Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
Descritores: | PERSONALIDADE JUDICIÁRIA IDENTIFICAÇÃO DA PARTE DELIBERADAMENTE AMBÍGUA SUCURSAL E ESTABELECIMENTO ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Quando na petição inicial a identificação da pessoa contra quem a acção é instaurada é ambígua, até deliberadamente ambígua, em que numas passagens se afirma que a acção é intentada contra a sociedade X, e noutras se afirma que a acção é movida contra a sua sucursal, com estabelecimento sito na Rua Y, nº Z, e onde se alega que os actos foram praticados pela sucursal e o pedido é o de condenação da sucursal, é legítima a conclusão que o que o autor quis foi mesmo intentar a acção contra a referida sucursal. 2. Não existindo a referida sucursal, mas apenas um estabelecimento comercial da sociedade X, a conclusão óbvia é a que falece personalidade judiciária à ré. 3. Apesar do disposto no art. 14º CP, este vício não pode ser sanado, pois a forma como a petição inicial foi redigida, deliberadamente ambígua, introduziu no seio desta relação processual um “defeito genético”, que já contaminou várias decisões proferidas nos autos, e poderia contaminar muito mais no futuro. 4. O aceitar que a acção seguisse contra a sociedade X, nestas circunstâncias em que a autora estruturou toda a acção (incluindo para o efeito da competência do tribunal) com base no entendimento de que existia uma sucursal da ré e que era esta sucursal que pretendia demandar, afirmando expressamente que não estava a demandar a sociedade significava não apenas uma alteração formal da ré mas uma substituição da acção por outra, com diferente ré, diferente pedido e diferente causa de pedir. 5. Findando a acção na fase de saneamento por decisão de absolvição da instância, não faz sentido pretender a condenação da ré como litigante de má-fé, pois o Tribunal nem sequer começou a apreciar a substância da causa, nem as alegações feitas pelas partes sobre as pretensões deduzidas, e muito menos as provas apresentadas. Como tal, não é possível emitir um juízo sobre se alguma das partes litigou de má-fé. 6. Não é possível assentar a litigância de má-fé em interpretação de normas jurídicas, porque aí estamos em pleno domínio de opinião, ou de “entendimentos”, e é sabido que sobre as mesmas normas jurídicas é possível construir vários entendimentos, todos eles divergentes e apoiados por fragmentos jurisprudenciais ou doutrinários. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I -Relatório EMP01... veio, ao abrigo do artigo 31º CPC e artigos 2º, 3º e 12º da Lei 83/95, e artigo 3º e 19º, da Lei 23/2018, intentar acção popular contra (assim identificada no formulário CITIUS) EMP02.... Formula o seguinte pedido: que seja declarado que a ré: A. teve o comportamento descrito no §3 supra; B. violou qualquer uma das seguintes normas: 1. artigo 35 (1, c), do DL 28/84; 2. artigos 6, 10, 11 (1), 12, do DL 330/90; 3. artigo 311 (1, a, e), do DL 110/2018; 4. artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1, b, d), 9 (1, a), do DL 57/2008; 5. artigos 3 (a) (d) © (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2), da L 24/96; 6. do artigo 11, da L 19/2012; 7. artigos 6, 7 (1) (2) e 8, da Directiva 2005/29/CE; 8. artigo 3, da Directiva 2006/114/CE; 9. artigos 2 (a) (b), 4 (1), da Directiva 98/6/CE; 10. artigo 102, do TFUE; C. especulou nos preços das embalagens de Chocolate preto, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g e chocolate de leite, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g na sua sucursal, localizada em Rua ..., ..., distrito ...; D. publicitou enganosamente o preço das embalagens de Chocolate preto, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g e chocolate de leite, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g , na sua sucursal localizada em Rua ..., ..., distrito ...; E. teve o comportamento supra descrito em qualquer um dos pedidos anteriores e que o mesmo é ilícito e 1. Doloso; ou, pelo menos, 2. Grosseiramente negligente; F. agiu com culpa e consciência da ilicitude no que respeita aos factos supra referidos, com os autores populares; G. com a totalidade ou parte desses comportamentos lesou gravemente os interesses dos autores populares, nomeadamente os seus interesses económicos e sociais, designadamente os seus direitos enquanto consumidores; H. causou e causa danos aos interesses difusos de protecção do consumo de bens e serviços, sendo a ré condenada a reconhecê-lo, e em consequência, de qualquer um dos pedidos supra, deve a ré ser condenada a: I. a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que lhes foram causados por estas práticas ilícitas, no que respeita ao sobrepreço, seja a título doloso ou negligente, em montante global: 1. a determinar nos termos do artigo 609 (2), do CPC; 2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; 3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal; J. subsidiariamente ao ponto anterior, ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos que resultou do sobrepreço causado pelas práticas ilícitas, em montante global: 1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4) do CC, determinado em 0,30 euros por cada embalagem de Chocolate preto, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g e chocolate de leite, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g , respectivamente vendida na sua sucursal, com estabelecimento localizado em Rua ..., ..., distrito ..., desde ../../2023, às 08h00, até, pelo menos, 04.07.2023, às 21h00; 2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelo sobrepreço; 3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal; K. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares pelos danos morais causado pelas práticas ilícitas, em montante global: 1. a fixar por equidade, nos termos do artigo 496 (1) e (4), do CC, mas nunca inferior a 0,30 euros por autor popular; 2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos morais; 3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal; L. ser a ré condenada a indemnizar integralmente os autores populares, in casu, todos os consumidores em geral, medidos por agregados familiares privativos, pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência, e montante global: 1. nos termos do artigo 9 (2), da lei 23/2018, ou por outra medida, justa e equitativa, que o tribunal considere adequada, mas nunca menos que 0,30 euros por autor popular, in casu, agregados familiares privativos; 2. acrescido de juros vencidos e que se vencerem, à taxa legal em vigor a cada momento, contados desde a data em que as práticas consideradas ilícitas foram praticadas até ao seu integral pagamento, tendo como base para o cálculo dos juros os valores que a ré for condenada a indemnizar os autores populares pelos danos de distorção da equidade das condições de concorrência; 3. e com método para determinação e distribuição de indemnizações individuais determinado pelo tribunal; M. ser a ré condenada a pagar todos os encargos que a autora interveniente tiver ou venha ainda a ter com o processo e com eventual incidente de liquidação de sentença, nomeadamente, mas não exclusivamente, com os honorários advocatícios, pareceres jurídicos de professores universitários, pareceres e assessoria necessária à interpretação da vária matéria técnica [tanto ao abrigo do artigo 480 (3), do CPC, como fora do mesmo preceito], que compreende uma área de conhecimento jurídico-económico complexa e que importa traduzir e transmitir com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para os autores e seu mandatário, de modo a que possam assim (e só assim) exercer eficazmente os seus direitos, nomeadamente de contraditório, e assim como os custos com o financiamento do litígio (litigation funding) que venha a ser obtido pela autora interveniente; N. porque o artigo 22 (2), da lei 83/95, estatui, de forma inequívoca e taxativa, que deve ser fixada uma indemnização global pela violação de interesses dos titulares ao individualmente identificados, mas por outro lado é omissa sobre quem deve administrar a quantia a ser paga, nomeadamente quem deve proceder à sua distribuição pelos autores representados na acção popular, vêm os autores interveniente requerer que declare que EMP01..., agindo como autora interveniente neste processo e em representação dos restantes autores populares, têm legitimidade para exigir o pagamento das supras aludidas indemnizações, incluindo requerer a liquidação judicial nos termos do artigo 609 (2), do CPC e, caso a sentença não seja voluntariamente cumprida, executar a mesma, sem prejuízo do requerido nos pontos seguintes. Subsidiariamente, e nos termos do §4 (m): O. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, subsidiariamente, para o caso de não se aplicar nenhum dos casos supra, deve ser considerado mediante o instituto do enriquecimento sem causa e em face do elevado número de processos judiciais intentados pela a aqui autora e a complexidade dos mesmos, provocados pelas várias excepções invocadas pelos réus nesses processos, e a necessidade de obter consultoria jurídica e pareceres de professores catedráticos, a autora encontra-se neste momento a negociar o financiamento de vários litígios, incluindo o presente, com AA. Assim que a autora tiver celebrado o contrato de financiamento do presente litígio, informará o processo das condições do mesmo. Os autores populares indemnizados pelo sobrepreço cobrado, tal como sustentando em § 4 (m) supra. Em qualquer caso, deve: P. o comportamento da ré, tido com todos os autores populares e descritos no §3, sempre deve ser considerado com abuso de direito e, em consequência, paralisado e os autores populares indemnizados por todos os danos que tal comportamento lhes causou; requer-se ainda que Vossa Excelência: Q. decida relativamente à responsabilidade civil subjectiva conforme § 15, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; R. decida relativamente ao recebimento e distribuição da indemnização global nos termos do § 16, apesar de tal decorrer expressamente da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido; S. seja publicada a decisão transitadas em julgado, a expensas da ré e sob pena de desobediência, com menção do trânsito em julgado, em dois dos jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados, apesar de tal decorrer expressamente do artigo 19 (2), da lei 83/95, sem necessidade de entrar no pedido, e com o aviso da cominação em multa de € 100.000 (cem mil euros) por dia de atraso no cumprimento da sentença a esse respeito; T. declare que a autora interveniente tem legitimidade para representar os consumidores lesados na cobrança das quantias que a ré venha a ser condenada, nomeadamente, mas não exclusivamente, por intermédio da liquidação judicial das quantias e execução judicial de sentença; U. declare, sem prejuízo do pedido imediatamente anterior, que a ré deve proceder ao pagamento da indemnização global a favor dos consumidores lesados directamente à entidade designada pelo tribunal para proceder à administração da mesma tal como requerido em infra em §16, fixando uma sanção pecuniária compulsória adequada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) por cada dia de incumprimento após o trânsito em julgado de sentença que condene a ré nesse pagamento; V. declare uma remuneração, com uma taxa anual de 5 % sobre o montante total da indemnização global administrada, mas nunca inferior a € 100.000 (cem mil euros) nos termos do requerido infra em §16, a favor da entidade que o tribunal designar para administrar as quantias que a ré for condenada a pagar; W. declare que a autora interveniente tem direito a uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de procuradoria, relativamente a todos os custos que teve com a presente acção, incluindo honorários com todos os serviços prestados, tanto de advogados, como de técnicos especialistas, como com a obtenção e produção de documentação e custos de financiamento e respectivo imposto de valor acrescentado nos termos dos artigos 21 e 22 (5), da lei 83/95, sendo tais valores pagos exclusivamente daquilo que resultarem dos montantes prescritos nos termos do artigo 22 (4) e (5), da lei 83/95. X. declare a autora interveniente isenta de custas; Para tanto “dirige a acção” contra a “sucursal da ré localizada na Rua ..., em ...”, a quem imputa a venda ao público, na loja do EMP02... localizada em Rua ..., ..., distrito ..., de embalagens de Chocolate preto, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g e chocolate de leite, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g por um preço superior ao preço que constava dos letreiros por si elaborados, desde ../../2023, às 08h00, até, pelo menos, 31.07.2023, às 21h00. Foi proferido despacho a ordenar a citação da ré, bem como a citação dos titulares dos interesses em causa na presente acção e que não sejam intervenientes para os efeitos do art. 15º da Lei nº 83/95 de 31 de Agosto, e ainda a citação do Ministério Público para os efeitos do art. 16º da Lei nº 83/95 de 31 de Agosto. EMP02..., S.A. apresentou contestação, na qual invocou, entre outras excepções, a incompetência do Tribunal (juízo central cível) em razão da matéria e do território, alegando que é competente o juízo local cível de Lisboa. A autora veio requerer a intervenção provocada da seguradora com quem a ré terá contratado um seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir os riscos associadas à sua actividade. A ré EMP02... veio apresentar a sua oposição a essa intervenção principal provocada. A 6.12.2023 foi proferido despacho a mandar notificar a autora para que, querendo, se pronuncie quanto às excepções que foram invocadas pela ré na contestação, e ainda a mandar notificar autora e ré para que, querendo, se pronunciem quanto à excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré, porquanto a autora intentou a presente acção afirmando expressamente que era demandada a sucursal da ré na Rua ..., em ..., e afigura-se-nos que nesta cidade existe apenas um estabelecimento comercial que não tem personalidade judiciária. A autora veio apresentar a sua resposta às excepções, e procedeu ainda à ampliação do pedido, alterando a causa de pedir. No que se refere à falta de personalidade judiciária, afirma: “Vossa Excelência concedeu a faculdade às partes para se pronunciarem sobre a falta de personalidade judiciária da ré. Tal questão já está tratada nos §§29 e 30 da petição inicial, que aqui se dão como reproduzidos por uma questão de proficiência. No entanto, importa tratar esta questão, perante a factualidade confessa pela ré e até agora desconhecida pelos autores, nomeadamente a que consta nos artigos 31 e 32 da douta contestação e que leva a concluir que os ilícitos foram cometidos na sede da ré e não na sucursal em questão. Isto porque, apesar da sucursal em questão, embora não tenha personalidade jurídica, adquire a personalidade judiciária para efeitos de poder ser demandada quando a acção proceda de facto por ela praticado [cf. artigo 13 (1), do CPC]. Ora, a autora imputou à sucursal da ré os factos ilícitos que dão causa ao pedido, o que por si só, faria com que a sucursal ré adquirisse tal personalidade judiciária – não podendo então proceder a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré. Mas uma vez verificando-se que tais factos ilícitos não foram praticados pela aludida sucursal, a previsão do artigo 13 (1), do CPC já não pode operar. Assim, sem dúvida, face a factualidade confessa pela ré, verificasse a falta de personalidade judiciária da sucursal. No entanto, a mesma pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado (cf. artigo 14, do CPC), o que, desde já se requer, caso Vossa Excelência entenda que a sucursal em questão não pode ser demandada por inaplicabilidade do artigo 13, do CPC – como se julga acontecer perante a confissão da ré. Nos termos ex vi supra e nos demais de direito, que Vossa Excelência doutamente suprirá, deve ser aceite a resposta às excepções supra, assim como a impugnação dos factos supra indicados, a confissão dos artigos 31 e 32 da douta contestação e, por fim, caso Vossa Excelência entenda que a sucursal em questão não pode ser demandada por inaplicabilidade do artigo 13, do CPC, deve a falta de personalidade judiciária da sucursal ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado (cf. artigo 14, do CPC). A ré pronunciou-se igualmente quanto à sua “evidente falta de personalidade judiciária”, e respondeu à ampliação do pedido e da causa de pedir, opondo-se à mesma. Afirmou o seguinte: “1. Como já ficou esclarecido – inclusive, pela própria Autora, na sua petição – a Ré é uma sociedade comercial em nome colectivo, com sede na Rua ..., ..., no ..., em .... 2. Recuperando factos já expostos pela Ré, em 1995, a mesma inaugurou as suas primeiras 13 lojas em Portugal. 3. Ao dia de hoje, ascende as 270 lojas, de norte a sul do país, e quatro regionais. 4. Assim, a Ré tem uma rede de lojas implementadas a nível nacional, unidades que não consubstanciam qualquer órgão de gestão ou representação local da Ré. 5. Lojas essas que não consubstanciam, assim, sucursais. 6. Não têm qualquer autonomia, designadamente, em matéria de gestão de preços. 7. Uma vez que todas as lojas: (1) têm o mesmo NIPC; e (2) não estão registadas como sucursais. 8. No cumprimento do exigido pelo artigo 4.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, vem estipular o art. 171.º, n.º 3 do mesmo Código que as Sucursais de Sociedades com sede no estrangeiro devem indicar, de entre outros elementos, “a conservatória do registo onde se encontram matriculadas e o respectivo número de matrícula nessa conservatória”. 9. Desse extracto da matrícula, nos termos do artigo 8.º do Regulamento do Registo Comercial, consta, de entre outros, “o número de matrícula, que corresponde ao número de identificação de pessoa colectiva ou entidade equiparada (NIPC) da entidade sujeita a registo, e a conservatória detentora da pasta desta última”. 10. Não existe este registo para um qualquer estabelecimento que não o da sede, que consubstancia, esse sim, a sucursal da multinacional EMP02... em Portugal. 11. Acresce a isso o facto de que todos os serviços da Ré e correspondentes órgãos de decisão, se localizarem na sede da Ré, conforme profusamente alegado em sede de contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 12. Como já alegado nos presentes autos, a realização de promoções e fixação de preços de venda ao público é, assim, decidida pelos órgãos que exercem a sua actividade na sede. 13. As lojas não têm qualquer autonomia para decisões relativas aos preços dos bens, essa é uma atribuição exclusiva dos serviços prestados na sede. E mais, 14. Os contratos de compra e venda celebrados entre a Ré e seus clientes, em que a Autora vem basear a sua pretensão, tem como elemento essencial os preços praticados pela Ré, que foram fixados pela Ré, mas na sua sede. 15. A presente acção foi movida contra uma dessas referidas lojas – concretamente contra o estabelecimento comercial, sito na Rua ..., ..., no distrito .... 16. Entende bem o douto Tribunal, no despacho a que respondemos, que se afigura que nessa localização apenas existe um “estabelecimento comercial que não tem personalidade judiciária”. Foi então, em 15.1.2024, proferida sentença, com o seguinte teor: “Incompetência em razão da matéria e do território A ré veio invocar a incompetência deste juízo central cível em razão da matéria e do território alegando que é competente o juízo local cível de Lisboa. A competência do tribunal é determinada em função dos termos em que o autor define a acção, devendo atender-se para este efeito à causa de pedir e aos pedidos que são formulados. A este propósito pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2023, de acordo com o qual ‘a competência jurisdicional é aferida em relação ao objecto do processo – pedido e causa de pedir – apresentado pelo autor, valendo essa aparência como realidade para o efeito de se determinar se o tribunal é ou não dotado de competência’. Nos termos do art. 81º nº 2 do Cód. De Processo Civil, sendo a ré uma sociedade, pode ser demandada no tribunal da sede da sua administração principal ou no da sede da sucursal, agência, filial, delegação ou representação, conforme a acção seja dirigida contra aquela ou contra estas. A autora estruturou a presente acção por forma a ser enquadrada neste preceito. Por um lado, afirmou expressamente que estava a demandar a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., e não a sociedade comercial. Por outro lado, acrescentou, também expressamente, que os factos que consistem na causa de pedir foram praticados pela sucursal. No que respeita à incompetência em razão da matéria, pese embora seja uma acção popular, a presente acção segue os termos da acção declarativa com processo comum, o que determina a competência deste tribunal (art. 12º nº 2 da Lei nº 83/95 de 31 de Agosto, art. 546º nº 1 e 2 do Cód. De Processo Civil e art. 117º nº 1 al. a) da Lei nº 62/2013 de 26 de Agosto). Pelo exposto, decido julgar improcedentes as excepções de incompetência deste juízo central cível em razão da matéria e do território que foram invocadas pela ré. O tribunal é competente em razão da hierarquia. O processo é o próprio. Ineptidão da petição inicial A ré veio invocar a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa pedir porque atendendo ao que foi alegado pela autora não é possível determinar quais os factos em que fundamenta os pedidos que formulou e quando ocorreram estes factos. A petição inicial é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação da causa de pedir ou do pedido, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (art. 186º nº2 do Cód. De Processo Civil). A ineptidão da petição inicial tem como consequência a nulidade de todo o processo e a absolvição do réu da instância (art. 186º nº1, 576º nº1 e 2 e 577º al. b) do Cód. De Processo Civil). Estando em causa uma sanção tão gravosa, compreende-se que não seja suficiente uma qualquer imperfeição da petição inicial para que se conclua pela sua ineptidão. Esta sanção foi seguramente reservada pelo legislador para situações de tal forma graves que não permitem o aproveitamento de qualquer acto, nem mesmo do articulado que deu início ao processo (art. 259º nº1 do Cód. De Processo Civil). Neste sentido pode ver-se ANTUNES VARELA para quem a petição inicial é inepta se ‘contiver deficiências de carácter substancial que, irremediavelmente, comprometam a sua finalidade’. No caso dos autos, entendemos que não se verifica este circunstancialismo. A petição inicial contém lapsos de escrita que, ao que tudo indica, resultam de não terem sido alteradas partes relativas a outra acção idêntica que foi intentada pela autora. Todavia, pese embora estes lapsos, é possível compreender que a autora fundamenta os pedidos que formulou no facto de a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., ter comercializado embalagens de chocolate preto e chocolate de leite a um preço superior ao que estava anunciado para os clientes e que esta situação ocorreu pelo menos entre os dias 25 e 31 de Julho de 2023. Pelo exposto, decido julgar improcedente a nulidade de ineptidão da petição inicial que foi invocada pela ré. O processo não enferma de nulidades que o invalidem de todo. Falta de personalidade judiciária A autora intentou a presente acção contra a sucursal da ré localizada na Rua ..., em .... O art. 13º nº 1 do Cód. De Processo Civil reconhece a personalidade judiciária das sucursais, agência, filiais, delegações ou representações quando a acção proceda de facto por elas praticado. As sucursais consistem numa forma local de representação de uma sociedade (empresa matriz). O estabelecimento comercial consiste numa organização complexa de elementos corpóreos e incorpóreos (factores de produção) destinada ao exercício de uma actividade económica. Tal como acontece com o estabelecimento comercial, as sucursais dispõem de um conjunto de elementos destinados ao exercício da sua actividade, mas caracterizam-se por terem uma ampla autonomia. As sucursais têm liberdade de gestão e actuação, sendo referidas habitualmente como um centro autónomo de negócios e uma sede secundária da sociedade. Existe ainda outro aspecto em que o estabelecimento comercial se distingue das sucursais. A finalidade do estabelecimento comercial consiste na captação de clientes. É para conseguir mais clientes que é constituído um estabelecimento comercial ou, inclusivamente, um conjunto de estabelecimentos comerciais. Por seu lado, a finalidade das sucursais consiste na representação da sociedade. A sociedade constitui uma ou várias sucursais para estar melhor representada numa determinada área geográfica, atribuindo-lhes a exploração do seu negócio nessa área. Transpondo estes princípios para o caso dos autos, entendemos que não existe uma sucursal da ré na cidade .... É do conhecimento público (facto notório) que a ré dispõe de uma rede de estabelecimentos comerciais que cobre a totalidade do território nacional. Esta rede nada tem a ver com a representação da sociedade, mas apenas com a captação de clientes. É por este motivo que a ré dispõe de mais do que um estabelecimento comercial na mesma cidade, como acontece em ..., o que seria incompreensível se estivesse em causa uma forma local de representação. Acresce que os estabelecimentos comerciais da ré não têm liberdade de gestão e actuação e não podem ser considerados centros autónomos de negócios. A forma de actuação da ré é definida centralmente. Os estabelecimentos comerciais não têm liberdade para a fixação dos preços, não contratam com fornecedores, não podem contratar trabalhadores e não têm autonomia financeira, estando, pelo contrário, sujeitos a uma obrigação de reporte em relação à ré. Finalmente, não pode afirmar-se que os estabelecimentos comerciais da ré dispõem de uma administração própria, mas apenas, como acontece habitualmente em situações idênticas, de uma direcção de loja. Esta direcção é responsável por garantir o funcionamento diário do estabelecimento comercial e não por tomar decisões relativamente à sua gestão. Estando em causa um estabelecimento comercial verifica-se a falta de personalidade judiciária, porquanto, ao contrário do que acontece com as sucursais nas circunstâncias previstas no art. 13º nº 1 do Cód. De Processo Civil, os estabelecimentos comerciais não têm personalidade judiciária e não podem demandar ou ser demandados. A falta de personalidade judiciária das sucursais pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou a repetição do processo (art. 14º do Cód. De Processo Civil). Entendemos que este regime não deve ser aplicado nos presentes autos. Com efeito, não se verifica a mera falta de personalidade judiciária pela inexistência de uma sucursal da ré. O que ocorre é uma situação distinta e bem mais gravosa em que a autora estruturou toda a acção (incluindo para o efeito da competência do tribunal) com base no entendimento de que existia uma sucursal da ré e que era esta sucursal que pretendia demandar, afirmando expressamente que não estava a demandar a sociedade. A substituição da sucursal pela administração principal da sociedade significava não apenas uma alteração formal da demandada, mas uma substituição da acção por outra que a autora afirmou com toda a clareza que não correspondia ao que pretendia. A falta de personalidade judiciária consiste numa excepção dilatória que é de conhecimento oficioso e implica a absolvição da instância (art. 576º nº 1 e 2, 577º al. c) e 578º do Cód. De Processo Civil). Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré e, em consequência, absolvo-a da instância. Custas a cargo da autora, fixando-se o seu montante em um décimo das custas que normalmente seriam devidas (art. 20º nº3 da Lei nº83/95 de 31 de Agosto). Registe e notifique”. Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil). Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1. Os autores interpõem recurso de apelação nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 644 (1,a) e 647 (1), todos do CPC, por terem legitimidade para tal e estarem em tempo de o fazer (cf. artigo 638, do CPC), por não se conformarem com a decisão proferida e ora recorrida e com a mesma discordarem. 2. O tribunal a quo decidiu verificar a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré e, em consequência, absolver a mesma da instância e não condenou a ré como litigante de má-fé, tal como requerido pelos autores. 3. A acção foi proposta contra a sociedade EMP02..., com personalidade jurídica e judiciária claramente estabelecida. 4. No entanto, a demanda é movida especificamente contra uma sucursal da aludida sociedade localizada em ..., sendo tal distinção feita no sentido de determinar a competência territorial do tribunal, tendo em conta o local onde ocorreu o facto ilícito. 5. De acordo com a doutrina citadas supra em §6, uma sucursal é caracterizada pela ausência de personalidade jurídica própria e por uma certa autonomia de gestão. Esta autonomia, contudo, não a torna um sujeito jurídico independente, sendo apenas um órgão de administração local da sociedade-mãe. 6. A sucursal em questão, pertencente à EMP02..., cumpre esses critérios, operando com instalações próprias e uma certa autonomia, sob a direcção da sociedade-mãe. 7. Apesar de não possuir personalidade jurídica própria, as sucursais possuem personalidade judiciária, quando a acção derive de facto praticado por estas, nos termos do artigo 13 (1), do CPC. 8. A jurisprudência, principalmente dos tribunais administrativos e fiscais, bem como dos judiciais, tem consistentemente reconhecido as sucursais como entidades sem personalidade jurídica própria, mas com capacidade para actuar judicialmente, interpretação aplicável ao estabelecimento comercial da EMP02... em questão. 9. Se, porventura, a sucursal em ... não existir de facto, a demanda recai sobre a sociedade EMP02..., identificada na petição inicial. 10. Nesse caso, a acção deve prosseguir contra a ré perfeitamente identificada no formulário. 11. O termo sucursal não tem uma definição jurídica precisa, por inexistir uma norma que o imponha de forma geral, sem prejuízo do disposto no artigo 2-A (a), decreto-lei 298/92, do regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiros, que impõe uma interpretação sistemática [cf. artigo 9 (1), do CC], na busca dessa definição. 12. No entanto, como sustenta a doutrina e a jurisprudência supracitada, uma sucursal é caracterizada por não possuir personalidade jurídica própria, mas ter autonomia de gestão – embora a determinação da autonomia de uma sucursal seja complexa, pois envolve mais questões económicas do que jurídicas. 13. Mas para se chegar ao núcleo da questão, uma sucursal é aquele estabelecimento comercial, como o da ré, que conta com instalações fixas, é gerida por alguém com poder de representar a empresa ou seu proprietário perante terceiros, tem clientela própria. 14. Ou seja, uma sucursal funciona, tal como é o caso nos autos, como um estabelecimento distinto dentro da sociedade mãe. 15. Ou seja, tal como acontece nos presentes autos, a sucursal é, em essência, um estabelecimento secundário, pertencentes a entidades com personalidade jurídica, e que actuam no mesmo ramo que o estabelecimento principal, contribuindo para a expansão da actividade económica deste. 16. São estabelecimentos que, desenvolvendo a actividade principal da sociedade mãe, preservam os valores e a imagem já estabelecidos pela organização original. 17. O tribunal a quo não condenou a ré, ora apelada, como litigante de má-fé, apesar de, no entender dos autores, tal má-fé ser manifesta e evidente. 18. A ré, ao impugnar factos verdadeiros dos quais tinha conhecimento e posse de documentos que os provavam, demonstrou uma clara intenção de agir de má-fé, violando os deveres de verdade e cooperação processual. Configurando a conduta num verdadeiro venire contra factum proprium. 19. As alegações da ré nos artigos 175, 182, 185, 187, 195, 201, 203, 260 e 261 de sua contestação são desprovidas de fundamento e contraditas por documentos juntos aos autos e também na posse da ré, ora apelada, porquanto foi esta que lhes deu origem. 20. A ré, ao impugnar factos verdadeiros e tentar alterar a narrativa dos eventos, visou influenciar indevidamente a decisão do julgador, prejudicando a justiça e aumentando o trabalho das partes e do tribunal. 21. O comportamento processual da ré, além de censurável, teve o potencial de prejudicar a correcta apreciação dos factos, obrigando os autores a apresentar provas adicionais para contrariar as falsidades alegadas pela ré. 22. A conduta da ré enquadra-se nas situações descritas nas alíneas (a), (b) e (c) do artigo 542 (2) do CPC, justificando a sua condenação como litigante de má-fé. 23. A ré deve ser condenada ao pagamento de uma multa a favor do tribunal e de uma indemnização aos autores, para cobrir honorários de mandatário e demais prejuízos causados pela sua conduta de má-fé, conforme estipulado pelos artigos 542 e 543 do CPC. 24. O valor da indemnização deve ser determinado segundo o prudente arbítrio do tribunal, respeitando o mínimo de cinco mil euros, conforme o artigo 543 (1) (2) do CPC, sendo os honorários pagos directamente ao mandatário dos autores, em conformidade com o artigo 543 (3) do mesmo código. Termos em que, ex vi do alegado supra, os apelantes rogam a Vossas Excelências, Venerandos(as), Senhores(as), Juízes(as) Desembargadores(as), que o presente recurso de apelação seja considerado meritoriamente procedente. Consequentemente, impõe-se a revogação da douta sentença exarada pelo tribunal a quo, com especial ênfase na não subsistência da excepção dilatória da falta de personalidade judiciária da ré. Deve ainda a ré, ora apelada, ser condenada como litigante de má-fé nos termos peticionados. A recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: d. O Tribunal a quo decidiu pela procedência da excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da Ré, aqui Recorrida, por esta se tratar de um mero estabelecimento comercial e não de uma sucursal, absolvendo-a da instância. II. Entende a Recorrente, que a decisão em causa incorre em erro de aplicação e interpretação das normas que respaldam a decisão e na omissão de outras que caberiam na boa decisão do caso, quer quanto à verificação da excepção dilatória da falta de personalidade judiciária, quer quanto à ausência de pronúncia relativa ao pedido de condenação em litigância de má-fé da Ré. III. Carece de fundamento legal a alegação da Recorrente. IV. A Recorrente defende que: (i) acção foi intentada contra a sociedade EMP02... e apenas movida contra a sua sucursal; (ii) o estabelecimento comercial de ... deve ser qualificado como uma verdadeira sucursal; e (iii) que a omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação em litigância de má-fé tem por efeito prático considerar-se “a mesma não verificada”, o que implica o decaimento nesse pedido, sendo assim passível recorrer do mesmo. V. Ao alegar que a acção foi primariamente intentada contra a Sociedade EMP02..., mas movida contra a sua sucursal, a Recorrente pretende apenas confundir o Tribunal ad quem ao utilizar diferentes conceitos para se referir a uma mesma realidade. VI. Se os presentes autos são propostos contra a alegada sucursal e se os factos narrados pela Autora foram praticados pela alegada sucursal, não restam dúvidas de que a relação controvertida, tal como configurada pela Autora, é estabelecida com a alegada sucursal, o que implica que foi o estabelecimento comercial a ser demandado e não a sociedade. VII. O Tribunal a quo, ao optar pela não aplicação do regime da sanação do pressuposto de personalidade judiciária, previsto no artigo 14.º do CPC, por não se verificar a mera falta de personalidade judiciária pela inexistência de uma sucursal da Ré, mas sim “uma situação bem mais distinta e gravosa em que a autora estruturou toda a acção com base no entendimento de que existia uma sucursal e que era esta sucursal que pretendia demandar, afirmando expressamente que não estava a demandar a sociedade”, evidencia a verdadeira pretensão da Autora. VIII. A doutrina e a jurisprudência de que se socorre a Recorrente não contribuem com elementos passíveis de afastar o entendimento já defendido pela Recorrida em sede de contestação, nem tão pouco o entendimento sufragado na sentença objecto do presente recurso. IX. Como bem refere um dos Acórdãos citados pela Recorrente, uma “sucursal analisa-se mediante a reunião de dois requisitos: ausência de personalidade jurídica e autonomia de gestão”. X. Como identificou o Tribunal a quo na sentença recorrida, existem duas diferenças essenciais entre um estabelecimento comercial e uma sucursal – sendo a primeira a circunstância de as sucursais terem “liberdade de gestão e actuação, sendo referidas habitualmente como um centro autónomo de negócios e uma sede secundária da sociedade” e a segunda, a finalidade do estabelecimento ser a captação de clientes, já a da sucursal a representação da sociedade. XI. Ao transpor a aplicação destes critérios ao caso dos autos, concluiu o Tribunal, correctamente, não estar perante uma sucursal da Ré. XII. A finalidade dos estabelecimentos comerciais da Recorrida é a captação de clientes, como resulta evidente da sua rede de lojas que cobre todo o território nacional. XIII. Os estabelecimentos da Ré não têm qualquer liberdade de gestão e actuação que permita a sua qualificação como centros autónomos de negócio, muito menos administração própria. XIV. Da interpretação conjugada dos artigos 4.º, n.º 1 e 171.º. n.º 3, ambos do Código das Sociedades Comerciais, com o artigo 8.º do Regulamento do Registo Comercial, resulta que cada sucursal é identificada por um número de matrícula, constante do registo, que corresponde ao NIPC dessa mesma entidade. XV. Ao analisar as informações relativas a cada um dos estabelecimentos comerciais da Recorrida, o que se verifica é que não existe esse registo para um qualquer estabelecimento, além do da sede. XVI. Todos os serviços e órgãos de decisão da Recorrida estão localizados na sua sede. XVII. Os estabelecimentos comerciais da Recorrida dispõem apenas de uma direcção de loja, cuja competência é a de garantir o funcionamento diário do mesmo. XVIII. A sede da Recorrida é dotada de atribuição exclusiva para estabelecer todas as decisões quanto aos preços dos bens vendidos nos estabelecimentos comerciais, onde se incluem, obviamente, a realização de promoções e fixação de preços, a contratação de fornecedores, de trabalhadores e todas as decisões financeiras – elementos correspondentes à base de toda a pretensão da Autora. XIX. O estabelecimento comercial em causa não constitui nem pode ser qualificado como uma sucursal. XX. Da interpretação dos artigos 11.º, 12.º e 13.º do CPC, extrai-se a conclusão de que os estabelecimentos comerciais, ao contrário das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações, não têm personalidade judiciária. XXI. A ausência de personalidade judiciária consubstancia, pois, a verificação de uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância, nos termos dos artigos 577.º, al. c) e 278.º, n.º 1, al. c) e n.º 3 do CPC. XXII. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de condenação em litigância de má-fé, por não ser este o momento adequado para decidir tal questão. XXIII. É entendimento consolidado na nossa jurisprudência que o “momento processual adequado a inserir a decisão judicial quanto à questão da litigância de má-fé oficiosamente apreciada ou sob solicitação de uma das partes (…) será a sentença final ou qualquer outra decisão que ponha termo ao processo, como ocorre com o despacho saneador-sentença; no entanto, o juiz pode e deve deixar para depois da sentença a fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na altura da sentença, não disponha dos elementos necessários à sua determinação (art. 543º, n.º 3 do CPC)” – como assim entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.10.2018, do processo n.º 27/15.8T8TMC.G1. XXIV. Assim também o entendeu, a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.27.2023, processo n.º 58145/22.2YIPRT-A.P1: “A circunstância de o legislador ter sentido a necessidade de prever expressamente a possibilidade de se relegar para momento posterior à sentença a determinação da indemnização revela que a regra é que essa determinação ocorra na própria sentença, regra igualmente aplicável, sem aquela excepção, à condenação e à determinação da respectiva multa”. XXV. Em todo o caso, sempre se dirá que o fundamento invocado pela Recorrente para pedir a condenação da Recorrida como litigante de má-fé é, nesta fase de recurso e atento o objecto do mesmo, manifestamente extemporâneo. XXVI. O pedido de condenação da Recorrida como litigante de má-fé sustentado com os fundamentos alegados pelos Recorrentes não pode proceder, desde logo por prematuramente deduzido. Também o Ministério Público respondeu, dizendo o seguinte: O Ministério Público, não sendo parte principal na acção (Lei n.º 83/95, de 31/08), mas notificado das brilhantes alegações de recurso dos Autores EMP01... e Autores Populares, vem apresentar o PARECER seguinte: d. Não foram invocadas nulidades, a legalidade não foi posta em causa, o que ao contrário, mereceria, por vocação estatutária, a nossa especial atenção; II. Antes da publicação da Lei nº 83/95 de 31/9 discutia-se o âmbito dos direitos difusos e da legitimidade processual para os defender e disso são exemplo os vários estudos publicados na Revista do Ministério Público, Direitos Fundamentais do Cidadão – Da Lei À Realidade – III Congresso do MP – 1990 – Caderno n. 5, pág. 183 e ss, da autoria de João Pereira Reis- Direito Ao Ambiente – Interesse Difuso ou Direito Subjectivo, pág. 183 e ss; Carlos Lopes Rego – Reflexos Imediatos da Consagração Constitucional Do Direito De Acção Popular No Âmbito Da Jurisdição Civil, pág. 203 e ss; José Manuel Meirim, A Tutela Dos Interesses Difusos – A Acção Popular e o Papel Do Ministério Público, pág. 209 e ss e. João Correia –Interesses Difusos e legitimidade Processual, pág.223 e ss); III. Deles se destaca o artigo do Dr. João Correia, que então definia já os interesses difusos como “aqueles interesses ou situações jurídicas que pertencem com a mesma identidade, a uma pluralidade de sujeitos, determinável ou indeterminável, eventualmente unificada mais ou menos estreitamente com uma colectividade e que têm por objecto bens não susceptíveis de apropriação exclusiva”; IV. Há ainda a salientar um importante artigo sobre esta matéria de autoria de Luís Filipe Colaço Antunes, proferido escrito por ocasião do Seminário sobre a Tutela dos Interesses Difusos e o Acesso ao Direito e à Justiça levado a cabo nos dias 17 a 19 de Janeiro de 1990 e que se encontra publicado em Textos do Ambiente do Centro de Estudos Judiciários; V. Na Constituição da República Portuguesa, no capítulo II respeitante a Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política encontra-se no seu artº 52º nº 3-a) (redacção dada pela Revisão Constitucional de 1997 que alterou este nº 3) consignado o seguinte: “É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do património cultural. b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das Regiões autónomas e das autarquias locais.”; VI. Há que referir antes demais que esta redacção do nº 3 do artigo 52º da Constituição da República Portuguesa harmonizou-se com o texto da Lei da Acção Popular que entretanto havia sido publicada em 1995-Lei nº 83/95 de 31/9, pois que antes a Constituição referia na sua versão anterior (revisão de 89), apenas a saúde pública, a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural e concedia o direito de acção a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa; VII. A Lei de acção popular estendeu a legitimidade às fundações e refere também o domínio público e o consumo de bens e serviços; VIII. Citando agora GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA na sua CRP anotada, 3ª edição-1993, pág. 281, a que também se refere o Acórdão do STJ de 23.09.1997-Proc. 97B50, em que se apoia o presente recurso (Acórdão esse transcrito em texto integral na Base de dados da dgsi-JSTJ) diremos que a abertura da acção popular, nos termos e com a extensão prevista no nº3 (mesmo com a anterior redacção), fazem desta norma uma das mais importantes conquistas processuais para a defesa de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados; IX. Embora na data em que foi feita esta anotação (1993) pelos referidos autores não estivesse, como se disse, consagrada ainda a regulamentação da acção popular, já os mesmos a admitiam, conforme as situações constante da nota nº VIII, o que não importa aqui agora considerar. E definiam os mesmos autores que “O objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos”; X. Porém, em virtude do feixe de interesses que converge ou pode convergir sobre determinado bem, dizem estes autores que há que distinguir: 1- O interesse individual, isto é, o direito subjectivo ou interesse específico de um indivíduo; 2- O interesse público ou interesse geral, subjectivado como interesse próprio do Estado e dos demais entes territoriais, regionais e locais; 3- O interesse difuso, isto é, a refracção em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada; 4- O interesse colectivo, isto é, o interesse particular comum a certos grupos e categorias. E concluem que “A acção popular tem sobretudo incidência na tutela de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses”. XI. No âmbito de acções populares, o Ministério Público é titular da legitimidade activa e dos poderes de representação e de intervenção processual que lhe são conferidos por lei, podendo substituir-se ao autor em caso de desistência da lide, bem como de transacção ou de comportamentos lesivos dos interesses em causa (artigo 16.º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto); XII. Ora no caso concreto, como não se verifica “desistência da lide, bem como de transacção ou de comportamentos lesivos dos interesses em causa”, não opera, portanto, para este incidente recursivo, a sobredita substituição processual; XIII. O objecto da acção popular é, antes de mais, a defesa de interesses difusos, pois sendo interesses de toda a comunidade, deve reconhecer-se aos cidadãos uti cives e não uti singuli, o direito de promover, individual ou associadamente, a defesa de tais interesses; XIV. Tais interesses, enumerados no n.º 3 do artigo 52.º da Constituição, no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 83/95; XV. E assim, a atribuição da legitimidade popular implica um significativo reforço do papel dos tribunais na tutela dos direitos difusos, pois quando essa mesma legitimidade é atribuída a cidadãos e a organizações, o tribunal tem de verificar a adequação da representação reclamada, que se regista neste caso; XVI. Além de que, não pode o interesse difuso ser confundido com qualquer outro interesse, como seja, o interesse público; XVII. Apesar de alguma coincidência, os interesses públicos são os interesses gerais de uma colectividade e os interesses difusos são aferidos pelas necessidades efectivas que por eles são ou deviam ser satisfeitas aos membros de uma colectividade; XVIII. Está em causa a defesa de interesses difusos, porque atinentes à colectividade em geral; XIX. O conceito de interesses difusos reconduz-se a interesses sem titular determinável, meramente referíveis, na sua globalidade, a categorias indeterminadas de pessoas; XX. Uma acção popular tem necessariamente por objecto – conformado pelo pedido e causa de pedir – interesses difusos em sentido amplo, aqui se incluindo quer os interesses difusos stricto sensu, quer os interesses colectivos, quer ainda os respectivos interesses individuais homogéneos (cfr. Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12.01.2023, votado por unanimidade, processo 3114/22.2T8OER.L1-2, Relator: Exma. Sr.ª Desembargadora, Dr.ª Laurinda Gemas, in dgsi.pt); XXI. Neste caso, s.m.o. considera-se a situação suficientemente caracterizada de facto, de modo a fazer corresponder a realidade existente ao âmbito da previsão das normas legais ou regulamentares alegadamente violadas em termos que se projectam para os cidadãos e a colectividade em geral; XXII. Donde, o Ministério Público pronuncia-se no sentido da não oposição ao pedido dos Autores; XXIII. Com efeito, os Autores identificaram expressamente a parte passiva como uma entidade dotada de personalidade judiciária, pelo que terá de se concluir que a mesma não carece da apontada falta do pressuposto essencial, pois que, não há dúvida razoável de saber contra quem pretende propor a acção (artigos 5.º, n.º 2, 6.º e 7.º do Código Processo Civil). II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber: a) se foi correcta a decisão que absolveu da instância a ré, por falta de personalidade judiciária; b) se deve a ré ser condenada por ter litigado de má-fé; III Conhecendo do recurso. Quem intenta uma acção judicial começa necessariamente por delinear a sua estratégia. Isso passa por saber, em primeiro lugar, quem vai demandar, em segundo lugar, o que vai pedir ao Tribunal, e em terceiro, apresentar as razões que fundamentam a pretensão. Tratando-se de um raciocínio estratégico, todos os seus elementos estão interligados, pois todos confluem na busca do mesmo objectivo, a obtenção do efeito jurídico pretendido. Ora, a sentença recorrida considerou que a acção foi intentada contra a sucursal da ré localizada na Rua ..., em .... Na base dessa constatação, o Tribunal recorrido concluiu que estando em causa um estabelecimento comercial, verifica-se a falta de personalidade judiciária, porquanto um estabelecimento comercial não pode demandar ou ser demandado. A autora não concorda, e interpôs o presente recurso, no qual afirma o seguinte: “que a acção foi proposta contra a sociedade EMP02..., com personalidade jurídica e judiciária claramente estabelecida. No entanto, a demanda é movida especificamente contra uma sucursal da aludida sociedade localizada em ..., sendo tal distinção feita no sentido de determinar a competência territorial do tribunal, tendo em conta o local onde ocorreu o facto ilícito. (…) Se, porventura, a sucursal em ... não existir de facto, a demanda recai sobre a sociedade EMP02..., identificada na petição inicial. Nesse caso, a acção deve prosseguir contra a ré perfeitamente identificada no formulário”. Vejamos o que se passa. d. No formulário do sistema Citius a ré surge indicada como “EMP02...”, com sede na “Rua ..., ..., ..., ..., Distrito ..., ... ..., e o NIF ...55”. 2. Olhando para o cabeçalho da petição inicial, vemos que a acção é instaurada: “contra EMP02..., (doravante apenas “ré”)”. 3. Avançando no texto da petição inicial, encontramos uma parte assim designada: “§1 IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES 18º. EMP01..., (doravante apenas “EMP01...” ou “autora interveniente”) tem sede na Praceta ..., ... ..., freguesia ..., concelho ... e número de pessoa coletiva ...94, com escritório na Praceta .... Sala ..., ..., ..., Portugal. 19º. EMP02..., (doravante apenas “ré”), pessoa colectiva ...55 e matriculada com o mesmo número na conservatória do registo comercial ..., tem sede na Rua ..., ..., ..., ..., Distrito .... 20º. Sendo a presente acção movida contra a sua sucursal, com estabelecimento em Rua ..., ..., distrito ...”. 4. Mais adiante, podemos ler: “A presente acção popular para defesa de interesses difusos e individuais homogéneos, intentada pela autora interveniente supra identificada e demais autores populares, é uma acção de defesa dos direitos dos consumidores, que assenta na violação dos direitos destes e em práticas comerciais desleais que se manifestam do seguinte modo: d. a ré dedica-se comercialmente à venda ao público, no mercado nacional de distribuição retalhista, de produtos alimentares, nomeadamente na sua sucursal, com estabelecimento na Rua ..., ..., distrito ..., in casu, vendendo embalagens de Chocolate preto, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g e chocolate de leite, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g, por preço superior ao que consta dos letreiros elaborados por si”. 5. E a seguir: “O comportamento da ré descrito no número anterior é aquele que esta adopta para com todos os consumidores, seus clientes, os aqui autores populares, e que consubstancia em publicidade enganosa e numa prática comercial desleal e restritiva da concorrência, as quais se entrecruzem, de modo secante, na defesa do consumidor – embora, neste caso, confinado e por decisão da sua sucursal na Rua ..., ..., distrito ...”. 6. Mais adiante ainda: “a) Qualificação da ré 56º. A ré é uma pessoa colectiva que exerce, com carácter profissional, em Portugal, um Estado membro na União Europeia, uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios, por intermédio da venda ao público de produtos alimentares, estando por isso sujeita, em especial, ao disposto nos artigo 35 (1, c), do decreto lei 28/84, artigo 6, 10, 11 (1), 12, do decreto lei 330/90, artigo 311 (1, a, e), do decreto lei 110/2018, artigos 4, 5 (1), 6 (b), 7 (1, b, d), 9 (1, a), do decreto lei 57/2008, artigos 3 (a) (d) © (f), 4, 7 (4) e 8 (1, a, c, d) (2), da lei 24/96, artigo 11, da lei 19/2012, artigos 6, 7 (1) (2) e 8, da directiva 2005/29/CE, artigo 3, da directiva 2006/114/CE, artigos 2 (a) (b), 4 (1), da directiva 98/6/CE, directiva 2014/104/© e artigo 102, do TFUE, este último por via de ser um dos maiores operadores na distribuição alimentar a retalho, detendo, nesse posicionamento de mercado, uma posição de domínio”. 7. E, finalmente, “§9 COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO TRIBUNAL …Assim, para se decidir da incompetência relativa deve olhar-se os termos em que a acção vem proposta, tendo-se por suporte a relação jurídica que se discute na acção (causa de pedir e pedido), tal como foi configurada pela autora. Então: 1. trata-se de uma acção destinada a efectivar a responsabilidade civil baseada em factos ilícitos que ocorreram no ... (vide artigo 28, da petição inicial); 2. a acção é dirigida à sucursal da ré (vide artigo 20, da petição inicial), com morada no distrito da comarca deste tribunal, e não dirigida à ré, cuja sede é em .... Pelo que, em primeiro, impõe-se referir que a autora interveniente tem sede em ..., tal como alegado e é do conhecimento oficioso do tribunal [cf. artigo 412 (2), do CPC] e é uma associação de defesa dos consumidores [cf. documentos 1 e 2, juntos]. Segundo, a autora interveniente pede a condenação da sucursal da ré, sita em Rua ..., ..., distrito ..., com base na sua invocada responsabilidade civil contratual e extracontratual, atinente a um conjunto de factos ilícitos –em resumo, venda de embalagens de Chocolate preto, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g e chocolate de leite, 0 % açúcar, da marca ..., de 100 g a um preço especulativo – que a autora descreve como sendo causa adequada de danos produzidos num conjunto não individualizado de consumidores”. O que se retira daqui ? Salvo melhor opinião, o que se retira é um cenário confuso. Deveria ser linear e incontroversa a identificação da pessoa jurídica contra quem a acção é instaurada, mas assim não sucede[1]. Basta ver a sucessão de exemplos retirados do texto da petição inicial, para ter a noção que o resultado é ambíguo, e até se pode dizer, deliberadamente ambíguo. E a própria afirmação da recorrente segundo a qual “a acção foi proposta contra a sociedade EMP02..., com personalidade jurídica e judiciária claramente estabelecida. No entanto, a demanda é movida especificamente contra uma sucursal da aludida sociedade localizada em ...”, também não ajuda a esclarecer a questão, antes mantém a confusão e a ambiguidade. Mas como não podemos invocar ambiguidades para não decidir, cumpre interpretar a petição inicial para perceber, de úris, contra quem esta acção foi intentada. Nos termos do art. 552º,1,a CPC, na petição com que propõe a acção, deve o autor identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, obrigatoriamente, no que respeita ao autor, e sempre que possível, relativamente às demais partes, números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho. Ora, avançando, temos de concordar com a sentença recorrida quando afirma que a autora intentou a presente acção contra a sucursal da ré localizada na Rua ..., em .... Com efeito, essa é a única interpretação aceitável de todas as referências contraditórias feitas na petição inicial. Apesar de não ser aceitável que a identidade da pessoa jurídica contra quem o autor pretende intentar a acção seja obscura ou dúbia, temos de reconhecer que foi o que sucedeu neste caso. O que obrigou o Tribunal recorrido a julgar (porque de um verdadeiro julgamento se tratou) que a ré era a sucursal ou estabelecimento localizada na Rua ..., em .... Esse julgamento assenta, quanto a nós bem, no que vem alegado ao longo da petição. Com efeito, esquecendo agora os “fragmentos” de texto que apontam noutro sentido, o certo é que a autora afirma várias vezes (4) que a presente acção é movida contra a sucursal da ré, com estabelecimento em Rua ..., ..., distrito ...”, e, mais relevante ainda, “pede a condenação da sucursal da ré, sita em Rua ..., ..., distrito ...”. Estabelecido que está que a autora quis efectivamente intentar a acção contra a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., o resto da argumentação da sentença é linear: em síntese, entende a sentença que não existe uma sucursal da ré na cidade .... É do conhecimento público (facto notório) que a ré dispõe de uma rede de estabelecimentos comerciais que cobre a totalidade do território nacional. Esta rede nada tem a ver com a representação da sociedade, mas apenas com a captação de clientes. É por este motivo que a ré dispõe de mais do que um estabelecimento comercial na mesma cidade, como acontece em ..., o que seria incompreensível se estivesse em causa uma forma local de representação. Acresce que os estabelecimentos comerciais da ré não têm liberdade de gestão e actuação e não podem ser considerados centros autónomos de negócios. A forma de actuação da ré é definida centralmente. Os estabelecimentos comerciais não têm liberdade para a fixação dos preços, não contratam com fornecedores, não podem contratar trabalhadores e não têm autonomia financeira, estando, pelo contrário, sujeitos a uma obrigação de reporte em relação à ré. E que “estando em causa um estabelecimento comercial verifica-se a falta de personalidade judiciária, porquanto, ao contrário do que acontece com as sucursais nas circunstâncias previstas no art. 13º nº 1 do Cód. De Processo Civil, os estabelecimentos comerciais não têm personalidade judiciária e não podem demandar ou ser demandados”. Também aqui não temos como censurar a decisão. A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte em Juízo (art. 11º,1 CPC). Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária (art. 11º,2 CPC). Como escrevem Abrantes Geraldes e outros em CPC anotado, anotação ao art. 12º, a atribuição de personalidade judiciária à pessoa singular ou à pessoa colectiva que seja detentora de personalidade jurídica é automática. Mas, tendo em vista dar uma resposta mais satisfatória e pragmática a determinadas situações particulares, tal qualidade foi ainda atribuída a outras entidades. Essas situações estão reguladas no art. 12º CPC. Com particular interesse para o caso destes autos, dispõe o art. 13º,1 CPC, sob a epígrafe “personalidade judiciária das sucursais”, que as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a acção proceda de facto por elas praticado. Os mesmos autores explicam assim este regime: “a concessão de personalidade judiciária às sucursais e a outras formas de representação de sociedades comerciais ou de pessoas colectivas, representando uma extensão da personalidade judiciária, radica na circunstância de, em termos práticos, as figuras aqui referidas representarem organicamente as entidades em que se integram. Daí a exigência de que se trate de acções que incidam sobre factos praticados por tais representações independentemente de estas intervirem como sujeitos activos ou passivos na relação processual. A demanda destas representações locais, em vez da própria entidade jurídica a que respeitam, pode ter importantes implicações na determinação do Tribunal territorialmente competente, permitindo ao autor litigar num tribunal mais próximo da sua residência, sempre que a sucursal tenha sede nessa área (cf. o art. 82º,2). No caso dos autos, pensamos ser pacífico que a “sucursal da ré sita em ...” não constitui nem uma verdadeira sucursal, nem uma agência, filial, delegação ou representação. O art. 13º,1 do Código das Sociedades Comerciais dispõe que sem dependência de autorização contratual, mas também sem prejuízo de diferentes disposições do contrato, a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro. Do art. 136º CPC para o art. 13º CSC nota-se o desaparecimento da referência a filial, conceito hoje normalmente entendido como referindo-se a entidades com personalidade jurídica, ao contrário as “representações” do art. 13º CSC são desprovidas de personalidade jurídica[2]. Ora, aceitando o alegado nos pontos 3 a 14 da resposta da ré à questão da falta de personalidade judiciária, como nos parece de aceitar, e que a própria autora também se apressou a aceitar, assimilando ou procurando logo assimilar para a sua pretensão que as decisões são todas tomadas a nível central e não a nível local, temos assim como adquirido que a alegada sucursal da ré, sita na Rua ..., ..., distrito ..., não é nenhuma sucursal, não passando de um estabelecimento comercial da sociedade comercial EMP02..., S.A. Ora, o estabelecimento comercial é pacificamente reconhecido como sendo uma universalidade de facto e de direito. Esta realidade a que se chama estabelecimento comercial é constituída por vários elementos variáveis e como afirma o Prof. Ferrer Correia “não compreende só as mercadorias, matérias primas, máquinas, os instrumentos produtivos, mas também bens imateriais (créditos, marcas, patentes de invenção, o nome comercial, o direito de uso e fruição de um imóvel por virtude da celebração de um contrato de locação, e certas situações ou relações de facto com relevo económico (o crédito de que goza o estabelecimento, a clientela que possui) – enfim, o aviamento da empresa” (“Lições de Direito Comercial”, vol I, pág. 229). E é unanimemente também considerado que o estabelecimento comercial não goza de personalidade jurídica, e, logo judiciária. Como tal, é insusceptível de ser demandado (acórdãos da Relação de Lisboa de 17/12/2008 e de 2/7/2009. Por outro lado, não foi alegado, e muito menos provado, que a Ré seja um Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (EIRL). Concluímos pois que a autora intentou a acção contra entidade que não goza de personalidade judiciária. Cumpre agora averiguar se a falta de personalidade judiciária pode neste caso ser sanada, tal como parece resultar do art. 14º CPC: a falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado. Ora, em tese somos sempre favoráveis a soluções que favoreçam a economia processual e o aproveitamento dos actos praticados. Porém, há limites para esse aproveitamento, e o caso em apreço é, salvo melhor opinião, um deles. Com efeito, a forma como a petição inicial foi redigida, deixando a dúvida (que nunca deveria existir) sobre quem era verdadeiramente a ré nos autos, com o uso de expressões ambíguas e contraditórias (v.g. indicando como ré EMP02..., mas logo acrescentando que a presente acção é movida contra a sua sucursal, com estabelecimento em Rua ..., ..., distrito ...”) introduziu no seio desta relação processual um “defeito genético”, que já contaminou várias decisões proferidas nos autos, e poderia contaminar muito mais no futuro[3]. Por exemplo, como a sentença recorrida bem apontou, a autora estruturou a presente acção por forma a ser enquadrada no art. 81º,2 CPC, afirmando expressamente que estava a demandar a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., e não a sociedade comercial. Por outro lado, acrescentou, também expressamente, que os factos que consistem na causa de pedir foram praticados pela sucursal. Porém, procurando inverter completamente a forma como estruturou o presente litígio, a autora tenta valer-se do que a ré alegou nos autos, concretamente nos artigos 31 e 32 da contestação e que “leva a concluir que os “ilícitos” foram cometidos na sede da ré e não na sucursal em questão”. Veio por isso dizer que “imputou à sucursal da ré os factos ilícitos que dão causa ao pedido, o que por si só, faria com que a sucursal ré adquirisse tal personalidade judiciária – não podendo então proceder a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da ré. Mas uma vez verificando-se que tais factos ilícitos não foram praticados pela aludida sucursal, a previsão do artigo 13 (1), do CPC já não pode operar. Assim, sem dúvida, face a factualidade confessa pela ré, verifica-se a falta de personalidade judiciária da sucursal. No entanto, a mesma pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado (cf. artigo 14, do CPC), o que, desde já se requer, caso Vossa Excelência entenda que a sucursal em questão não pode ser demandada por inaplicabilidade do artigo 13, do CPC – como se julga acontecer perante a confissão da ré”. Esta mudança radical da causa de pedir apresentada na petição esbarra no facto de o pedido estar formulado directamente contra a sucursal: “pede a condenação da sucursal da ré, sita em Rua ..., ..., distrito ..., com base na sua invocada responsabilidade civil contratual e extracontratual”. Assim, afigura-se assistir razão à recorrida quando afirma, nas suas contra-alegações, que “ao alegar que a acção foi primariamente intentada contra a Sociedade EMP02..., mas movida contra a sua sucursal, a Recorrente pretende apenas confundir o Tribunal ad quem ao utilizar diferentes conceitos para se referir a uma mesma realidade. Se os presentes autos são propostos contra a alegada sucursal e se os factos narrados pela Autora foram praticados pela alegada sucursal, não restam dúvidas de que a relação controvertida, tal como configurada pela Autora, é estabelecida com a alegada sucursal, o que implica que foi o estabelecimento comercial a ser demandado e não a sociedade”. Depois, sucede que as decisões proferidas na fase de saneamento dos autos estão todas elas interligadas com esta. O Tribunal julgou improcedentes as excepções da incompetência territorial, e ainda a da ineptidão da petição inicial, dizendo que apesar dos defeitos da petição, “é possível compreender que a autora fundamenta os pedidos que formulou no facto de a sucursal da ré localizada na Rua ..., em ..., ter comercializado embalagens de chocolate preto e chocolate de leite a um preço superior ao que estava anunciado para os clientes e que esta situação ocorreu pelo menos entre os dias 25 e 31 de Julho de 2023”. Por outro lado, e sobre o art. 14º CPC, acrescenta o Tribunal recorrido, entendemos que este regime não deve ser aplicado nos presentes autos. Com efeito, não se verifica a mera falta de personalidade judiciária pela inexistência de uma sucursal da ré. O que ocorre é uma situação distinta e bem mais gravosa em que a autora estruturou toda a acção (incluindo para o efeito da competência do tribunal) com base no entendimento de que existia uma sucursal da ré e que era esta sucursal que pretendia demandar, afirmando expressamente que não estava a demandar a sociedade. A substituição da sucursal pela administração principal da sociedade significava não apenas uma alteração formal da demandada, mas uma substituição da acção por outra que a autora afirmou com toda a clareza que não correspondia ao que pretendia. Consideramos que esta apreciação do Tribunal recorrido está correcta. A indicação, feita várias vezes ao longo da petição inicial, de que quem é demandada é a sucursal de ..., localizada na Rua ..., em ..., e até sendo contra esta que o pedido é dirigido, como vimos, não permite concluir que estejamos perante um mero lapso, a ser corrigido facilmente fazendo intervir a sociedade comercial EMP02..., SA. Pelo contrário, foi uma atitude consciente e deliberada da autora em apresentar assim a sua pretensão. Daí que, a proceder a pretensão da autora, não estaríamos apenas a sanar a falta de personalidade judiciária, mas sim a transmutar a acção original numa outra acção com diferente ré, diferente pedido e causa de pedir. Ora, a alteração simultânea do pedido e da causa de pedir só é admissível havendo acordo das partes (art. 264º CPC), o que não é aqui o caso. Assim, o recurso improcede nesta parte. Finalmente, a recorrente pretende ainda que a ré seja condenada como litigante de má-fé. Porque esta teria impugnado factos verdadeiros dos quais tinha conhecimento e posse de documentos que os provavam, demonstrou uma clara intenção de agir de má-fé, violando os deveres de verdade e cooperação processual. Configurando a conduta num verdadeiro venire contra factum proprium. Afirma ainda que o comportamento processual da ré, além de censurável, teve o potencial de prejudicar a correcta apreciação dos factos, obrigando os autores a apresentar provas adicionais para contrariar as falsidades alegadas pela ré. E a conduta da ré enquadra-se nas situações descritas nas alíneas (a), (b) e (c) do artigo 542 (2) do CPC, justificando a sua condenação como litigante de má-fé. A recorrida pronunciou-se dizendo que “o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de condenação em litigância de má-fé, por não ser este o momento adequado para decidir tal questão. É entendimento consolidado na nossa jurisprudência que o “momento processual adequado a inserir a decisão judicial quanto à questão da litigância de má-fé oficiosamente apreciada ou sob solicitação de uma das partes (…) será a sentença final ou qualquer outra decisão que ponha termo ao processo, como ocorre com o despacho saneador-sentença; no entanto, o juiz pode e deve deixar para depois da sentença a fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na altura da sentença, não disponha dos elementos necessários à sua determinação (art. 543º, n.º 3 do CPC)” – como assim entendeu o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.10.2018, do processo n.º 27/15.8T8TMC.G1. Assim também o entendeu, a título exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06.27.2023, processo n.º 58145/22.2YIPRT-A.P1”. Vejamos. Consagra o Código de Processo Civil, no seu artigo 8º, que as partes devem agir de boa-fé (princípio da boa fé). Com efeito, não obstante a lei atribuir aos sujeitos processuais o direito de solicitar ao tribunal uma determinada pretensão, esta deve ser apoiada em factos e razões de direito de cuja razão esteja razoavelmente convencido, sob pena de haver lugar à responsabilização daqueles (princípio da auto-responsabilidade das partes). É assim em ambos estes princípios que assenta o instituto da litigância de má-fé, consagrado nos artigos 542º e seguintes do C.P.C., o qual visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta. Corresponde o instituto da litigância de má-fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na culpa ou dolo do litigante. Se a parte actuou de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é licita e é condenada apenas no pagamento das custas do processo, como risco inerente à sua actuação. “Se procedeu de má-fé ou com culpa, pois sabia que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, que pode ser penal e/ou civil (multa e indemnização à parte contrária), e cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais.” E nos termos do nº 2 desta disposição legal, “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. A reforma processual levada a cabo pelo DL nº 329-A/95 de 12/12 introduziu alterações no Código de Processo Civil em sede de litigância de má-fé. Lê-se no preâmbulo do citado diploma “Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos; (…)”. Assim, ao lado da lide dolosa (que corresponde à violação das regras de conduta processuais de forma intencional ou consciente), passou a ser sancionada a lide temerária (que corresponde à violação das mesmas regras, mas com culpa grave ou erro grosseiro). Como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 220 e 221 “É corrente distinguir má-fé material (ou substancial) e má fé instrumental. A primeira relaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem actuar com má fé instrumental, podendo portanto o vencedor da acção ser condenado como litigante de má fé.” No Acórdão desta Relação de 21/01/2016 (Maria Luísa Ramos), in www.dsi.pt, lê-se: “No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg. 380).Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C. Penal, anotado, pg. 48)”. “Não se deve confundir a litigância de má-fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos ou (iv) com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer” – Ac. da R.L. de 20/12/2016 (Luís Filipe Pires de Sousa), que cita em parte o Ac. da R.L. de 02/03/2010 (Maria José Simões), in www.dgsi.pt. É inquestionável que a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 542º do Código de Processo Civil. E a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável. Tem-se entendido que para tal condenação se exige que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte. Ora, feita esta descrição do instituto, a conclusão é a de que não assiste razão à recorrente. A recorrente quer que a ré seja condenada como litigante de má-fé por causa da relação entre a alegação que esta fez nos articulados e as provas apresentadas. Aliás, a litigância de má-fé, como ficou explicado supra, existe essencialmente para punir o litigante que altera ou dissimula ou omite a verdade dos factos para daí tentar retirar proveito na decisão da causa. Sucede que no caso destes autos, como é gritantemente óbvio, a instância findou por razões de forma na fase de saneamento dos autos, por falta de um pressuposto processual, e o Tribunal nem sequer começou a apreciar a substância da causa, nem as alegações feitas pelas partes sobre as pretensões deduzidas, nem as provas apresentadas. Como tal, não é possível emitir um juízo sobre se alguma das partes litigou de má-fé. O litígio não chegou ao momento central de apreciação da prova e decisão, que são a audiência de julgamento e a sentença. E não é possível imaginar a litigância de má-fé baseada em interpretação de normas jurídicas, porque aí estamos em pleno domínio de opinião, ou de “entendimentos”, e é sabido que sobre as mesmas normas jurídicas é possível construir vários entendimentos, todos eles violentamente divergentes, e todos eles apoiados por fragmentos jurisprudenciais ou doutrinários, sendo que não será nunca possível fazer de forma objectiva e definitiva a prova de que um está correcto e todos os outros estão errados. Assim, não assiste razão à recorrente. A improcedência do recurso é total. * IV- DECISÃOPor todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma a sentença recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se o seu montante em um décimo das custas que normalmente seriam devidas (art. 20º,3 da Lei 83/95 de 31 de Agosto). Data: 20.6.2024 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto (Carla Maria da Silva Sousa Oliveira) 2º Adjunto (Joaquim Boavida) [1] E bastaria isso para a acção não estar em condições de prosseguir. [2] Cfr. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, 2ª edição, anotação ao art. 13º e citações aí feitas. [3] Imagine-se que a acção procedia, tal como está estruturada, contra a alegada sucursal de ..., e vinha a ser intentada execução para cobrança da indemnização devida aos autores populares. Ao tentar-se a penhora viria logo a sociedade comercial EMP02... SA opor-se dizendo que os bens penhorados lhe pertenciam. |