Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1616/22.0T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: TRABALHADOR COM RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME DE HORÁRIO FLEXÍVEL
NOÇÃO DE HORÁRIO FLEXÍVEL
HORÁRIO FIXO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O mecanismo previsto nos artigos 56.º e 57.º do CT. é um mecanismo de conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar, que visa permitir ao trabalhador o cumprimento das suas responsabilidades familiares, mas não lhe permite definir os concretos termos em que pretende desenvolver a sua actividade esses ficam por conta do empregador, pois a determinação do horário de trabalho é uma manifestação do poder de direcção do empregador, com as limitações legais (cfr. art.º 212.º e 97.º do CT).
II - O regime de horário de trabalho flexível a que tem direito o trabalhador com filho ou filhos menores de 12 anos cinge-se à escolha pelo trabalhador da hora de início e da hora do termo do período normal de trabalho diário, com alguma maleabilidade, de forma a proporcionar ao empregador o estabelecimento quer dos limites dentro dos quais o horário flexível pode ser executado e dentro destes, é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo, da maneira que melhor lhe aprouver, por forma a cuidar do filho ou filhos menores. Não está, assim, abrangido por este regime a fixação de um horário fixo por solicitação do trabalhador.
III - No caso não é possível observar esses parâmetros exigidos pela lei, uma vez que o horário solicitado é um horário fixo e rígido imposto pela trabalhadora, que não permite qualquer adaptação ou flexibilidade, pois estando nele prevista a prestação de 8 horas de trabalho diário de segunda a sexta-feira das 9.00 às 17.30, com 30 minutos de pausa, não se vislumbra, como possa o empregador dar cumprimento ao prescrito no n.º 3 do art.º 56 do CT de forma a obter um horário flexível.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

HOSPITAIS ..., S.A. instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra AA, pedindo que se declare:
- que o horário de trabalho exigido pela Ré não é um horário flexível na asserção do artigo 57.º do Código do Trabalho,
- que o pedido da Ré não cumpre com este normativo;
E consequentemente pede que se declare que existe motivo justificativo para a recusa do pedido por parte da Autora. 
Caso assim não se entenda, pede:
- que se declare a existência de exigências imperiosas da Autora que justificam a recusa do pedido de flexibilidade de horário, concluindo pela licitude desta recusa por parte da Autora;
Caso também assim não se entenda, pede:
- que se declare que o artigo 56.º do Código do Trabalho não confere à Autora o direito de determinar o respetivo horário de trabalho; e 
- que se declare que o artigo 56.º do Código do Trabalho não confere à Ré o direito de exigir o gozo dos descansos semanais aos sábado e domingo.
Alega em síntese, tal como se consigna na decisão recorrida que, em ../../2020, a Ré remeteu à Autora um pedido para trabalhar em regime de horário flexível, concretamente para que o mesmo fosse de segunda a sexta-feira, das 9 horas às 17 horas e 30 minutos, com 30 minutos de intervalo para refeição, e os dias de descanso semanal ao sábado e domingo. Tal pedido foi recusado. A Ré não se conformou com a recusa e a Autora remeteu o processo para a CITE que veio a emitir parecer desfavorável à intenção de recusa. Entende, a Autora que tal decisão é injustificada e não fundamentada, pretendendo assim o reconhecimento judicial da existência de motivo justificativo da recusa, nos termos do artigo 57.º, n.º 7 do Código do Trabalho.
*
Devidamente citada, a Ré contestou, pugnando pela improcedência da ação, defendendo a legalidade do horário flexível por si proposto.
*
Os autos prosseguiram os seus trâmites normais e realizado o julgamento foi proferida sentença pela Mma. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Face ao exposto julga-se a acção improcedente, e, em consequência absolve-se a Ré AA dos pedidos formulados pela Autora “HOSPITAIS ..., S.A.”.
» Custas da acção a suportar pela Autora (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
» Valor da acção: já fixado em 19.01.2023.
» Notifique. ”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Autora interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

1ª. Salvo o devido respeito, a apelante não pode conformar-se com a douta sentença recorrida, uma vez que, o pedido formulado pela Ré não consiste num pedido de horário flexível, nos termos previstos nos arts. 56.º e 57.º do CT.~
2ª. O nº 3 do art. 56.º do C. Trabalho prevê expressamente que, pese embora o trabalhador tenha direito a um horário flexível, a faculdade de elaborar o horário continua a pertencer ao empregador, continuando esta faculdade a integrar o leque do poder de direção do empregador, como previsto nos arts. 97.º e 212.º, nº 1, do CT.
3ª.Analisado o pedido formulado pela Ré, verifica-se que o mesmo consubstancia uma imposição de horário totalmente inflexível e pré-determinado, enquadrando-se claramente no tipo de horário que o art. 112.º do Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) estabelece como sendo um horário rígido e desenquadrando-se totalmente dos conceitos de horário flexível contantes do nosso ordenamento jurídico, designadamente, do art. 56.º do CT e do art. 111.º, nº 1, da LGTFP.
4ª. A Ré, subtraindo totalmente o poder de direção da apelante, fixou totalmente o seu período de trabalho diário e os seus dias de trabalho, para cumprir as 8 horas de trabalho diárias e de 40 horas semanais, indicando, desde logo, a hora de entrada e saída, e indicando a totalidade das horas em que irá estar presente, e os respetivos dias de descanso, consubstanciando o horário por si proposto num período normal de trabalho de 40 horas permanentes, sem qualquer flutuação, e sem necessidade de ser observado qualquer período de referência.
5ª. Neste sentido, veja-se o recente Acórdão da Relação de Guimarães, de 01.02.2024 , onde, num caso similar ao dos presentes autos, se decidiu que “não tem um mínimo de correspondência na letra da lei uma interpretação do art. 56.º do CT no sentido de que aí se autoriza que o trabalhador, de forma unilateral e vinculativa para o empregador, possa fixar ele próprio o horário de trabalho (in totum), e menos ainda que possa fixar um horário fixo.”
6ª. Deste modo, a apelante tem motivo justificativo para recusar a pretensão da Ré.
7ª. Ainda que assim não se considerasse, sempre teria de se considerar que as exigências imperiosas de funcionamento do hospital da apelante constituem motivo justificativo para recusar o horário pretendido pela Ré.
8ª. Atendendo à factualidade provada, verifica-se que o hospital da apelante onde a Ré exerce funções insere-se numa atividade que, conforme decorre da normal perceção pública, deve estar sempre disponível para quem dela necessita, exigindo o trabalho por turnos.
9ª. O horário pretendido pela Ré não se encontra previsto em nenhum dos turnos implementados, pelo que a sua aplicação apenas a uma trabalhadora traduzir-se- á num desequilíbrio e num total desenquadramento do horário da Ré face aos dos restantes trabalhadores, que não pode ser aceitável, criando excesso de auxiliares num serviço e falta noutro.
10ª. Analisado o contrato de trabalho através do qual a Ré se vinculou à apelante, verifica-se que a Ré sempre teve consciência da necessidade de a apelante poder convocar os seus trabalhadores para trabalhos por turno, todos os dias da semana, entre as 0 e as 24 horas, não existindo tampouco qualquer expectativa frustrada da Ré.
11ª. Decorre do Contrato Coletivo de Trabalho aplicável às relações entre a apelante e a Ré que a apelante, além dos deveres previstos no art. 212.º, nº 2, do CT, deve ainda elaborar os seus horários de forma que os seus trabalhadores gozem periodicamente os respetivos descansos ao sábado e ao domingo.
12ª. Porém, considerando que o pedido da Ré implica que esta simplesmente não trabalhe aos fins de semana, haverá, pelo menos uma trabalhadora que terá de realizar este horário, tudo em prejuízo pessoal da mesma (ou de outras colegas), colocando em causa a paz a e harmonia social da apelante.
13ª. Na ponderação do que sejam as “exigências imperiosas de funcionamento”, nos pedidos do horário flexível, importa recordar o que a doutrina e a jurisprudência têm dito sobre a sindicância dos tribunais na apreciação dos motivos invocados para promover o despedimento coletivo, tendo-se consolidado a recusa dos tribunais em colocar em causa as decisões que constituam estritos atos de gestão, ao abrigo da liberdade de empresa, e que não revistam intuitos fraudulentos ou meramente arbitrários ou injustificados.
14ª. A decisão da apelante de recusa do pedido formulado pela Ré enquadra-se que tem sido o modelo organizacional do seu hospital, não sendo arbitrária, desproporcional, nem descontextualizada do que aplica aos outros trabalhadores e da natureza da sua atividade.”
Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que julgue a ação provada e procedente, considerando-se lícita e/ou justificada a recusa do pedido da Ré.

Respondeu a Recorrida/Apelada, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, mas caso assim não se entenda recorre subordinadamente e formula as seguintes conclusões:
I – Todas as conclusões da Recorrente devem improceder;
II – O horário de trabalho pretendido pela Recorrida é um horário flexível nos termos e para os efeitos do disposto os artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho;
III – A Recorrente não tem fundamento justificativo para a recusa do horário flexível requerido pela Recorrida;
IV – O ponto 42 dos factos provados contém exclusivamente conclusões, não assentes em quaisquer factos em concreto;
V – A referência ao “horário fixo” como o reclamado pela Recorrida só por mero lapso o terá sido já que esta sempre reclamou um horário flexível como consta da decisão e dos articulados;
VI – Esse ponto 42 deverá ser suprimido pelos invocados motivos o que subsidiariamente se requer para hipótese de provimento do recurso;
VII - Se assim se não entender e caso tal ponto se mantivesse inalterado ficar-se-ia uma nulidade da sentença por contradição entre os factos provados e a sua fundamentação o que por cautela desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
VIII – Nenhum normativo legal foi violado pela Mª Juíza.”
O recurso foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito.
Seguidamente foram os autos remetidos a esta 2ª instância, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer, no sentido da procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida e reconhecendo-se que foi justificada a recusa de atribuição de horário flexível à ré, atendendo a que o horário proposto pela mesma não corresponde a um horário flexível.
A Recorrida veio responder, manifestando a sua discordância com tal parecer e conclui pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Se o horário solicitado pela trabalhadora é de considerar um horário flexível;
- Dos motivos justificativos para recusa do horário solicitado
Do Recurso Subordinado
- Da impugnação da matéria de facto
- Da Nulidade da Sentença por contradição entre os factos Provados e a sua fundamentação.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados são os seguintes:

1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto social compreende o “[e]xercício de assistência médica hospitalar e telemedicina internacional, bem como o exercício de administração de Hospitais ou clínicas pertencentes ou a instituições privadas ou públicas, em território nacional ou estrangeiro, o exercício da atividade de transportes de doentes não urgentes, o exercício de atividades de apoio social para pessoas idosas, com alojamento e organização de congressos e outros eventos similares, assim como a prestação de serviços de formação, de desenvolvimento profissional, de investigação e de tratamento, lavagem e de reposição de roupa hospitalar e roupa dos utentes em unidades hospitalares e também a gestão de cantinas e bares em ambiente hospitalar. Consiste, ainda, na exploração de parques e lugares de estacionamento de viaturas automóveis, assim como, na prestação de serviços de intermediação de crédito.”.
2. No âmbito da sua actividade a Autora explora a unidade hospitalar denominada por ... Hospital ....
3. Na unidade de prestação de cuidados de saúde com internamento – ... Hospital ... –, situado em ..., existem diferentes serviços, sendo necessários trabalhadores que prestem as funções de Auxiliar de Acção Médica em alguns deles, tal como o serviço de Urgência e Internamento, na Consulta Externa e na Medicina Dentária.
4. As funções dos Auxiliares de Acção Médica nesses serviços caracterizam-se pelas tarefas seguintes:
4.1. Urgência e Internamento:
4.1.1. Prestação de cuidados de higiene aos doentes;
4.1.2. Limpeza e desinfecção do material e de todos os espaços inerentes do serviço;
4.1.3. Passagem de informação a clientes e acompanhantes: altas e entradas, refeições, medicamentos, quartos e equipamentos;
4.1.4. Distribuição e apoio nos momentos das refeições;
4.1.5. Solicitação das dietas dos clientes ao serviço de cozinha;
4.1.6. Controlo e reposição do material do serviço;
4.1.7.Colaboração com os enfermeiros nas variadas tarefas (posicionamento de doentes, validade dos dispositivos médicos).
4.2. Consulta Externa:
4.2.1. Apoio às solicitações médicas durantes as consultas incluindo dúvidas logísticas e informáticas;
4.2.2. Preparação e organização dos consultórios e dos espaços inerentes ao serviço;
4.2.3. Atendimento, acolhimento e apoio ao cliente;
4.2.4. Higienização dos gabinetes médicos, bem como dos espaços inerentes ao serviço;
4.2.5. Recepção, transporte, recolha e entrega de material do serviço;
4.2.6. Marcação de exames médicos;
4.2.7. Criação de MCDT's (meios complementares de diagnóstico e terapêutica) e abertura de actos de enfermagem.
4.3. Medicina Dentária:
4.3.1. Assistência ao Médico durante as consultas de todas as especialidades de Medicina Dentária;
4.3.2. Apoio à esterilização, preparação e organização do material de serviço;
4.3.3. Limpeza dos gabinetes médicos, bem como dos espaços inerentes e do material de serviço;
4.3.4. Preparação da sala de espera;
4.3.5. Contacto telefónico e requisição de material (ex. laboratórios de prótese);
4.3.6. Confirmação de marcação de consultas dos diferentes médicos;
4.3.7. Acompanhamento de clientes: feedback de tempos de espera.
5. Os referidos serviços têm horários de funcionamento distintos, o que determina a existência de diferentes turnos de trabalho dos Auxiliares de Acção Médica.
6. Cada Auxiliar de Acção Médica está alocado a um destes serviços, que funcionam como sectores individualizados, sem interligação e dependência entre si.
7. O serviço de Urgência e Internamento funciona 24 horas, laborando em regime turnos rotativos, contínuos, de segunda-feira a domingo.
8. Entre ../../2020 e ../../2021, o serviço de urgência desdobrava-se nos seguintes turnos:
8.1. M1: (08:00 -> 16:00 (8h);
8.2. M9: (09:00 {13:00 14:00} 18:00 (8h)):
8.3. MT158 (09:00 {13:00 14:00} 20:00 (10h)):
8.4. T5 (16:00 -> 24:00 (8h))
9. Entre ../../2020 e ../../2021, o serviço de Internamento desdobrava-se nos seguintes turnos:
9.1. M1 (08:00 -> 16:00 (8h):
9.2. N2: (00:00 -> 08:00 (8h));
9.3. T5: (16:00 -> 24:00 88)) 
10. O serviço de Consulta Externa, em ../../2020, estava aberto ao público entre as 08:00 às 21:00 horas, laborando em turnos rotativos de segunda-feira a sábado, em turnos que se desdobram entre as 07:30 horas e as 22:00 horas.
11. O serviço de Consulta Externa, em ../../2020, desdobrava-se nos seguintes turnos:
11.1. M1 (08:00 -> 16:00 (8)); 
11.2. M2 (08:00 -> 14:00 (6));
11.3. M4 (08:00 -> 15:00 (7h))
11.4. M9 (09:00 {13:00 14:00} 18:00) (8h)
11.5. MT148 (07:30 {13:00 14:00} 20:00) (11.5h))
11.6. MT158 (09:00 {13:00 14:00} 20:00) (10h))
11.7. MT175 (08:00 {12:00 13:00} 21:00 (12h))
11.8. T1 (14:00 -> 20:00 (6h));  
11.9. T2 (14:00 -> 22:00 (8h));
11.10. T27 (14:00 -> 23:00 (9h)): e
11.11. T8 (14:00 -> 21:00 (7h).
12. Em Novembro de 2020, os turnos do serviço de Consulta Externa desdobravam-se nos seguintes:
12.1. M1 (08:00 -> 16:00 (8)); 
12.2. M116 (7:30 –> 14:30 (7h));
12.3. M2 (08:00 -> 14:00 (6));
12.4. M35 (07:30 -> 15:30 (8h);
12.5. M4 (08:00 -> 15:00 (7h))
12.6. MT158 (09:00 {13:00 14:00} 20:00) (10h))
12.7. MT26 (09:00 {13:00 14:00} 19:00 (9h))
12.8. T1 (14:00 -> 20:00 (6h));  
12.9. T2 (14:00 -> 22:00 (8h));
12.10. T8 (14:00 -> 21:00 (7h);
12.11. T91 (03:30 -> 20:30 (7h).
13. Em Dezembro de 2020, os turnos do serviço de Consulta Externa desdobravam-se nos seguintes:
13.1. M1 (08:00 -> 16:00 (8)); 
13.2. M101 (07:30 - > 14:30 (7h));
13.3. M2 (08:00 -> 14:00 (6));
13.4. M4 (08:00 -> 15:00 (7h));
13.5. M9 (09:00 {13:00 14:00} 18:00) (8h);
13.6. MT148 (07:30 {13:00 14:00} 20:00) (11.5h));
13.7. MT158 (09:00 {13:00 14:00} 20:00) (10h));
13.8. MT215 (07:30 {12:00 13:00} 18:30) (10h));
13.9. MT26 (09:00 {13:00 14:00} 19:00 (9h);
13.10. T1 (14:00 -> 20:00 (6h));  
13.11. T2 (14:00 -> 22:00 (8h));
13.12. T8 (14:00 -> 21:00 (7h): e
13.13. T91 (13:30 -> 20:30 (7h)).
14. Em ../../2021, os turnos do serviço de Consulta Externa desdobravam-se nos seguintes:
14.1. M1 (08:00 -> 16:00 (8)); 
14.2. M101 (07:30 - > 14:30 (7h));
14.3. M110 (08:00 {12:00 13:00} 20:00 (11h));
14.4. M2 (08:00 -> 14:00 (6));
14.5. M4 (08:00 -> 15:00 (7h));
14.6. MT158 (09:00 {13:00 14:00} 20:00) (10h));
14.7. MT215 (07:30 {12:00 13:00} 18:30) (10h));
14.8. MT26 (09:00 {13:00 14:00} 19:00 (9h);
14.9. T1 (14:00 -> 20:00 (6h));  
14.10. T2 (14:00 -> 22:00 (8h));
14.11. T8 (14:00 -> 21:00 (7h): e
14.12. T91 (13:30 -> 20:30 (7h)).
15. O serviço de Medicina Dentária está aberto ao público desde as 9 horas, interrompendo-se para almoço entre as 13 horas e as 14 horas. Até data anterior à pandemia Covid-19, o serviço encerrava às 21 horas, tendo, a partir daí passado a encerrar às 20 horas.
16. A Ré estava inserida neste serviço de Medicina Dentária antes de solicitar a prestação de trabalho em regime de trabalho flexível e era também onde a Ré prestava funções.
17. O bom funcionamento deste serviço de Medicina Dentária requer que durante todo o período de abertura ao público, em momento anterior e imediatamente após o respectivo encerramento, haja Auxiliares de Acção Médica, como a Ré, no local para assegurar a operacionalidade dos serviços, higienização dos espaços e prestar o apoio clínico necessário a cada paciente.
18. As funções prestadas por estes profissionais são essenciais para o funcionamento do serviço, e sendo o horário de abertura superior a oito horas diárias, existe a necessidade de elaborar turnos de laboração de modo a cobrir todos os momentos.
19. O horário de cada turno do serviço de Medicina Dentária foi previamente determinado e fixado considerando as necessidades organizacionais da respectiva actividade.
20. Em ../../2020, os turnos do serviço de Medicina Dentária desdobravam-se nos seguintes:
20.1. M12: das 9 horas às 20 horas, com intervalo das 13 horas às 14 horas (10 horas), com 3 dias de folga;
20.2. M9: das 9 horas às 18 horas, com intervalo das 13 horas às 14 horas (8 horas).
21. Em Novembro de 2020, os turnos do serviço de Medicina Dentária desdobravam-se nos seguintes:
21.1. M12: das 9 horas às 20 horas, com intervalo das 13 horas às 14 horas (10 horas), com 3 dias de folga;
21.2. M9: das 9 horas às 18 horas, com intervalo das 13 horas às 14 horas (8 horas);
21.3. M114: das 7:30 horas às 16:30 horas, com intervalo das 11 horas às 12 horas (8 horas), apenas atribuído à Ré.
22. Em Dezembro de 2020, os turnos do serviço de Medicina Dentária desdobravam-se nos seguintes:
22.1. M12: das 9 horas às 20 horas, com intervalo das 13 horas às 14 horas (10 horas), com 3 dias de folga;
22.2. M9: das 9 horas às 18 horas, com intervalo das 13 horas às 14 horas (8 horas),
22.3. M114: das 7:30 horas às 16:30 horas, com intervalo das 11 horas às 12 horas (8 horas), apenas atribuído à Ré.
23. Em ../../2021, os turnos do serviço de Medicina Dentária desdobravam-se nos seguintes:
23.1. M12: das 9 horas às 20 horas, com intervalo das 13 horas às 14 horas (10 horas), com 3 dias de folga;
23.2. M9: das 9 horas às 18 horas, com intervalo das 13 horas às 14 horas (8 horas);
23.3. M114: das 7:30 horas às 16:30 horas, com intervalo das 11 horas às 12 horas (8 horas), apenas atribuído à Ré.
24. Em 01 de Junho de 2002, foi celebrado entre a Ré AA, como segunda outorgante, e a sociedade Hospital ..., S.A. (actualmente designada por Hospital ..., S.A.), como primeira outorgante, o acordo designado por “contrato de trabalho a termo certo” junto aos autos com a petição inicial sob o documento n.º 6, cujo teor se dá por reproduzido, de onde resulta, para além do mais, as seguintes cláusulas:
Cláusula 1ª
O Segundo outorgante obriga-se a trabalhar na sede do primeiro outorgante situada na Rua ..., concelho ..., ou em outro local designado por esta última, com a categoria profissional de Auxiliar Hospitalar, ficando assim, e no desempenho das tarefas que lhe foram conferidas, sob a autoridade e direcção do primeiro outorgante. (…)
Cláusula 3ª
O horário de trabalho é de quarenta horas semanais, distribuídas de Segunda-feira a Domingo, ficando acordado o trabalho por turno (entre as 0 e as 24 horas), sempre que for necessário. O horário poderá ser alterado por iniciativa da entidade empregadora, em conformidade com as exigências de todo o serviço Hospitalar. (…)”.
25. Em 01 de Dezembro de 2002, foi celebrado entre a Ré AA, como segunda outorgante, e a sociedade Hospital ..., S.A. (actualmente designada por Hospital ..., S.A.), como primeira outorgante, o acordo designado por “contrato de trabalho por tempo indeterminado” junto aos autos com a petição inicial sob o documento n.º 6, cujo teor se dá por reproduzido, de onde resulta, para além do mais, as seguintes cláusulas:
Cláusula 1ª
O Segundo outorgante obriga-se a trabalhar na sede do primeiro outorgante situada na Rua ..., concelho ..., ou em outro local designado por esta última, com a categoria profissional de Auxiliar Hospitalar, ficando assim, e no desempenho das tarefas que lhe foram conferidas, sob a autoridade e direcção do primeiro outorgante. (…)
Cláusula 3ª
O horário de trabalho é de quarenta horas semanais, distribuídas de Segunda-feira a Domingo, ficando acordado o trabalho por turno (entre as 0 e as 24 horas), sempre que for necessário. O horário poderá ser alterado por iniciativa da entidade empregadora, em conformidade com as exigências de todo o serviço Hospitalar. (…)”.
26. Em 1 de Janeiro de 2019, o contrato referido em 25. foi alvo de uma cessão da posição contratual para a Autora, nos termos do acordo de “cessão de posição contratual de empregador a título gratuito” junto aos autos com a petição inicial sob o documento n.º 7, cujo teor se dá por reproduzido.
27. Em ../../2020, a Ré remeteu à Autora um pedido para trabalhar em regime de horário flexível, por esta recebido em 30 de ../../2020, com o seguinte teor:
Assunto: Pedido para trabalhar em regime de horário flexível
Exmos. Senhores,
Venho pelo presente expor e solicitar o seguinte:
Conforme é do V/ conhecimento fui admitida por V. Exas. em Outubro de 2001, para exercer as funções de profissionais de auxiliar hospitalar, que sempre procurei desempenhar com enorme zelo e profissionalismo e, como sabem, sempre colaborei com V. Exas. quando solicitada.
Ora, por motivo de ter dois filhos menores, de dois e nove anos de idade, solicito a V. Exas. que me autorizem a trabalhar em regime de horário flexível, conforme o disposto no artigo 56.º do Código do Trabalho.
Desta forma, e cumprindo os pressupostos legais pretendo usufruir do regime referido até a minha filha mais nova completar 12 anos de idade (cfr. o disposto no n.º 1 do artigo 56.º do CT e na alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do CT).
Remeto ainda, em anexo, declaração emitida pela Junta de Freguesia onde resido, na qual consta que os meus filhos vivem comigo em comunhão de mesa e de habitação (cfr. o disposto na alínea b) do artigo 57.º do CT).
Por último e, uma vez que se entende por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de horário de trabalho, solicitava a V. Exas. que tivessem em conta na elaboração do meu horário de trabalho que o mesmo fosse de segunda a sexta-feira das 09:00 às 17:30 horas, com 30 minutos de intervalo para refeição, sendo os dias de descanso semanal ao sábado e domingo.
Aguardando a V/ prezada resposta,
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me,”
28. Ao pedido referido em 27. foi anexado um Atestado emitido pelo Presidente da Junta de Freguesia ... de ... a atestar “para efeitos de AGREGADO FAMILIAR que AA. nascida a ../../1983, identificada pelo Cartão de Cidadão n.º ... (emitido em ../../2017, válido até 11/07/2022), contribuinte fiscal n....76, no estado de casada com BB, natural da freguesia ..., concelho ..., distrito ..., filha de CC e de DD, reside na Rua ..., ..., ...., ... ..., com o seguinte agregado familiar:
Côniuge: BB, nascido a ../../1978, portador do C.C. no ...38, válido até 25/02/2020;
Filho: EE, nascido a ../../2011, portador do C.C. no ...97, válido até 14/05;
Filha: FF, nascida a ../../2018, portadora do CC. no. ...75, válido até 16/05/2023”.
29. Em 19 de Novembro de 2020, em resposta ao pedido referido em 27., a Autora remeteu à Ré uma comunicação com o seguinte teor: “Assunto: Pedido para trabalhar em regime de horário flexível.
Exma. Senhora,
Acusamos a receção da sua carta, datada de ../../2020, recebida a dia 30 do mesmo mês, a qual mereceu a nossa melhor atenção.   
Em resposta à mesma, e após análise da situação, informamos da recusa do pedido formulado, pelos seguintes motivos:
I) DA ERRADA FORMULAÇÃO DO PEDIDO
A)
1) Antes de mais, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 57.º do Código do Trabalho, o trabalhador que pretenda trabalhar em regime de horário de trabalho flexível deve instruir o seu pedido de documentação capaz de o fundamentar devidamente.
2) Posto isto, da análise da documentação junta por V.Exa., não se vislumbra qualquer documento que comprove que o pai dos menores trabalha em horário incompatível com o auxílio das responsabilidades parentais.
3) Assim, devia V.Exa. formular o seu pedido de flexibilidade de horário em conformidade com o horário praticado pelo pai dos menores, por forma a conciliarem o exercício das responsabilidades parentais em conjunto, procurando sim, compatibilizar o seu horário de trabalho, com o horário de trabalho do mesmo.
B)
4) Notamos, ainda, que o artigo 56.º do Código do Trabalho permite ao trabalhador solicitar ao empregador trabalhar em horário de trabalho flexível, segundo aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
5) Desta forma, a lei não prevê a possibilidade de o trabalhador poder definir em que dias prestará o seu trabalho, fixando o seu horário de Segunda a Sexta-feira das 09h00 às 17h30, com 30 minutos de intervalo para refeição, sendo os dias de descanso semanal ao sábado e domingo.
6) Ora, da análise do seu pedido, concluímos que a sua verdadeira pretensão é a de fixar o horário nos termos acima referidos com descanso semanal ao Sábado e Domingo e não a de obter um verdadeiro horário flexível.
7) Logo, também por este motivo, é inevitável para o Hospital a recusar o seu pedido;
C)
8) Lembramos, ainda, que o horário flexível é definido pela entidade empregadora.
9) Assim sendo, V. Exa. deveria identificar um período amplo o suficiente que não eliminasse o direito da entidade empregadora definir o respetivo horário de trabalho.
10) Assim, para o efeito, V.Exa. deveria indicar o período durante o qual estaria disponível para prestar trabalho nos dias que agora solicita como dias de descanso.
11) Logo, este pedido rígido formulado por V.Exa., limita os poderes de direção do empregador, a quem compete determinar o horário nos termos previstos do artigo 212.º do Código do Trabalho.
12) Pelo exposto, reiteramos a impossibilidade do Hospital atender ao seu pedido.

II) DAS EXIGENCIAS IMPERIOSAS DO FUNCIONAMENTO

13) Notamos, ainda, que nos termos do acordado no contrato de trabalho em vigor, e face às necessidades de funcionamento do Hospital, o horário ora solicitado é impraticável.
Vejamos:
A)
14) Antes de mais, informamos quais os horários praticados nos diversos serviços do Hospital, onde carecem de Auxiliares de Ação Médica:
• Medicina Dentária: 09h00 — 13h00 e 14h00 — 20h00 de segunda a domingo.
• Consulta Externa: 07h30 – 14h30; 07h30 – 18h30; 08h00 – 14h00; 08h00 - com uma hora para almoço; 09h00 - 20h00 com uma hora de almoço; 14h00 — 21 h00; 14h00 – 20h00; 13h30 - 20h30 e 14h00- 22h00.
• Serviço urgência e internamento: 08h00 — 16h00; 16h00 — 24h00 e 0h00 — 8h00 de segunda a domingo.
15) Posto isto, e como bem sabe, V.Exa. desempenha funções de Auxiliar de Ação Médica no Serviço de Medicina Dentária, em regime de turnos rotativos, distribuídos por sete dias da semana.
16) O horário do serviço é das 09h00 às 20h00, de segunda a domingo com uma hora de almoço.
17) Logo, é este horário que garante o normal funcionamento do serviço.
18) E, em consequência, o turno fixo de Segunda a Sexta- feira, ora solicitado, é inexistente!
19) Portanto, torna-se evidente que o mesmo não é, nem pode ser, praticado pelo Hospital.
20) Como tal, é manifestamente impossível ao Hospital atribuir-lhe o solicitado turno fixo de Segunda a Sexta- feira.
B)
21) Mais, o serviço da consulta externa, onde eventualmente V.Exa. poderia ter enquadramento, também não se enquadra o horário pretendido por V.Exa., uma vez que este serviço funciona em turnos rotativos de segunda a sábado.
22) A mesma impossibilidade se verifica nos serviços de internamento e urgência, por funcionarem em horários rotativos, incluindo a realização de turnos noturnos e ao fim-de-semana.
23) Portanto, atribuir a V.Exa. um turno fixo de Segunda a Sexta-feira, das 09h00 às 17h30, não acautelaria o normal funcionamento do Serviço de Medicina Dentária, nem de qualquer outro serviço do Hospital, onde V.Exa. poderia ter enquadramento.
24) Deste modo, reitera-se, que as exigências de funcionamento do serviço acima expostas, tornam completamente inviável atribuir-lhe um turno fixo de Segunda a Sexta- feira, ora solicitado.
C)
25) Adicionalmente, notamos que em face da pandemia provocada por Covid-19, o Hospital tem verificado um acréscimo excecional de atividade em todas as suas valências, por forma a corresponder a todas as solicitações.
26) Posto isto, é indispensável que os colaboradores trabalhem no regime de turnos rotativos definidos, em primeiro lugar para garantir o respetivo descanso, e em segundo lugar, para garantir que os vários serviços funcionam e conseguem responder às necessidades impostas por esta nova realidade.
27) Ora, também por este motivo, atribuir a V.Exa. um horário fixo, causaria significativos constrangimentos os normal funcionamento do serviço, e faria com que o Hospital tivesse necessidade de contratar mais colaboradores, por forma a assegurar os horários que V.Exa. deixaria de realizar — o que acarretaria custos, que não são aceitáveis.
D)
28) Mais, de acordo com o disposto no n.º 3 da cláusula 23.ª do Contrato Coletivo aplicável: "Os dias de descanso semanal dos trabalhadores em regime de turno pode não coincidir com o sábado e o domingo, embora neles deva recair periodicamente.”
29) Posto isto, para cumprimento da legislação em vigor, recai sobre o Hospital a obrigação de estabelecer o descanso semanal dos seus trabalhadores, em regime de turnos, periodicamente ao Sábado e ao Domingo.
30) Como tal, fixar o seu horário, de Segunda a Sexta-feira, conforme solicita, implicaria que o Hospital não conseguisse cumprir esta imposição legal relativamente aos restantes trabalhadores.
31) Aliás, a fixação do seu horário de trabalho de Segunda a Sexta-feira além de inviabilizar o cumprimento da obrigação decorrente cláusula 23.ª do Contrato Coletivo, seria discriminatório para as restantes colegas de trabalho que se encontram em condições familiares semelhantes às suas, igualmente com filhos menores a seu cargo.
32) As quais, além do referido no ponto anterior, se viriam obrigadas a fazer mais fins-de-semana, por mês para dessa forma garantirem o normal funcionamento do serviço.
33) Portanto, também por este motivo é inviável ao Hospital criar um horário de trabalho, que não contemple o trabalho aos fins-de-semana, que não seja capaz de acautelar as necessidades do serviço, e que traduza a prática de uma evidente discriminação no local de trabalho.

III) DA TENTATIVA DE ACORDO

34) Por fim, não obstante todos os argumentos supra expostos, recordamos que o Hospital disponibilizou-se a facilitar a definição de um horário que, dentro do possível, fosse ao encontro das suas solicitações.
35) Todavia, V.Exa. não manifestou disponibilidade para acordo.
36) Assim, dentro dos seus condicionalismos, o Hospital mostrou-se disponível adaptar o horário de V. Exa. às suas necessidades familiares, o que foi por si recusado.
                       
Posto isto, com referência ao horário fixo solicitado, quer pelo incumprimento dos requisitos formais, quer pela errada formulação e fundamentação do seu pedido, quer pelas exigências imperiosas referidas supra, quer pela frustração da possibilidade de acordo, o Hospital formaliza pela presente via, a respetiva recusa.
De todo o modo, dentro do possível, o Hospital tudo fará, para continuar a proporcionar-lhe as condições de trabalho que favoreçam a conciliação da atividade profissional com a sua vida familiar e pessoal.
Sem mais de momento, agradecemos o contacto e apresentamos os nossos melhores cumprimentos,”.

30. Por carta data de 23 de Novembro de 2020, a Ré reiterou junto da Autora o seu pedido de horário flexível, nos seguintes termos: “Assunto: Recusa do pedido de horário requerido nos termos e para os efeitos dos arts. 56.º e 57.º do Código de Trabalho.
Exmos. Senhores,
No passado dia ../../2020 a trabalhadora ora requerente através de missiva cujo teor se dá aqui por economia integralmente reproduzido, submeteu a V. Exas. um requerimento para que, atenta a situação familiar em que se encontra, lhe fosse concedida autorização para trabalhar em regime de horário flexível até a sua filha menor de 2 anos completar 12 anos.
(…)
Ora, como de resto já é do conhecimento de V. Exas., a requerente encontra-se exactamente nessa condição — cfr. atestado da Junta de Freguesia.
A requerente encontra-se casada e vive em comunhão de mesa e habitação com o seu cônjuge e filhos menores, respectivamente de 2 e 9 anos.
A actividade profissional do cônjuge da respondente não lhe permite recolher a filha menor ao estabelecimento de infantário que frequentará nem acompanha-lha e guarda-lo aos Sábados e Domingos
Ao contrário do que sucede presentemente, com o horário de trabalho flexível proposto, requerente teria sempre o período até às 09.00h e a partir das 17.30h livre por dia, absolutamente essencial aos seus afazeres pessoais e sobretudo familiares e maternais de educação, cuidado e acompanhamento da referida menor, facto que nesses períodos o seu cônjuge em virtude da sua actividade profissional não consegue.
O cumprimento pela requerente do seu actual horário de trabalho coloca-a numa posição em que deixa de dispor dos períodos supra aludidos para cuidar e acompanhar a sua filha que até agora era guardada e acompanhada por um familiar mas que fruto do seu estado de saúde não mais reúne condições para assim o fazer.
Nessas horas a sua filha tem de ficar obrigatoriamente com a ora requerente, não havendo mais ninguém que o possa guardar e acompanhar não tendo a requerente qualquer solução para o acompanhamento da sua filha durante todo esses períodos que excedam o horário sugerido.
Nomeadamente abre-lhe a possibilidade de entregar e recolher a sua filha menor no infantário que frequentará e guardá-la aos Sábados e Domingos no citado período temporal, bem como para o cumprimento dos restantes deveres sobretudo maternais de educação, cuidado e acompanhamento da mesma, como supra se refere, menor.
O pai não o faz, pois não tem possibilidade de prestar esse acompanhamento ou apoio.
O cumprimento pela requerente do seu actual horário de trabalho coloca-a numa posição em que deixará de dispor dos períodos supra aludidos momentos em que o estabelecimento retro encerra para cuidar e acompanhar a menor bem como aos Sábados e Domingos, dias em que o infantário igualmente está encerrado.
Nessas horas e dias têm obrigatoriamente de ficar com a ora requerente, não havendo mais ninguém que as possa guardar e acompanhar não tendo a requerente qualquer solução para o acompanhamento daquelas durante todo esse período do dia nomeadamente para a ir buscar ao infantário após o seu encerramento e ficar com ela depois disso.
A requerente sugeriu tal horário entre outros mas sem limitação de forma a poder recolher a menor ao estabelecimento que pela mesma é frequentado e ficar com ela após esse momento, bem como acompanhá-la aos Sábados e Domingos nos períodos supra não tendo qualquer intuito de prejudicar o normal funcionamento do estabelecimento de V. Exas. nem de obter para si qualquer privilégio em relação às/aos demais colegas como parece ser essa a V/ interpretação.
Ora,
Entre outros argumenta a entidade que o pedido da requerente não configura um horário flexível por estar em causa um pedido de horário fixo.
Sobre esta questão convém referir em primeiro lugar que o pedido do trabalhador não só está formulado nos termos legais como observado os requisitos previstos no artigo 56.º do CT, n.ºs 2.4, 2.4.1, e 2.4.2 (…)
Na verdade,
Por não serem verdadeiros, por desvirtuarem a verdade, ou por não passarem de meras imputações genéricas, abstractas, conclusivas, asserções jurídicas ou juízos de valor sem qualquer sentido ou cabimento impugna a trabalhadora respondente todo o teor da resposta deduzida.
Com efeito, a requerente faz por demonstrar a impossibilidade de prestar trabalho no horário a que presentemente se  adstrita, uma vez que, como de resto é do V/ conhecimento, não tem familiares, nem qualquer outra pessoa, nas proximidades da área em que reside, que possam entregar elou recolher o menor ou acompanhá-lo no período que se segue ao encerramento do infantário, bem como não é do seu conhecimento qualquer instituição que preste este serviço e ainda que assim sucedesse, certamente não conseguiria suportar os encargos e custos inerentes a tal.
Por outro lado, considerando a estrutura e modo de funcionamento da empresa, não resulta fundamentação apresentada por V.Exas  a impossibilidade de substituir a trabalhadora ou mesmo uma necessidade imperiosa e prejudicial para V. Exas de contratar nova colaboradora para substituir a Requerente no período em que está ausente.
Com efeito, existem diversos colaboradores com conhecimento e aptidão para exercer as funções da requerente nos períodos em que a mesma não pode estar presente, podendo não só prestar serviço nesse período como substituí-la.
Aliás, as alegações da empresa quanto à impossibilidade de enquadrarem a respondente no horário requerido são manifestamente FALSAS como facilmente se conclui dos períodos de laboração e funcionamento das diversas secções referidos pela mesma empresa.
Pelo que não é rigoroso afirmar a necessidade da prestação de serviço da respondente nos turnos referidos na V/ missiva, com a argumentação de que só esses são os horários passiveis de serem cumpridos ou praticados na empresa. Não são.
Sendo igualmente certo que o horário ora proposto não colide com a realização de quaisquer outros deveres laborais e organizacionais e/ou serviço da empresa que integra um grupo de empresas que explora vários estabelecimentos similares e detém no seu quadro de pessoal, centenas de trabalhadores.
Aliás nos períodos de ausência da requerente - férias, baixas ou quaisquer outro - é um dado adquirido que a o serviço não saiu prejudicado por tal circunstância.
Ademais, mesmo que os argumentos apresentados por Vexas. correspondessem à realidade e frise-se não correspondem, tomando os mesmos em consideração não se percebe, nem Vexas. o explicam com factos concretos porque é que a circunstância da requerente passar a desempenhar as suas funções no horário que requer iria prejudicar o serviço na empresa.
Limitam-se a genericamente assim o arguir sem no entanto descreverem as razões e fundamentos em concreto que justificam tal conclusão.
Aliás Vexas. confessadamente admitem que o mercado é volátil e o volume e quantidade do serviço sofre — como de resto sucede em todas as empresas e é do conhecimento geral — diversas oscilações pelo que cingirem-se às afirmações vertidas na V/ resposta é meramente conclusivo e insuficiente.
E assim sendo, face ao exposto, e ao que crê a requerente, não resultam evidentes as necessidades imperiosas da empresa e a impossibilidade de substituir a trabalhadora sendo certo que ao contrário do imposto legalmente as alegações da empregadora nessa matéria ou são genéricas, abstractas e vagas, amputadas de qualquer facto concreto que as materialize ou consubstancie, ou têm por base meras hipóteses e juízos de valor sem qualquer sentido. (…)
Como facilmente se alcança, da V/ resposta, não consta o motivo justificativo da recusa na forma determinada pela lei, por ausência da indicação concreta dos factos e circunstâncias que integram as "exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou "na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável" e fundamentam a V/ recusa.
Ora, para a validade da recusa é necessária a indicação da factualidade real e concreta das "exigências imperiosas do funcionamento da empresa" ou da "impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável."
Além de tudo, as citadas abstractas justificações também não se revestem de qualquer veracidade.
(…)
Assim, considera-se que, em concreto, a recusa não está devidamente fundamentada em razões imperiosas do funcionamento do serviço, nos termos em que é exigido pelo n.º 2 do artigo 57 do Código do Trabalho.
E, o simples facto de existirem outros trabalhadores com filhos menores de 12 anos que possam, eventualmente, numa altura indeterminada, vir a requerer o exercício do mesmo direito, não é justificativo para uma recusa por parte da entidade empregadora.
(…)
Quanto ao período requerido pela trabalhadora, entende-se igualmente não assistir razão à entidade empregadora, porquanto os referidos normativos legais estabelecem o direito aos/às trabalhadores/as com filhos menores de 12 anos, assim, até que os filhos perfaçam 12 anos, os/as trabalhadores têm direito a trabalhar em regime de horário flexível, sem prejuízo do que ficou exposto quanto à colisão de direitos ou alteração das circunstâncias.
Assim, conclui-se que a entidade empregadora não apresenta razões que possam indiciar a existência de exigências imperiosas do seu funcionamento, nem demonstra objetiva e inequivocamente que o horário requerido pela trabalhadora, ponha em causa o seu funcionamento, bem como não indica os períodos de tempo que, no seu entender, deixariam de ficar convenientemente assegurados.
(…)
Na sequência de todo o exposto, tendo em conta os argumentos apresentados por ambas as partes empregadora e pela trabalhadora, do modesto entender da Requerente, conclui-se que Vexas. não lograram demonstrar, suficientemente, razões que fundamentem a excepção de recusar o direito solicitado, designadamente em que medida tal horário poria em causa as exigências imperiosas do funcionamento da empresa, como é determinado pelo artigo 57.º do CT.
Razões pelas quais nada obsta a que o requerimento apresentado de flexibilidade de horário seja aceite nos termos formulados de acordo com as necessidades da requerente e da menor.”
31. A Autora remeteu o processo para a CITE, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de recusar e da apreciação da Ré quanto aos fundamentos, tendo o CITE, em 22.12.2020 emitido o “parecer desfavorável à intenção de recusa dos HOSPITAIS ..., S.A. – ..., relativamente ao pedido de trabalho em regime de horário flexível, apresentado pela trabalhadora com responsabilidades familiares AA”, nos termo do parecer junto aos autos com a petição inicial sob o documento n.º 1, cujo teor se dá por reproduzido.
32. De segunda-feira a sábado, prestam actividade no serviço de Medicina Dentária, 8 Médicos Dentistas e existem 6 cadeiras de dentista disponíveis e, ao Domingo apenas presta actividade um Médico Dentista.
33. Quando um Médico Dentista está no consultório é, por regra, necessário um Auxiliar de Acção Médica para o ajudar nas consultas, sendo assim o rácio um Médico Dentista para um Auxiliar.
34. Para assegurar o serviço existente de segunda-feira a sábado é sempre necessário ter 6 Auxiliares de Acção Médica a prestar actividade e aos domingos um Auxiliar de Acção Médica.
35. À data do pedido apresentado pela da Ré (../../2020), a Autora tinha 9 Auxiliares de Acção Médica alocadas ao serviço de Medicina Dentária, nas quais se incluía a Ré.
36. Este número de Auxiliares de Acção Médica era necessário para assegurar a rotatividade dos turnos das trabalhadoras e cumprimento dos descansos destes e ainda garantir que, em cada momento, estavam seis Auxiliares de Acção Médica presentes para ajudar os Médicos Dentistas presentes no consultório. 
37. O serviço encerra entre as 13:00 e as 14:00 horas, e apenas se procura assegurar que existem Auxiliares de Acção Médica que possam garantir eventuais atrasos nas consultas. 
38. A criação de um novo turno que compreendesse o horário das 9 horas às 17 horas e 30 minutos com meia hora de almoço e que não labore aos Sábados e Domingos conduziria a um excesso de Auxiliares de Acção Médica em determinados períodos.
39. Na sequência do Parecer desfavorável da CITE, a Autora, em Fevereiro de 2021, colocou temporariamente a Ré no serviço de Urgência e criou um turno designado por MT32 [09:00 {13:30 14:30} 17:30) (8h)].
40.  Posteriormente a Ré foi colocada no serviço de Internamento, que labora ininterruptamente, durante 24 horas por dia, e onde esta se encontra actualmente a prestar serviço.
41. No entanto, a Autora passou a ter 37 Auxiliares de Acção Médica naquele serviço, quando as necessidades de serviços são asseguradas com 36 trabalhadores.
42. Esta alocação tem causado constrangimentos no serviço de internamento, já que é difícil conciliar um horário fixo, como o reclamado pela Ré, com regimes de turnos rotativos, em laboração contínua, como os previstos no modo de funcionamento nesta unidade hospitalar.
43. Se a Ré não trabalhar aos fins de semana tem que haver pelo menos uma trabalhadora que terá que realizar esse horário.
44. À data do pedido de horário flexível, a Ré encontrava-se no estado civil de casada e residia com o seu cônjuge e filhos menores, que à data tinham respectivamente 2 e 9 anos.
45. O infantário abre com acolhimento às 07.30 e encerra com recurso ao prolongamento às 18.30h, estando encerrado aos Sábados e Domingos.
46. O pai da menor trabalha em regime de turnos rotativos do seguinte modo: 07H45 às 15H45, das 15H45 às 23H45 e das 23H45 às 07H45, podendo-lhe ser solicitado a disponibilidade de efectuar troca de turnos e horas extra em dias da semana, bem como feriados e fins de semana.
47. Em Março de 2021, quando a Ré foi integrada no serviço de Internamento – Unidade de Cuidados Continuados - existiam auxiliares a fazer o turno das 08.00h as 16.00h de segunda a sexta-feira.
48. A Autora tem no seu quadro de pessoal 140 auxiliares de acção médica I, II e II.

Os factos não provados são os seguintes:

a. O Hospital onde a Ré actualmente presta funções fica a cerca de 45 minutos em viagem de automóvel do infantário frequentado pela filha.
b. Existem outros serviços na organização da Autora carecidos de auxiliares de acção médica.
c. Estão alocados na Autora um total de 113 auxiliares de acção médica e que por diversas vezes transitam entre serviços como por exemplo e bem recentemente as colegas GG e HH alocadas ao serviço de Medicina Dentária foram prestar trabalho para respectivamente a UCC/Convalescença e Internamento.
*
IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – Do Horário Flexível

Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo ter considerado de flexível o horário proposto pela Recorrida, ou seja, considerou que o horário requerido, pela trabalhadora, de segunda a sexta-feira das 9.00 às 17.30 horas com intervalo de 30 minutos e descanso aos sábados e domingos integra o conceito legal de horário flexível.
No caso não se questiona que a Ré/Trabalhadora reúne ou não condições trabalhar em regime de horário flexível, dando-se assim, por assente que reúne tais condições.
Importa apurar se o horário solicitado pela Ré/Trabalhadora ao Autor/Recorrente, empregador, é de considerar um horário flexível de trabalhador com responsabilidade familiares, tal como prescreve o art.º 56.º do CT.

A este propósito na decisão recorrida afirmou-se o seguinte:
“E, como já se referiu, o horário flexível é aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, pelo que importa, desde logo, saber o que se entende por período normal de trabalho.
Nos termos do disposto no artigo 198.º do Código do Trabalho, o período normal de trabalho corresponde ao número efectivo de horas de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, seja por dia, seja por semana.
Esta figura do período normal de trabalho reporta-se à duração do trabalho, “balizando temporalmente a disponibilidade do trabalhador perante o empregador (no sentido em que o trabalhador só está disponível durante um número determinado de horas por dia e por semana)” mas “para que esta delimitação fique completa é ainda necessária uma outra operação: a operação de distribuição do número de horas de trabalho a que o trabalhador se encontra adstrito ao longo do dia, através dos momentos de início e de termo de trabalho (assim, por exemplo, as 7 horas de trabalho, que correspondem ao período normal de trabalho diário do trabalhador, têm início às 9 horas e vão até às 13 horas, recomeçando às 14 horas e terminando às 17 horas)”.
“… Para proceder a esta concretização que o Código desenvolveu o conceito de horário de trabalho, no artigo 200º, nºs 1 e 2. Este conceito tem, pois, a ver com a distribuição das horas que compõe o período normal de trabalho diário ou semanal ao longo do dia” (cfr. Maria Rosário Palma Ramalho “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais,” Almedina, 7ª edição, pág. 408.
O horário de trabalho para além de fixar as horas de início e termo do período normal de trabalho, determina quer o intervalo de descanso – que vem definido no artigo 213.º do Código do Trabalho – quer o descanso semanal.
Ora, o artigo 56.º do Código do Trabalho quando prevê o horário flexível refere-se apenas às horas de início e termo do período normal de trabalho, ou seja, não alterando o número efectivo de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar, seja por dia, seja por semana, permite que o trabalhador inicie ou termine a prestação daquele número de horas mais cedo ou mais tarde.
E, quanto à questão da escolha dos dias de descanso, a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que efectivamente o trabalhador pode precisar os seus dias de descanso. Com efeito, como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.03.2022 (processo 17071/19.9T8SNT.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt «a montante da definição de horário flexível está a definição do que seja um horário de trabalho. Ora, nos termos do artigo 200.º n.º 1 do CT “entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”, sendo que, como esclarece o n.º 2 do artigo 200.º do CT, “o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal”. O horário flexível é um horário de trabalho pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar que pretende que os seus dias de descanso sejam, como aliás afirma que vinham sendo há três anos, o sábado e o domingo. As questões estão evidentemente imbrincadas e conexas, (…) Acresce que também uma interpretação teleológica do regime de horário flexível aponta no mesmo sentido, porquanto só assim se consegue o desiderato da conciliação entre atividade profissional e vida familiar. Como a trabalhadora referiu no seu pedido a alteração dos seus dias de descanso acabava por lhe acarretar um grave prejuízo económico, que em grande medida comprometeria o escopo legal do regime de horário flexível.» [Cfr. no mesmo sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.06.2022 (processo 3425/19.4T8VLG.P1.S2) e de 12.10.2022 (processo 423/20.9T8BRR.L1.S1); Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15.11.2021 (processo 2731/20.0T8MAI.P1) e de 23.01.2023 (processo 2649/22.1T8MAI-A.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt].

Vejamos, então, a situação dos autos.
Em ../../2020, a Ré efectuou um pedido à Autora, sua entidade empregadora, para trabalhar em regime de horário flexível alegando ter dois filhos menores, com dois e nove anos de idade e solicitando que “tivessem em conta na elaboração do meu horário de trabalho que o mesmo fosse de segunda a sexta-feira das 09:00 às 17:30 horas, com 30 minutos de intervalo para refeição, sendo os dias de descanso semanal ao sábado e domingo” – cfr. ponto 27. dos factos provados.
Ora, ao contrário do entendimento da Autor, o que a Ré requereu não foi a fixação de um horário fixo, mas a atribuição de um horário de trabalho flexível, entre aquelas horas – 9 horas e 17:30 horas -, cabendo, pois, à Autora a sua determinação concreta no âmbito do n.º 4 do artigo 56.º do Código do Trabalho.
É certo que a Ré indicou essas horas com margens muito apertadas, já que lhe cabe prestar 40 horas semanais, pelo que, ao propor que o seu horário seja fixado entre as 9 e as 17:30 horas, sendo certo que terá de ter um intervalo de descanso, no máximo após a prestação de seis horas de actividade (cfr. artigos 56.º, n.º 4 e 213.º do Código do Trabalho), o que resta à Autora mais não é do que fixar quando terá lugar o intervalo de descanso da trabalhadora, pois que, como já vimos, também lhe é lícito propor os dias de descanso. Sucede, porém, que isso, por si só, não permite concluir que se está perante uma pretensão de atribuição de um horário fixo (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.2020, processo 3582/19.0T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde, numa situação semelhante à dos autos, se escreveu que “É certo haver-se demonstrado que a Ré, por carta datada de 06 de dezembro de 2018 e invocando o disposto no art. 56º do Código do Trabalho, solicitou ao Autor a atribuição do regime de horário de trabalho flexível para poder prestar assistência inadiável a sua filha menor, com 18 meses de idade, indicando, para tal, o horário de trabalho das 08:00 às 16:00 horas, com descanso semanal ao sábado e ao domingo e a vigorar durante o período de 10 anos, o que, à primeira vista, parece configurar a pretensão de concessão de um horário de trabalho rígido durante este período de tempo, contrariamente à pretensão de atribuição de um horário flexível com aquela finalidade.
Sucede que essa indicação de horário feita pela Ré ao Autor nos referidos termos, com fundamento no mencionado preceito legal e tendo em consideração a circunstância que lhe estava na base (existência de uma filha menor, com 18 meses de idade e a necessitar de cuidados parentais), não pode, a nosso ver, deixar de ser entendida como uma escolha de horas de entrada e de saída do período normal de trabalho diário e de dias de folgas que a Ré, no limite, digamos assim, se predispõe a cumprir, de forma que o Autor possa, no âmbito dos seus poderes de direção, estabelecer, dentro dos indicados parâmetros e com respeito pelo estabelecido no n.º 3 do art. 56º do CT, um horário de trabalho flexível a ser observado pela Ré nos subsequentes dez anos, ou seja, até sua filha atingir os 12 anos de idade previstos na lei.
Não se nos afigura estranha a indicação das mencionadas horas de entrada e de saída em termos de horário de trabalho indicado pela Ré ao Autor, tendo em consideração que essa pretensão se enquadra no âmbito da organização dos tempos de trabalho em vigor no Departamento ... do Hospital ... onde a Ré trabalha em regime de turnos e que decorrem entre as 08:00 e as 14:00 horas, entre as 14:00 e as 20:00 horas e entre as 09:00 e as 20:00 horas ou entre as 08:00 e as 20:00 horas, isto porquanto o horário por aquela indicado se contém dentro do período de funcionamento do Serviço em causa do Hospital pertencente ao Autor, sendo que, como demonstrado também ficou, os referidos turnos eram organizados e definidos no interesse do serviço, compreendendo os horários das 08:00 às 14:00 horas, das 08:00 às 19:00 horas, das 12:00 às 20:00 horas, das 08:00 às 15:00 horas, das 09:00 às 20:00 horas, das 14:00 às 20:00 horas, das 08:00 às 16:00 horas e das 10:00 às 20:00 horas (v. matéria do ponto 4 dos factos provados) e o horário indicado pela Ré tem correspondência com um destes turnos já praticados no Departamento do Hospital ... ao qual a mesma se encontra afeta.
Acresce, de novo, frisar que, pese embora nas circunstâncias descritas no n.º 1 do art. 56º do CT tenha de haver uma pretensão deduzida, por escrito, pelo trabalhador ao empregador no sentido da atribuição de um horário flexível de trabalho, dando-se àquele a possibilidade de escolher as horas diárias de entrada e de saída do trabalho, cabe a este definir os parâmetros concretos desse horário de trabalho, levando naturalmente em consideração, na medida do possível, a indicação de horas de entrada e de saída escolhidas pelo trabalhador como sendo as mais convenientes face às obrigações de índole parental ou familiares que este tenha de acautelar, sendo certo que, na fixação desse horário flexível de trabalho, o empregador deve levar em consideração o estabelecido nas diversas alíneas do n.º 3 do referido art. 56º do CT.
É certo que nos termos do disposto no n.º 8 do art. 57º do CT, considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos se não assumir qualquer das atitudes a que se reporta cada uma das alíneas desse preceito, o que inculca a ideia de que o trabalhador quando formula a pretensão de horário em regime de flexibilidade deva indicar um concreto horário de trabalho a cumprir. Só que, ainda que assim suceda, não se pode, a nosso ver, entender essa indicação como a pretensão do cumprimento de um horário rígido, inalterável pelo empregador no âmbito dos seus poderes de direção e, consequentemente, de concessão de um horário flexível a cumprir pelo trabalhador com necessidades parentais.”).
Com efeito, do pedido efectuado pela Ré, nos termos em que se deu como provado no ponto 27. dos factos, resulta que estamos perante uma pretensão de atribuição de horário flexível, nos termos dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho
Com efeito, a Ré alegou que tinha dois filhos menores, com dois e nove anos de idades, tendo juntado um documento em que atestava que esses dois filhos viviam com ela em comunhão de mesa e habitação (constituíam o seu agregado familiar), indicou o prazo de duração previsto para esse regime (até o filho mais novo completar 12 anos de idade) e indicou os períodos para o início e termo do trabalho diário, motivo pelo qual não pode deixar de se considerar uma pretensão de trabalho em regime de horário flexível, improcedendo, assim, os pedidos formulados pela Autora sob os pontos (i), (ii) e (iii)..”
Antes de mais cumpre dizer que recentemente este Tribunal da Relação de Guimarães se pronunciou sobre questão idêntica, no acórdão proferido em 1.02.2024, no processo n.º 2133/21.0T8VCT.G1, decisão esta ainda não transitada em julgado, na qual se fez constar o seguinte do seu sumário: “O horário flexível, previsto nos art.s 56.º e 57.º do CT, é fixado pelo empregador dentro dos limites que a lei estabelece e, sem prejuízo de o trabalhador poder indicar o horário que mais lhe convém, deve ser um horário flexível, não podendo impor ao empregador um horário fixo.” No referido Acórdão participei como 2.ª Adjunta, como se trata de situação similar e não vislumbrando qualquer razão para nos afastarmos da posição assumida iremos acompanhar de perto o ali sustentado.
Vejamos se o horário que a Ré solicitou ao seu empregador, constitui um horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, consagrado no art.º 56.º do CT.
Dispõe o art.º 59.º n.º 1 al. b da C.R.P. que “todos os trabalhadores… têm direito (b) a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar”. O art.º 67.º n.º 2 al. h) do mesmo diploma estabelece que “incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família (h) promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar”. E prescreve ainda o n.º 1, do art.º 68.º da CRP. que “os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.”
Por outro lado, também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia no seu artigo 23.º a propósito da igualdade entre homens e mulheres atende à protecção da parentalidade ao prescrever que deve “Deve ser garantida a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, incluindo em matéria de emprego, trabalho e remuneração” e no seu artigo 24, n.º 1, prescreve que “As crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar”, e, com especial asserto com relevo para esta temática prescreve o artigo 33.º, que “1. É assegurada a proteção da família nos planos jurídico, económico e social. 2. A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional, todas as pessoas têm direito a proteção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade, bem como a uma licença por maternidade paga e a uma licença parental pelo nascimento ou adoção de um filho”.
Acresce dizer que os artigos 33.º e ss. do Código do Trabalho protegem precisamente a parentalidade no âmbito das relações laborais, prescrevendo o citado art.º 33 que “1 - A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes. 2 - Os trabalhadores têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação ao exercício da parentalidade. E a al. b) do n.º 2 do art.º 212.º do CT determina que o empregador ao fixar o horário “deve facilitar ao trabalhador a conciliação da atividade profissional com a vida familiar”.
No que respeita aos direitos do empregador, designadamente os direitos ao livre exercício da iniciativa económica privada e à liberdade de organização empresarial, estão consagrados nos artigos 61.º e 82.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Importa referir que até os direitos constitucionalmente protegidos admitem restrições legais. Assim, não é por a Constituição salvaguardar a conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar, que o direito estabelecido para tal fim se tem como absoluto. Antes terão que ser salvaguardados os direitos dos trabalhadores num processo de equilíbrio com os interesses dos empregadores, pois estes também estão constitucionalmente protegidos.
Por outro lado, é de salientar que o horário de trabalho corresponde à determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal – cfr. artigo 200.º, n.º 1 do CT.-, sendo a determinação do horário de trabalho uma das manifestação do poder de direção do empregador, com os condicionalismos legais – artigos 212.º e 97.º do Código do Trabalho.
Ora, o horário de trabalho do lado do empregador, constitui uma concretização da organização no tempo da força laboral de que dispõe para a satisfação da sua atividade e objetivos; e do lado do trabalhador, é um elemento de previsibilidade e de estabilidade, fundamental para que possa organizar com alguma segurança o seu tempo de autonomia com o tempo de disponibilidade para o trabalho.[1]
Na perspetiva do trabalhador, constituindo o trabalho uma importante área da vida, o mesmo tem necessariamente de ser conciliado com a vida para além do trabalho, ou seja, com a vida pessoal, familiar e social do trabalhador, daí a importância da determinação quantitativa e da organização do tempo de trabalho.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[2]: «[a] importância geral do tema da conciliação entre a vida profissional e a vida familiar não precisa de ser enfatizada, uma vez que é um tema que se coloca a todos nós ao longo da vida, pela necessidade de articularmos a nossa vida profissional com as nossas responsabilidades como pais, como filhos ou simplesmente como cuidadores».
A consagração dos regimes especiais de organização do tempo de trabalho com fundamento nas necessidades de conciliação da vida profissional com a vida familiar, inserem-se na tutela garantida durante a execução do contrato de trabalho.
Aqui chegados cabe, agora referir que entre os regimes especiais de tempo de trabalho previstos no Código do Trabalho, está a modalidade do horário flexível de trabalhador com responsabilidades parentais, cuja apreciação está em causa nos presentes autos.

Prescreve o art.º 56.º do CT sob a epígrafe “Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares” o seguinte:
1–O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2–Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3– O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a)- Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b)- Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c)- Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4–O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5–O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.
6–Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.

A este propósito estabelece ainda o artigo 57.º do CT sob a epígrafe Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível que:
1–O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a)- Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b)- Declaração da qual conste:
i)- Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii)- No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;
iii)- No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c)- A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2– O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
3– No prazo de 20 dias contados a partir da recepção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.
4–No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da recepção.
5–Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.
6–A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.
7–Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
8– Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a)-Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;
b)-Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;
c)-Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5.
9–Ao pedido de prorrogação é aplicável o disposto para o pedido inicial.
10–Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2, 3, 5 ou 7.”
Como se refere no Ac. deste Tribunal de 1.02.2024 «do conceito e regime de atribuição de horário flexível consagrado nos artigos 56.º e 57.º do CT resulta que este horário é, dentro dos limites legalmente estabelecidos, fixado pelo empregador - cabe ao empregador estabelecer os limites temporais dentro dos quais o horário flexível pode ser exercido, depois, dentro desses limites, é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo por forma a poder cuidar do(s) seu(s) filho(s) menor(es).
E compreende-se que assim seja e que o legislador tenha consagrado um mecanismo para, na medida do possível, compatibilizar os interesses do trabalhador (a ter um horário de trabalho que lhe possibilite cuidar dos filhos) e da empregadora (a fixar aos seus trabalhadores horários de trabalho adequados à organização/eficiência da empresa).”
Da conjugação das transcritas disposições legais resulta, além do mais, que cabe ao empregador estabelecer os limites, dentro do qual o horário flexível pode ser exercido, sendo certo que é dentro desses limites, que o trabalhador poderá gerir o seu tempo da maneira como melhor entenda, por forma a cuidar dos seus filhos menores.
A este propósito, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho[3] que “Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, al. a), b) e c) e n.º 4, sendo, designadamente, previsto que o trabalhador possa prestar a sua actividade durante seis horas consecutivos (solução que recupera a anteriormente designada «jornada contínua») e até dez horas seguidas num dia, para compensar as reduções do tempo de trabalho noutros dias.
Como decorre do exposto, a sujeição a este regime de horário de trabalho depende da iniciativa do trabalhador, embora o horário de trabalho continue a ser determinado pelo empregador.”
No que respeita ao conceito de horário flexível a jurisprudência tem apresentado algumas divergências, delas resultando uma maior ou menor margem de manobra em que se possa concretizar a determinação, pelo empregador, do horário flexível.
Assim a título exemplificativo no que respeita a reduzida margem de manobra concedida ao empregador na fixação do horário flexível, temos o Acórdão da Relação de Évora de 11/07/2019, consultável em www. dgsi.pt., no qual se sumariou o seguinte:
I - O regime especial de horário flexível visa adequar o tempo de trabalho às exigências familiares do trabalhador, nomeadamente, quando este tem filho menor de 12 anos.
II- Tendo sido requerido pela trabalhadora demandada, um horário flexível, entre as 09h00 e as 18h00 com 1 hora de almoço, de 2.ª a 6.ª feira, e o sábado e domingo como dias de folga, motivado pela circunstância de a trabalhadora não ter ninguém que possa ficar com o seu filho menor de 5 anos, quando o infantário que o mesmo frequenta está encerrado, o horário requerido enquadra-se na definição de horário flexível, prevista no artigo 56.º do Código do Trabalho”

No Acórdão da Relação de Lisboa de 27/03/2019, consultável em www. dgsi.pt., fez-se constar a este propósito o seguinte:
 “1.– Comunicando a autora à ré que é mãe solteira, com um filho de 12 anos a seu cargo, não existindo qualquer relação com o progenitor da criança e não beneficiando de qualquer apoio por parte de outros familiares, tendo a mesma indicado as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, com folgas aos fins de semana e feriados que pretende, deve considerar-se que observou o disposto no art.º 57.º n.º 1, do Código do Trabalho.
2.– Dentro dos limites indicados, de modo a possibilitar a conciliação da vida profissional com as responsabilidades da vida familiar da autora, cabia à ré a determinação do concreto horário de trabalho a cumprir em cada momento, nos termos do art.º 212, n.º1 do mesmo diploma legal”
No Acórdão da RP de 02/03/2017, consultável em www. dgsi.pt., fez-se constar o seguinte:
“O CT/2009 deu concretização à tutela constitucional da parentalidade nos termos dos arts. 33º e segs, 127º, nº 3, e 212º, nº 2, sendo a própria Lei, no art. 56º daquele, que confere o direito, nos termos nele previstos, à atribuição de horário de trabalho flexível, o que, assim, não consubstancia violação dos direitos constitucionais do empregador à livre iniciativa económica e à liberdade de organização empresarial, nem limitação ilícita aos seus poderes diretivos consagrados no art. 97º do CT” é óbvia a margem de opção de que o empregador dispõe e que no caso dos autos não tem.”
Num outro entendimento, o qual concebe uma maior margem de manobra no que se possa concretizar, pelo empregador, na determinação do horário flexível são de referir os seguintes Acórdãos:
 Acórdão da RL de 18.5.16, consultável em www. dgsi.pt., no qual se refere o seguinte “A este propósito, diz-nos Maria do Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho Parte II – situações laborais individuais”, 3.ª edição, que: Se o trabalhador pretender exercer esse direito, é ainda ao empregador que cabe fixar o horário de trabalho (art.º 56.º n.º 3 corpo), mas deve fazê-lo dentro dos parâmetros fixados pela lei (art.º 56.º n.º 3, alíneas a), b) e c) e n.º 4)… (…)”. E, com efeito, o “horário flexível” que caberia ser fixado à A. como entidade patronal mas de qualquer forma sugerido pela R, questiona quer os próprios termos do contrato que predissemos, principalmente no que respeita aos dias de descanso como também, a sua rigidez, entendida como admissível nos termos do art.º 57º, retiraria eficácia nomeadamente ao poder de direção da A que nesta matéria tem logo como pressuposto o período normal de trabalho contratado (artº 198º e 212º do CT), e ao seu poder de organização e gestão da atividade económica exigida pela empresa (artº 212º do CT). Bem como certo será que a margem de manobra da A. para organizar o horário da R. não pode ficar apenas subordinada aos interesses particulares desta por muito relevantes e respeitosos que sejam, já que sempre se devem ponderar os interesses da própria organização económica onde a R. está inserida e que é também a razão de ser do seu bem-estar através da obtenção de meios de subsistência”.
Acórdão da RL de 29/01/2020, proc. n.º 3582/19.0T8LRS.L1-4, consultável em www. dgsi.pt., no qual se refere o seguinte “numa certa vulgaridade, ou se se preferir, mediania de situações, há lugar a uma efetiva determinação do horário, a qual carece de uma margem mínima de manobra da empregadora, sob pena de esvaziamento dos seus poderes de direção. Isso impõe que, ao indicar as horas de início e termo, mencionadas no art.º 56/2, o trabalhador o faça deixando alguma margem ao empregador, o qual só assim pode efetivamente concretizar o horário; menos do que isso – que redunda numa mera gestão do intervalo de descanso – só é razoável quando prementes limitações do trabalhador assim o impõem (por ex., quando vive só com o filho e tem de comparecer até determinada hora no infantário, não havendo alternativa razoável) (convergindo, o recente acórdão desta RL de 23.10.19, no proc. Procº 13543/19.3T8LSB, relat. Manuela Fialho, subscrito aliás por dois dos juízes deste coletivo, decidiu que “consubstanciando o art.º 56º do CT um mecanismo de conciliação da atividade profissional com a vida familiar e visando permitir aos trabalhadores o cumprimento das suas responsabilidades familiares, a flexibilização de horário limita-se à definição das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e não à das pausas em dias feridos, sábados e domingos”).
No caso, a trabalhadora, como se viu, 1º excluiu-se de qualquer atividade ao fim de semana, 2º comprimiu a hora de entrada e de saída de tal modo que nada resta ao A. além de gerir intervalos de descanso; e tudo isto, sem outro motivo que não o do companheiro também efetuar turnos (se além disto se atentar para que o prazo em vista do horário anelado é de dez anos, e que em 6 auxiliares de ação médica quatro têm filhos com menos de 12 anos - portanto mais 3 além da R. -, saltam à vista as dificuldades desta forma criadas para a gestão do A.).
E ainda Acórdão da Relação de Lisboa de 25/11/2020, proc.º n.º 2748/19.7T8BRR.L1-4, consultável em www. dgsi.pt., no qual se sumariou o seguinte: “III – No regime de horário flexível previsto no artigo 56.º n.º 1 do CT, o trabalhador apenas pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, não já assim os dias de descanso semanal, que são definidos pelo empregador.”

E por fim o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/05/2020, proc.º n.º 9430/18.0T8VNF.P1, consultável em www. dgsi.pt, no qual se sumariou o seguinte:
I - O horário de trabalho corresponde à determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal – artigo 200º, nº 1 do Código do Trabalho.
II - A determinação do horário de trabalho é uma manifestação do poder de direção do empregador – artigos 212.º e 97º, ambos do Código do Trabalho.
III - O nº 1 do artigo 56º do Código do Trabalho consagra o direito do trabalhador ao horário flexível, estando o conceito de tal direito definido no nº2 do mesmo preceito, nos termos do qual se entende por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho. Os limites dentro dos quais o trabalhador poderá escolher o horário serão os que decorrem do nº3. E, deste, resulta que é o empregador quem deve elaborar o horário em conformidade com o que nele se estipula.
IV - O mesmo preceito não confere ao Trabalhador o direito de balizar ou impor ao Empregador as horas do início e do termo do período normal do trabalho que pretende que este lhe fixe o horário flexível”.
Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender de forma uniforme designadamente no Ac. de 12.10.2022 que “o texto dos art.º 56.º e 57.º do Código do Trabalho não exclui a inclusão do descanso semanal, incluindo o sábado e o domingo, no regime de flexibilidade do horário de trabalho, a pedido do trabalhador com responsabilidades familiares”[4], aí referindo que “a inclusão do descanso semanal, incluindo sábado e domingo, no regime de flexibilidade do horário de trabalho, previsto nos artigos 56.º e 57.º do CT, foi recentemente apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 17.03.2022 (relator Júlio Vieira Gomes), processo n.º 17071/19.9T8SNT.L1.S1, e no acórdão de 22.06.2022 (relator Ramalho Pinto), ambos in www.dgsi.pt, em termos que aqui acompanhamos: “Importa, contudo, ter presente que a montante da definição de horário flexível está a definição do que seja um horário de trabalho. Ora, nos termos do art.º 200.º n.º 1 do CT “entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal”, sendo que, como esclarece o n.º 2 do artigo 200.º do CT, “o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal”. O horário flexível é um horário de trabalho, pelo que bem pode a trabalhadora, no seu pedido, precisar que pretende que os seus dias de descanso sejam, como aliás afirma que vinham sendo há três anos, o sábado e o domingo. As questões estão evidentemente imbrincadas e conexas, ao contrário do que sucederia no exemplo proposto pelo Recorrente de um pedido de aumento salarial (Conclusão D) que nada tem a ver com o tempo de trabalho. Acresce que também uma interpretação teleológica do regime de horário flexível aponta no mesmo sentido, porquanto só assim se consegue o desiderato da conciliação entre atividade profissional e vida familiar. Como a trabalhadora referiu no seu pedido a alteração dos seus dias de descanso acabava por lhe acarretar um grave prejuízo económico, que em grande medida comprometeria o escopo legal do regime de horário flexível.”
Retornando ao caso dos autos teremos de dizer que o Autor/Recorrente tem razão na sua pretensão, pois como já acima deixamos expresso, mesmo no que respeita ao horário flexível, é ao empregador que cabe em primeiro lugar, estabelecer os limites dentro dos quais o mesmo pode ser exercido e só depois dentro desses limites é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo como bem entender, por forma a cuidar dos seus filhos menores.
No caso dos autos o horário solicitado pela Ré/Trabalhadora não constitui um pedido de atribuição de horário flexível, pois pretende ser ela própria a estabelecer os limites dentro dos quais irá exercer o seu direito, sem que deixe qualquer margem de manobra ao empregador para fixar o horário flexível. A recorrida exclui os fins de semana e comprime a hora de início e termo do seu horário de modo a que o empregador apenas possa gerir o intervalo de descanso de 30 minutos diários, imposto pela recorrida, o que iria obrigar a criar, como criou um horário único e especifico, para esta sua auxiliar de ação médica.
Senão vejamos:
Da factualidade provada resulta que entre as partes foi celebrado um contrato de trabalho no âmbito do qual a Ré presta funções de Auxiliar de Hospital, obrigando-se a cumprir um horário de trabalho de 40 horas semanais, distribuídas de segunda-feira a Domingo, entre as 00.00 e as 24.00 horas, ficando acordado o trabalho por turnos sempre que fosse necessário.
- A Ré solicitou ao Autor trabalho em regime de horário flexível por ter dois filhos de 2 e 9 anos e indicou como inicio e termo do período normal de trabalho que o mesmo fosse de segunda a sexta-feira das 9.00 às 17.30, com 30 minutos de intervalo para refeição, sendo os dias de descanso semanal ao sábado e ao domingo.
- Dos diversos horários praticados pelas auxiliares de ação médica que prestam serviço por conta do Autor não existe um único coincidente com o horário pretendido pela Ré.
Desta factualidade teremos de concluir que o horário solicitado pela Ré, não deixa a determinação do concreto horário de trabalho a cumprir, por parte do empregador, ou seja, não deixa qualquer, maleabilidade ao empregador, para fixar o regime de horário flexível, designadamente nos termos do n.º 3 do art.º 56.º do CT (com exceção da pausa para refeição, a qual pretende a Ré que se fixe em 30 minutos), como  fundamento, que o horário até então atribuído à trabalhadora é incompatível com o acompanhamento e cuidados a ministrar aos filhos menores.
Apesar da trabalhadora solicitar o regime de horário flexível, o qual permite que esta escolha as horas de entrada e de saída do período normal de trabalho diário e dias de folga, o certo é que para o empregador poder no âmbito dos seus poderes de direção estabelecer o horário flexível tem de ter alguma maleabilidade, não podendo traduzir-se a solicitação do trabalhador na imposição de um horário rígido e inalterável pelo empregador.
Não podemos esquecer que é ao empregador que compete determinar o horário flexível do trabalhador que, com responsabilidades familiares, lhe tenha solicitado a prestação laboral nesse regime de horário, definindo, dentro da amplitude de horário escolhido por este, quais os períodos de início e termo do trabalho diário, mas para que tal possa ter lugar o trabalhador terá de indicar uma escolha horária que tenha alguma maleabilidade de forma a proporcionar a sua concreta determinação por parte do empregador.
Ora, tendo a Ré de cumprir 40 horas de trabalho semanal, o horário por si solicitado, de segunda a sexta entre as 9.00 e as 17.30 horas, não deixa qualquer janela para que o Autor/Recorrente o possa adaptar aos interesses relacionados com a sua organização. No caso a Ré pretende ser ela própria a estabelecer os limites dentro dos quais pretende exercer o seu direito, não deixando qualquer margem de manobra para o Autor dar cumprimento ao prescrito no n.º 3 do art.º 56.º do CT, retirando assim, nesta matéria o poder de direção de organização e gestão da atividade económica exigida pela empresa (art.º 212 do CT).
Na verdade, a margem de manobra do autor para organizar o horário da ré não pode ficar subordinada exclusivamente aos interesses particulares da ré/trabalhadora por muito relevantes e respeitoso que possam ser, pois também se deverão ponderar os interesses próprios da organização económica na qual a ré está inserida e da qual também resulta a razão do seu bem-estar através da obtenção dos seus meios de subsistência.
Com efeito, o mecanismo previsto nos artigos 56.º e 57.º do CT. é um mecanismo de conciliação entre a atividade profissional e a vida familiar, que visa permitir ao trabalhador o cumprimento das suas responsabilidades familiares, mas não lhe permite definir os concretos termos em que pretende desenvolver a sua atividade esses ficam por conta do empregador, pois a determinação do horário de trabalho é uma manifestação do poder de direção do empregador, com as limitações legais (cfr. art.º 212.º e 97.º do CT).
O horário solicitado, como se escreve, no citado acórdão deste Tribunal de 1.02.2024 (no qual é apreciada uma situação equiparada), é um horário fixo, rígido em todos os seus parâmetros, não respeitando a expressão “horário flexível” a sua semântica pois que o termo “flexível” não tem no horário proposto pelo réu qualquer aderência à realidade, o que sucede também quanto à alusão às “plataformas fixas” (não diferem em nada, quanto à obrigação de permanência ou não no exercício de funções/possibilidade de ausência ao trabalho, do restante período horário diário, supostamente “plataformas variáveis”).
Em suma, o horário solicitado pela Ré não respeita os limites dentro dos quais o trabalhador poderá escolher o horário, que são aqueles que possam facultar a observância do n.º 3 do artigo 56.º do CT., do qual resulta que é o empregador quem deve elaborar o horário em conformidade com o que nele se estipula, aí se prevendo: a) deverão ser estipulados um ou dois períodos de presença obrigatória (com duração igual a metade do período normal de trabalho diário);b) deverão ser indicados os períodos de início e termo do trabalho diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário (podendo a duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento).c) que deverá ser estabelecido um intervalo de descanso não superior a duas horas
No caso não é possível observar esses parâmetros exigidos pela lei, uma vez que o horário solicitado é um horário fixo e rígido imposto pela trabalhadora, que não permite qualquer adaptação ou flexibilidade, pois estando nele prevista a prestação de 8 horas de trabalho diário de segunda a sexta-feira das 9.00 às 17.30, com 30 minutos de pausa, não se vislumbra, como possa o empregador dar cumprimento ao prescrito no n.º 3 do art.º 56 do CT de forma a obter um horário flexível.
Como se defendeu no Ac. da RL de 29.10.2019 «é assim que é razoável uma assimetria de fundamentos consoante as situações em causa: exigir a um progenitor, em família monoparental, que carece necessariamente de sair a determinada hora, que o faça mais tarde, mais não leva do que à inutilização do direito em causa e à impossibilitação da conjugação da vida familiar com a prestação da atividade; já o mesmo não se pode dizer de outros casos, em que se impõe que o empregador possa, de alguma maneira, determinar o horário, nos termos genéricos do art.º 212/1, do CT, não estando a sua margem de manobra tão comprimida pelas circunstâncias. Ou seja: numa certa vulgaridade, ou se se preferir, mediania de situações, há lugar a uma efetiva determinação do horário, a qual carece de uma margem mínima de manobra da empregadora, sob pena de esvaziamento dos seus poderes de direção. Isso impõe que, ao indicar as horas de início e termo, mencionadas no art.º 56/2, o trabalhador o faça deixando alguma margem ao empregador, o qual só assim pode efetivamente concretizar o horário; menos do que isso – que redunda numa mera gestão do intervalo de descanso – só é razoável quando prementes limitações do trabalhador assim o impõem” (sublinhamos) - tal terá sempre de resultar das exigências do caso concreto e, quanto a nós, terá melhor fundamento legal no dever de boa fé que deve nortear a conduta de empregadores e trabalhadores (cf. art. 126.º, n.º 1, do CT) e ainda,  mais especificamente, no art. 212.º/2 b) do CT que, regendo quanto à elaboração de horário de trabalho pelo empregador diz que este deve: Facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.
Tal não sucedeu no caso em apreço, já que não foram alegados nem provados factos que justifiquem que seja a trabalhadora a pretender impor ao empregador, ao arrepio do prescrito no art.º 56.º do CT, um horário fixo.
Em suma, o regime de horário de trabalho flexível a que tem direito o trabalhador com filho ou filhos menores de 12 anos cinge-se à escolha pelo trabalhador da hora de início e da hora do termo do período normal de trabalho diário, com alguma maleabilidade, de forma a proporcionar ao empregador o estabelecimento quer dos limites dentro dos quais o horário flexível pode ser executado e dentro destes, é que o trabalhador poderá gerir o seu tempo, da maneira que melhor lhe aprouver, por forma a cuidar do filho ou filhos menores. Não está, assim, em princípio, abrangido por este regime a fixação de um horário fixo por solicitação do trabalhador.
Procede o recurso sendo de revogar a decisão recorrida, uma vez que a pretensão da autora de alterar o seu horário de trabalho não integra o conceito de horário flexível.
Fica prejudico o conhecimento da questão referente aos motivos justificativos para recusa do horário solicitado suscitada no recurso.
Apesar da procedência do recurso fica também prejudicada a apreciação do recurso subordinado, uma vez que o ali pretendido em nada interfere ou altera a decisão agora proferida. Importa esclarecer que o recurso subordinado respeitava à impugnação da matéria de facto que a ser deferida poderia ter alguma influência na apreciação da questão respeitante ao requisito das exigências imperiosas que justificariam o motivo da recusa do horário solicitado pela Ré, ficando esta questão prejudicada, fica também prejudicado o conhecimento do recurso subordinado.
Por fim, uma última nota para referir que no passado dia 3.07.2024, o STJ, proferiu Acórdão no processo n.º 2133/21.0T8VCT.G1 e por unanimidade, veio a revogar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no qual se fez constar o seguinte sumário:
“I – O horário flexível pedido pelo autor se reconduz ao regime legal típico previsto no artigo 56.º do Codigo do Trabalho de 2009, ou seja, é constituído por dois períodos temporais diários que se dividem em 6 horas matinais seguidas [7 a 13 horas, com uma primeira plataforma fixa das 10,00 às 12,00 horas] e em 2 horas diárias, depois de decorrida a hora para refeição, entre as 14,00 e as 16,00 horas [segunda plataforma fixa], ao longo de 8 horas diárias vezes os cinco dias úties da semana.
II –As questões relativas ao pedido de horário flexível têm de ser equacionadas por referência ao horário de trabalho que era praticado pelo Réu na data da sua dedução e não em referência ao horário de trabalho que era praticado pelo Réu na data da sua dedução e não em função da alteração posterior que foi introduzida pela Autora, sendo certo que essa modificação temporal, assim como a subsequente transferência de local de trabalho., que não se mostram justificadas nos autos, suscitam dúvidas quanto à sua motivação, boa-fé e legalidade.
III – Tendo em atenção que o motivo de recusa do pedido de horário flexível só pode, segundo o legislador laboral, ter «fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.», as dificuldades de serviço da recorrida que ressaltam dos factos provados não podem ser configuradas juridicamente como impeditivas, de uma forma estrutural, grave, incontornável e socialmente inexigível, da normal e regular atividade da empresa, de forma a que seja legítimo à Autora qualifica-las como necessidades imperiosas da mesma e, nessa medida, obstar à modificação do horário requerido pelo Réu.”
Contudo e salvo o devido respeito, por decisão em contrário, entendemos que no caso em apreço o pedido de horário solicitado pela recorrida não nos reconduz ao regime legal típico previsto no artigo 56.º do CT, uma vez que o horário solicitado não pode deixar de ser considerado de um horário fixo, rígido e desprovido de qualquer maleabilidade que permita ao empregador elaborá-lo de harmonia com o prescrito no n.º 3 do art.º 56.º do CT.

V - DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso de apelação interposto por HOSPITAIS ..., S.A., e, consequentemente revoga-se a sentença, declarando-se a existência de motivo justificativo para recusa pelo Autor/Recorrente do horário requerido pela Ré AA.
Custas a cargo da Recorrida.
Notifique.
Guimarães 11 de Julho de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso


[1] Liberal Fernandes, “O tempo de trabalho”, Coimbra Editora, 2012, pág. 45.
[2] “O Tempo de Trabalho e conciliação entre a vida profissional e a vida familiar- Algumas Notas”, artigo inserido na obra “Tempo de trabalho e tempos de não trabalho”, Estudos APODIT 4, pág. 101.
[3] Direito do Trabalho Parte II – situações laborais individuais”, 5ª edição, pág. 561
[4] proc. 423/20.9T8BRR.L1.S1.