseira e reiterada violação dos deveres impostos ao arguido a insistente não comparência às entrevistas agendadas na DGRSP, a não comparência às consultas no CRI, pondo em causa, por esta via, o seu tratamento às adições ao álcool e às drogas e, até, na vertente da saúde mental, o desperdício do apoio prestado por um irmão em termos sociais, habitacionais e laborais e, por fim, a impermeabilidade revelada às múltiplas tentativas de sensibilização que lhe foram dirigidas pelo tribunal, que para o efeito agendou pelo menos 9 diligências, cujas comparências logradas foram coercivas.
III. Sendo o cumprimento efetivo da pena de prisão a última ratio, o que deve ser ponderado depois de esgotadas ou verificada a ineficácia das providências previstas no art.º 55.º, do CP é se, em virtude da conduta posterior do condenado, as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão estão irremediavelmente prejudicadas.
Decisão Texto Integral:
Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.1. Com data de 04.03.2024 foi proferido despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA, com o seguinte decisório:
Em face do exposto, determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado e, consequentemente, determino o cumprimento da pena de 3 (três) anos de prisão que lhe foi aplicada, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal.

I.2. Recurso da decisão

Inconformado, o arguido interpôs recurso do despacho, tendo extraído da sua motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):

A - Claro que a sentença não esgota a função jurisdicional, concedendo, como “ in casu” a verificação de certos cumprimentos injuntivos a entidades que não têm uma perspectiva – convém dizê-lo - de ressocialização dos arguidos.
Às boas intenções dos Tribunais, carece de um desenvolvimento de medidas aplicadas ao arguido e, claro está, não serem estipuladas medidas injuntivas que pouco ou nada tenham a ver com o crime cometido. Essas, os arguidos nunca as entenderão. Por outro lado,
Haverá de verificar-se uma “dialética” viva, operante e humanamente significativa para – com toda a integridade – avaliar-se do cumprimento das medidas impostas. Medidas que, já o dissemos, carecem de elasticidade adaptativa às condições do arguido.
B - O próprio instituto referiu em tribunal que o arguido aparentava insanidade mental. Ora,
Os direitos fundamentais do arguido não podem sofrer compressão apenas porque a DGRS diz que não tem comparecido às apresentações/ convocatórias. Embora tenha comparecido a uma ou outra entrevista. Ou melhor, mesmo no lastimoso estado mental em que, sem duvida, se encontra, não é redundantemente faltoso. Esta própria entidade o comunicou ao Tribunal “ a quo” Acto de Entidade da DGRS
Pergunta-se: Se foi convocado, quando o foi e qual (ais) o meio (s) utilizado(s).
Terá recepcionado alguma convocatória?
Encetou a DGRS alguma diligência, no sentido de saber a razão (s) da não comparência?
É que,
C - A Coordenação referiu - e bem – a urgente necessidade de tratamento psiquiátrico do arguido. O arguido não carece de reclusão. A sociedade não se revê neste tipo de prevenção, já que prevenção geral está visivelmente do “lado de fora”. Mais, a prevenção geral “desanima” com a medida proposta. A prevenção especial está também a léguas de o requerer. O necessário não é inimputáveis presos. Antes tratados.
Relativamente às consultas no Centro De Respostas Integradas, esclarece a DGRS que após várias faltas veio a comparecer no dia 31 /10/2023, após audição em Tribunal. ILUCUIDATIVO.
D - A final, se digna, perceptível e doutamente informado, lá vai comparecendo, assim a sua precária saúde não lhe tome a dianteira, “rasteirando” a razão e arruinando- lhe a memória e / ou o ânimo.
E - Mas atente-se: depois de a própria Coordenação considerar que o arguido necessitava, urgentemente, de ser seguido por um psiquiatra, qual o caminho que a DGRSP trilhou?
O seguinte: “ Em resposta ao solicitado por V. Exª cumpre-nos informar que enviamos duas convocatórias, via postal, para AA, com agendamento para os dias 21/11/2023 e 30/11/2023, datas que incumpriu, e até à presente data não compareceu nos nossos serviços. Refª ...90”. Que dizer?
Em primeiro lugar, desconhecemos se as missivas enviadas foram registadas, se foram ou não recepcionadas. Deveria o emissor fazer prova. Depois, trata-se de pura ingenuidade, hoje em dia, confiar na via postal. Isso era dantes!
F - Tratando-se, como se trata de um doente do foro psiquiátrico, sendo, como são sabedores deste triste facto, elastificaram/ desburocratizaram o procedimento, indo, como se impunha, ao encontro do arguido? Claro que não! Não será, pois, de estranhar o incumprimento. Como poderia cumprir? Decididamente, o “barco” não está em condições e os marinheiros, com o medo de afundar, não entram. O mesmo é dizer: a DGRS, não possui a aptidão necessária para o desempenho destas funções, para - jurisdicionais. Sabendo que o arguido teve o comportamento desviante que está na origem deste recurso, pelas razões expostas, não se vislumbram causas para “desfazer” um ser humano que reclama urgente tratamento e, ao invés, segregá-lo da sociedade. Sendo certo que, O nosso sistema penal consagra a ideia de ressocialização, incompatível com a prisão devido ao incumprimento de “bagatelas” injuntivas que apenas ocorreram, ou por falta de notificação, ou por doença do visado. Há que salvaguardar a dignidade da pessoa humana. É exigência da política criminal do estado e pilar do sistema penal, adequar as medidas punitivas ao fim das penas, tendo sempre presente a prevenção geral e especial que, “in casu” ficam completa e absolutamente arredadas.
Referimos em anterior recurso, além do mais, o seguinte:
A razão do incumprimento é só uma: anomalia psiquica. Dessa lamentável situação se informou, quer verbalmente, quer em requerimento (), tal como, de resto, a DGRSP o fez também oralmente e por escrito (27/12/2019) tendo, inclusivamente, agendado uma consulta psiquiátrica para a avaliação do estado mental do requerente para o dia 02/01/2020. E bem andou A DGRSP porque, bom é ver, a verdadeira constatação da insanidade mental de um indivíduo só pode ser feita por especialistas em psicopatologia. Refª ...96. Pode ler-se: Em referência ao ofício supra mencionado, cumpre-me informar V. Ex.ª que ontem esta equipa da DGRSP foi informada por BB, irmã de AA, que este estaria numa fase de eventual descompensação psíquica, com verbalizações de conteúdo irreal, sem adesão para encaminhamento clínico. Efectuamos a articulação com o Centro de Respostas integradas ..., instituição que tem vindo a acompanhar o condenado no âmbito da sua problemática de toxicodependência, que nos informou que AA tem efectuado a toma diária da metadona naquela instituição, ficando com agendamento de consulta para o dia 2 de Janeiro de 2020 na valência de psiquiatria para avaliação do seu estado mental.
Com os melhores cumprimentos
A Coordenadora CC
G - Infra se indica o A.R.L. 255//17.... -3 de 04/03/2020.
A revogação da suspensão da execução da pena exige um duplo requisito:
que o condenado no decurso do prazo de suspensão infrinja, grosseira ou repetidamente, o plano de reinserção social e que por violação se conclua que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
A violação exigida, enquanto acto de vontade, tem que ser necessariamente dolosa.
Sendo o arguido portador de doença do foro mental que implica estado de confusão mental, diminuição de iniciativa e diminuição da vontade e dependência de orientações de terceiro, não ocorre fundamento de revogação da suspensão
Cabe depurar do direito tudo quanto não corresponda a um mínimo ético a que devem aderir os membros da comunidade. No mais, dizemos, sem rebuço, salvaguardar-se o valor mais importante e por ele lutar asperamente, se preciso for ressocializando sempre: A LIBERDADE. Deve – isso sim- obrigar o arguido a tratar-se e corrigir “ tout court” , cumprindo o superiormente ordenado. Contudo, não basta, está bem claro, a mera convocatória postal que, hoje em dia, ou se não recebe ou se recebe a destempo. Há que colocar em prática os meios adequados à realização de tal fim. Só assim se orienta. Só assim se cumprem os objectivos prescritos na lei.
Quem – de bom senso – prefere a reclusão à comparência na DGRSP? A resposta à questão supra colocada indica de forma clara e distinta o estado mental do recorrente. Só um humano muito acima de todos os humanos abdica da própria vida.
Se com a revogação da suspensão da pena, se pensa fazer justiça e praticar “direito” não estaremos – pedimos perdão – longe do mito. O mito está sempre do lado de lá do realizável. Ora,
H - Resultando, como, efectivamente, resulta dos autos que o recorrente sofre de uma doença do foro psiquiátrico. Doença que o impede de orientar a sua vida, carecendo urgentemente de adequado tratamento., o que implica uma perícia médica obrigatório e também o obrigatório tratamento ambulatório. O foro psiquiátrico o dirá.
Bom é de ver que, neste estado, não foi violado, muito menos grosseiramente o prescrito no artº 56º al.a) e 2 do CP,
Foi violado o Artº 56º al.a) e 2 do C.P. e, além do mais o artº 64º CRP.
Requer-se a V.Exªs – Venerandos Desembargadores, a revogação da sentença recorrida e se dê oportunidade ao arguido de, após tratamento, ou durante o mesmo, cumpra as injunções a que lhe foram aplicadas e trazer de volta, não já o delinquente mas o homem que, tratado da saúde, trata ele próprio da integração. Requer-se ainda, se legalmente possível, ordene internamento psiquiátrico compulsório porque está, o ora requerente, colocando em causa valores mais altos do que o incumprimento. A VIDA.
Assim se fazendo JUSTIÇA

I.3. Resposta ao recurso
O Ministério Público respondeu ao recurso no sentido da sua improcedência, nos seguintes termos (transcrição):
AA foi condenado, nos presentes autos, por sentença já transitada em julgado, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), 4, 5 do Código Penal, na pena de 03 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 03 (três) anos, e sujeita a regime de prova.
O regime de prova assentou num plano ressocialização elaborado pela D.G.R.S.P. e na obrigação de, durante o período da suspensão, não frequentar, permanecer ou aceder à residência e ao local de trabalho da vítima DD ou dela se aproximar num raio de 500 (quinhentos) metros, e de não a contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), direto ou por interposta pessoa, sem prejuízo do que for estabelecido quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Vem em suma, o condenado apresentar o seu recurso, alegando a sua incapacidade de raciocínio.
Ora, dispõe o artigo 56º do Código Penal, sob a epígrafe «Revogação da suspensão»:
«1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas».
Conforme resulta deste preceito, a revogação não é automática e só deve ter lugar quando o incumprimento dos deveres ou o cometimento do facto ilícito que determinou a condenação posterior revelarem que as finalidades que estavam na base da suspensão já não podem ser atingidas através dessa suspensão.
Destarte, o simples incumprimento, ainda que com culpa, dos deveres impostos como condição da suspensão, pode não justificar a revogação.
Sucede, porém, que o recorrente vem invocar uma putativa anomalia psíquica, que no seu entender, o impede o condenado de cumprir com o plano.
Ora, conforme bem refere o próprio condenado, e resulta também dos autos, este tem cumprido com a obrigação de afastamento da vitima, pelo que, não se vislumbra a razão de ser desta alegada anomalia psíquica, que só, “seletivamente” o impede de cumprir em parte a sua condenação e lhe permite ter discernimento suficiente para cumprir com a restante parte.
Note-se que, para além de não alegar factos concretos que sustentem essa anomalia psíquica, nada resulta dos autos que o mesmo sofre de qualquer doença do foro psiquiátrico.
Das problemáticas identificadas pela DGRSP apenas se destaca a problemática aditiva (consumo de álcool e drogas), nunca sendo referido qualquer outra anomalia.
Ademais, verifica-se que ao longo dos diversos relatórios da DGRSP, e audições de condenado, que o mesmo cada vez mais vindo a demonstrar desinteresse no cumprimento do plano.
Assim, e no que respeita à violação grosseira e repetida do plano individual de reinserção social por parte do arguido, considera-se que existiu um comportamento consciente e voluntário no seu incumprimento. Por outro lado, e considerando a postura adotada por AA, o mesmo parece não ter interiorizado o desvalor da sua conduta.
Neste contexto, o juízo de prognose que sustentou a suspensão da execução da pena foi infirmado pelo comportamento do condenado, mostrando-a aquela pena insuficiente para garantir uma expressiva evolução do agente no sentido da sua reintegração social.
Em consequência, as necessidades de prevenção especial positiva sentidas no caso concreto, a que igualmente não são alheias também as de prevenção geral, impõem a revogação da suspensão e o cumprimento pelo arguido da pena de prisão fixada na sentença proferida nestes autos.
Por razões de economia processual dá-se por reproduzida a promoção do Ministério Público com a Refª Citius nº 25647145, no sentido de revogação da suspensão da execução.
Adere-se, igualmente, in totum, ao despacho recorrido, solidamente fundamentado e que não merece qualquer reparo.
Em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mas Vossas Excelências farão, como sempre, a acostumada Justiça!

I.4. Parecer do ministério público
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, em sede de parecer a que alude o art.º 416.°, do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pugnou pela improcedência do recurso.

I.5. Resposta ao parecer
 Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido apresentou resposta, onde manteve a posição antes por si assumida no recurso.

I.6. Foram colhidos os Vistos e realizada a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1.  Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sendo essas que balizam os limites do poder cognitivo do tribunal superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como ocorre, por exemplo, com os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP (cf. art.º 412.º, n.º 1, e 417º, n.º 3, ambos do CPP).
Passamos a delimitar o thema decidendum:
- Saber se não se mostram verificados os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

II.2. Decisão Recorrida:
A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição integral):
Por sentença proferida no dia 10.07.2019, transitada em julgado no dia 12.08.2019, o arguido AA foi condenado como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), n.ºs 2, alínea a), 4, 5 do Código Penal, na pena de 03 (três) anos de prisão, suspensa, pelo período de 03 (três) anos, sujeita a regime de prova, o qual assentará no plano ressocialização a elaborar pela D.G.R.S.P., bem como foi imposta ao arguido AA a obrigação de, durante o período da suspensão, não frequentar, permanecer ou aceder à residência e ao local de trabalho da vítima DD ou dela se aproximar num raio de 500 (quinhentos) metros, e de não a contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), direto ou por interposta pessoa, sem prejuízo do que for estabelecido quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Por despacho de 07.04.2021, em virtude de o arguido durante o período da suspensão não ter comparecido nas entrevistas marcadas na DGRSP para cumprimento do plano homologado, nem ter justificado o motivo da sua ausência foi determinada a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido e determinado o cumprimento pelo arguido da pena de 3 (três) anos de prisão em que foi condenado.
O arguido interpôs recurso do referido despacho, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães por decisão sumária de 06.09.2021 declarado nulo o despacho e determinado que o tribunal a quo antes de se pronunciar sobre a revogação da execução da pena, devia encetar todas as diligências necessárias com vista a proceder à audição presencial do condenado, na presença do técnico que apoio e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
Após a audição do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, em 05.03.2022 foi proferido despacho, no qual se considerou que não existia fundamento para revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, tendo sido determinado que o arguido permaneceria sujeito às condições impostas na sentença condenatória de que depende a suspensão da execução da pena de prisão e ao cumprimento do plano de reinserção social devidamente homologado pelo Tribunal.
Tendo decorrido o prazo de suspensão, a DGRSP juntou aos autos relatório final de execução, no qual conclui que:
«Face ao exposto, consideramos que ao longo do acompanhamento AA envidou reduzidos esforços para o cumprimento das atividades previstas no plano de reinserção social para o regime de suspensão da execução da pena, contudo, não é do nosso conhecimento, ocorrências anómalas com a ofendida do presente processo.»
Da certidão junta aos autos a 20.12.2022 resulta que o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado em 10.02.2022, pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses, suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova, de acordo com um plano de reinserção social a elaborar pelo Técnico da DGRSP que acompanhará o mesmo, sendo que do plano devem constar medidas para tratamento da adição/ consumo de substâncias/produtos estupefacientes (tratamento médico medicamentoso/acompanhamento psicológico/psiquiátrico, internamento em instituição de cura).
Por despacho de 24.01.2023, foi decido prorrogar o período de suspensão da pena aplicada, nos presentes autos, ao arguido, pelo período de um ano, em virtude de não se ter considerado que o incumprimento do que foi determinado no plano de reinserção social – não comparência às entrevistas agendadas – era suficiente para inferir a existência de uma culpa grosseira do plano.
No dia 28.06.2023, a DGRPS veio informar os autos do seguinte:
«(…) AA continua a incumprir as marcações de agendamento de entrevistas efetuadas por esta Equipa, não tendo voltado a contactar esta Equipa da DGRSP, apesar da audição do condenado por incumprimento. (…)
Relativamente ao tratamento no Centro de Respostas Integradas, o condenado também não tem respeitado as marcações de agendamento de entrevistas efetuados. A 7/06/2023 foi-nos disponibilizada a seguinte informação, na data de 20 de abril de 2023, não compareceu no CRI ... para as consultas com a respetiva equipa de tratamento. O utente tem nova consulta agendada para o dia 3 de julho, pelas 15h00.»
Foi designada data para a audição de arguido, nos termos do artigo 495.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não tendo o arguido comparecido, pelo que foi designada nova data para a sua audição e emitidos mandados de detenção, a fim de assegurar a presença do arguido, sendo que o mesmo não quis prestar declarações.
No dia 03.11.2023, a DGRSP veio informar os autos que:
«No âmbito do presente processo, após a audição realizada no dia 31/10/2023 e conforme solicitado por V. Ex.ª. cumpre-nos informar do seguinte:
- O condenado no que tange às apresentações/convocatórias nesta Equipa da DGRSP continua a não comparecer, conforme ofício remetido aos autos em 28/06/2023, tendo a última apresentação do mesmo decorrido nas instalações desta Equipa da DGRSP em 17/11/2022.
- Relativamente às consultas no Centro de Respostas integradas ..., AA após várias faltas entre elas a do dia 3/7/2023, última que lhe tinha sido marcada naquela unidade de saúde, veio a comparecer no passado dia 31/10/2023, após audição nesse Tribunal, tendo novo agendamento para o dia 22/12/2023.
Apesar destes incumprimentos, não há conhecimento ocorrências anómalas com a ofendida do presente processo.»
No dia 15.12.2023, a DGRSP veio informar os autos que:
«Em resposta ao solicitado por V. Ex.ª cumpre-nos informar que enviamos duas convocatórias, via postal, para AA, com agendamento de entrevista para os dias 21/11/2023 e 30/11/2023, datas que incumpriu, e até à presente data não compareceu nos nossos serviços.»
Aberta vista, a Digna Magistrada do Ministério Público veio promover que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido fosse revogada, devendo, este, em consequência, cumprir a pena efetiva de prisão.
Notificado da promoção, o arguido o mesmo veio juntar aos autos requerimento a pronunciar -se acerca da eventual revogação da suspensão da pena de prisão, contudo como não foi paga a multa pela prática do ato no primeiro dia após o termino do prazo, por despacho de 22.02.2024 foi determinado o desentranhamento do requerimento e determinada a junção do certificado de registo criminal do arguido atualizado, bem como pesquisa de processos pendentes.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, «A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir a sua revogação.»
Nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal, «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.»
São, pois, dois os fundamentos da revogação: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostas ou do plano de reinserção social ou; o cometimento de crime e respetiva condenação, que revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não se puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Para o preenchimento da alínea a), é necessário que resulte que o arguido tenha agido de modo especialmente reprovável e, portanto, com uma conduta onde a falta de cuidado, a imprevidência assume uma intensidade particularmente elevada.  Trata-se, no fundo, de um conceito próximo da culpa grave, ou seja, aquele que só é suscetível de ser atuada por uma pessoa particularmente descuidada ou negligente.
Por sua vez, o condenado infringe repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social quando, através de condutas sucessivas, por descuido, incúria ou imprevidência, não os observa, revelando uma atitude de indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes do plano de reinserção social.
No que concerne a alínea b), não basta que o condenado pratique um crime pelo qual venha a ser condenado no período da suspensão, é necessário que revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
No caso em apreço, o arguido não cumpriu o que lhe foi determinado como condição de suspensão nos presentes autos, tendo incumprido as marcações de agendamento de entrevistas efetuadas pela equipa da DGRSP e desrespeitado as marcações de agendamento de entrevistas no CRI ....
Por outro lado, não podemos olvidar, que a suspensão da pena de prisão já foi prorrogada pelo período de 1 (um) ano e nem mesmo assim o arguido começou a cumprir o que foi determinado no plano, e que em sede de audição de condenado o arguido não apresentou qualquer justificação para o incumprimento do plano.
Por último, resulta da análise do certificado de registo criminal do arguido que, o mesmo, durante o período da suspensão praticou no dia 09.03.2021, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto – Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, pelo qual foi condenado no âmbito do processo n.º 165/21...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Pequena Criminalidade, Juiz ..., por sentença transitada em julgado no dia 10.02.2022.
Não obstante, aquela condenação importa referir que nos presentes autos o arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, o qual tutela um bem jurídico do crime pelo qual foi condenado no processo n.º 165/21...., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Pequena Criminalidade, Juiz ..., pelo que não se pode retirar conclusões que se reportem aos presentes autos. Ademais, apesar de os factos daquele processo serem posteriores aos dos presentes autos, o certo é que a pena de prisão ali aplicada foi, ainda, suspensa na sua execução.
Ora, a suspensão da execução da pena é uma medida penal de caráter pedagógico e reeducativo, que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado.
É necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para a realização das finalidades de punição.
Quando o juízo de prognose favorável falha renasce a possibilidade de aplicação da pena principal, por via do mecanismo de revogação da suspensão.
Tal como referimos supra o arguido não cumpriu o plano que lhe foi imposto, demonstrando total indiferença pela pena que lhe foi aplicada, não tendo a simples ameaça da pena sido adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, nem tendo servido a prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão de motivação suficiente para cumprir o que tinha sido determinado no plano.
Acresce que a conduta do arguido revela um continuo censurável, indesculpável desleixo, descuido, desinteresse, desprendimento e ou apatia, não praticável pelo cidadão comum, e por isso não tolerável, perante uma obrigação decorrente de uma condenação que constitui uma advertência solene que aplica tal medida.
Nas doutas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.02.2015, proferido no processo n.º 96/10.7GAFVN.C1, disponível em www.dsgi.pt, «Não praticando o recorrente, apesar das repetidas e renovadas diligências efetuadas nesse sentido, um único ato, proativo, tendente ao cumprimento das obrigações impostas, nem durante o período inicial da suspensão nem durante o período da sua prorrogação, violando, assim, de forma grosseira e reiterada, os deveres impostos, justifica-se a revogação da suspensão da pena de prisão.»
Em face do exposto, determino a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado e, consequentemente, determino o cumprimento da pena de 3 (três) anos de prisão que lhe foi aplicada, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, do Código Penal.
Notifique e comunique o presente despacho à DGRSP.

II.3. Ocorrências processuais relevantes.
i). Por sentença proferida no dia 10.07.2019, devidamente transitada em julgado, o arguido AA foi condenado como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2, alínea a), 4 e 5, do CP, praticado em 28.01.2018, na pena de 03 (três) anos de prisão, suspensa, pelo período de 03 (três) anos, sujeita a regime de prova, assente:
-  Num plano ressocialização a elaborar pela DGRSP; e
- Na obrigação de, durante o período da suspensão, não frequentar, permanecer ou aceder à residência e ao local de trabalho da vítima DD ou dela se aproximar num raio de 500 (quinhentos) metros, e de não a contactar, por qualquer meio (escrito, falado ou tecnológico), direto ou por interposta pessoa, sem prejuízo do que for estabelecido quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais.
ii). O plano de reinserção social, homologado por despacho de 17.10.2019, contempla o seguinte:
2- Necessidades de intervenção, objetivos e actividades a desenvolver pelo condenado
Para superar as necessidades de intervenção identificadas na avaliação o condenado deverá cumprir as seguintes actividades:
Necessidade de intervenção: Problemática aditiva
Objectivo: Cessar o consumo de álcool e drogas.
Actividade: Manter o acompanhamento médico especializado no Centro de Respostas integradas ..., com sujeição do arguido de testes periódicos a estupefacientes.
Calendarização: Durante o período de execução da medida.
Necessidade de intervenção: Actividade laboral e formativa irregular e fraca estruturação do quotidiano.
Objectivo: Obter e manter uma colocação laboral e/ou formativa regular (de acordo com as suas competências pessoais), com melhoria da condição económica.
Actividade: Efectuar Inscrição no Centro de Emprego da área de residência e procurar de forma activa emprego ou frequência de curso de formação.
Participar em entrevistas motivacionais de sensibilização para a prática de actividades gratificantes e satisfatórias, na esfera da ocupação do tempo livre, com gestão mais racional e organizada do seu quotidiano/ rotinas, com redução de frequência de espaços associados ao consumo de álcool e drogas, reflectindo sobre alternativas à vivência social actual e colaborar nos eventuais encaminhamentos sociais indicados pela Técnica.
Calendarização: Durante o período de execução da medida.
Necessidade de intervenção: Minimização da ilicitude do crime de violência doméstica.
Objectivo: Promover a reflexão crítica sobre o comportamento delituoso.
Actividade: Frequentar programa para agressores de violência doméstica, com participação proactivamente em entrevistas motivacionais com o objectivo de alterar atitudes/ crenças, ponderação/ valorização da gravidade do crime com interiorização do desvalor da conduta e do sentido da condenação, reflexão sobre violência do género, com análise dos danos psicológicos para a vítima, identificação de estratégias alternativas de comportamentos, com reconhecimento da importância dos valores da família, respeito, autonomia e bem-estar do próprio e do próximo e das vantagens na adopção de condutas pro-sociais e desenvolver competências de resolução de problemas.
Calendarização: Durante o período de execução da medida.
Para viabilizar as referidas medidas de apoio e vigilância, a DGRSP solicitará ao condenado:
- A comparência na DGRSP sempre que convocado;
- A justificação de quaisquer faltas, devendo o mesmo comunicá-las previamente e apresentar o respetivo documento justificativo no prazo de 5 dias úteis (ex.: atestado médico, declaração de presença, ou outro credível);
-Os contactos de pessoas do seu meio familiar ou outro, bem como informações e documentos comprovativos;
- A disponibilidade para receber o Técnico de Reinserção Social no meio residencial ou outro considerado pertinente e Informação sobre eventuais alterações de endereço (s).
iii). A DGRSP foi dando nota do incumprimento das obrigações inerentes ao regime de prova impostas ao arguido.
Assim:
- Em 27.12.2019 informou que:
ontem esta equipa da DGRSP foi informada por BB, irmã de AA, que este estaria numa fase de eventual descompensação psíquica, com verbalizações de conteúdo irreal, sem adesão para encaminhamento clínico.
Efectuamos a articulação com o Centro de Respostas integradas ..., instituição que tem vindo a acompanhar o condenado no âmbito da sua problemática de toxicodependência, que nos informou que AA tem efectuado a toma diária da metadona naquela instituição, ficando com agendamento de consulta para o dia 2 de Janeiro de 2020 na valência de psiquiatria para avaliação do seu estado mental.
- Em data anterior a 07.04.2021 verificou-se que o arguido não compareceu às entrevistas marcadas na DGRSP para cumprimento do plano homologado, nem justificou o motivo da sua ausência.
- AA compareceu na DGRSP no dia 30.06.2022, manteve postura adequada e assumiu o compromisso de comparecer mensalmente nesta Equipa da DGRSP e retomar as consultas, nas diferentes valências, no Centro de Respostas integradas ....
- Em julho, agosto e setembro de 2022 faltou às entrevistas na DGRSP.
- Em 07.10.2022 a DGRSP informou que:
AA ao longo do acompanhamento dispôs de uma habitação social, atribuída pela Câmara Municipal ... aos falecidos progenitores, onde mantém residência, com reduzidas condições de habitabilidade (sem fornecimento de água e luz). O irmão EE proporcionou-lhe uma alternativa habitacional em ..., onde o condenado permaneceu de maio a agosto de 2020, retomando, a residência anterior. Rejeitou quer o apoio da irmã FF quer os encaminhamentos sociais que lhe foram propostos, mantendo uma postura de alheamento e desinteresse no processo de mudança da sua situação vivencial.
O condenado mantém acompanhamento na área da toxicodependência no Centro de Respostas integradas ... (CRI). Tem vindo a assumir recaídas no consumo de estupefacientes e incumprimento nos agendamentos das consultas naquela instituição (conforme anteriormente reportado ao processo). Conforme informação do CRI, datada de 25/07/2022 “AA veio à consulta de 11/07/2022 e tem a próxima a 17/08/2022. Tem cumprido o programa de metadona com consumos esporádicos. Colaborante.” Em 29/09/2022 o CRI informou que “AA mantém-se em programa de tratamento agonista opiáceo”.
O irmão do condenado, EE, é empreiteiro da construção civil e no período de maio a agosto de 2020 integrou-o na sua equipa de trabalho. Todavia, AA faltou ao trabalho e apresentou conduta inadequada que motivou a cessação do apoio/suporte do irmão EE no âmbito laboral e habitacional, e desde então o condenado regressou a ... e manteve-se em situação de desocupado na esfera laboral. Retomou funções laborais recentemente na área da construção civil.
O condenado não tem respeitado as marcações de agendamento de entrevistas efetuados por esta Equipa, apenas compareceu na entrevista no dia 30/10/2019, após envio de convocatórias, e no dia 22/07/2020, data em que decorreu a audiência de regulação das responsabilidades parentais (os descendentes foram inicialmente entregues aos cuidados da progenitora e posteriormente institucionalizados, um na Casa de Trabalho Dr. GG e outro no Lar ...), conforme reportado ao processo anteriormente. Foram realizadas audições do condenado por incumprimentos, diligências que ocorreram a 25/06/2020, a 19/01/2021, 15/12/2021 e 22/02/2022.
Voltou a compareceu nesta Equipa da DGRSP no dia 30/06/2022, após ter sido notificado pela PSP .... Manteve postura adequada e recetividade aos conteúdos abordados. Assumiu o compromisso de comparecer mensalmente nesta Equipa da DGRSP e retomar as consultas, nas diferentes valências, no Centro de Respostas integradas .... Compareceu ao agendamento de 11/07/2022 e faltou ao de 17/08/2022 e seguintes. Compareceu nesta Equipa no dia 03/10/2022, por imposição do irmão EE.
Nas entrevistas realizadas com o condenado foi possível efetuar uma abordagem das consequências da conduta transgressiva nos diferentes âmbitos, análise crítica do impacto do crime de violência doméstica na ofendida, identificação de estratégias alternativas de resolução de problemas e vantagens na adoção de condutas pro-sociais, com reconhecimento da importância responsabilidade parental.
Motivou-se igualmente o condenado para o tratamento da sua adição a estupefacientes e desenvolvimento regular de funções laborais. Relativamente à ofendida refere ter adotado comportamento respeitoso relativamente à mesma, não sendo do nosso conhecimento ocorrências anómalas. Reconhece a necessidade de se “tratar” (sic) mas apresenta oscilações na motivação e dissonância comportamental.
No meio social de residência, apesar do conhecimento da sua problemática aditiva, não se verificam sentimentos de hostilidade ou animosidade em relação ao condenado, posto a relação adequada que estabelece com a comunidade vicinal. Conforme nos foi referido, mantém convivência com elementos conotados com o consumo de drogas.
Foi elaborado por esta Equipa da DGRSP relatório para determinação de sanção no âmbito do Proc. 1/20.... do Juízo central Cível e Criminal de Bragança – Juiz ... (acusado da prática do crime de tráfico de estupefacientes) e no Proc. 165/21.... do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz ... foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de dois anos e nove meses de prisão, suspensa pelo período de três anos e seis meses, com regime de prova e obrigação. A medida de acompanhamento decorre com incumprimentos aos agendamentos de entrevistas desta Equipa da DGRSP e fraca adesão ao plano de reinserção social.
AVALIAÇÃO
AA ao longo do acompanhamento não respeitou as marcações das entrevistas na equipa da DGRSP de ....
Registou atividade laboral apenas no período de maio a agosto de 2020 na área da construção civil, tendo recentemente retomado funções na área da construção civil.
Mantém acompanhamento na área da toxicodependência no Centro de Respostas integradas ..., com assunção de recaídas no consumo de estupefacientes. Conforme informação clínica de 29/09/2022 “AA mantém-se em programa de tratamento agonista opiáceo”.
Foi elaborado por esta Equipa da DGRSP relatório para determinação de sanção no âmbito do Proc. 1/20.... do Juízo central Cível e Criminal de Bragança – Juiz ... (acusado da prática do crime de tráfico de estupefacientes) e no Proc. 165/21.... do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz ... foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de dois anos e nove meses de prisão, suspensa pelo período de três anos e seis meses, com regime de prova e obrigação. A medida de acompanhamento decorre com incumprimentos nos agendamentos de entrevistas e fraca adesão ao plano de reinserção social.
Face ao exposto, consideramos que ao longo do acompanhamento AA envidou reduzidos esforços para o cumprimento das atividades previstas no plano de reinserção social para o regime de suspensão da execução da pena, contudo, não é do nosso conhecimento, ocorrências anómalas com a ofendida do presente processo.
iv). Referente ao incumprimento dos deveres inerentes ao regime de prova foram realizadas pelos menos 9 diligências judiciais de audição do arguido, a saber:
- Em 11.03.2020, em que o arguido AA, devidamente notificado, faltou;
- Em 25.06.2020, data em que foi ouvido;
- Em 19.01.2021, em que o arguido, devidamente notificado, faltou;
- Em 15.12.2021, em que o arguido, devidamente notificado, faltou, tendo sido emitidos mandados de detenção;
- Em 22.02.2022, em que o arguido prestou declarações;
- Em 09.11.2022, em que o arguido, devidamente notificado, faltou, tendo sido emitidos mandados de detenção;
- Em 29.11.2022, data em que foi ouvido;
- Em 10.10.2023, em que o arguido, devidamente notificado, faltou, tendo sido emitidos mandados de detenção; e
- Em 31.10.2023, em que o arguido foi presente a juízo, tendo-se remetido ao silêncio.
v). Ao longo da suspensão da execução da prisão aplicada ao arguido, antes da prolação do despacho recorrido, foram proferidos, com particular relevo, os seguintes despachos:
- Em 05.03.2022, em que se concluiu pela inexistência de fundamento para revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, tendo sido determinado que o arguido permaneceria sujeito às condições impostas na sentença condenatória de que depende a suspensão da execução da pena de prisão e ao cumprimento do plano de reinserção social devidamente homologado pelo Tribunal.
Transcrevem-se alguns excertos de tal despacho:
Durante o período de suspensão, o condenado não compareceu às entrevistas marcadas pela DGRPS para cumprimento do plano reinserção homologado, nem justificou o motivo da sua ausência – cfr. fls. 410; 417; 420; 434; 448-449; 474, (…).
(…)
Procedeu-se à audição do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, conforme consta a respetiva ata sob a referência citius 24061102.
O arguido quis prestar declarações esclarecendo o tribunal de forma serena e que se nos afigurou sincera que no período após a sua condenação deixou de ir às consultas de acompanhamento no CRI, porquanto passou por um momento de intensos consumos de estupefaciente, que perduram até hoje, embora atualmente não com frequência diária.
Esclareceu de modo objetivo que nesse período “não tinha cabeça”, acrescentando que a memória que tem da altura é vaga e pouco clara e circunstanciada.
De modo igualmente sincero referiu que não tem telefone (nem possibilidade financeira de adquirir um) e que não tem capacidade para perceber e interpretar o conteúdo de uma carta, razão por que caso tivesse recebido uma carta da DGRSP não iria a mesma ter o efeito de o fazer deslocar àqueles serviços.
Afirmou ainda que não compreendeu o alcance da decisão proferida nos autos e que partiu do pressuposto que “tudo estaria acabado” quando lhe retiraram a pulseira, sendo que desconhecia que podia ir preso caso não se deslocasse à DGRSP para as “entrevistas”.
Neste particular esclareceu também de modo que se afigurou genuíno que a Técnica da DGRSP, HH o chegou a encontrar na rua a adverti-lo de que deveria ir às reuniões, porém isto sucedeu em momentos de consumos, tendo fraca memória dessas advertências.
Esta mesma circunstância foi confirmada pela Dra. HH, salientando a inércia do arguido no cumprimento do plano, a resistência em receber o auxílio de familiares, o seu discurso confuso e os consumos de estupefacientes e álcool.
(…)
No decurso da execução da pena aplicada nos presentes autos não há notícia de o arguido ter praticado novo crime, de natureza semelhante à dos autos.
Por seu turno, o arguido contextualizou a prática deste crime num momento particular da sua vida, associado à quebra do vínculo marital e familiar, com subsequente recaída no consumo de estupefacientes, o que determinou uma fase de instabilidade que ainda se encontra a ultrapassar. Com efeito, no gozo da imediação foi possível verificar o estado debilitado emocionalmente e patenteado, além do mais, no ar pouco cuidado do arguido, potenciado pelos consumos de estupefaciente e isolamento social e familiar que relatou.
Adicionalmente afigura-se-nos que os consumos intensos de produto estupefaciente e a consequente fragilidade da memória e consciência, associadas à sua dificuldade em ler e interpretar escritos, bem como à baixa condição económica que não lhe permitia dispor de um telefone, são de molde a justificar a não frequência das consultas e cumprimento do plano. Na verdade, mereceu-nos credibilidade a forma como o arguido assumiu o seu incumprimento e a ausência de consciência das implicações que esse incumprimento poderia acarretar.
Todos estes elementos conjugados levam o tribunal a considerar que, com o seu comportamento, o arguido não comprometeu de forma irremediável o juízo de prognose favorável que sobre o mesmo impendeu aquando da sua condenação e que levou à suspensão da execução da pena de prisão.
De igual modo, cumpre salientar que o arguido não praticou quaisquer outros crimes desde a condenação de que foi alvo nos presentes autos, se encontra a trabalhar, ainda que sem vínculo laboral estável, na área da construção civil, que reside sozinho em casa própria e que se acha a ser acompanhado no CRI, com consultas mensais.
Somos assim do entendimento que o condenado alterou a maneira de conduzir a sua vida no que toca à criminalidade, nada evidenciando que não levou a sério a advertência contida na condenação de que foi alvo neste processo - conforme ensinamentos de Garcia, M. Miguez e Rio, J. M. Castela, em “Código Penal, parte geral e especial”, 3ª edição atualizada, Almedina, 2018, página 383.
Assim, conclui-se que não se mostram comprometidas irremediavelmente as expetativas que motivaram a concessão da suspensão da pena, nem foram colocados em causa os objetivos de ressocialização e de reintegração inerentes às finalidades das penas (cfr. artigo 40.º n.º 1 do Código Penal).
Pelo exposto e concordando-se na íntegra com a promoção da Digna Procuradora do Ministério Público, julga-se não existir fundamento para revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e determinar o seu efetivo cumprimento.
Porquanto o termo da pena apenas está previsto para agosto de 2022, o arguido continuará sujeito às condições impostas na sentença condenatória de que depende a suspensão da execução da pena de prisão e ao cumprimento do plano de reinserção social devidamente homologado por este tribunal.
Notifique, sendo o arguido com a advertência de que se mantém vinculado às obrigações que lhe foram impostas por via da sentença proferida nos presentes autos.
- Em 24.01.2023, em que foi decidida a prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão por mais um ano.
Transcrição parcial do despacho:
Tendo decorrido o prazo da suspensão, a DGRSP juntou aos autos relatório final de execução, no qual se concluiu o seguinte:
“AA ao longo do acompanhamento não respeitou as marcações das entrevistas na equipa da DGRSP de ....
Registou atividade laboral apenas no período de maio a agosto de 2020 na área da construção civil, tendo recentemente retomado funções na área da construção civil.
Mantém acompanhamento na área da toxicodependência no Centro de Respostas integradas ..., com assunção de recaídas no consumo de estupefacientes.
Conforme informação clínica de 29/09/2022 “AA mantém-se em programa de tratamento agonista opiáceo”.
Foi elaborado por esta Equipa da DGRSP relatório para determinação de sanção no âmbito do Proc.1/20.... do Juízo central Cível e Criminal de Bragança – Juiz ... (acusado da prática do crime de tráfico de estupefacientes) e no Proc. 165/21.... do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz ... foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de dois anos e nove meses de prisão, suspensa pelo período de três anos e seis meses, com regime de prova e obrigação.
A medida de acompanhamento decorre com incumprimentos nos agendamentos de entrevistas e fraca adesão ao plano de reinserção social.
Face ao exposto, consideramos que ao longo do acompanhamento AA envidou reduzidos esforços para o cumprimento das atividades previstas no plano de reinserção social para o regime de suspensão da execução da pena, contudo, não é do nosso conhecimento, ocorrências anómalas com a ofendida do presente processo.”.
Resulta do certificado de registo criminal que o arguido foi condenado, por decisão proferida em 30-06-2021, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, praticado em 09-02-2021, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses (confirmado por certidão junta aos autos em 20-12-2022).
Em 29-11-2022, procedeu-se à audição do arguido, com vista a pronunciar-se sobre os factos descritos no relatório, tendo o mesmo referido que, por vezes, não comparece às entrevistas agendadas pela DGRSP, bem como não comparece às consultas agendadas pelo Centro de Respostas integradas .... Quando confrontado sobre o motivo pelo qual não comparece às entrevistas e às consultas agendadas, o arguido referiu que, por vezes, está a trabalhar, sendo que outras vezes não se lembra que tem que comparecer às entrevistas.
Referiu que não sabe ler e que, por esse motivo, quando recebe cartas costuma entregá-las à sua cunhada, sendo que nem sempre o faz, porquanto, por vezes, encontra-se desavindo com a mesma. O arguido referiu, do mesmo modo, que estava ciente que o incumprimento das injunções determinadas em sede de suspensão da pena de prisão poderia culminar na revogação da suspensão da pena de prisão.
Foi junta aos autos certidão da sentença proferida no âmbito do processo 165/21...., no qual o arguido foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
(…)
No caso dos presentes autos constatamos que já decorreu o período de suspensão da pena de prisão (cujo termo ocorreu em 12-08-2022).
Atento o relatório final junto aos autos pela DGRSP, verificamos que o arguido mantém acompanhamento na área da toxicodependência no Centro de Respostas integradas ..., com assunção de recaídas no consumo de estupefacientes, sendo certo que, ao longo do acompanhamento, não respeitou as marcações das entrevistas na equipa da DGRSP de ....
Após a condenação no âmbito deste processo o arguido foi condenado pela prática em 09-03-2021, de um crime de tráfico de estupefacientes (com decisão proferida em 30-06-2021).
Não obstante a prática do crime, o certo é que se entende, atento o bem jurídico em causa tutelado pelo mesmo, que as finalidades de punição não resultaram, per se, goradas. Na verdade, o crime de violência doméstica, pelo qual o arguido foi condenado nestes autos, apresenta bem jurídico distinto, considerando-se, portanto, que a condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes não permite extrair conclusões que se reportem aos presentes autos. Note-se, além do mais, que apesar de os factos inerentes ao processo mencionado serem posteriores aos factos praticados no âmbito dos presentes autos, o certo é que a pena de prisão aplicada foi, ainda, suspensa na sua execução.
Por outro lado, constatamos que o arguido não cumpriu com o que foi determinado no plano de reinserção social, não tendo, nomeadamente, comparecido às entrevistas agendadas.
Nessa circunstância, o arguido referiu que apenas não tinha comparecido a todas as entrevistas que foram designadas pela DGRSP, porquanto nem sempre viu as cartas que lhe eram remetidas.
Assim sendo, da informação constante do processo e das declarações prestadas pelo arguido, não é possível inferir a existência de uma culpa grosseira no incumprimento do plano de reinserção social. Concomitantemente, o Tribunal não poderá proceder à revogação da suspensão, na medida em que não se encontram preenchidos os pressupostos do art. 56.º, n.º 1 do Código Penal. Do mesmo modo, pelas razões já expostas entende-se que o crime praticado pelo arguido, no período de suspensão, não permite concluir que as finalidades inerentes à suspensão resultaram goradas, na medida em que o bem jurídico apresenta-se distinto.(...)
Assim sendo, entendemos que, não havendo ainda razões para se determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, haverá que impor ao arguido a prorrogação do período de suspensão, concedendo um novo prazo para cumprimento das condições da suspensão da pena de prisão em que foi condenado, de forma a que as finalidades subjacentes à suspensão da pena sejam alcançadas na sua plenitude, na medida em que se constata que o arguido não cumpriu as injunções a que estava determinado.
No presente caso concreto, em face das circunstâncias apuradas, face ao lapso temporal já decorrido desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, tendo o arguido sido condenado pela prática de outro crime e incumprindo as injunções dispostas no Relatório da DGRSP, cumpre concluir que revela necessário, adequado e proporcional, prorrogar o período de suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado pelo período de 1 (um) ano, com vista a apurar, definitivamente, o cumprimento das finalidades inerentes à suspensão e concedendo-se, desde modo, uma derradeira oportunidade ao arguido.
Assim sendo, entendemos que, não havendo ainda razões para se determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos termos do disposto no art. 56.º n.º 1 al. b) do Código Penal, os objetivos pretendidos com a suspensão da execução da pena de prisão ainda não foram alcançados, pelo que se impõe se determine a prorrogação do período da suspensão da execução da pena de prisão pelo período de um (um) ano (cfr. art. 50.º, n.º 5, do Código Penal).
Por conseguinte, deverá o arguido continuar a ser acompanhado pela DGRSP, nos termos já delineados nestes autos, conforme plano oportunamente homologado.
vi). Já após a prolação do despacho de prorrogação da suspensão por um ano a DGRSP prestou novas informações.
Assim:
- Em 28.06.2023 documentou que:
Cumpre-nos levar ao conhecimento de V. Ex.ª que AA continua a incumprir as marcações de agendamento de entrevistas efetuadas por esta Equipa, não tendo voltado a contactar esta Equipa da DGRSP, apesar da audição do condenado por incumprimento. Mais se informa que no dia 05/06/2023 decorreu a diligência de audição do condenado por incumprimento no âmbito do Processo n.º 165/21.... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz .... Foi de novo enviada convocatória, via postal, para a morada do condenado, com agendamento da entrevista para o dia 13/06/2023, data que incumpriu.
Relativamente ao tratamento no Centro de Respostas Integradas, o condenado também não tem respeitado as marcações de agendamento de entrevistas efetuados. A 7/06/2023 foi-nos disponibilizada a seguinte informação, “na data de 20 de abril de 2023, não compareceu no CRI ... para as consultas com a respetiva equipa de tratamento. O utente tem nova consulta agendada para o dia 3 de julho, pelas 15h00”.
O irmão do condenado, EE, empreiteiro da construção civil, informou que AA não assumiu o compromisso laboral que com ele estabeleceu, registando faltas sucessivas ao trabalho, pelo que apenas integrou por curtos períodos a sua equipa de profissionais, o que motivou a cessação do apoio/suporte deste irmão no âmbito laboral. O condenado mantem-se em situação de desocupado na esfera laboral.
No meio social de residência, apesar do conhecimento da sua problemática aditiva, não se verificam sentimentos de hostilidade ou animosidade em relação ao condenado, posto a relação adequada que continua a estabelecer com a comunidade vicinal. Conforme nos foi referido, mantém convivência com elementos conotados com o consumo de drogas.
Foi elaborado por esta Equipa da DGRSP relatório para determinação de sanção no âmbito do Proc. 1/20.... do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança – Juiz ... (acusado da prática do crime de tráfico de estupefacientes) e decorre o acompanhamento de medida de suspensão da execução da pena de prisão, no âmbito do Processo n.º 165/21...., com igual incumprimento do condenado nos agendamentos de entrevista nesta Equipa da DGRSP e consultas no Centro de Respostas integradas ....
- Em 03.11.2023 informou que:
No âmbito do presente processo, após a audição realizada no dia 31/10/2023 e conforme solicitado por V. Ex.ª. cumpre-nos informar do seguinte:
- O condenado no que tange às apresentações/convocatórias nesta Equipa da DGRSP continua a não comparecer, conforme oficio remetido aos autos em 28/06/2023, tendo a última apresentação do mesmo decorrido nas instalações desta Equipa da DGRSP em 17/11/2022.
- Relativamente às consultas no Centro de Respostas integradas ..., AA após várias faltas entre elas a do dia 3/7/2023, última que lhe tinha sido marcada naquela unidade de saúde, veio a comparecer no passado dia 31/10/2023, após audição nesse Tribunal, tendo novo agendamento para o dia 22/12/2023.
Verificou-se, ainda, que em novembro de 2023 o arguido faltou por duas vezes às entrevistas na DGRSP.
vii). Consta averbado no CRC do arguido, ora com relevo, o seguinte:
- No processo abreviado n.º 165/21.... do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto - Juiz ..., o arguido foi condenado por decisão de 30.06.2021, transitada em julgado em 10.02.2022, pela prática do crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p.e p. pelo art.º 25.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, praticado em 09.03.2019, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e 6 meses, com regime de prova.

II.3. Da análise dos fundamentos do recurso:
1. O Recorrente considera que o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido viola o disposto nos artigos 56.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CP, e 64.º, da CRP.
Para tanto, aduz que o assumido incumprimento dos deveres inerentes ao plano de reinserção social, aprovado no âmbito do regime de prova que acompanha a suspensão da pena de prisão, é involuntário e motivado por doença mental.
Tal doença provoca no arguido um estado de confusão mental e uma diminuição da capacidade de iniciativa e da vontade, “tolhendo-lhe” o raciocínio.
Acresce que à pobreza espiritual associa-se a pobreza material.
Não foram dadas ao arguido reais possibilidades de recuperação.
2. Vejamos.
De acordo com o art.º 56.º, n.ºs. 1 e 2, do CP, sob a epígrafe “revogação da suspensão”: a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (…).
São pressupostos (formais e materiais) da revogação da suspensão da execução da pena de prisão:
- O incumprimento culposo dos deveres ou das regras de conduta ou de outras obrigações decorrentes do plano de reinserção social (por exemplo realizar os tratamentos previstos, colaborar com a DGRSP, comparecer às entrevistas, procurar ocupação laboral, realizar esforço de adaptação ao plano);
- O carácter grosseiro e/ou reiterado de tais incumprimentos (a demonstrar uma atitude de rejeição e/ou de muito censurável descuido ou leviandade prolongados no tempo); e/ou
- O cometimento de crime na pendência da suspensão da execução da pena, revelando que os fins da pena não podem ser alcançados com a suspensão da execução da pena de prisão.
A infração dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostas pelo plano, tendo de ser culposas, tanto podem-no ser a título de dolo, como de negligência (cf. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, 4ª ed. atualizada, Universidade Católica, pp. 342 a 346).
O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo.
Vale dizer que, sendo o cumprimento efetivo da pena a última ratio, o que deve ser ponderado - depois de esgotadas ou verificada a ineficácia das providências previstas no art.º 55.º, do CP - é se, em virtude da conduta posterior do condenado, as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão estão irremediavelmente prejudicadas.
3. In casu, foram impostas ao arguido, no âmbito do plano de reinserção elaborado e homologado, as seguintes regras de conduta:
· Manter o acompanhamento médico especializado no Centro de Respostas integradas ..., com sujeição a testes periódicos a estupefacientes, em vista de cessar o consumo de álcool e drogas;
· Efetuar inscrição no Centro de Emprego da área de residência e procurar de forma ativa emprego ou frequência de curso de formação;
· Participar em entrevistas motivacionais de sensibilização para a prática de atividades gratificantes e satisfatórias, na esfera da ocupação do tempo livre, com gestão mais racional e organizada do seu quotidiano/rotinas, com redução de frequência de espaços associados ao consumo de álcool e drogas, refletindo sobre alternativas à vivência social atual e colaborar nos eventuais encaminhamentos sociais indicados pela Técnica;
· Frequentar programa para agressores de violência;
· Comparência na DGRSP sempre que convocado;
· Justificação de faltas, com comunicação prévia e apresentação do justificativo documental (ex.: atestado médico, declaração de presença ou outro credível) no prazo de 5 dias úteis;
· Fornecimento dos contactos de pessoas do seu meio familiar ou outro, bem como informações e documentos comprovativos;
· Disponibilidade para receber o Técnico de Reinserção Social no meio residencial ou outro considerado pertinente e informação sobre eventuais alterações de endereço(s).
4. Do manancial fáctico exarado nas “ocorrências processuais relevantes” resulta, à evidência, uma grosseira e reiterada violação dos deveres impostos ao arguido no âmbito do regime de prova que acompanha a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
Na verdade, o arguido não cumpriu com o mais fácil, que seria comparecer às entrevistas agendadas na DGRSP (a última em que compareceu data de novembro de 2022), assim como comparecer às consultas no CRI, onde chegou a beneficiar de marcação de consulta na área da psiquiátrica. Continuou conotado ao mundo da droga, tendo sido condenado por crime de tráfico de menor gravidade, praticado no decurso da suspensão. Pôs em causa o seu tratamento às adições ao álcool e às drogas e, até, na vertente da saúde mental. Desperdiçou o apoio, em termos sociais, habitacionais e laborais, prestado pelo seu irmão, com o que pôs em causa o objetivo traçado em matéria laboral.
A par destes factos, o tribunal, num esforço olímpico, foi tentando sensibilizar o arguido para a necessidade de cumprimento dos seus deveres. Foram realizadas pelo menos 9 diligências com vista a esse desiderato. As comparências logradas foram coercivas, através de mandados de detenção para comparência.
O tribunal, não obstante o manifesto desinteresse do arguido, prorrogou a suspensão da execução da pena por mais um ano, por despacho datado de janeiro de 2023.
No decurso desse ano o arguido manteve as sucessivas e reiteradas grosseiras violações das obrigações a que se encontrava sujeito.
Portanto, o arguido não aderiu aos tratamentos aditivos e consultas no CRI, nomeadamente na valência de psiquiatria, não aderiu à necessidade de criar hábitos estruturados de trabalho, não aderiu ao acompanhamento da DGRSP, não aderiu às sucessivas chamadas de atenção do tribunal, tendo-se sempre comportado como se a pena aplicada correspondesse a uma “não pena”. Numa palavra, ignorou ou desprezou por completo o regime de prova a que ficou sujeito e o plano de inserção social em que tal regime assentou.
Ao ter atuado desse modo, o arguido inviabilizou por completo a execução do regime de prova.
5. Não obstante, o Recorrente sustenta que, devido à doença mental, tais incumprimentos não foram dolosos, antes negligentes, em razão do que não revelam uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.
O Recorrente parece partir do entendimento do que os incumprimentos grosseiros e/ou repetidos têm de ser dolosos, no sentido de haver representação desse incumprimento e vontade de o realizar.
Sem razão.
Como mencionado supra e aqui repetimos, o incumprimento grosseiro e/ou repetido dos deveres inerentes ao plano de inserção social tem de ser culposo, mas não necessariamente doloso, bastando que o seja por negligência.
Neste mesmo sentido vide, por exemplo, o Ac. do TRE, processo 332/13.8GDABF-A.E1, datado de 12.10.2021 (disponível em dgsi.pt): Para efeitos da al. a) do nº 1 do artº 56º do CP, para que possa ser qualificada como grosseira, a violação dos deveres ou regras de conduta, tem de constituir uma atuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada e que não pressupõe, necessariamente, um comportamento doloso por parte do condenado, bastando que atue com culpa, ou seja, que a infração seja resultado de um comportamento censurável, de descuido ou leviandade.
Por outro lado, apesar de se saber que os transtornos decorrentes do abuso de substâncias aditivas, como álcool e/ou substâncias estupefacientes, conduzem ao negligenciar das atividades quotidianas (nomeadamente quando haja necessidade de adquirir e consumir drogas, como aliás é comum) e podem mesmo resultar em transtornos de saúde mental induzidos por tais consumos, a verdade é que, no caso, não se mostra apurada doença mental. Acresce que com as faltas às consultas no CRI - quer as referentes às suas dependências, quer na valência de psiquiatria - o arguido pôs em causa, com o seu comportamento, a possibilidade do seu tratamento, o que, por si só, constitui um comportamento negligente.
6. Em suma: tendo o tribunal a quo, em vão, esgotado os mecanismos prévios à revogação da suspensão da execução da pena previstos no art.º 55.º, do CP, face à persistente e manifesta falta de empenho e vontade por parte do arguido em cumprir, pelos mínimos, o plano de reinserção social homologado, impõe-se concluir no mesmo sentido da decisão recorrida, ou seja, terem-se frustrado as expectativas que estiveram na base da decisão de suspensão da execução da pena, que o mesmo é dizer, de que seria possível a ressocialização do arguido em liberdade. Deixou, pois, de ser viável realizar um juízo preditivo de cumprimento das finalidades das penas, a começar pela ressocialização, sem o cumprimento efetivo da prisão.
Do exposto, resulta manifesto o incumprimento culposo, repetido e grosseiro, do plano de reinserção social homologado em que assenta o regime de prova, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 56.º, n.º 1, al. a), do CP.
Em tal caso, determina o n.º 2, do mesmo dispositivo que a revogação determina o cumprimento da pena de prisão, sendo o que se impõe.
Termos em que improcede o recurso.

III. DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto por AA.
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s (art.ºs 513.º, n.º 1, do CPP, e 8.º, n.º 9, do RCP, com referência à tabela III anexa).