Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1770/23.3T8VCT.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: PENSÃO DE ALIMENTOS A MENOR
DETERMINAÇÃO DO CONCRETO MONTANTE DE ALIMENTOS
INDEXANTE DE APOIOS SOCIAIS
ESCALAS DE EQUIVALÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Quando o facto sujeito a registo seja invocado em acções que não o tenham por objecto directo (estando o litígio centrado em facto diverso, integrando aquele mera relação jurídica prejudicial ou condicionante, simples pressuposto da decisão a proferir), apenas será exigível a prova documental autêntica respectiva quando seja questionado pela contraparte (sendo então a mesma imprescindível), outro tanto não sucedendo quando o dito facto sujeito a registo não seja impugnado (podendo então ser dado como assente por meio de confessio ficta).

II. Na determinação do concreto montante de alimentos, dever-se-á em geral atender: às necessidades do alimentando (aferidas por múltiplos factores, de jaez marcadamente subjetivo - v.g., idade, condição de saúde, necessidades educacionais, nível socioeconómico dos respctivos pais); às possibilidades do alimentante (incluindo todos os seus rendimentos líquidos, ainda que de carácter eventual e/ou irregular); e à possibilidade de o alimentando proceder à sua subsistência.

III. Atento o especialíssimo vínculo parental e face aos restantes casos de obrigações de sustento, aquela primeira obrigação de sustento: é mais vasta do que a existente nos restantes casos; é mais intensa; impõe a consideração do princípio constitucional da igualdade de direitos e deveres de ambos os progenitores, quanto à manutenção e educação dos filhos, embora não se possa proceder aqui a uma partilha de responsabilidades puramente matemática; e impõe que se dê menor relevância à possibilidade do filho de prover à subsistência própria.

IV. Não se apurando o concreto montante das despesas do filho comum, dever-se-á recorrer ao indexante de apoios sociais, que define o mínimo económico para uma vida minimamente digna de um adulto; e, simultaneamente, a escalas de equivalência (que permitem ter em conta as diferenças das necessidades das crianças e jovens face às demais do agregado familiar em que se inserem), nomeadamente à denominada escala de Oxford, acolhida pelo Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho (diploma que estabeleceu os critérios para concessão de apoios sociais), que na capitação devida a cada um dos membros do agregado familiar atribui ao requerente do apoio social o peso 1, atribui a cada indivíduo maior o peso 0,7, e atribui a cada indivíduo menor o peso 0,5.

V. Correspondendo os rendimentos líquidos médios mensais de cada um dos progenitores a 57,1% e a 42,9% do montante total disponível para alimentar o filho comum, deverá a pensão de alimentos a cargo de cada um deles reflectir essa mesma proporção (isto é, suportando cada um deles o montante que resulte da sua aplicação à quantia previamente definida como correspondendo aos alimentos necessários ao filho).
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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ACÓRDÃO
I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., propôs a presente acção de alteração do exercício de responsabilidades parentais, contra BB, residente na Travessa ..., ... e ..., concelho ..., pedindo que

· se alterassem as cláusulas de anterior exercício de responsabilidades parentais, relativas à guarda, ao regime de visitas e estadias, e aos alimentos (conforme discriminou), relativos a CC, nascido a ../../2017, filho dela própria e do Requerido.

Alegou para o efeito, em síntese, terem as responsabilidades parentais sido reguladas por ocasião da dissolução, por divórcio, do seu casamento com o Requerido (BB), ficando estabelecido um regime de residência alternada, o que dispensava então a fixação de uma pensão de alimentos.
Mais alegou terem-se entretanto alterado as circunstâncias de vida subjacentes àquela regulação (v.g. horário de trabalho do Requerido, que é guarda principal da Guarda Nacional Republicana), encontrando-se o filho desde ../../2022 a viver ininterruptamente consigo; e justificar-se, por isso, a fixação de um regime de visitas ao, e de estadas com o, Requerido (cujos termos indicou), bem como a fixação de uma pensão mensal de alimentos a suportar por ele, de € 302,29, actualizável anualmente por referência à taxa de inflação publicada pelo Instituto Nacional de Estatística.
Por fim, alegou, como justificação do montante peticionado a título de pensão de alimentos: o montante mensal dos seus rendimentos e encargos (discriminando-os); o montante mensal das despesas médias do filho (discriminando-as); e o montante mensal dos rendimentos e encargos do Requerido (discriminando-os).

1.1.2. Regularmente citado, o Requerido (BB) pediu que a alteração ao anterior regime de regulação das responsabilidades parentais fosse feita noutros termos (que discriminou), nomeadamente fixando-se uma pensão mensal de alimentos a favor do filho de € 125,00.
Alegou para o efeito, em síntese, que face à dificuldade que o seu trabalho por turnos implicava para a residência alternada do filho, acordou com a Requerente (AA) a sua alteração, nomeadamente ficando a mesma com a sua guarda, e ele próprio beneficiado com um regime de visitas e de estadias (igual ao que a mesma agora reclama nos autos) e obrigado ao pagamento de uma pensão mensal de alimentos de € 125,00, tendo tudo sido sempre cumprido.
Mais alegou que em 04 de Agosto de 2022 a Requerente (AA) pretendeu que passasse a suportar uma pensão de alimentos mensal de € 150,00, o que recusou, não só por se terem mantidos estáveis as necessidades do filho, como ainda por entretanto lhe ter nascido um outro, tendo aumentado o volume dos seus encargos.
Alegou ainda: serem as despesas mensais do filho menores do que as indicadas pela Requerente (conforme discriminou); serem superiores os rendimentos do agregado familiar da Requerente (AA) face aos por ela indicados, já que dele faz parte o respectivo companheiro; e serem inferiores os seus próprios rendimentos e superiores os seus próprios encargos, face à indicação de uns e outros que foi feita pela Requerente (conforme discriminou).

1.1.3. Em sede de conferência de pais foi homologado o acordo obtido entre a Requerente (AA) e o Requerido (BB) relativo à guarda do filho, ao regime de visitas e de estadas junto do Requerido, e à comparticipação por cada um dos progenitores de metade das despesas do filho com saúde, educação e actividades extra-curriculares actuais.
Foi ainda ordenada a notificação da Requerente (AA) e do Requerido (BB) para alegaram, quanto à «questão da pensão de alimentos devida ao filho».

1.1.4. Ambas as partes apresentaram alegações.

1.1.4.1. A Requerente (AA) reiterou o que já alegara na petição inicial; e concluiu pedindo que a pensão de alimentos mensal a favor do filho fosse fixada em € 250,00, actualizável anualmente por referência ao índice de preços do consumidor a publicar anualmente pelo INE.

1.1.4.2. O Requerido (BB) reiterou o que já alegara na sua contestação; e concluiu pedindo que a pensão de alimentos mensal a favor do filho fosse fixada em € 125,00.
Enfatizou não se terem as suas necessidades alterado até à propositura da presente acção (29 de Maio de 2023), quando extra-judicialmente a Requerente (AA) reclamava de si a quantia de € 150,00, apenas pretendendo agora a quantia de € 250,00 por despeito face ao nascimento de um outro filho seu (em ../../2023); e ser inegável que esse facto aumentou os seus encargos próprios.
Mais alegou: serem exageradas ou injustificadas algumas das despesas do seu filho primogénito  (v.g. com vestuário, com medicação, e/ou com despesas médias mensais familiares, aqui se incluindo a habitação); incluir o agregado familiar da Requerente (AA) o respectivo companheiro, cuja contribuição em termos de rendimento a mesma não referiu; serem os seus próprios rendimentos (limitados ao trabalho enquanto guarda da GNR) inferiores aos por ela indicados e os seus encargos superiores aos por ela referidos (discriminando-os); e antecipar ainda o futuro aumento destes últimos por pretender viver em casa própria com o seu novo agregado familiar (deixando de o fazer por favor na casa do respectivo pai).

1.1.5. Realizada a audiência final foi proferida sentença, fixando a pensão mensal de alimentos a favor de CC em € 125,00, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Decisão
Não se atende à solicitada junção de outra documentação, nomeadamente, recibos de vencimento, extractos bancários, 
Atento o disposto no artigo 42º RGPTC, condenamos o progenitor BB a entregar mensalmente a AA o montante de €125,00, a título de alimentos para o filho CC e através de transferência bancária.
Tal quantia será actualizada anualmente, segundo a taxa de inflação mais recente (INE) em Janeiro de cada ano.
Custas por A e R em partes iguais.
Valor: €30.000,01.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Requerente (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu a fixação de uma pensão de alimentos a pagar pelo progenitor a favor do seu filho menor, no valor de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros).

2. A Apelante não concorda com o doutamente decidido.

3. Com efeito, no dia 25 de maio de 2023, a Apelante deu entrada a uma ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo ao filho menor desta e do Apelado, no qual peticionou a fixação de uma pensão de alimentos a pagar pelo progenitor no valor de € 302,29.

4. Realizada a Conferência de Pais, as partes chegaram a acordo em relação à residência da criança, ao exercício das responsabilidades parentais, ao regime de visitas, ao regime de férias e festividades e às despesas de saúde, educação e atividades extracurriculares (natação e ATL) do filho menor.

5. Porém, não chegaram a entendimento quanto ao montante a fixar a título de alimentos, pelo que, em consequência, o Meritíssimo Juiz a quo fixou o montante de € 125,00 a título provisório, tendo sido as partes notificadas para apresentar alegações e prova. 

6. A Apelante, nas suas alegações, alegou que é técnica superior e aufere um vencimento mensal líquido de € 930,00; que vive sozinha com o filho; que às suas despesas acrescem as da criança, de habitação e subsistência (encargos com a habitação, água, eletricidade, alimentação, vestuário e deslocações), juntando documentos comprovativos das despesas elencadas, e que o apelado recebia um rendimento mensal líquido no valor de € 1.500,00.

7. Com interesse para o que se discute no presente recurso, o Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que a Apelante é técnica superior no Município ..., auferindo em média € 930,00 mensais líquidos (cfr. alíneas g), h) e i) dos factos dados como provados).

8. Considerou as despesas alegadas pela Apelante relacionadas com a criança, habitação, consumos domésticos e deslocações dadas como provadas - cfr. alíneas k), l) e m) dos factos dados como provados, por referência aos artigos 12.º, 13.º e 15.º.

9. Considerou ainda o Meritíssimo Juiz a quo que a Apelante tem despesas com habitação de € 490,00 mensais, para as quais recebe uma ajuda de € 300,00 mensais, pelo programa Porta 65, o que se computa num total de € 190,00 mensais com renda de habitação - cfr. alíneas o) e p) dos factos dados como provados.

10. No que concerne à situação atual do apelado, o Meritíssimo Juiz a quo deu como provado que o apelado, recebe mensalmente de salário, em média, € 1.500,00 líquidos, nos termos da alínea u) dos factos dados como provados, dando assim como provado o alegado no artigo 18.º.

11. Considerou provado que o Apelado vive com a companheira e o filho de ambos, em casa que é propriedade do seu pai - cfr. resulta das alíneas x) e z) dos factos dados como provados, por referência ao alegado no artigo 23.º, não pagando, por isso, nenhuma renda mensal de habitação.

12. Que o Apelado tem despesas, nomeadamente, com alimentação, gás e eletricidade, água e combustível (cfr. alínea aa) dos factos dados como provados), cujo montante não se determinou.

13. Ora, a Apelante não concorda com o doutamente decidido por entender que a quantia fixada a título de pensão de alimentos é manifestamente diminuta face às necessidades e despesas da criança e possibilidades de cada um dos progenitores, sendo que o montante revela uma contraposição entre os factos dados como provados, ou seja, as despesas mensais da criança, e a sentença, ou seja, o montante considerado “equilibrado e suficiente” para fazer face às mesmas, pelo que a sentença é iníqua e violadora das disposições ínsitas nos artigos 13.º, 36.°, n.º5, 69.º, da CRP, e o disposto nos artigos 1878.°, 2003.°, 2004.º e 2005,° do CC.

14. A medida dos alimentos depende, pois, da verificação das seguintes condições: possibilidade do alimentante, necessidade do alimentado e possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

15. Os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário, ou se acorrerem motivos que justifiquem medidas de exceção (art. 2005.º do Código Civil). Impera, assim, o princípio/regra de que tal prestação deverá ser traduzida numa quantia pecuniária fixa mensal (correspondente a um cálculo medio anual das despesas com o sustento daquela concreta criança, tendo em conta as suas necessidades).

16. Por sua vez, a quantia pecuniária é determinada em concreto, efetuando-se uma correlação de equidade entre as necessidades da criança e as capacidades económicas de cada progenitor.

17. Preside também à fixação da prestação de alimentos o objetivo de, dentro do possível, se preservar o nível de vida da criança, bem como a ideia de que o sacrifício que deverá ser exigido aos progenitores deve ter por base um critério mínimo de razoabilidade, visando proporcionar o maior bem-estar possível aos seus filhos.

18. Da douta sentença proferida resulta provado que o Apelado aufere um salário de €1.500,00 líquidos mensais, e que não tem de pagar renda, sendo incompreensível a fixação da pensão de alimentos na douta sentença no valor de € 125,00.

19. Ora, perante os factos dados como provados e documentos juntos aos autos, dúvidas não existem de que a criança tem as despesas médias mensais de alimentação, vestuário e calçado, brinquedos, material didático, habitação, eletricidade, água e deslocações, no montante elencado nos artigos 12.º, 13.º e 15.º das alegações apresentadas pela Apelante, e que totalizam o valor mensal de € 407,98 - despesas e correspondentes montantes dados como provados nas alíneas k), l) e m) dos factos dados como provados.

20. Na verdade, entende a Apelante que o Meritíssimo Juiz a quo não considerou as despesas acima elencadas e dadas como provadas na fixação do montante a título de pensão de alimentos, ao determinar que o Apelado pague apenas a quantia de € 125,00 por mês a título de pensão de alimentos a favor da criança, sendo que tal valor está muito longe de sequer corresponder a metade das despesas da criança (que devem ser satisfeitas, por cada um dos progenitores, no limite e necessário, pelo menos no montante de € 203,99, ou seja, na proporção de metade, como já referido) e muito desproporcional face aos rendimentos mensais de ambos os progenitores e despesas de cada um - ou seja, se as considerou, não respeitou o critério da proporcionalidade e da igualdade.

21. Entende a Apelante que a douta sentença proferida é, pois, iníqua, por determinar que o Apelado pague apenas a quantia de € 125,00 por mês a título de pensão de alimentos a favor da criança, sendo que tal valor está muito longe de sequer corresponder a metade das despesas da criança e muito desproporcional face aos rendimentos mensais de ambos os progenitores e despesas de cada um.

22. De facto, nos termos da douta sentença proferida e dos factos dados como provados, o Apelado aufere um rendimento mensal líquido muito superior ao da Apelante - esta aufere um vencimento mensal líquido de cerca de € 930,00 e o Apelado aufere rendimentos mensais líquidos no valor de € 1.500,00.

23. Esta clivagem de mais de € 500,00 entre os rendimentos mensais dos progenitores aumenta ao considerarmos as despesas dadas como provadas de cada um dos progenitores, sendo o rendimento disponível do Apelado muito superior ao da Apelante para contribuir para o sustento do filho.

24. A douta sentença é pois iníqua, pois o Meritíssimo Juiz a quo não considerou:
- na determinação da medida dos alimentos, as possibilidades de cada progenitor e as necessidades do alimentando, sobrecarregando a Apelante com a maior parte (diga-se, quase totalidade) das despesas da criança, apesar do rendimento mensal, inclusive disponível, do Apelado ser muito superior ao da Apelante, o que significa que a proporção de despesas que a Apelante suporta da criança é muito superior ao exíguo montante que este se encontra obrigado a contribuir;
- as despesas de habitação da criança (pagamento mensal da renda de habitação, eletricidade, água) - e que fazem parte da noção do conceito de alimentos;
- as despesas com deslocação da criança.

25. Ora, o valor das despesas totais elencadas nos factos provados ultrapassam o vencimento auferido pela Apelada, tendo de recorrer-se de ajudas e empréstimos.

26. As necessidades de habitação, alimentação, escolaridade, higiene, saúde, médicas, medicamentosas, escolaridade e outras mais da criança, existem independentemente das possibilidades de um ou outro dos progenitores.

27. Por isso é que o outro progenitor deve comparticipar nessas despesas na devida proporção das suas reais e concretas possibilidades, por forma a colmatar a diferença de rendimento do outro progenitor para suportar tais custos, pois, a equidade destina-se exatamente a encontrar a solução mais justa para o caso concreto.

28. O progenitor aufere um rendimento líquido mensal 38,00% superior ao da Apelante, pelo que, necessariamente, 38,00% das despesas dadas como provadas teriam de ser suportadas na íntegra pelo mesmo, sendo os restantes 62% das despesas repartidas pelos progenitores, de forma a que o sacrifício na satisfação das necessidades do filho de ambos fosse proporcional aos seus rendimentos.

29. Assim, o progenitor teria de assumir na íntegra 38,00% das despesas dadas como provadas (que correspondem a um total de € 407,98), ou seja, € 155,04 (407,98 x 0,38), ao que soma metade dos restantes 62,00%, que seriam repartidos pela Apelante e o Apelado. Desta forma, 62,00% das despesas dadas como provadas dá um total € 252,94 (407,98 x 0,62), pelo que, cada progenitor teria de contribuir com €126,47.

30. Ora, a contribuição nas despesas do menor deve ser proporcional aos rendimentos dos progenitores, existindo in casu uma desigualdade nos mesmos, atendendo às despesas da criança e às possibilidades dos progenitores (rendimentos e despesas) e, por isso, deveria ter sido ser fixada uma pensão de alimentos de € 281,51 (correspondente à seguinte operação aritmética: 155,04 + 126,47 – ou seja, a soma dos 38,00% das despesas integralmente suportadas pelo progenitor e de metade dos 62,00% das despesas suportadas por ambos) ou, no mínimo, em € 203,99 (metade das despesas da criança, dadas como provadas pelo Meritíssimo Juiz a quo nas alíneas k), l) e m), por reporte aos artigos 12.º, 13.º e 15.º das alegações da Apelante).

31. Pese embora tenha sido dada como provada a existência de mais um filho, a certidão em causa não foi junta aos autos, pelo que, sem a mesma, não deveria a sua existência ter sido dada como provada, uma vez que tal facto seria apenas suscetível de ser provado através de certidão, pelo que a alínea y) dos factos dados como provados deveria ter sido dada como facto não provado - pelo que aqui se impugna.

32. Mas ainda que assim se não entendesse, e caso não se considerassem as despesas da criança como provadas, sempre seria de socorrer-se às regras da experiência comum, de acordo com o homem médio, sendo certo que atendendo ao estado atual da economia, bem como ao aumento generalizado dos preços, sobretudo, os de primeira necessidade, resulta à saciedade a insuficiência da contribuição do progenitor no valor de €125,00 mensais como comparticipação das despesas necessárias à subsistência e vida corrente da criança.

33. Outra alternativa e, mais uma vez se reitera, ainda que as despesas acabadas de referir não tivessem sido dadas como provadas (como efetivamente o foram), sempre seria, no limite, de aplicar a fórmula de Wisconsin, sendo que, pela sua aplicação, a contribuição do progenitor continuaria a ser determinada em montante superior ao fixado pelo Meritíssimo Juiz a quo

34. No caso sub judice, se aplicada a fórmula de Wisconsin, ao rendimento do Apelado de € 1.500,00, retirar-se-ia a percentagem de 25,00%, (tendo em consideração a existência de dois filhos), dividindo-se o resultado obtido de € 375,00, por dois, o que resulta no valor de €187,50, para cada filho menor - valor este, ainda assim, manifestamente superior ao fixado pelo Meritíssimo Juiz a quo.

35. Pelo que deverá ser revogada a douta sentença proferida por violar as disposições ínsitas nos artigos 13.º, 36.°, n.º 5, 69.º, da CRP, e o disposto nos artigos 1878.°, 2003.°, 2004.º e 2005.° do CC, pelo que não pode deixar de ser revista.
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1.2.2. Contra-alegações

1.2.2.1. O Requerido (BB) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso.

Concluiu as suas contra-alegações .......
.. Por tudo o exposto e salvo o devido respeito por diferente opinião, a sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura, devendo o recurso apresentado pela Recorrente ser julgado improcedente, com as legais consequências, assim se fazendo a necessária justiça.
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1.2.2.2. O Ministério Público contra-alegou, pedindo que se fixasse a pensão mensal de alimentos a favor de CC em € 150,00.
Alegou para o efeito, em síntese, serem os rendimentos de ambos os progenitores idênticos, tendo, porém, o Requerido (BB) a possibilidade de melhorar os seus, uma vez que a sua actividade de guarda da GNR lhe permite fazer serviços remunerados e de escala; e ser razoável fixar os gastos do filho que possui em comum com a Requerente (AA) em € 300,00 por mês.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque 

. não permitia que se desse como demonstrado ter o Requerido um outro filho, conforme referido no facto provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea y) («O Requerido tem outra criança»)?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, devendo ser elevado o montante da pensão de alimentos devida pelo Requerido (BB) ao filho CC ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos provados
Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, o Tribunal a quo julgou como provados os seguintes factos:

a) CC nasceu a ../../2017.
(artigo 2.º das alegações da Requerente)

b) CC é filho de BB (aqui Requerido) e de AA (aqui Requerente), casados entre si naquela data, ele com 29 anos e ela com 26 anos de idade.
(artigos 1.º e 2.º das alegações da Requerente)

c) A 8 de Abril de 2021, na conservatória do registo civil ..., foi decretado o divórcio entre o Requerido (BB) e a Requerente (AA).
(artigo 3.º das alegações da Requerente)

d) O regime do exercício das responsabilidades parentais relativas a CC foi consensualmente estabelecido e homologado na ocasião do divórcio dos respectivos pais, constando do respectivo teor:
«(…)
As responsabilidades … particular importância … são exercidas … por ambos … 
… o menor ficará a residir de forma alternada … uma semana com o pai e a semana seguinte com a mãe …
… metade das férias escolares … com cada um dos progenitores … Não serão devidos alimentos … cada um dos progenitores deverá prover ao sustento do menor no período em que este resida consigo.
As despesas escolares, médicas e medicamentosas, imprevistas e de vulto … tratamentos dentários, aparelhos dentários, vacinas não incluídas no PNV … óculos, tratamentos dermatológicos ou intervenções cirúrgicas, na parte não comparticipada, serão pagas, por ambos … 50% para o pai e 50% para a mãe.
(…)»
(artigos 4.º e 5.º das alegações da Requerente)

e) A morada de CC em semanas alternadas com cada um dos progenitores terminou em ../../2022, por consenso destes, que se estendeu à comparticipação de cada um nas despesas da criança.
(artigos 6.º e 9.º das alegações da Requerente)

f) Desde ../../2022 CC passou a morar habitualmente com a Requerente (AA) em ....
(artigo 8.º das alegações da Requerente)

g) A Requerente (AA) é técnica superior no Município .... 
(artigo 11.º das alegações da Requerente) 

h) Em Dezembro de 2022 a Requerente (AA) declarou vencimento base de € 1.059,59, a que correspondeu o montante líquido de € 928,93. 
(artigo 11.º das alegações da Requerente) 

i) Em Janeiro de 2023 a Requerente (AA) declarou vencimento base de € 1.111,72, a que correspondeu o montante líquido de € 934,22. 
(artigo 11.º das alegações da Requerente) 

j) A Requerente (AA) recebe subsídio de férias e subsídio de Natal.
(artigo 11.º das alegações da Requerente) 

k) CC tem despesas com refeições, prolongamento escolar, natação, vestuário e calçado, alimentação, medicação, brinquedos e material didáctico.
(artigo 12.º das alegações da Requerente) 

l) A Requerente (AA) tem despesas com renda de casa, alimentação, electricidade, seguro automóvel, comunicações, gasóleo, água.
(artigo 13.º das alegações da Requerente) 

m) A Requerente (AA) transporta CC para a escola, em ..., médico e actividades; e com isso tem gastos com combustível.
(artigo 15.º das alegações da Requerente) 

n) CC praticou natação em ... e posteriormente passou a fazê-lo em ..., acompanhando a mãe ao ginásio frequentado por esta.
(artigo 17.º das alegações do Requerido) 

o) A Requerente (AA) tomou de arrendamento um andar na Rua ... (...) por contrato datado de 10 de Janeiro de 2023, dele constando que «a renda mensal é de 490 euros».
(artigo 13.º das alegações da Requerente) 

p) A Requerente (AA) candidatou-se ao programa Porta 65; e recebe ajuda mensal para o pagamento da renda, que atingiu € 300,00 mensais.
(artigo 26.º das alegações do Requerido)

q) O companheiro da Requerente (AA) frequenta a sua casa e ela a casa dele, em ....
(artigo 30.º das alegações do Requerido)

r) A Requerente (AA) é nutricionista e há anos iniciou actividade de consultas de nutrição.

s) O Requerido (BB) é guarda principal na GNR em ....
(artigos 7.º e 18.º das alegações da Requerente)

t) O Requerido (BB) declarou vencimento base de € 1.059,59 de ../../2022 em diante; e de € 1.111,72 de Janeiro de 2023 a ../../2023.
(artigo 18.º das alegações da Requerente, e artigos 35.º e 36.º das alegações do Requerido)

u) O valor líquido do vencimento do Requerido (BB), considerados os suplementos, subsídios, remunerados, escala e os descontos, foi nos ../../2022 até ../../2023 de: € 1.312,09, € 1.254,07, € 1.285,61, € 1.489,99, € 2.181,65 (Natal) € 1.227,56, € 1.293,72 (1/23) € 1.874,73, € 812,30, € 1.329,55, € 1.600,90, € 1.733,29 (subsídio de férias).
(artigo 18.º das alegações da Requerente, e artigos 35.º e 36.º das alegações do Requerido)

v) O Requerido (BB) foi mecânico anteriormente a exercer funções na GNR.
(artigo 20.º das alegações da Requerente)

w) O Requerido (BB) comprou automóveis; e tem um ... e um ....
(artigos 21.º e 25.º das alegações da Requerente)

x) O Requerido (BB) mora em casa de seu pai, em ....
(artigo 23.º das alegações da Requerente)

y) O Requerido (BB) tem uma outra criança.
(artigo 26.º das alegações da Requerente)

z) Com o Requerido (BB) mora a companheira e o filho comum.
(artigo 39.º das alegações do Requerido)

aa) O Requerido (BB) tem despesas com gás, electricidade, água, alimentação, comunicações, combustível, seguro, imposto único automóvel e inspecções; e faz despesas com CC. 
(artigo 46.º das alegações do Requerido)

bb) Em Agosto de 2023 o Requerido (BB) gastou € 53,30 com pacotes NOS e telemóvel.
(artigo 46.º das alegações do Requerido)

cc) Em Agosto de 2023 o Requerido (BB) gastou € 53,36 com electricidade.
(artigo 46.º das alegações do Requerido)

dd) Em Agosto de 2023 o Requerido (BB) gastou € 22,08 com o fornecimento de água. 
(artigo 46.º das alegações do Requerido)

ee) Em Julho de 2023 o Requerido (BB) adquiriu gás (45kg) por € 104,90.
(artigo 46.º das alegações do Requerido)

ff) O Requerido (BB) tem gastos com o segundo filho (vitaminas, cremes, toalhas, fraldas, detergente, produtos de farmácia, vestuário, alimentação).
(artigo 47.º das alegações do Requerido)

gg) O Requerido (BB) adquiriu mobiliário, carrinho, cadeira para automóvel.
(artigo 48.º das alegações do Requerido)

hh) DD nasceu em ../../2023 e é filho do Requerido e de EE.
(artigo 10.º das alegações do Requerido)
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3.2. Factos não provados

Com interesse para a apreciação das questões enunciadas, o Tribunal a quo deu como «Não comprovado» (sendo os factos aqui apenas numerados):

1 - A partir de Julho de 2023 a Requerente (AA) teve perdas de rendimento devido a ter o filho à sua guarda.
(artigo 11.º das alegações da Requerente)

2 - CC tem as despesas médias mensais nas quantias indicadas no artigo 12.º das alegações da Requerente (AA).

3 - A Requerente (AA) tem as despesas médias mensais nos valores alegados no artigo 13.º das respectivas alegações.

4 - A Requerente (AA) tem despesas mensais médias de € 50,00 com as deslocações do menor.
(artigo 15.º das alegações da Requerente)

 5 - O Requerido (BB) aufere rendimento que rondará os € 300,00 por mês em biscates de mecânica, não declarados.
(artigo 19.º das alegações da Requerente)

6 - O Requerido (BB) dedica-se ao negócio de compra e venda de automóveis e daí retirará média mensal de € 300,00.
(artigos 21.º e  22.º das alegações da Requerente)

7 - O Requerido (BB) reside sozinho e é o pai deste quem paga as despesas com água, electricidade e gás da habitação.
(artigo 23.º das alegações da Requerente)

8 - O segundo filho do Requerido (BB) não mora com ele.
(artigo 26.º das alegações da Requerente)

9 - As despesas do Requerido (BB) têm mensalmente em média os valores alegados por ele.
(artigos 46.º, 47.º, 48.º e 49.º das alegações do Requerido) 
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3.2. Modificabilidade da decisão de facto - Incorrecta apreciação da prova legal
3.2.1.1. Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art.º 389.º (para a prova pericial), art.º 391.º (para a prova por inspecção) e art.º 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte do n.º 5 do art.º 607.º citado).

Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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3.2.1.2. Factos sujeitos a registo - Prova
3.2.1.2.1. Registo civil
Lê-se no  art.º 1.º, n.º 1, als. a) e b), do Código do Registo Civil [3], que o «registo civil é obrigatório e tem por objecto», entre outros factos, o «nascimento» e a «filiação».
Mais se lê, no mesmo CRC, no seu: art.º 2.º que, salvo «disposição legal em contrário, os factos cujo registo é obrigatório só podem ser invocados depois de registados»; art.º 3.º, n.º 1, que a «prova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos e ao estado civil correspondente não pode ser ilidida por qualquer outra, a não ser nas acções de estado e nas acções de registo».
Lê-se ainda, no art.º 4.º do mesmo diploma que a «prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos neste Código».
Por fim, lê-se no art.º 211.º do CRC que os «factos sujeitos a registo e o estado civil das pessoas provam-se pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão» (n.º 1); e faz «igualmente prova para todos os efeitos legais e perante qualquer autoridade pública ou entidade privada a disponibilização da informação constante da certidão em sítio da Internet, em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça» (n.º 2).
Logo, estando em causa imperiosas razões de segurança do comércio jurídico, que implicam a necessidade absoluta de um formalismo eficaz para a prova de determinados factos, a importância do registo civil advém-lhe da circunstâncias de só através de certidões dele extraídas se poder fazer a prova do facto obrigatoriamente registado (o registo é a única prova legalmente admitida); e o registo faz prova plena de todos os factos nele contidos, pois a prova dos factos que a ele estão sujeitos não pode ser elidida por qualquer outra, excepto nas acções de estado e nas acções de registo.
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3.2.1.2.2. Prova do facto (natureza/objecto da acção)
Lê-se no art.º 364.º, do CC, que, quando «a lei exigir, como forma de declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de forma probatória superior» (n.º 1); mas se, «porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório» (n.º 2).
Mais se lê, no art.º 574.º, n.º 2, do CPC, que se consideram «admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito».
Está-se aqui, nesta admissão dos factos por acordo, na chamada confissão tácita, ou presumida, ou confessio ficta, resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada.
Dir-se-ia, assim, que os factos sujeitos a registo, nomeadamente obrigatório, que apenas se podem provar por meio de certidão respectiva, não se poderiam ter como assentes antes da junção desta, e mesmo que não impugnados pela parte contrária.

Contudo, veio a jurisprudência a dividir-se, distinguindo parte dela a natureza da acção em que os factos sujeitos a registo tivessem sido alegados, isto é, integrando, ou não, os mesmos o cerne da questão a decidir.
Assim, e de acordo com este entendimento, estando em causa acções de estado (v.g. investigação da paternidade, adopção, divórcio), seria inequivocamente de exigir a demonstração documental dos factos sujeitos a registo civil; e o mesmo sucederia no processo de inventário, quanto ao óbito do de cuius (pela sua importância para a constituição da lide).
Já quando o facto sujeito a registo fosse invocado em acções que não o tivesse por objecto directo (o litígio estaria centrado em facto diverso daquele que a lei sujeita a registo, integrando este mera relação jurídica prejudicial ou condicionante, simples pressuposto da decisão a proferir), apenas seria exigível a prova documental autêntica quando fosse questionado pela contraparte (sendo então a mesma imprescindível), outro tanto não sucedendo quando o dito facto não fosse impugnado (podendo então ser dado como assente por meio de confessio ficta) [4].
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3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, em sede de alegações do presente recurso de apelação, a Requerente (AA) veio, de forma inédita até então, contestar «a existência de mais um filho» do Requerido (BB), para além do primogénito que com ela tem em comum, «uma vez que tal facto seria apenas suscetível de ser provado através de certidão».
Impugnou assim, e expressamente, o facto provado enunciado na sentença recorrida sob a alínea y) («O Requerido tem outra criança») [5]; mas não o fez igualmente quanto aos factos provados aí enunciados sob a alínea z) («Com o Requerido mora a companheira e o filho comum») e sob a alínea hh) («DD nasceu em ../../2023 e é filho do Requerido e de EE»), onde essa mesma realidade se encontra novamente referida.
Dir-se-á, porém, não lhe assistir razão.

Com efeito, o Requerido (BB) juntou aos autos, logo com o seu articulado inicial, sob o número 5, cópia do «Assento de Nascimento n.º ...9 do ano de 2023», da Conservatória do Registo Civil ..., de onde consta que no dia «../../2023» nasceu «DD», sendo registado como filho de «BB» e de «EE».

Lê-se, a propósito, no art.º 368.º do CC, que as «reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão».
Ora, oportuna e regularmente notificada deste documento, a Requerente (AA) não o arguiu de falso, nem de inexacto.
Assim, o nascimento e a filiação de DD encontram-se documentalmente provados nos autos.
 
Contudo, e ainda que assim se não entendesse, verifica-se que, não se reportando os presentes autos a qualquer acção de impugnação ou reconhecimento de paternidade, foi a própria Requerente (AA) quem: logo no artigo 39.º da sua petição inicial alegou que o Requerido (BB) «tem outro filho, menor, com ele não residente, mais novo que o CC e fruto de outra relação, após o seu divórcio»; e reiterou essa alegação, ipsis verbis, no artigo 26.º das suas alegações Posteriores.
 Assim, e por confissão da própria - nem mesmo ficta, mas confissão judicial espontânea (prevista no art.º 356.º, n.º 1, do CC) -, ficou desde logo assente nos autos o mesmo facto que agora pretende impugnar.
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Mostra-se, assim, totalmente improcedente o recurso sobre a matéria de facto apresentado pela Requerente (AA); e, por isso, mantem-se inalterado o facto provado enunciado na sentença recorrida sob a al. y).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Obrigação parental de alimentos
4.1.1. Obrigação parental de prover ao sustento
Sendo a família «um elemento fundamental da sociedade», espaço privilegiado de «realização pessoal dos seus membros» (art.º 67.º da CRP), e reconhecendo-se aos pais uma «insubstituível ação em relação aos filhos» (art.º 68.º, n.º 1, da CRP), compreende-se que se leia no art.º 36.º, n.º 5, da CRP, que «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos».
Precisa-se no art.º 1877.º do CC que os «filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação»; e esclarece-se no art.º 1878.º do CC o que sejam estas «responsabilidades parentais», lendo-se no mesmo que «compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens».
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Particularizando agora esta obrigação parental de «prover ao seu sustento», lê-se no art.º 1874.º do CC que pais «e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência» (n.º 1), sendo que o «dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar» (n.º 2).
«Isto significa, em primeiro lugar, que a obrigação de alimentos a favor dos filhos deriva diretamente da relação de filiação (de tal forma que continua a ser exigível ainda que os pais estejam inibidos do exercício das responsabilidades parentais - cf. art. 1917º, C. Civil).
Em segundo lugar, que a prestação alimentícia a favor dos filhos menores se insere num conjunto mais amplo de poderes-deveres (irrenunciáveis) (7), que os progenitores exercem no interesse dos filhos, designadamente um dever geral de assistência e sustento. (8)
Em terceiro lugar, que a obrigação de alimentos - quando se trata de filhos menores - não se configura como uma obrigação de alimentos stricto sensu nem como um dever autónomo e independente das outras prestações a que os progenitores se encontram vinculados. (9)» (Ac. da RG, de 02.11.2017, António Barroca Penha, Processo n.º 1676/16.2T8VCT.G1.

Contudo, a obrigação de prover ao sustento dos filhos e de assegurar as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação cessa logo que aqueles estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos (art.º 1879.º do CC); ou mantem-se para além do momento em que os mesmos atinjam a maioridade ou forem emancipados, desde que não tenham ainda completado a respectiva formação profissional, e na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, se bem que apenas pelo tempo normalmente requerido para que aquela se complete (art.º 1880.º, do CC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro) [6].
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4.1.2. Conceito de alimentos  
Precisando o que se entende por «alimentos», lê-se no art.º 2003.º, n.º 1, do CC, que se entende como tal «tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário».
Logo, em tal conceito contem-se «tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado» (Vaz Serra, RLJ, Ano 102, pág. 262) [7]. O conceito de sustento ultrapassa, assim, a simples necessidade de alimentação, abrangendo a satisfação de todas as necessidades vitais de quem carece de alimentos, nomeadamente as relacionadas com a saúde, os transportes, a segurança, a educação e a instrução [8].
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Precisando ainda o modo de os prestar, lê-se no art.º 2005.º do CC que os «alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de excepção» (n.º 1); mas se «aquele que for obrigado aos alimentos mostrar que os não pode prestar como pensão, mas tão somente em sua casa e companhia, assim poderão ser decretados» (n.º 2).
Logo, e em regra, os alimentos deverão ser satisfeitos mediante a entrega de uma quantia pecuniária e com periodicidade mensal, só excepcionalmente se admitindo uma solução diferente.
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Precisando, por fim, a possibilidade de alteração dos alimentos fixados pelo tribunal ou por acordo dos interessados, lê-se no art.º 2012.º do CC que se «as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos fixados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas serem obrigadas a prestá-los».
Logo, quando se alterem as circunstâncias em que assentou a decisão que quantificou o montante da prestação alimentar - seja quanto às necessidades de assistência do alimentado, seja quanto às possibilidades do devedor de alimentos -, pode a mesma ser actualizada, para mais, ou para menos.
Este pedido de alteração de alimentos já fixados a favor de uma criança deverá ser formulado em sede de processo tutelar cível próprio, previsto ou nos art.ºs 42.º e seguintes (quando tenha resultado de uma regulação geral de responsabilidades parentais), ou nos art.s 45.º e seguintes (quando tenha resultado de processo cautelar civil  intentado antes com esse limitado objecto) [9], ambos  do Regime Geral do Processo Tutelar Cível [10].
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4.1.3. Determinação do seu montante
4.1.3.1. Em geral
«O instituto jurídico dos Alimentos radica num princípio de solidariedade familiar, de exigência de ajuda, socorro e conforto que recai sobre todos os membros da família e destina-se a titular o direito à dignidade humana, constitucionalmente protegido (cfr. art. 1.º da Constituição da República Portuguesa» (Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, Âmbito e Extensão das Normas Previstas no Art. 989.º, N.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, Almedina, Junho de 2019, pág. 17).
Compreende-se assim, e no que concerne à determinação do montante de alimentos, que se leia no art.º 2004.º do CC que «serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los» (n.º 1), uns e outras actuais, ou seja, existentes no momento da prestação de alimentos; e «atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência» (n.º 2).
Importa, pois, ter em conta todas as possibilidades e disponibilidades de quem presta e de quem recebe, atendendo o juiz, nomeadamente, «à sua idade, ao seu sexo, ao seu estado de saúde, à sua situação social, ao ter ou não filhos a sustentar, ao poder ou não trabalhar, ao ter ou não um lucro que lhe permita ganhar a vida, aos rendimentos dos seus bens e a quaisquer outros proventos» (Abel Pereira Delgado, Do Divórcio, Livraria Petrony, 1971, pág. 200 a 202) [11].

Tentando concretizar os indeterminados critérios legais referidos (apud Clara Sottomayor, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 2016 - 6.ª edição, Almedina, Coimbra, Abril de 2016, págs. 334 e segs.), haverá que atender:

. às possibilidades do alimentante - os rendimentos de trabalho, isto é, salários (a parte disponível do seu rendimento normal, certo, regular e actual); os rendimentos de carácter eventual, como gratificações, emolumentos e os subsídios de Natal e de férias; os rendimentos de capital; as poupanças; as rendas provenientes de imóveis arrendados; os valores dos seus bens [12]. Em qualquer caso, o Tribunal deverá recorrer a critérios resultantes da experiência comum, nomeadamente quando, pese embora os valores apurados de rendimentos sejam de valor fixo ou certo, o alimentante apresenta um nível de vida superior. Assim, a capacidade económica dos pais, para efeitos do cumprimento da obrigação de alimentos a prestar aos filhos menores, não se avaliará apenas pelos rendimentos que declarem ao Fisco ou à Segurança Social, avaliando-se também pela sua idade, pela actividade profissional que em concreto desenvolvem e pela capacidade de gerar proventos que essa actividade permite;

. as necessidades do alimentando - o custo de vida em geral; a idade do(a)(s) filho(a)(s) (quanto mais velha é a criança mais avultados são os encargos com a sua educação, vestuário, alimentação, vida social, actividades extracurriculares); a sua saúde; a sua situação social; o nível de vida anterior à ruptura de convivência entre os pais.

. a possibilidade de o alimentando proceder à sua subsistência.
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4.1.3.2. Em particular - Alimentos devidos a filhos
Precisa-se, porém, que no âmbito da natureza especialíssima do vínculo parental, a prestação de alimentos devida pelos pais aos filhos menores ou emancipados não tem o mesmo objecto que a obrigação alimentar comum, já que se trata de um «regime especial (...) que afasta as regras gerais dos arts. 2003º e segs» (Heinrich E. Horster, citado por Abílio Neto e Herlander Martins, Código Civil Anotado, 7.ª edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1990, pág. 1372).
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4.1.3.2.1. Obrigação mais ampla
Com efeito, trata-se aqui de uma obrigação de sustento mais vasta do que a existente nos restantes casos (conforme art.º 2009.º do CC), já que «a medida dos alimentos não se afere estritamente aqui por aquilo que é "indispensável" à satisfação das necessidades básicas e educativas» dos filhos, «mas pelo que é necessário à promoção adequada do desenvolvimento físico, intelectual e moral» destes, «de acordo, porém, com as possibilidades dos pais», conforme aliás resulta do art.º 1885.º do CC (Rui M. L. Epifânio e António H. L. Farinha, Organização Tutelar de Menores. Contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e Família, 2.ª edição actualizada, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, pág. 407) [13].
O art.º 2003.º do CC (que resulta da transposição do art.º 171.º do Código de Seabra, adaptado ao século XIX, onde não era frequente os filhos prosseguirem estudos) está assim - e no que ora nos ocupa - desactualizado, atendendo à massificação da educação na nossa época. A manutenção do carácter limitativo do seu n.º 2 («Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor»), na Reforma de 1977, só se poderá ter ficado a dever a um lapso do legislador, que se terá esquecido de adequar esta norma ao disposto no art.º 1880.º do CC (que define a noção de alimentos devidos a maiores por remissão para o art.º 1879.º, o qual se refere às despesas relativas à sua segurança, saúde e educação).
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Defende-se ainda que, em caso de ruptura da vida conjugal ou análoga dos progenitores, os alimentos devidos por aquele que não detém a guarda do filho deverão assegurar-lhe um nível de vida idêntico ao que gozava antes da dita ruptura, salvo se então o nível de vida era exorbitante e estava acima da capacidade dos pais [14].
Pondera-se para o efeito que, estando a determinação da medida dos alimentos, dependente das necessidades da criança ou jovem em causa, estas mostram-se condicionadas por múltiplos factores, de jaez marcadamente subjetivo (v.g., a idade, a sua saúde, as necessidades educacionais), entre os quais se deverá ponderar o nível socioeconómico dos próprios pais. Logo, a prestação dos alimentos não deverá ficar limitada às estritas necessidades vitais do alimentando criança ou jovem (v.g. alimentação, vestuário, calçado, alojamento), devendo antes assegurar-lhe um standard de vida (nomeadamente, em termos de conforto) idêntico ao dos pais, quer os mesmo vivam juntos, quer não (atendendo-se, nesta última hipótese, ao nível de vida que os progenitores desfrutavam na sociedade conjugal ou equiparada [15].
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4.1.3.2.2. Obrigação mais intensa
Por outro lado, e atento novamente o especialíssimo vínculo aqui em causa, dir-se-á ainda que «o conteúdo da obrigação de alimentos a prestar pelos pais não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra» (Ac. da RP, de 14.06.2010, Guerra Banha, Processo n.º 148/09.6TBPFR.P1, com bold apócrifo).
Afirma-se aqui inequivocamente que «a natureza da obrigação, enquanto responsabilidade parental, impõe que se considere que as necessidades dos filhos sobrelevam as dificuldades económicas dos pais. Trata-se de uma responsabilidade que impõe ao progenitor assegurar as necessidades do filho de forma prioritária relativamente às suas, designadamente relativamente àquelas que não sejam inerentes ao estritamente necessário para uma digna existência humana» (Ac. da RP, de 28.09.2010, Ramos Lopes, Processo n.º 3234/08.6TBVCD.P1, com bold apócrifo) [16].
Compreende-se, por isso, que se afirme que «o dever de proteção do filho (…) é de tal intensidade que nem os escassos recursos dos progenitores podem desonerá-los do seu cumprimento», pelo que «o dever de assistência e sustento obrigue os pais a compartilhar com o filho os seus rendimentos até ao limite da sua própria subsistência» (Ac. da RG, de 02.11.2017, António Barroca Penha, Processo n.º 1676/16.2T8VCT.G1).
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4.2.1.2.3. Outro progenitor (princípio da igualdade)
Precisa-se ainda que importa atender igualmente, nesta matéria dos alimentos (e como em todas as demais pertinentes às outras responsabilidades parentais), ao princípio constitucional da igualdade de direitos e deveres de ambos os progenitores, quanto à manutenção e educação dos filhos (conforme art.º 36.º, n.º 3, da CRP).
Este princípio (da titularidade das responsabilidades parentais, como o respectivo exercício, caber, em princípio, a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade) é reafirmado no CC, no art.º 1901.º (para a constância do matrimónio), no art.º 1911.º (para a constância de relação análoga à dos cônjuges) e no art.º 1912.º (para as demais situações, isto é, quando os progenitores não vivem naqueles termos).

Contudo, não se pode proceder aqui a uma partilha de responsabilidades puramente matemática, isto é, de modo a que cada um dos progenitores assegure necessariamente metade das despesas dos filhos.
Com efeito, sempre se terá que ter em consideração os respectivos recursos, por forma a alcançar-se uma justa composição de quotas-partes contributivas [17].
Por outras palavras, vigorando no que concerne à obrigação de alimentos o princípio de igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção do(a)(s) filho(a)(s), o mesmo não significa que a lei pretenda que cada um deles contribua com metade do necessário à dita manutenção. Visa-se, sim, que sobre cada um deles impenda a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como à instrução e educação do menor (alimentos civis).
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4.2.1.2.4. Menor relevância da possibilidade de prover à subsistência própria
Por fim, dir-se-á que o n.º 2 do art.º 2004.º do CC (na «fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência») terá «pouca relevância prática actualmente», uma vez que representa «um resquício do carácter institucional da família típico das sociedades agrárias anteriores à revolução industrial».
Com efeito, a «maior parte das crianças não tem bens próprios nem trabalha, devido aos requisitos legais do contrato de trabalho, à escolaridade obrigatória e ao melhor nível de vida das famílias. Mesmo nos casos em que efectivamente trabalhem ou tenham bens, essas nomas não podem ser interpretadas à letra, o que levaria a pensar que, independentemente das condições económicas dos pais, estes ficaram desobrigados totalmente de prestar alimentos ao/às/filhos/as, que pelos seu rendimento de capital ou de trabalho pudessem satisfazer as suas necessidades», com evidente postergação daquelas que são as suas constitucionalmente reconhecidas responsabilidades (Clara Sottomayor, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 340-341).
Assim, o património dos pais e dos filhos não estará em pé de plena igualdade na afectação às necessidades destes últimos, impondo-se uma maior exigência na interpretação e aplicação da lei.

Acresce que, na «atual conjuntura do mercado de trabalho, a competitividade reclama normalmente um esforço e empenho por parte dos jovens que dificilmente se compagina com a manutenção de um emprego destinado a sustentar os estudos académicos. Os pais devem, pois, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, proporcionar aos filhos uma formação profissional que lhes permita responder às exigências acrescidas do mercado de trabalho e à oferta limitada de emprego» (Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, Âmbito e Extensão das Normas Previstas no Art. 989.º, N.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, Almedina, Junho de 2019, p. 20).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Necessidades do alimentando
Concretizando, verifica-se serem a Requerente (AA) e o Requerido (BB) pais de CC, nascido a ../../2017; e que, tendo visto o seu casamento dissolvido por divórcio, regularam então as respectivas responsabilidades parentais, ficando o filho a viver de forma alternada com cada um deles, não tendo por isso fixado qualquer pensão de alimentos a favor do mesmo.
Mais se verifica que, tendo desde ../../2022 a guarda de CC passado a pertencer exclusivamente à Requerente (AA), acordaram extra-judicialmente os respectivos progenitores que o Requerido (BB) pagaria a quantia de € 125,00 por mês, a título de pensão de alimentos.
Verifica-se ainda que, pretendendo agora a Requerente (AA) que a mesma fosse judicialmente fixada em € 302,29 por mês, o Requerido (BB) não o aceitou, acabando o Tribunal a quo por a fixar em € 125,00; e que aquela, em sede de recurso, pretende que esta quantia seja elevada para € 281,51 (por o Requerido auferir um rendimento mensal líquido 38% superior ao seu) ou, pelo menos, para € 203,99 (correspondente a metade das despesas apuradas do filho), ou, ainda, para € 187,50 (correspondente a metade das despesas do filho não apuradas mas resultantes da escala de Wisconsin).
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Dir-se-á antes de mais, e ao contrário do pressuposto pela Requerente (AA) nas suas alegações de recurso, que, não obstante se tenha dado como provada a realização das despesas que alegara em benefício do filho (isto é, com refeições, prolongamento escolar, natação, vestuário e calçado, alimentação, medicação, brinquedos e material didáctivo, e transportes), não se provaram, porém, os respectivos quantitativos  (conforme resulta do mero cotejo com os factos não provados enunciados sob os números 2 e 4).
Considerou o Tribunal a quo, a propósito, das despesas «decorrentes do transporte do menor», que «não estão quantificadas, admitindo-se que ocorram, seja para a escola, seja para a natação, seja para consultas e assistência médica»; e que, não tendo a Requerente chegado «a precisar as ocorrências», certo é que a «escola situa-se na vila onde vive (…) e a natação passou para ginásio em ... - onde também está o companheiro - por interesse da própria, uma vez que aqui beneficia de valências inexistentes em ...». Já as «despesas com idas do menor ao médico não estão identificadas nem esclarecidas».
Considerou ainda, e relativamente às demais despesas exigidas pela sua sobrevivência, que ao «menor não são conhecidos gastos anormais, sendo que parte significativa daqueles são já repartidos por ambos os progenitores (despesas com saúde, produtos de higiene para pele atópica, educação, natação e ATL)».
Concluiu, por isso, «não existir fundamento para fixar mensalidade acima do já estabelecido provisoriamente, valor equilibrado e suficiente para o menor».

Resulta, assim, do seu juízo ter considerado que as despesas médias mensais de CC com «refeições, vestuário e calçado, alimentação, brinquedos e transportes» (já que excluídas as relativas a «saúde, produtos de higiene para pele atópica, educação, natação e ATL») correspondem a € 250,00 por mês, por se pressupor que resultará ainda da sua decisão que cada progenitor assegurará metade deste montante.
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Contudo, e tentando ultrapassar a indefinição do montante das ditas despesas (quando em concreto não se provem) e assegurar um critério de decisão uniforme, a jurisprudência vem defendendo o recurso a escalas de equivalência, que permitem ter em conta as diferenças das necessidades das crianças e jovens face às demais do agregado familiar em que se inserem.
Pondera-se, nomeadamente, que a «realidade diz-nos que as necessidades de um agregado familiar não são integradas por necessidades iguais para todos os seus membros, porque tem que se tomar em consideração que o custo marginal de uma pessoa extra varia na medida em que o tamanho da família aumenta, ou na medida em que as necessidades dos diferentes membros podem ser distintas»; e justifica assim  que «se construíssem escalas de equivalência que permitissem tomar em consideração essas diferenças, de forma a possibilitar um maior rigor na capitação de rendimentos familiares» (Ac. da RC, de 12.03.2013, Sílvia Pires, Processo n.º 1254/12.5TBLRA-F.C1) [18].
Assim, socorre-se habitualmente da denominada escala de Oxford, criada em 1982 para determinação da capitação dos rendimentos de um agregado familiar, segundo a qual o índice 1 é atribuído ao 1.º adulto do agregado familiar e o índice 0,7 aos restantes adultos do agregado familiar, enquanto às crianças se atribui sempre o índice 0,5 (Ac. da RC de 12/03/2013, procº 1245/12.5TBLRA-F, publicado em www.dgsi.pt)». Relembra, a propósito, que a «definição de uma capitação entre as definidas pela OCDE, em função da composição dos elementos do agregado familiar foi também acolhida pelo DL 70/2010 de 16/06, diploma que estabeleceu os critérios para concessão de apoios sociais» (Ac. da RG, de 08.01.2015, Manuela Fialho, Processo n.º 1980/14.4TBGMR-E.G1).
Com efeito, representando o indexante de apoios sociais (IAS) [19] o mínimo económico para uma vida minimamente digna de um adulto, na capitação devida a cada um dos membros do agregado familiar considerado é feita uma ponderação de  acordo com uma «escala de equivalência», em que ao requerente do apoio social é atribuído o peso 1, a cada indivíduo maior é atribuído o peso, 0,7, e a cada indivíduo menor é atribuído o peso 0,5 (art.º 5.º, do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho [20]). 
Ora, o indexante de apoios sociais foi: para o ano de 2023, de € 480,43 (conforme art.º 2.º da Portaria n.º 298/2022, de 16 de Dezembro); e para o ano de 2024, de € 509,26 (conforme art.º 2.º da Portaria n.º 421/2023, de 11 de Dezembro).
Assim, as despesas com alimentos de CC seriam, em 2023, de € 240,215; e em 2024, de € 254,63.
Logo, muito perto dos € 250,00 mensais considerados pelo Tribunal a quo (€ 125,00 x 2), o que, na inexistência de outra prova que os infirme, aqui se mantem.
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4.2.2. Possibilidades do alimentante
Concretizando novamente, e agora quanto às possibilidades do Requerido (BB), verifica-se que o mesmo auferiu no período de um ano (de ../../2022 a ../../2023) um rendimento líquido total (considerando subsídios de férias e de natal) de € 17.395,46, o que perfaz um rendimento líquido médio mensal de € 1.449,62 (€ 17.395,46 : 12).
Mais se verifica que o mesmo tem dois filhos, um com a Requerente (AA), actualmente com seis anos de idade; e outro com EE, actualmente com um ano de idade.
Verifica-se ainda que o seu agregado familiar é composto: pelo pai, reformado; pela companheira, que trabalha de forma remunerada; e pelo filho comum com esta.
Desconhecendo-se o montante da remuneração da companheira do Requerido (nomeadamente por, em sede de audiência final, a mesma se ter recusado a revelá-lo e o Tribunal a quo ter indeferido - sem recurso dessa sua decisão - a obtenção oficiosa de tais informações), faz-se corresponder a mesma ao valor da remuneração mínima mensal garantida para o ano de 2024, de € 820,00 (conforme Decreto-Lei n.º 107/2023,de 17 de Novembro). Já quando ao montante da pensão de invalidez mensal do pai do Requerido (BB), este revelou, no seu articulado inicial, ser a mesma de € 352,12.
Logo, o agregado familiar do Requerido, composto por três adultos e uma criança de um ano, tem ao seu dispor no ano de 2024 um rendimento mínimo mensal de € 2.621,74 para satisfação das suas necessidades; e, vivendo em casa própria (do pai do Requerido), não têm de afectar qualquer parte daquele rendimento ao custo da habitação (custo que é hoje, notoriamente, o maior dos encargos habituais das comuns famílias portuguesas).
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4.2.3. Possibilidades do outro progenitor (princípio da igualdade)
Concretizando uma derradeira vez, verifica-se que a Requerente (AA) tinha em Janeiro de 2023 um vencimento liquido de € 934,22; e, auferindo subsídios de férias e de natal, terá tido nesse ano um rendimento líquido médio mensal de € 1089,92 ([€ 934,22 x 14] : 12).
Mais se verifica que o seu agregado familiar é composto exclusivamente por ela própria e pelo filho de seis anos.
Por fim, verifica-se que, pagando de renda de casa € 490,00 por mês, aufere um subsidio de € 300,00 para o efeito.
           
Logo, não só a Requerente (AA) tem um salário líquido médio mensal inferior em € 359,69 ao do Requerido (isto é, ganha menos cerca de 24,5% do que ele), como tem um encargo com habitação própria que o mesmo não custeia (mesmo considerando o subsídio de € 300,00 que aufere para o efeito, porque lhe cabe suportar os € 190,00 remanescentes); e não beneficia, ao contrário daquele, de rendimentos de outros membros do seu agregado familiar (ao contrário daquele).
           
Não se crê, por isso, justo e adequado que, neste particular contexto, ambos os progenitores suportem a matemática metade de todas as despesas de «refeições, vestuário e calçado, alimentação, brinquedos e transportes» e habitação do filho comum, devendo o Requerido (BB) suportá-las na proporção de 57,1% e a Requerente (AA) na proporção de 42,9%, conforme o seguinte cálculo:

. € 1.449,62 + € 1.089,92 = € 2.539,54 (rendimento total disponível para alimentos do filho)

. [€ 1449,62 x 100] : € 2.539,54 = 57,1% (percentagem da participação do Requerido)

. [€ 1089,92 x 100] : € 2.539,54 = 42,9% (percentagem da participação da Requerente)

Logo, a pensão de alimentos a cargo do Requerido (BB), de que cuida o presente recurso, deverá ser fixada em € 142,75, suportando a Requerente (AA) os remanescentes € 107,25, conforme o seguinte cálculo:


. € 250,00 x 57,1% = € 142,75 (percentagem do encargo do Requerido nos alimentos do filho)

. € 250,00 x 42,9% =€107,25 (percentagem do encargo da Requerente nos alimentos do filho)
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela improcedência parcial e pela procedência parcial do recurso de apelação da Requerente (AA).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Requerente (AA) e, em consequência, em

· Revogar parcialmente a sentença recorrida, substituindo-a por decisão a condenar o Requerido (BB) numa pensão de alimentos mensal a favor do filho CC de € 142,75 (cento e quarenta e dois euros, e setenta e cinco cêntimos);

· Confirmar o remanescente da sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Requerente (AA) e pelo Requerido (BB), na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixa em metade para cada um (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
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Guimarães, 27 de Junho de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Susa Santos Venade.



[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] O Código do Registo Civil - doravante CRC - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 131/95, de 06 de Junho, tendo desde então sido objecto de sucessivas alterações.
[4] Neste sentido: Ac. do STJ, de 14.01.2003, Afonso de Melo, Processo n.º 02A4346; Ac. do STJ, 06.02.2003, Sousa Inês, Processo n.º 02B4731; Ac. do STJ, de 15.03.2005, CJ, Tomo I, pág. 132; Ac. da RL, de 22.10.2009, Teresa Prazeres Pais, Processo n.º 5234/06.1YXLSB.L1-8; ou Ac. do STJ, de 07.03.2019, Abrantes Geraldes, Processo n.º 32063/15.9T8LSB.L1.S1.
[5] Precisa-se, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que a Requerente, para cumprir o ónus de impugnação da matéria de facto que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC, nesta sua concreta pretensão recursória, não tinha que indicar «as concretas provas» que imporiam «decisão diversas», ou a «decisão que deveria ser proferida sobre a concreta matéria impugnada», conforme sustentado pelo Requerido nas suas contra-alegações.
Com efeito, a respectiva impugnação funda-se precisamente na pretensa inexistência de prova documental legalmente exigida para a demonstração do facto (nascimento e filiação) em causa; e é apodítico que, vindo a ter êxito, a decisão pretendida só poderia ser que o facto impugnado se quedasse indemonstrado.
Acresce que, estando-se no domínio da prova tarifada, a questão seria sempre passível de ser oficiosamente conhecida por este Tribunal ad quem, isto é, independentemente da Requerente ter, ou não, cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto que lhe estava legalmente cometido.  
[6] Veio mais recentemente o legislador, pela Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, alterar a redacção do art.º 1905.º do CC, acrescentando-lhe um novo n.º 2, onde se lê: «Para efeitos do art.º 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda, se em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência».
Fala-se, então, de uma «segunda adolescência»: ao «completarem 18 anos, os filhos adquirem plena capacidade de exercício, mas normalmente não têm recursos económicos para ter uma vida autónoma nem a formação necessária para os angariar. Por isso, continuam a viver com os pais e a ser sustentados por estes, iniciando» o dito período da «segunda adolescência» (Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Almedina, 2016, pág. 299, nota 496).
Estão, assim, em causa alimentos educacionais (na feliz expressão de J. P. Remédio Marques, nomeadamente in Notas sobre Alimentos (Devidos a menores), 2.ª edição, Coimbra Editora, págs.135 a 137), de natureza excepcional e carácter temporário (até que a formação se complete); e cujos «critérios de atribuição assentam na normalidade e razoabilidade, aferidas nomeadamente em função de condições subjectivas do filho maior, e objectivas deste e dos seus pais.
[7] No mesmo sentido, numa jurisprudência invariável:
. Ac. da RL, de 18.06.1669, JR, 15.º, pág. 583 - que reporta a palavra sustento «não apenas à alimentação, mas também a tudo o que é preciso para viver, sem excluir as despesas inerentes a tratamentos clínicos e medicamentos».
. Ac. da RL, de 04.06.2020, Nelson Borges Carneiro, Processo n.º 1228/17.0T8SXL-A.L1-2 - onde se lê que, para «efeitos de “sustento, habitação e vestuário”, devem ser contabilizadas as despesas relativas à satisfação das necessidades respeitantes à alimentação (comida e bebida), à residência (utilização de um espaço para viver, com a disponibilização dos recursos básicos para a vida quotidiana, nomeadamente, água e eletricidade), e à indumentária (roupa e calçado), mas também as relacionadas com a saúde (consultas médicas, fármacos e tratamentos prescritos) ou com a higiene do alimentando e da casa».
[8] Atenta a sua particular natureza e finalidade, compreende-se que o direito a alimentos goze de uma fortíssima protecção legal, sendo nomeadamente: irrenunciável (art.º 2008.º, n.º 1, do CC); indisponível, isto é, insusceptível de renúncia ou cedência (art.º 2008.º, n.º 1, do CC); imprescritível (art.º 298.º, n.º 1, do CC); incompensável, isto é, não compensável com eventual crédito de devedor (art.º 2008.º, n.º 2, do CC); impenhorável (art.º 2008.º, n.º 2, do C.C.); e intuito personae, isto é, insusceptível de transmissão (art.º 2013.º, n.º 1, al. a), do CC).
Beneficia ainda de tutela civil (v.g. art.ºs 41.º e 48.º, ambos do RGPTC) e penal (art.º 250.º do CP).  
[9] Exclui-se, assim, que a alteração das responsabilidades parentais possa ocorrer em processo tutelar cível que tenha antes o respectivo incumprimento por objecto (por se estar face a procedimentos diversos, com distinta natureza e finalidade).
Neste sentido, na doutrina: Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 936; ou Tomé d’Almeida Ramião, Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, 3.ª edição, Quid Juris, Junho de 2018, pág. 192.
Na jurisprudência:
. Ac. da RG, de 28.01.2021, Eva Almeida, Processo n.º 668/13.8TBCHV-B.G1, onde se lê que «não é no âmbito deste incidente [incidente de incumprimento previsto no art.º 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível] que o requerido, aqui recorrente, pode requerer a alteração da prestação alimentícia».
. Ac. da RC, de 08.07.2021, Vítor Amaral, Processo n.º 1545/18.1T8FIG-J.C1, onde se lê o «processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais (…) não é o adequado a realizar alterações quanto às obrigações decorrentes do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontre em vigor, o que deverá ser efetuado em específico processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais».
. Ac. da RP, de 07.02.2022, Jorge Seabra, Processo n.º 2174/14.4T8PRT-C.P1, onde se lê que em «incidente de incumprimento de acordo de regulação das responsabilidades parentais quanto à prestação de alimentos não é possível ao tribunal alterar o valor de tal prestação antes aceite e homologada por sentença transitada em julgado», só sendo viável essa alteração «em sede de incidente autónomo de alteração da regulação das responsabilidades parentais e nos termos do artigo 41º, do RGPTC».
[10] O Regime Geral do Processo Tutelar Cível - aqui doravante RGPTC - foi aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro.
[11] Defendendo a mesma natureza eclética de factores: Francisco Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1969, pág. 300; e Vaz Serra, RLJ, Ano 96, pág. 538.
[12] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 04.06.2020, Nelson Borges Carneiro, Processo n.º 1228/17.0T8SXL-A.L1-2, onde se lê que a «possibilidade de prestar alimentos abrange não apenas os rendimentos do trabalho (os salários) do alimentante, mas também rendimentos de carácter eventual, como gratificações, emolumentos, etc., os subsídios de natal e de férias, bem como rendimentos do capital, poupanças, rendas provenientes de imóveis arrendados».    
[13] No mesmo sentido, na doutrina, Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 919, onde se lê que, neste caso, «o objecto da prestação debitória é mais amplo do que o que resulta do nº 1, em geral, para as prestações de alimentos, devendo contabilizar-se, para além das despesas abrangidas pelo nº 1, aquelas que respeitem à instrução e educação da criança ou do jovem alimentando (art. 1885º do CC) e todas as que concernem ao que é devido à luz do cumprimento dos deveres integrados nas responsabilidades parentais (art. 1878º do CC)».
[14] Neste sentido, Clara Sottomayor, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 2016 - 6.ª edição, Almedina, Coimbra, Abril de 2016, pág. 199.
[15] J. P. Remédio Marques, Notas sobre Alimentos (Devidos a menores), 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 189-190.
[16] No mesmo sentido, Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Volume II, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2022, pág. 921, sindicando a relevância das despesas dos progenitores relacionadas com actos de consumo, uma vez que obrigação de alimentos em relação a filhos menores, «reveste prioridade (também em consonância com o disposto no nº 2 do art. 2016-A do CC)».
Na jurisprudência, Ac. da RL, de 04.06.2020, Nelson Borges Carneiro, Processo n.º 1228/17.0T8SXL-A.L1-2, onde se lê que a «possibilidade de prestar alimentos abrange não apenas os rendimentos do trabalho (os salários) do alimentante, mas também rendimentos de carácter eventual, como gratificações, emolumentos, etc., os subsídios de natal e de férias, bem como rendimentos do capital, poupanças, rendas provenientes de imóveis arrendados».    
[17] No mesmo sentido, de aplicação de um critério de proporcionalidade, e na doutrina:
. Moitinho de Almeida, citado por Rui M. L. Epifânio e António H. L. Farinha, op. cit., pág.  387 - onde se lê que «a obrigação de prestar alimentos que a lei impõe aos parentes, é uma obrigação conjunta e não uma obrigação indivisível e solidária, porque o devedor só responde na medida das suas possibilidades»;
.  Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, Âmbito e Extensão das Normas Previstas no Art. 989.º, N.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, Almedina, Junho de 2019, pág. 94.
Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 19.05.2011, Sérgio Poças, Processo n.º 648/08.5TBEPS.G1.S1, onde se lê que se «ambos os progenitores devem participar nas despesas relativas ao sustento (em sentido amplo) e à educação do menor, de modo algum tal participação tem de ser, necessariamente, em montantes iguais», já que os «progenitores participam igualmente - tendo em atenção as necessidades do menor - quando participam de acordo com as suas reais possibilidades».
[18] No mesmo sentido, para além dos já reproduzidos a propósito, Ac. da RL, de 11.10.2016, Carla Câmara, Processo n.º 1855/14.7TCLRS-7.
A escala OCDE, vulgo escala de Oxford, na sua versão actual, pode ser consultada em https://www.oecd.org/eco/growth/OECD-Note-EquivalenceScales.pdf
[19] O indexante de apoios sociais foi criado pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de Dezembro (alterada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 254-B/2015, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro), constituindo «o referencial determinante da fixação, cálculo e actualização dos apoios (…) da administração central do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, qualquer que seja a sua natureza, previstos em actos legislativos ou regulamentares» (art. 2.º, n.º 1); e sendo seu valor «actualizado anualmente com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de cada ano» (art. 4.º, n.º 1).
[20] O Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, veio estabelecer as regras para a determinação da condição de recursos a ter em conta na atribuição e manutenção das prestações do subsistema de protecção familiar e do subsistema de solidariedade, bem como para a atribuição de outros apoios sociais públicos.
Lê-se no seu: art. 1º, n.º 1, al. a), que o «presente decreto-lei estabelece as regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito às (…) prestações dos subsistemas de protecção familiar e de solidariedade», nomeadamente às «prestações por encargos familiares».
Mais se lê, no seu art. 2.º, que: a «condição de recursos referida no artigo anterior corresponde ao limite de rendimentos e de valor dos bens de quem pretende obter uma prestação de segurança social ou apoio social, bem como do seu agregado familiar, até ao qual a lei condiciona a possibilidade da sua atribuição» (n.º 1); e na sua verificação «são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar, de acordo com a ponderação referida no artigo 5.º» (n.º 3, com bold apócrifo).
Precisa-se, no seu art.º 4.º, n.º 1 e n.º 2, que integrarão o agregado familiar do titular às prestações sociais em causa as «pessoas que com ele vivam em economia comum» - «em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos» -, nomeadamente o «cônjuge ou pessoa em união de facto há mais de dois anos», «parentes e afins maiores, em linha recta e em linha colateral, até ao 3.º grau», «parentes e afins menores em linha recta e em linha colateral», «adoptantes, tutores e pessoas a quem o requerente esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito», «adoptados e tutelados pelo requerente ou qualquer dos elementos do agregado familiar e crianças e jovens confiados por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito ao requerente ou a qualquer dos elementos do agregado familiar».