Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
63/22.8GACBT.G1
Relator: FLORBELA SEBASTIÃO E SILVA
Descritores: FASE DE JULGAMENTO
RECEBIMENTO DA ACUSAÇÃO
ALTERAÇÃO POSTERIOR DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONTRA-ORDENAÇÃO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. A al. d) do nº 3 do artº 311º do Código de Processo Penal prevê a situação em que os factos imputados na acusação não constituem crime, o que significa, num primeiro momento, que o Tribunal Penal é o Tribunal com competência material para aferir da natureza penal, ou não, dos factos imputados ao arguido o que significa que detém competência material para esse efeito.
II. Contudo, e como é jurisprudência assente, aquela aferição tem de se situar num patamar do óbvio, ou seja, sem margem para dúvida, que os factos imputados não consubstanciam a prática de crime, pois, caso contrário, sendo a questão debatível e obrigando o Tribunal a quo a se vincular perante uma de duas ou várias posições jurisprudenciais, não pode o mesmo liminarmente rejeitar a acusação.
III. Ora, se o Tribunal a quo não estava legitimado, no âmbito do despacho proferido ao abrigo do artº 311º do CPP, a tomar partido perante uma questão jurídica convertida, como aquela que se apresenta nos autos, e rejeitar a acusação por os respectivos factos não integrarem (na óptica do Tribunal a quo) a prática de crime, mas antes, a prática de uma contra-ordenação, por maioria de razão não o pode fazer num despacho anómalo, proferido já após agendamento de julgamento e dias antes do mesmo se realizar, enquadrando a situação como uma mera incompetência material.
IV. A competência material não pode depender da posição que um qualquer Tribunal Judicial assuma perante questões jurídicas convertidas. Na realidade, o Tribunal a quo tem toda a competência material para analisar os factos e enquadrá-los da forma que melhor lhe parecer em face da posição que assumir perante a polémica jurisprudencial instalada. E concluindo, como conclui, que os factos integram uma contra-ordenação e não um crime terá de, em sentença, declarar essa situação, extinguindo o procedimento criminal.
V. A estabilidade e inalterabilidade da instância penal fixa-se com a dedução da acusação, pelo que, discordando o Tribunal a quo da qualificação jurídica apresentada pelo MºPº, tal configurará uma alteração não substancial dos factos que segue regime próprio, mormente, obriga a que o Tribunal, em sede de julgamento, dê cumprimento ao disposto no artº 358º do CPP, não podendo, por isso, alterar a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação em despacho através do qual, abrigando-se numa pseudo incompetência material, rejeita discutir a causa.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o nº 63/22...., após ter sido admitida liminarmente a acusação pública deduzida pelo MºPº, e após ter sido agendado julgamento, foi proferida decisão em 15-01-2024, com a refª ...90, através do qual o Tribunal a quo se declarou materialmente incompetente e determinou a extinção do procedimento criminal nos seguintes termos:

“Nos presentes autos, vem o Arguido acusado da prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, n.º 1, todos do Código Penal (em concurso aparente com a contraordenação prevista e punida pelo artigo 38º, n.º 1, al. r), por referência ao artigo 11º, ambos do DL n.º 315/2009, de 29 de outubro).
Embora o Tribunal tenha recebido a acusação, por despacho de 19/10/2023, melhor analisados os autos, suscitam dúvidas sobre o enquadramento jurídico-penal da conduta e sobre a competência material do Tribunal para a julgar.
Dispõe o artigo 148.º, n.º 1 e n.º3 do Código Penal que “1 - Quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. (…) 3 - Se do facto resultar ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.”
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro que aprovou o regime jurídico da detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos, enquanto animais de companhia, veio, de igual modo, disciplinar a matéria da ofensa à integridade física negligente, tratando especialmente a inobservância de um dever de cuidado muito específico- o de vigiar o animal perigoso.
O referido diploma decidiu, assim, disciplinar especialmente esta matéria como crime, prevendo, no seu artigo 33,º que “quem, por não observar deveres de cuidado ou vigilância, der azo a que um animal ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa causando-lhe ofensas graves à integridade física é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”. Aplica a esta conduta a mesma moldura penal pensada para a ofensa à integridade física negligente prevista no artigo 148.º, n.º3, do Código Penal, ou seja, para os factos dos quais resulte ofensa grave. Da leitura do preceito constata-se que a criminalização ali prevista se cinge às situações em que o animal causa ofensas graves.
Para as ofensas não graves, o Decreto-Lei 315/2009 de 29 de outubro oferece um tratamento diferente e pune a conduta a título de contraordenação.
Assim, o artigo 38.º, n.º1, alínea r) do diploma prevê que “Constitui contraordenação económica grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE): (…) r) A não observância de deveres de cuidado ou vigilância que der azo a que um animal ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa causando-lhe ofensas à integridade física que não sejam consideradas graves”.
Daqui decorre que o Decreto-Lei 315/2009 de 29 de outubro quis regular especialmente aquilo que, antes, o código penal regulava de forma muito abrangente. Há um sem número de condutas negligentes que podem subsumir-se ao disposto no artigo 148.º, incluindo, antes da entrada em vigor daquele diploma, a inobservância do dever de cuidado de vigiar o animal perigoso. No entanto, o Decreto-Lei 315/2009, quis retirar esta conduta específica do âmbito daquele preceito e regulá-la expressamente, criando dois tipos legais negligentes, um criminal e outra contraordenacional, consoante as lesões produzidas sejam graves ou não graves.
Se assim é, a questão que se coloca é a de saber qual a posição do crime de ofensa à integridade física por negligência previsto no artigo 148.º, n.º1, do Código Penal, perante isto, se deve ser afastado, por já não ter aplicação a estas situações em virtude de as mesmas serem punidas com contraordenação, ou se ainda tem aplicação e em que situações. Isto é, importa saber se, perante a inobservância do dever de cuidado e de vigiar o animal perigoso que tenha como consequência lesões não graves, o agente deve ser punido a título de contraordenação, nos termos do artigo 38.º, alínea r), do Decreto-Lei, ou a título criminal, nos termos do artigo 148.º, n.º1, do Código Penal.
A solução a dar não é unânime na jurisprudência, surgindo por um lado, entendimentos que se opõem à punição do agente a título criminal e outros que distinguem a punição do agente a um título ou a outro, consoante tenha ou não sido apresentada queixa pelo ofendido. Nesta última perspetiva, se o ofendido apresenta queixa está-se perante um crime semi-público, previsto no artigo 148,º, n.º1, do Código Penal e se o ofendido não apresenta queixa, a conduta não deve deixar de ser punida, sendo-o, no entanto, a título contraordenacional, nos termos do artigo 38.º, n.º1, alínea r), do Decreto-Lei 315/2009. A defender esta distinção de punições em face da queixa apresentada, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/05/2017, proferido no processo 124/13.4GBOAZ.P1 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/02/2020, proferido no processo 114/17.8GAVRM.G1.
O argumento principal a favor da tese da punição criminal nos termos do artigo 148.º, n.º1, do Código Penal, assenta na consideração de que se está perante um concurso aparente de normas que deve ser resolvido “tendo em atenção que o novo regime visa reforçar a proteção dos bens jurídicos e a confiança comunitária sem ter revogado expressamente nenhuma norma do Código Penal” (CONDE FERNANDES, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. I, Universidade Católica Portuguesa, p. 318), entendimento reforçado pelo disposto no artigo 36.º, n.º3, do Decreto-Lei 315/2009 que reproduz o artigo 20.º, do Regime Geral das Contraordenações ao estabelecer que “Quando uma mesma infração constitua crime e contraordenação, o agente é punido apenas pelo crime, podendo ser-lhe aplicadas as sanções acessórias previstas para a infração criminal ou para a infração contraordenacional”.
Concretizando, esta fação da jurisprudência entende, em face da referida norma, que o legislador pretendeu que esta conduta fosse sempre punida, sendo-o como crime quando fosse apresentada queixa e como contraordenação quando não fosse, uma vez que na primeira hipótese, concorreriam as duas punições e, em obediência ao disposto no artigo 36.º, n.º3, do Decreto-Lei 315/2009 e 20.º, do Regime Geral das Contraordenações, o crime consumiria a contraordenação.
Não é esta, todavia, a posição deste Tribunal, seguindo-se, por oposição a esta tese, o entendimento plasmado nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2022, proferido no processo 96/18.6GAVCD-A.P1 do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/07/2018, proferido no processo 73/16.4PHLRS.L1-3 e do Tribunal da Relação de Évora de 5/06/2012, proferido no processo 193/10.9GACTX.E1.
Com efeito, afigura-se que, aplicar o disposto no artigo 36.º, n.º3, do Decreto-Lei 315/2009 e considerar que, constituindo esta conduta um crime e uma contraordenação deve o agente ser punido pelo crime, redundará num total esvaziamento do campo de aplicação da contraordenação prevista no artigo 38.º, n.º1, alínea r), pois a conduta configurará, sempre, um ilícito criminal e nunca uma contraordenação. Se fosse essa a intenção do legislador, seria inócua a criação de um ilícito contraordenacional que nunca teria aplicação por acabar, invariavelmente, por ser consumido pelo ilícito criminal previsto no artigo 148.º, do Código Penal.
Para rebater esta perspetiva, sustentam os defensores da tese contrária que a punição a título contraordenacional terá lugar sempre que o ofendido não apresente queixa, ficando assim reservada para essas situações e não se esvaziando, desse modo, o campo de aplicação da norma.
Ora, não se concorda com este argumento e a razão da discordância é por se afigurar que a criminalização de uma conduta não pode depender de um pressuposto formal como a apresentação de uma queixa. A previsão de que determinados crimes tenham naturezas jurídicas distintas, isto é, a previsão de crimes públicos, semipúblicos e particulares e, bem assim, a exigência de que seja apresentada uma queixa para o prosseguimento do procedimento criminal não é compatível com uma argumentação deste tipo, onde a queixa funciona para criminalizar ou descriminalizar uma conduta. Na verdade, a queixa é um pressuposto imprescindível para que o procedimento criminal se possa iniciar e prosseguir, no caso dos crimes semi públicos e particulares e sem a qual o procedimento criminal inexiste. Não pode, por isso, funcionar como o elemento que define se uma conduta é ou não crime. Seria destituído de sentido punir de forma mais severa uma conduta pelo simples facto de ter sido apresentada queixa. Se uma conduta é criminalmente punida é porque o legislador entendeu que o bem jurídico tutelado pela incriminação merece a tutela penal, reveste-se de dignidade suficiente e bastante para a sua violação ser criminalmente punida. Se assim é, ora entende que merece essa tutela independentemente de queixa, ora entende que o procedimento criminal necessita do impulso do titular do bem jurídico atingido. Não pode entender que o bem jurídico merece tutela penal só quando o ofendido apresenta queixa, e entender que já não tem essa tutela quando não apresenta. 
Veja-se que, caso assim se considerasse, também teria de se transpor este raciocínio para as situações em que a ofensa à integridade física produzisse lesões graves, e considerar que, quando fosse apresentada queixa, o agente seria punido pelo artigo 148.º, n.º3, do Código Penal e quando não fosse, pelo artigo 33.º, do Decreto-Lei 315/2009. Esse raciocínio não teria consequências de grande relevo uma vez que a moldura abstrata é idêntica, mas torna a distinção inócua e descabida pois o crime ou é público ou é semipúblico. Seria destituído de sentido que uma mesma conduta criminalmente punida tivesse simultaneamente natureza pública e semipública, e que, quando fosse apresentada queixa, fosse regulada pelo artigo 148.º, do Código Penal e quando não fosse assumisse, de repente, natureza pública, e fosse regulada pelo artigo 33.º, do Decreto-Lei 315/2009. Esta diferença de tratamentos não pode ser acolhida e introduz complicações ao nível da segurança jurídica, por permitir que o prazo para o exercício do direito de queixa possa ser ultrapassado e que, decorridos os 6 meses da prática dos factos, o procedimento criminal possa ainda iniciar-se, agora por via de outro preceito legal. No fundo, introduzir-se-ia uma duplicação de punições, de natureza jurídica distinta que não pode ser tolerada nem admitida pelo ordenamento jurídico.
Assim, do mesmo modo que não se trata de maneira distinta a ofensa à integridade física negligente que produziu lesões graves causadas por um animal perigoso (no sentido de se aplicar um ou outro preceito no caso de ser apresentada queixa ou não) também não deve ser tratada de maneira distinta a mesma ofensa causada por animal perigoso que produziu lesões não graves.
Assim, “a ideia de que a classificação como crime ou contra-ordenação possa ficar à mercê de um critério formal – exercício do direito de queixa – é inconsistente e contraria todo o diploma especial – D/L 315/2009 de 29/10” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2022, proferido no processo 96/18.6GAVCD-A.P1).
Neste mesmo sentido, considera este Tribunal que esta ideia de resolver o eventual concurso aparente através do exercício do direito de queixa contraria o Decreto-Lei 315/2009, como entende o referido acórdão, porque se entende que este diploma legal foi criado para regular especialmente estas situações, com o objetivo de retirar a inobservância do dever de cuidado na vigilância dos animais considerados como perigosos pelo diploma e as suas consequências legais da alçada do artigo 148.º, do Código Penal.
O Decreto-Lei 315/2009 funciona como lei especial, o que leva a que não faça sentido que estas condutas sejam remetidas para o regime comum, pois o legislador quis disciplinar esta matéria de forma específica, concreta e diferenciada, criando para isso tipologias concretas e cobrindo todas as relações jurídico-penais que possam advir da prática de factos relacionados com a detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos: dolosas (cf. artigo 32.º), negligentes que têm, como consequência ofensas graves (cf. artigo 33.º) e negligentes que têm, como consequência, ofensas não graves, punidas como contraordenação (cf. artigo 38.º, n.º1, alínea r)). Perante isto, tem de concluir-se estar-se perante um regime completo, auto-suficiente, que regula estas concretas situações de detenção de animais perigosos e que prescinde e não carece do regime comum e geral previsto no Código Penal.
Deste modo, vigora aqui o princípio ex specialis derrogat legi generali, ou seja, o princípio segundo o qual a lei especial – no caso, o Decreto-Lei 315/2009 -, derroga a lei geral – no caso, o Código Penal. E “a prevalência sobre o regime comum (artº 148 nº 1 do CP) deve ser encarada naturalmente, onde a vontade do legislador é expressa e inequívoca. O âmbito de aplicação das normas – regime geral e especial - é diverso, em alguns casos distinto. Estas normas são especiais e disciplinam matéria muito concreta, cujo objecto acima definimos. As normas crime em confronto: artº 148 nº1 do CP e artº 33 do D/L 315/2009 de 29/10 têm por objecto relações jurídicas diferentes. O artº 148 nº1 do CP compreende um indeterminado número de condutas negligentes (omissões) que possam ofender o corpo ou a saúde. Inclui violação de um dever objectivo de cuidado generalizado, concretamente a diligência necessária para evitar a realização deste tipo legal de crime” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2022, proferido no processo 96/18.6GAVCD-A.P1)
Afirma-se aqui tratar-se de norma geral e norma especial porque o âmbito de aplicação dos dois preceitos é distinto. Enquanto que o artigo 148.º, n.º1, do Código Penal prevê, como bem nota o transcrito Acórdão, a não observância de um dever de cuidado generalizado, o Decreto-Lei 315/2009 prevê um dever de vigilância sobre animais perigosos ou potencialmente perigosos.
Como tal, a todas as situações que caibam no âmbito de aplicação do Decreto-Lei 315/2009 (quer as ofensas negligentes que produzam lesões graves e não graves), devem ser aplicadas as normas do diploma pois este diploma foi criado exatamente para as abranger. Exceciona-se, aqui, naturalmente, aaquilo que não esteja legalmente previsto no referido diploma, caso em que se aplicam as normas do Código Penal (cf. artigo 34.º, do Decreto-Lei 315/2009), sem que esta norma tenha “a dignidade ou a força para tipificar uma conduta como crime isso, iria claramente contra as garantias da legalidade da tipicidade e da intervenção mínima do direito penal”. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/07/2018, proferido no processo 73/16.4PHLRS.L1-3). Sem prejuízo, apesar de esta norma que manda aplicar subsidiariamente as normas penais, a verdade é que “está quase tudo expressamente previsto neste diploma sobre animais perigosos ou potencialmente perigosos, incluindo a recriação de um tipo legal próprio com uma moldura penal abstracta em tudo idêntica à do CP – as ofensas negligentes graves, produzidas por animais” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2022, proferido no processo 96/18.6GAVCD-A.P1).
Considerando esta argumentação, crê-se que, em situações em que esteja em causa uma lesão não grave, produzida por uma ofensa à integridade física negligente causada por um animal perigoso ou potencialmente perigoso, na definição do artigo 3.º, alínea b) e c), do Decreto-Lei 315/2009, é de aplicar as normas desse diploma e as tipologias criminais e contraordenacionais ali criadas e não a norma geral do Código Penal.
Isto posto, importaria analisar a factualidade descrita na acusação pública e subsumi-la àquilo que se deixou dito, por forma a apurar se os factos pelos quais o Arguido vem acusado são subsumíveis à prática de um crime, ou, ao invés, à contraordenação prevista no artigo 38.º, n.º1, alínea r), que a acusação alega encontrar-se em concurso aparente com a norma do artigo 148.º, n.º1 do Código Penal, entendimento com o qual, como se deixou dito, não se concorda.
Em primeiro lugar, olhando para o animal a que a acusação se refere, constata-se que é feita referência a um cão de raça American Staffordshire Terrier, descrevendo-se que este desferiu uma dentada no braço direito da ofendida.
Nos termos do artigo 3.º, alíneas b) e c), do Decreto-Lei 315/2009, deve entender-se por “Animal perigoso” “qualquer animal que se encontre numa das seguintes condições: i) Tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa; ii) Tenha ferido gravemente ou morto um outro animal, fora da esfera de bens imóveis que constituem a propriedade do seu detentor; iii) Tenha sido declarado, voluntariamente, pelo seu detentor, à junta de freguesia da sua área de residência, que tem um caráter e comportamento agressivos; iv) Tenha sido considerado pela autoridade competente como um risco para a segurança de pessoas ou animais, devido ao seu comportamento agressivo ou especificidade fisiológica”  e por “animal potencialmente perigoso” “qualquer animal que, devido às características da espécie, ao comportamento agressivo, ao tamanho ou à potência de mandíbula, possa causar lesão ou morte a pessoas ou outros animais, nomeadamente os cães pertencentes às raças previamente definidas como potencialmente perigosas em portaria do membro do Governo responsável pela área da agricultura, bem como os cruzamentos de primeira geração destas, os cruzamentos destas entre si ou cruzamentos destas com outras raças, obtendo assim uma tipologia semelhante a algumas das raças referidas naquele diploma regulamentar”.
A portaria do governo a que se refere o preceito é a Portaria n.º 422/2004 de 24 de abril, que elenca as raças consideradas perigosas e que refere, expressamente, a raça “Staffordshire terrier americano” ou seja, o cão em causa nos autos, levando a considerar que está em causa um animal potencialmente perigoso, na definição acima transcrita. Além disso, a alegação de que o cão mordeu a ofendida, faz igualmente subsumi-lo ao conceito de “animal perigoso” também acima transcrita, nos termos do seu ponto i).
Deste modo, não há dúvida que a questão se move no âmbito de aplicação deste diploma legal, o Decreto-Lei 315/2009.
Resta, então, saber em qual dos normativos legais daquele decreto-lei se integra a factualidade descrita na acusação, se no artigo 32.º, 33.º, ou 38.º, alínea r), todos do Decreto-Lei 315/2009.
Como se disse, na imputação criminal que é feita ao Arguido, o Ministério Público faz referência ao artigo 148.º, n.º1, do Código Penal e ao artigo 38.º, n.º1, alínea r) do Decreto-Lei 315/2009, o que leva a concluir que o Ministério Público considerou as lesões em causa como não graves (caso contrário teria de fazer a imputação nos termos do artigo 148.º, n.º3 ou artigo 33.º, do Decreto-Lei 315/2009). E, olhando àquilo que consta da factualidade imputada, é essa a conclusão a tirar, que as ofensas em causa não revestem a gravidade a que se reporta o artigo 144.º, do Código Penal (cuja remissão é admissível por, efetivamente, não estar previsto no diploma aquilo que se devem considerar ofensas graves) e que por isso devem ser olhadas como ofensas não graves.
Daqui resulta que a situação dos autos, considerando a factualidade descrita na acusação pública, cai no âmbito de aplicação do artigo 38.º, n.º1, alínea r), do Decreto-Lei e constitui, por isso, não um crime mas sim uma contra-ordenação.
Como tal, não existe qualquer responsabilidade criminal a apurar, justificando-se a extinção do procedimento criminal, por inexistência de crime, o que obsta ao conhecimento do mérito dos autos. E obsta por não ser o Tribunal competente para analisar matéria contraordenacional em 1.ª instância, nos termos do disposto no artigo 40.º do Decreto-Lei e do artigo 33.º, 38.º e 39.º do Regime Geral das Contraordenações. Além disso, não podia este Tribunal analisar os factos que consubstanciam uma contraordenação e, eventualmente, aplicar a coima que houvesse de ter lugar, pois tal corresponderia à subtração ao Arguido de um grau de recurso pois, vendo-lhe ser, eventualmente, aplicada uma coima pelo Tribunal e não pela autoridade administrativa competente, era-lhe vedado o recurso de impugnação judicial a que sempre teria direito, obrigando a que o recurso da decisão aqui proferida fosse necessariamente interposto para o Tribunal da Relação.
Sem prejuízo, impõe-se deixar uma nota sobre o momento em que este despacho é proferido, uma vez que a acusação já foi recebida. Situação idêntica deu origem ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/07/2018, proferido no processo 73/16.4PHLRS.L1-3 onde se concluiu ser admissível que, apercebendo-se o juiz da sua incompetência material para julgar factos que se enquadram numa contraordenação, possa pronunciar-se sobre essa mesma incompetência, entendendo que o juiz, ao proferir uma decisão deste tipo limita-se “a não deixar prosseguir uma audiência de julgamento que sabia estar condenada em termos de competência para a fazer e chegar ao fim, sem qualquer alteração de factos, concluir pelo já concluído ou seja, obstou á prática de um ato inútil”.
É o que se pretende fazer, agora, com a prolação do presente despacho. Apercebeu-se o Tribunal que os factos descritos na acusação configuram não um crime, mas uma contraordenação (considerando toda a argumentação expendida) e que, por isso, não é materialmente competente para os julgar. Como tal, deixar os autos prosseguirem com a realização da audiência de julgamento seria praticar um ato inútil, que a lei proíbe (cf. artigo 130.º, do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal), pois seriam produzida a prova para, no final, se chegar ao fim e, ainda que sejam provados todos os factos da acusação pública, se concluir exatamente no mesmo sentido que ora se conclui, e extinguir a responsabilidade criminal do Arguido.
Deste modo, em face de todo o exposto, é este Tribunal materialmente incompetente para julgar os factos descritos na acusação pública, e, consequentemente, declara-se extinto o procedimento criminal por inexistência de crime, determinando-se o arquivamento dos presentes autos.
Não obstante o que se deixa dito, considerando que a conduta do Arguido descrita na acusação pública pode configurar, eventualmente, a prática da contraordenação prevista na alínea r) do n.º 1 do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de Outubro, impõe-se a comunicação dos factos à autoridade administrativa competente para o processo contraordenacional que, de acordo com o artigo 41.º n.º2, do Decreto-Lei 315/2009, é a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária.
Para tal, após trânsito, determina-se a extração de certidão dos autos e posterior remessa à referida entidade para instauração de eventual processo contraordenacional.
Quanto ao pedido de indemnização civil deduzido nos autos pela ofendida AA, importa relembrar que, nos termos do artigo 71.º e 74.º do Código de Processo Penal, os danos que se pretendem tutelar pela dedução do pedido de indemnização civil são aqueles que tenham sido causados em virtude da prática de um crime, à pessoa que os sofreu, na sequência desse crime. No fundo, o pedido de indemnização civil tem de fundar-se na prática de um crime. No caso concreto, como se viu, não está em causa qualquer crime, uma vez que os factos descritos na acusação poderão integrar a prática de uma contraordenação e foi declarado extinto o procedimento criminal. Como tal, torna-se impossível a apreciação do pedido cível, uma vez que este se encontrava enxertado na ação penal, não sendo caso de aplicação do disposto no artigo 377.º, do Código de Processo Penal, pois tal preceito implicar a realização do julgamento e a absolvição do Arguido.
Assim, verifica-se uma impossibilidade legal de prosseguimento dos autos para conhecimento do pedido de indemnização civil deduzido, que implica a extinção da instância cível por impossibilidade superveniente da lide (cf. artigo 277º, alínea e) do Código de Processo Civil ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal), o que se declara, sem prejuízo da demandante demandar o Arguido em ação cível própria.
Considerando tudo o que se deixa dito, mormente a extinção do procedimento criminal, dá-se sem efeito a audiência de julgamento agendada.
Notifique e desconvoque, pelo meio mais expedito.
Após trânsito, extraia certidão dos autos e remeta à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária para eventual instauração de processo contraordenacional.”

II.  Inconformado veio o Ministério Público interpor recurso em 19-12-2024, com a refª ...43, através do qual oferece as seguintes conclusões:

“1. Com a prolação dos despachos a que alude o artigo 311.º, do Código de Processo Penal, formou-se sobre ele caso julgado formal, tornando-se o ato praticado definitivo e parte integrante do processado, pelo que estava vedado ao Tribunal a possibilidade de revogação daquele despacho, como sucedeu.
2. Ainda que o Tribunal entendesse, como parece entender, que os factos configuram a prática da contra contraordenação prevista e punida pelo artigo 38º, n.º 1, al. r), DL n.º 315/2009, de 29 de outubro, e não o crime de ofensa à integridade por negligência do artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, cremos que, em obediência ao disposto no artigo 358.º e 359.º, do Código de Processo Penal, apenas poderia ter feito verter o seu raciocínio em sede de sentença, atento o disposto no AUJ n.º 11/13, de 13 de junho, nos termos do qual “A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artigo 358.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal.”
3. Em nosso entendimento, os factos constantes da acusação pública configuram a prática de um crime ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, na medida em que a ofendida exerceu o seu direito de queixa, e não apenas a contraordenação prevista no artigo 38.º, n.º 1, al. r), do Decreto Lei n. n.º 315/2009, de 29 de outubro.
4. A autorização legislativa n.º 82/2009, de 21 de agosto, que esteve na origem do Decreto Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, refere-se apenas, tanto no seu objeto, como no seu sentido, à definição dos ilícitos criminais correspondentes a ofensa à integridade física (dolosas) de pessoa causada por animal e às ofensas à integridade física graves de pessoa causadas por animal, em resultado da violação de um dever de cuidado do seu detentor.
5. Do mesmo modo que o Legislador-Governo não tinha legitimidade para criminalizar as condutas que digam respeito a ofensas à integridade física (negligentes) simples, causadas pela violação de um dever de cuidado do detentor de um animal, carecia de legitimidade para as descriminalizar.
6. Tanto mais que, da leitura do preâmbulo do Decreto Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, parece-nos evidente que a sua criação visou expressa e claramente tipificar como crime as ofensas corporais causadas por animais e não, ao invés, descriminalizar tais condutas.
7. Assim, não podemos aceitar a interpretação segundo a qual com a entrada em vigor do Decreto Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, as ofensas à integridade física negligentes simples provocadas por animais passaram a ser puníveis a título de contraordenação, afastando dessa forma o campo de aplicação do artigo 148.º, n.º 1,do Código Penal, na medida em que a mesma é organicamente inconstitucional, por ter sido extravasado (diríamos mesmo contrariado) o objeto, o sentido e o alcance da lei de autorização n.º82/2009, de 21 de agosto, o que expressamente se invoca.
8. Apenas nos casos em que o ofendido não exerça o seu direito de queixa é que tais condutas serão subsumíveis à contraordenação prevista artigo 38.º, n.º 1, al. r), Decreto Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, uma vez que, nesses casos, o legislador entendeu que existe uma necessidade de punição no âmbito contraordenacional, por forma a que tais condutas não fiquem impunes.
De resto, tal situação verifica-se, igualmente, no Direito Estradal, em que a violação das normas do artigo 18.º, n.º 1 a 3, do Código da Estrada, constituirá uma fonte para o preenchimento do conceito de negligência do artigo 15.º, do Código Penal e, consequentemente, havendo queixa, tal conduta será punível nos termos do artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, a título criminal, atento o disposto no artigo 134.º, n.º 1, do Código da Estrada.
10. As normas do artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, e do artigo 38.º, n.º 1, al. r), Decreto Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, não se encontram numa relação de especialidade, mas antes numa relação de subsidiariedade expressa, conforme resulta do teor do artigo 36.º, n.º 3, do Decreto Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, nos termos do qual “quando uma mesma infração constitua crime e contraordenação, o agente é punido apenas pelo crime, podendo ser-lhe aplicadas as sanções acessórias previstas para a infração criminal ou para a infração contraordenacional.”
11. Tal conclusão retira-se, desde logo, da letra da lei e, ainda, do elemento teleológico, ou seja, da razão ser e das circunstâncias que motivaram a criação do Decreto Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, instituído em virtude da constatação de que “…a punição como contra-ordenação das ofensas corporais causadas por animais de companhia não é factor de dissuasão suficiente para a sua prevenção, pelo que se entendeu como adequado tipificar tais comportamentos expressa e claramente como crime”.
Nestes termos e pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o despacho recorrido:
a) Por violação do AUJ n.º 11/13, de 13 de junho;
b) Por errónea interpretação e aplicação dos artigos 38.º, n.º 1, al. r), e 36.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro e por não aplicação do artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal;
c) Julgada inconstitucional a interpretação feita pelo Tribunal Recorrido, segundo a qual, com a entrada em vigor do Decreto Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, as ofensas à integridade física simples negligentes provocadas por animais passaram a ser puníveis a título de contraordenação,afastando dessa forma, o campo de aplicaçãodo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, por violação do disposto nos artigos n.º 1.º e 2.º, da Lei n.º 82/2009, de 21 de Agosto, 165.º, n.º 1, al. c) e 198.º, n.º 1, al. b), ambos da Constituição da República, assim se fazendo justiça!”

III. O recurso foi admitido por despacho de 26-02-2024 com a refª ...41 tendo sido fixado efeito devolutivo.

IV. Respondeu o arguido através de contra-alegações que ofereceu em 20-03-2024 com a refª ...35 pugnando pela improcedência do recurso, rematando com as seguintes conclusões:

“1. O recorrente e Ministério Público veio interpor recurso do despacho proferido em 15 de janeiro de 2024 pelo Tribunal que determinou a extinção do procedimento criminal por inexistência de crime, determinando-se o arquivamento dos presentes autos.
2. Na sua alegação refere que com a prolação de despachos anteriores (dentro destes o despacho que designa a data para audiência), “formou-se caso julgado formal, tornando-se o ato praticado definitivo e parte integrante do processado, pelo que estava vedado ao Tribunal a possibilidade de revogação daquele despacho, como sucedeu’’.
3. Acrescenta ainda que mesmo que o Tribunal entendesse que os factos configuram a prática de uma contraordenação e não a prática de um crime, tal alteração só poderia ocorrer em sede de sentença.
4. Ainda, tem o Ministério Público entendimento que os factos constantes da acusação ‘’configuram a prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido no artigo 148.º n.º 1 do Código Penal, na medida que a ofendida exerceu o seu direito de queixa, e não apenas a contraordenação prevista no artigo38.º n.º1 al. r) do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro’’.
            5. Sucede, contudo, que nos termos do artigo 32.º n.º 1 do Código de Processo Penal, a ‘’incompetência do tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente e pode ser deduzida pelo Ministério Público, pelo arguido e pelo assistente até ao trânsito em julgado da decisão’’.
6. O que determina que sendo os factos descritos na acusação punidos apenas a título contraordenacional, não sendo o Tribunal a quo materialmente competente para os julgar, a realização da audiência de julgamento seria a prática de um ato inútil, expressamente proibido por lei nos termos do artigo 130.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal.
7. Sendo que, de qualquer das formas, o despacho que determina a extinção do procedimento criminal por inexistência do crime, determinando-se o arquivamento dos presentes autos, é temporalmente admissível, apesar de a acusação já ter sido recebida e já ter sido determinada a data da audiência de julgamento, uma vez que o despacho apenas visa impedir a prática de um ato que estaria sempre irremediavelmente condenado de incompetência material, e seria sempre condenado a essa mesma incompetência mesmo que o fosse praticado, ou seja, o despacho visa impedir a prática do ato inútil.
8. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, criou-se uma distinção clara entre as situações em que existem ofensas à integridade física negligentes (simples) e as situações em que existem ofensas à integridade física negligentes (simples) causadas por animal, sendo o tratamento jurídico diferente.
9. Neste sentido, prevê o artigo 38.º n.º 1 al. r) do Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de outubro, que ‘’constituiu contraordenação económica grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE) (...): r) A não observância de deveres de cuidado ou vigilância que der azo a que um animal ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa causando-lhe ofensas à integridade física que não sejam consideradas graves.’’.
10. Significando, portanto, que as condutas in casu têm tratamento próprio em sede contraordenacional.
11. Neste mesmo sentido, não pode um critério formal, a apresentação de queixa, ser o elemento determinador para que determinada conduta seja punida criminalmente ou não, isto é, a formalização de uma queixa apenas releva para o início do procedimento criminal apesar de determinada conduta ser sempre considerada crime e punida como tal.
12. De acordo com o princípio “ex specialis derrogat legi generali’’, estamos perante um regime especial que veio regular de forma especial e detalhada determinadas situações como a que consta da acusação, o que determina que in casu, a conduta referida na acusação enquadrando-se neste regime, é punida nos termos dos mesmos, ou seja, é punida contraordenacionalmente.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, fazendo-se assim a acostumada, JUSTIÇA! ….”

V. Foi aberta vista nos termos do disposto no artº 416º nº 1 do CPP, tendo a Exmª Srª. Procuradora-Geral Adjunta proferido douto parecer em 20-05-2024, com a refª ...67, no qual pugna pela procedência do recurso.

VI. Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do CPP nenhuma resposta foi oferecida.

VII. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

VIII. Analisando e decidindo.

O objecto do recurso, e portanto da nossa análise, está delimitado pelas conclusões do recurso, atento o disposto nos artºs 402º, 403º e 412º todos do CPP.[1]
 
Entende o digno recorrente que o despacho recorrido não podia ser prolatado após o despacho proferido no âmbito do artº 311º do CPP que liminarmente aceitou a acusação e designou data para julgamento, além de discordar do mérito do tal despacho por entender que os factos em causa, bem como a legislação aplicável, permitem enquadrar o alegado comportamento do arguido na prática de crime e não de uma mera contra-ordenação.
           
Está, assim, em causa saber se:
 I. após prolação do despacho nos termos do artº 311º do CPP, que admitindo liminarmente a acusação agenda data para julgamento, o Tribunal a quo pode proferir despacho a “dar o dito por não dito” e declarar-se materialmente incompetente extinguindo o procedimento criminal;
II. os factos constantes da acusação podem ser subsumidos na previsão penal ou se consubstanciam mera contra-ordenação.

Vejamos, olhando, primeiro, os actos processuais com relevo para a decisão que somos chamados a dar.

1) Em 10-07-2023, com a refª ...16, foi deduzida acusação pública pelo MºPº contra o arguido BB, imputando-lhe a prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 15º, al. a), 26º e 148º, n.º 1, todos do Código Penal (em concurso aparente com a contraordenação prevista e punida pelo artigo 38º, n.º 1, al. r), por referência ao artigo 11º, ambos do DL n.º 315/2009, de 29 de outubro), incorrendo ainda na pena acessória de privação do direito de detenção de cães perigosos ou potencialmente perigosos, prevista e punida pelo artigo 30º-A do DL n.º 315/2009, de 29 de outubro;

2) Tal acusação foi recebida por despacho proferido em 19-10-2023 com a refª ...15, que se pronunciou nos seguintes termos:
“Autue como processo comum, com intervenção do Tribunal Singular.
O Tribunal é competente.
Inexistem nulidades, questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer oficiosamente ou que venham alegadas
O Ministério Público tem legitimidade para a ação penal.
Recebe-se a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o Arguido BB, nos mesmos termos de facto e de direito aí indicados que aqui se reproduzem para os devidos efeitos legais – cf. artigo 311.º-A n.º2, alínea a), do Código de Processo Penal.
Notifique-se o Arguido e o seu Il. Defensor para contestarem, nos termos do artigo 311.º-B, do Código de Processo Penal.
O Arguido aguardará os ulteriores termos do processo em liberdade, não se nos afigurando, por ora, adequada ou necessária a aplicação de qualquer outra medida de coação para além do Termo de Identidade e Residência já prestado a fls.71.
Por legal e tempestivo, admite-se liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos pela Demandante AA.
Notifique o demandado do pedido cível deduzido para, querendo, o contestar, no prazo de 20 dias seguidos, sem cominação, nos termos do artigo 78º do Código de Processo Penal.”

3) Foi junta contestação pelo arguido em 03-11-2023, com a refª ...42, na sequência do qual foi proferido despacho em 16-11-2023 com a refª ...38, através do qual foi admitida a contestação e designada data para julgamento nos seguintes termos:
“Sendo legal e tempestiva, admite-se a contestação apresentada pelo Arguido, nos termos do artigo 311.º-B do Código de Processo Penal.
Cumpre designar dia para a realização de audiência de discussão e julgamento (cf. artigo 312.º, n.º1, do Código de Processo Penal).
Assim, para julgamento do Arguido, designa-se o próximo dia 16 de janeiro de 2024 às 9h30m, e não antes por absoluta indisponibilidade de agenda, com a seguinte ordem de trabalhos:
- Às 9h30m, com a tomada de declarações do Arguido, se as pretender prestar, e com a inquirição da demandante AA;
- Às 10h00m, com a inquirição das testemunhas indicadas sob os pontos 2 e 3 da acusação púbica;
- Às 10h30m, com a inquirição das testemunhas indicadas sob os pontos 4 e 5 da acusação púbica;
- Às 11h00m, com a inquirição das testemunhas indicadas sob os pontos 1 e 2 do pedido de indemnização civil;
- às 11h30, com a inquirição das testemunhas (3) indicadas na contestação.
Em caso de a audiência de julgamento não se realizar na data designada, em razão de adiamento nos termos e para os efeitos do artigo 333.º, n.º1, do Código de Processo Penal ou em razão de audição do Arguido a requerimento do seu mandatário, ao abrigo do n.º3 do mesmo preceito, desde já se designa o dia 23 de janeiro de 2024, pelas 9h30m, com a mesma ordem de trabalhos.
Cumpra-se o disposto no artigo 151.°, n.º2 do Código de Processo Civil, em conformidade com o artigo 312.º, n.º4, do Código de Processo Penal.
Na semana que anteceder a audiência de julgamento, solicite CRC atualizado do Arguido.”

4) Por indisponibilidade da senhora advogada, foi ainda proferido despacho em 05-12-2023 com a refª ...12, a alterar a data de julgamento para o dia 29-01-2024 às 14:00.

5) Foram notificadas as testemunhas e recebidas as provas de depósito.

6) A 15-01-2024 é proferido o despacho cujo escrutínio nos foi submetido.

Ora, e adiantando desde já a nossa convicção, afigura-se-nos que assiste razão ao digno recorrente quando o mesmo se insurge contra a oportunidade do despacho recorrido.

É que, e pese embora o Tribunal a quo se tenha socorrido de uma incompetência material, para, fora do normal andamento processual, se subtrair ao julgamento agendado, em nosso modesto entendimento e salvo o devido respeito, a questão da incompetência material é uma falsa questão porquanto o que está verdadeiramente em causa no despacho recorrido é uma tomada de posição jurisprudencial e doutrinária quanto à questão de fundo que é suscitada nos autos: saber se os factos imputados ao arguido configuram crime ou mera contra-ordenação.

Repare-se que o MºPº tomou logo posição na sua acusação ao subsumir os factos no tipo penal afirmando existir um concurso aparente com o tipo contra-ordenacional.

É claro que o Tribunal a quo é totalmente livre de fazer o enquadramento jurídico que entender, mas, e salvo o devido respeito, esse enquadramento, perante uma questão controvertida e altamente debatida, sem consenso na jurisprudência, é algo que não se pode situar em momento liminar ao julgamento da causa.

Na realidade, o que o Tribunal a quo fez foi considerar que os factos imputados ao arguido, que objectivamente integram a prática de crime, não terão natureza penal em face de uma interpretação que faz acerca da concatenação de legislação aplicável ao caso.

Ou seja, objectivamente, não está em causa a falta de factos que integram quer o elemento objectivo, quer o elemento subjectivo do crime em causa mas uma interpretação jurídica acerca da subsunção de tais factos num ou noutra disposição legal.

Ora, só um Tribunal Penal é que tem competência material para aferir da existência de crime pelo que a questão não se deveria colocar no âmbito da incompetência material do Tribunal para julgar a causa, pois só o Tribunal Penal é que tem competência para, conjugando os vários diplomas legais, tomar posição em face da jurisprudência que se divide.

É que sendo a questão de fundo uma questão controvertida, com argumentos válidos de ambos os lados, só um Tribunal Penal para decidir qual a posição assumir, e, assumindo aquela que o Tribunal a quo veio adoptar, resulta claro estar-se perante uma situação de não imputabilidade criminal ao arguido.

Mas essa situação vem prevista no artº 311º do Código Processual Penal, cuja epígrafe é “saneamento do processo” e que nos diz o seguinte:

“1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.
2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;
b) De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284.º e do n.º 4 do artigo 285.º, respectivamente.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
a) Quando não contenha a identificação do arguido;
b) Quando não contenha a narração dos factos;
c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou
d) Se os factos não constituírem crime.”
             
A al. d) do nº 3 do supra citado artº 311º do Código de Processo Penal prevê a situação em que os factos imputados na acusação não constituem crime, o que significa, num primeiro momento, que o Tribunal Penal é o Tribunal com competência material para aferir da natureza penal, ou não, dos factos imputados ao arguido o que significa que detém competência material para esse efeito.

Contudo, e como é jurisprudência assente, aquela aferição tem de se situar num patamar do óbvio, ou seja, sem margem para dúvida, que os factos imputados não consubstanciam a prática de crime, pois, caso contrário, sendo a questão debatível e obrigando o Tribunal a quo a se vincular perante uma de duas ou várias posições jurisprudenciais, não pode o mesmo liminarmente rejeitar a acusação.

Veja-se, alguns exemplos jurisprudenciais no tocante a esta questão:

 “I. A acusação só deve ser considerada manifestamente infundada, e consequentemente rejeitada, com base na al. d) do nº3 do artº 311º do CPP, quando resultar evidente, que os factos nela descritos, mesmo que porventura viessem a ser provados, não preenchem qualquer tipo legal de crime.
II. Esse pressuposto não se verifica nos casos em que o juiz, no despacho saneador, fazendo um juízo sobre a relevância criminal dos factos, escorado em determinado entendimento doutrinal ou jurisprudencial, opta por uma solução jurídica, quando, na situação concreta, outra, ou outras, seriam possíveis. Ou seja: a previsão da al. d) do nº3 do artº 311º não pode valer para os casos em que só o entendimento doutrinal ou jurisprudencial adoptado, quando outro diverso se poderia colocar, sustentou a não qualificação dos factos como penalmente relevantes.”[2]

“I. Só e apenas quando de forma inequívoca os factos que constam na acusação não constituem crime é que o Tribunal pode declarar a acusação manifestamente infundada e rejeitá-la.
II. Os factos não constituem crime quando, entre outras situações, se verifica uma qualquer causa de extinção do procedimento ou se a factualidade em causa não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificadora do crime imputado.
III. Se a questão focada na acusação for juridicamente controversa, o juiz no despacho do artigo 311º do CPP não pode considerar a mesma (acusação) manifestamente improcedente.”[3]

“I. Os poderes do juiz (de julgamento) sobre a acusação, antes do julgamento, são limitados.
II. O conceito de acusação «manifestamente infundada», assente na atipicidade da conduta imputada, implica um juízo sobre o mérito de uma acusação que, formalmente válida, possa ser manifestamente desmerecedora de julgamento, não justificando o debate.
III. Mas a alínea d), do nº 3 do art. 311º do Código de Processo Penal não acolhe um exercício dos poderes do juiz que colida com o acusatório; o tribunal é livre de aplicar o direito, mas não pode antecipar a decisão da causa para o momento do recebimento da acusação, devendo apenas rejeitá-la quando ela for manifestamente infundada, ou seja, quando não constitua manifestamente crime.
IV. Se os factos narrados realizam crime segundo uma corrente jurisprudencial significativa, não pode a acusação ser considerada como manifestamente infundada.”[4]
- sublinhado e negrito nossos

Ora, se o Tribunal a quo não estava legitimado, no âmbito do despacho proferido ao abrigo do artº 311º do CPP, a tomar partido perante uma questão jurídica convertida, como aquela que se apresenta nos autos, e rejeitar a acusação por os respectivos factos não integrarem (na óptica do Tribunal a quo) a prática de crime, por maioria de razão não o pode fazer num despacho anómalo, proferido já após agendamento de julgamento e dias antes do mesmo se realizar, enquadrando a situação como uma mera incompetência material.

Repare-se que, mesmo na situação de uma incompetência material, a questão é controvertida, pois depende da posição que se assumir, perante o respectivo enquadramento dos factos nos vários diplomas legais aplicáveis.

O próprio Tribunal a quo despendeu longas considerações jurídicas e teve de se socorrer de ampla jurisprudência para depois tomar a sua posição e justificá-la.

Pelo que, não estamos perante uma clara e simples constatação que o Tribunal a quo não é materialmente competente para decidir a questão até porque, se tivesse seguido a orientação do MºPº, então aí já seria materialmente competente.

A competência material não pode depender da posição que um qualquer Tribunal Judicial assuma perante questões jurídicas convertidas.

Na realidade, o Tribunal a quo tem toda a competência material para analisar os factos e enquadrá-los da forma que melhor lhe parecer em face da posição que assumir perante a polémica jurisprudencial instalada.

E concluindo, como conclui, que os factos integram uma contra-ordenação e não um crime terá de, em sentença, declarar essa situação, extinguindo o procedimento criminal.

O que o Tribunal a quo não pode fazer é antecipar o seu juízo para um momento anómalo no processo em que, tendo já sido liminarmente admitida a acusação e agendado julgamento, pouco antes da realização deste, vir com considerações puramente jurídicas (repare-se que não houve julgamento da matéria de facto) em que, no fundo, opta por uma posição jurídica que se insere numa polémica maior e que, por isso mesmo, merece tratamento a nível de uma sentença.

Até porque, sendo a questão de fundo controvertida, há que dar a oportunidade a todos os intervenientes processuais – MºPº, arguido e ofendida – de se pronunciar sobre a possível solução a adoptar nos autos.

No fundo, o Tribunal a quo posicionou-se perante uma corrente jurisprudencial com consequências para o desfecho da causa sem sequer permitir o contraditório.

Por outro lado, a estabilidade e inalterabilidade da instância penal fixa-se com a dedução da acusação, pelo que, discordando o Tribunal a quo da qualificação jurídica apresentada pelo MºPº, tal configurará uma alteração não substancial dos factos que segue regime próprio, mormente, obriga a que o Tribunal, em sede de julgamento, dê cumprimento ao disposto no artº 358º do CPP, não podendo, por isso, alterar a qualificação jurídica dos factos constantes da acusação em despacho através do qual, abrigando-se numa pseudo incompetência material, rejeita discutir a causa.

Aliás, e como bem refere o digno recorrente, existe um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, nº 11/0213[5] que determina precisamente isso:
«A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artº 358º nºs 1 e 3 do CPP».

Ora, se não é permitido, em sede de julgamento, proceder-se a uma alteração na qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, sem se dar cumprimento ao disposto no artº 358º nº s 1 e 3 do CPP, por maioria de razão não pode o Tribunal a quo, por moto próprio e sem exercício do contraditório, alterar a qualificação jurídica em momento anterior ao julgamento para depois declarar-se materialmente incompetente.

Face ao exposto, tem, assim, de proceder o presente recurso e os autos baixarem à 1ª instância para que o Tribunal a quo proceda ao julgamento da causa.

Consequentemente, fica prejudicado o tratamento jurídico da segunda questão submetida a recurso.

Decisão:

Em face do acima exposto os Juízes Desembargadores da Secção Penal da Relação de Guimarães decidem conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, anulam a decisão recorrida, devendo o Tribunal a quo proceder à realização do julgamento da causa.

Sem custas.
                                                          
Guimarães, 02 de Julho de 2024.
                                                          
Florbela Sebastião e Silva (Relatora)
Pedro Freitas Pinto (1º Adjunto)
António Teixeira (2º Adjunto)

                                              

[1] Ver a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[2] Acórdão da Relação de Lisboa de 25-11-2009 localizável em:
https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_busca_processo.php?buscaprocesso=742/08.2GCMFR.S1.L1&codseccao=3
[3] Acórdão da Relação do Porto de 11-07-2012 localizável em:
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/488fc56f7c684f8780257a44003184c5?OpenDocument
[4] Acórdão da Relação de Évora de 15-10-2013 localizável em:
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/a447d2b470d54dff80257c0500362a0f?OpenDocument
[5][5] Consultável em:
https://www.stj.pt/uniformizacao-de-jurisprudencia/jurisprudencia-fixada-criminal-ano-2013/