Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CRAVO | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA RELEGAR CONHECIMENTO PARA FINAL ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/20/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer (art. 595º/4 do CPC). II – O princípio do esgotamento do poder jurisdicional, que encontra abrigo no art. 613º/1 do CPC, consubstancia-se na impossibilidade de o juiz alterar o que decidiu, quer a decisão propriamente dita, quer os fundamentos que a sustentam e que com ela formam um todo incindível. A decisão que em ofensa deste princípio altere no todo, ou em parte, o que anteriormente foi decidido, é inexistente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIONos presentes autos de embargos de terceiro[1] que AA, residente na Rua ..., da União das Freguesias ..., ... e ..., ... ..., move contra Banco 1..., ... (1), BB (2), CC (3), Massa Insolvente da Herança Aberta por morte de CC (4) e DD (5), a primeira com sede social na Praça ..., ... ... e os últimos residentes, respectivamente, na Rua ..., ... ... (2), na Rua ..., ... ... (3), legalmente representada pelo Exmo. Senhor Dr. EE, Administrador de Insolvência, com domicílio profissional na Av. ..., ..., ..., ..., Edifício ... I, ... ... (4) e no Lugar ..., ... ..., ... (5), a embargante termina peticionando que devem os presentes embargos ser admitidos e, a final, julgados procedentes por provados e, em consequência: a) Ser declarado que a ora embargante é dona e legítima proprietária das quotas sociais penhoradas, identificadas no retro artigo 8.º desta petição, e todas as embargadas condenadas a reconhecer esse direito da embargante; b) Ser ordenado o levantamento da penhora que incide sobre as quotas identificadas em 8.º deste articulado; c) Ao abrigo do disposto no artigo 347º do CPC, requer-se ainda a restituição provisória da posse das quotas penhoradas à ora embargante, com remoção do eventual depositário nomeado, seguindo-se os ulteriores termos até final. * Liminarmente admitidos os embargos, foi declarada a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito, até à decisão final e notificadas as partes primitivas da execução nos termos e para os efeitos do disposto no artº 348º do Cód. Proc. Civil.* A embargada Banco 1..., ... apresentou contestação, o que fez por excepção (Extemporaneidade dos embargos e Autoridade do caso julgado) e por impugnação, pedindo a improcedência dos embargos.* A embargante pronunciou-se quanto à matéria das excepções, pedindo a sua improcedência.* Foi dispensada a audiência prévia.* Posteriormente, por ter sido considerado oportuno, foi marcada uma tentativa de conciliação, que teve lugar em 15-02-2024, em que as partes não chegaram a acordo.* De seguida, em 22-02-2024, foi elaborado despacho saneador, em que se relegou para decisão final o conhecimento quanto à tempestividade/caducidade dos embargos e quanto à excepção de autoridade de caso julgado, por se entender (poder) estar dependente de prova a produzir. Foram fixados o valor da causa, o objecto do litígio e os temas da prova. Houve pronúncia relativamente aos requerimentos probatórios e foi relegada a designação da data para a realização da audiência final.* Notificada do despacho saneador, entendendo a embargada Banco 1..., ... que as excepções de caducidade e autoridade de caso julgado por si suscitadas na contestação, têm que ser desde já conhecidas por este Tribunal, pois que, salvo o devido respeito, não se vislumbra estarem dependentes de qualquer prova a produzir, veio requerer em 29-02-2024 a sua rectificação/reforma, tendo subsidiariamente requerido o complemento do objecto de litígio e os temas da prova fixados.Pronunciando-se a Srª Juiz a quo, em 11-04-2024, nos seguintes termos: Relativamente ao despacho segundo o qual se entendeu relegar para decisão final o conhecimento quanto à tempestividade/caducidade dos embargos e quanto à excepção de autoridade de caso julgado, tem-se por esgotado o respectivo poder jurisdicional, pelo que se indefere a pretendida rectificação/reforma.--- No mais, e quanto aos pontos sugeridos como a acrescer ao objecto do litígio, entendem-se os mesmos dever antes integrar os respectivos temas de prova, aos quais deverão acrescer ainda os pontos como tal indicados.--- Notifique.--- * Inconformada com esse despacho que indeferiu a reclamação apresentada pela embargada ao despacho saneador que relegou para decisão final o conhecimento quanto à tempestividade / caducidade dos embargos e quanto à excepção de autoridade de caso julgado, apresentou a embargada Banco 1..., ... recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões: 1.ª - O despacho saneador de 22.02.2024 era susceptível de impugnação, dele podendo, pois, ser apresentada reclamação, o que efectivamente a embargada fez em 29.02.2024, pelo que, tal despacho só transitava em julgado após apreciação e decisão dessa reclamação - vd. art.º 628.º do CPC 2.ª - Nessa medida, inequívoco é que, em face da reclamação apresentada pela embargada, aquando da prolação do despacho recorrido não estava esgotado o poder jurisdicional da Mm.ª Juiz a quo a tal respeito. - vd. art.º 628.º e 613.º, n.º 1, do CPC 3.ª - Daí que mereça censura a decisão recorrida desde logo nesta parte, pois que, competia à Mm.ª Juiz a quo debruçar-se sobre a reclamação da embargada ao despacho saneador, apreciar os fundamentos da mesma e então proferir decisão a esse respeito, o que a Mm.ª Juiz a quo não fez, afastando o conhecimento dessa reclamação, sustentada precisamente no (inexistente) esgotamento do poder jurisdicional. 4.ª - O tribunal a quo absteve-se, assim, de conhecer a reclamação da embargada na parte relativa ao despacho saneador, não apreciando as razões aí invocadas pela mesma, pelo que a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia - vd. n.º 2 art.º 608.º, al. d) n.º 1 art.º 615.º CPC SEM PRESCINDIR, 5.ª - A decisão de o Juiz relegar para final a decisão de alguma excepção peremptória não pode ser arbitrária, antes estando condicionada ao facto de o tribunal não dispor dos elementos necessários para o efeito, o que, salvo o devido respeito, não sucede no caso - vd. al. b) do n.º 1 do art.º 595.º do CPC 6.ª - De facto e relativamente à excepção de caducidade dos embargos mostra-se junta aos presentes autos prova documental demonstrativa de que, contrariamente ao referido pela embargante - que invoca apenas ter tido conhecimento, em 28.02.2022, da ofensa do seu direito de propriedade quanto às quotas sociais penhoradas – esse conhecimento sucedeu bem antes, seja pela sua citação em 09.07.2020 para os termos da execução apensa, seja pela sua intervenção na acção pauliana n.º 4436/16...., onde foi proferida sentença em 03.01.2019, já transitada em julgado, que reconheceu à Banco 1... o direito a executar o seu crédito sobre o quinhão hereditário pertencente à executada BB, o qual integra precisamente as duas quotas sociais penhoradas nos autos, sendo que não se afigura possível a produção de qualquer prova testemunhal que possa ter a virtualidade de “destruir” esses documentos / prova plena. 7.ª - Por sua vez, relativamente à excepção de autoridade de caso julgado, mostrando-se junta aos autos certidão da sentença proferida na acção pauliana n.º 4436/16.... pelo juízo central cível de ..., juiz ..., e do acórdão do TRG que a confirmou, salvo o devido respeito, não se vislumbra também de que outra prova carece o tribunal para apreciação desta excepção. 8.ª - Aliás, tendo em consideração que a decisão proferida na referida acção pauliana anterior obsta precisamente ao conhecimento dos factos alegados pela embargante, entendemos que se impõe o conhecimento imediato da excepção de autoridade de caso julgado, não havendo justificação para que se relegue o seu conhecimento para a sentença. - vd. n.º 1 art.º 619.º CPC 9.ª - Assim, além de o processo já estar na posse de todos os elementos fácticos necessários à prolação, de forma segura, sem necessidade de mais provas, de uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, inequívoco é também que desse modo se permitiria evitar a prática de actos inúteis, designadamente a realização da audiência de discussão e julgamento, evitando-se também o inerente dispêndio de meios e tempo. - vd. art.º 130.º do CPC * A recorrente pretende certidão das seguintes peças processuais para instruir este recurso:- petição embargos de terceiro - contestação - requerimento da embargante de 11.10.2022 - requerimento da embargante de 10.11.2022 - requerimento da embargada de 18.11.2022 - despacho de 13.12.2022 - requerimento da embargada de 06.01.20230 - despacho de 31.01.2023 - despacho de 08.02.2023 - acta de 15.02.2024 - despacho saneador - reclamação da embargada de 29.02.2023 - despacho recorrido de 11.04.2024 * DE HARMONIA COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO RECURSO E, POR TAL EFEITO:- julgar-se verificada a nulidade da decisão recorrida de 11.04.2024, deliberando-se a revogação da mesma (na parte objecto deste recurso) e, em consequência, determinando-se a apreciação / decisão da reclamação ao despacho saneador apresentada pela recorrente em 29.02.2023 - deliberar-se que o tribunal a quo aprecie de imediato as excepções peremptórias invocadas pela embargada / recorrente ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA * Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações. * A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal. Pronunciou-se sobre a arguida nulidade, nos seguintes termos: Venerandos Desembargadores:--- Vem arguida a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.--- Cumpre, pois, proferir despacho nos termos do art.º 617.º do citado diploma.--- Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a decisão proferida não padece da invocada nulidade, pois que da mesma consta de forma clara e inequívoca os seus fundamentos quer de facto quer de direito, não se encontrando os mesmos em oposição nem padecendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, não se tendo deixado de pronunciar nos termos legais.--- Vssªs Exªs, porém, decidindo farão melhor Justiça.--- * Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIRComo resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Assim, consideradas as conclusões formuladas pela apelante - a embargada Banco 1..., ... -, para além da invocada nulidade prevista no art. 615º/1, d) do CPC, a questão a decidir contende com a reapreciação do despacho de 11-04-2024 que rejeitou o requerimento/reclamação em causa. * 3 – OS FACTOSOs pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Tendo em conta o enquadramento supra exposto, há, então, que proceder à apreciação das questões suscitadas no recurso. I – Da nulidade da decisão, por falta de fundamentação - art. 615º/1, d) do Código de Processo Civil Entende a recorrente que a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, uma vez que o tribunal a quo absteve-se, assim, de conhecer a reclamação da embargada na parte relativa ao despacho saneador, não apreciando as razões aí invocadas pela mesma. Que dizer? Quanto a esta concreta nulidade, pronuncia-se o art. 615º/1, d) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal. Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia. Vício relativamente ao qual importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade. Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia: «[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.» «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»[2] O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça[3], «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente». Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «”Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido. Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida. Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5º/3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»[4] Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO: «A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludênciadas excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.» Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».[5] Quanto ao caso em apreço, o recorrente insurge-se quanto à falta de pronúncia relativamente a uma questão que havia colocado ao Tribunal e que este tinha de apreciar; todavia, o que se verifica é que o tribunal não o fez, por ter invocado razão para o não poder fazer, indeferindo, assim, a questão. Logo, se indeferiu a questão é porque a conheceu. Ou seja, como supra se aludiu e ensinava Alberto dos Reis, uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. Tanto basta para se poder seguramente concluir que a decisão recorrida não padece da invocada nulidade que lhe é apontada. II – Revogação da decisão recorrida Está aqui em causa a reapreciação do despacho de 11-04-2024 que rejeitou o requerimento/reclamação em causa por alegadamente estar esgotado o poder jurisdicional do juiz. Entendendo a recorrente ter sido errada a decisão, pois o despacho em causa era susceptível de impugnação, podendo, pois, dele ser apresentada reclamação (art. 628º do CPC). Quid iuris? Diga-se, desde já, que a recorrente parece confundir o esgotamento do poder jurisdicional (vd. art. 613º/1 do CPC) com o trânsito em julgado (vd. art. 628º do CPC). É que, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz, enquanto que o trânsito em julgado só ocorre quando a decisão não seja susceptível de recurso ou de reclamação. Revertendo, agora, ao presente caso, subjacente à reclamação apresentada, mas cuja bondade não está aqui em causa, está a decisão da Srª Juiz a quo que, no despacho saneador, relegou para decisão final o conhecimento quanto à tempestividade/caducidade dos embargos e quanto à excepção de autoridade de caso julgado, por se entender (poder) estar dependente de prova a produzir. Inconformada com tal decisão, por entender que as excepções de caducidade e autoridade de caso julgado por si suscitadas na contestação, têm que ser desde já conhecidas por este Tribunal, pois que, salvo o devido respeito, não se vislumbra estarem dependentes de qualquer prova a produzir, veio a ora recorrente requerer em 29-02-2024 a sua rectificação/reforma, que a Srª Juiz a quo indeferiu, por entender estar esgotado o respectivo poder jurisdicional. É inquestionável, que do despacho sanador, não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer (cfr. art. 595º/4 do CPC). Todavia, do despacho em causa, pode a parte reclamar nos termos gerais, designadamente para arguir nulidades ou requerer a rectificação de erros. Sendo certo que o novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 21 de junho, não confere às partes a possibilidade de requerer no tribunal que proferiu a sentença a respetiva aclaração, como previsto anteriormente no art.º 669, nº 1, al. a), do Código de Processo Civil, sendo ineficaz, insuscetível de produzir efeitos jurídicos, a decisão de aclaração da sentença proferida[6]. O que não pode é no requerimento de reclamação pedir ao juiz que dê o dito por não dito. É que o princípio do esgotamento do poder jurisdicional, que encontra abrigo no art. 613º/1 do CPC, consubstancia-se na impossibilidade de o juiz alterar o que decidiu, quer a decisão propriamente dita, quer os fundamentos que a sustentam e que com ela formam um todo incindível. A decisão que em ofensa deste princípio altere no todo, ou em parte, o que anteriormente foi decidido, é inexistente[7]. Ora, tendo presente o teor do requerimento apresentado, a decisão recorrida não merece qualquer censura. Como assim, não assistindo qualquer razão à recorrente, improcede o recurso, com custas a pagar pela mesma (art. 527º do CPC). * 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente manter a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Notifique. * Guimarães, 20-06-2024 (José Cravo) (Afonso Cabral de Andrade) (Maria dos Anjos Nogueira) [1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de ..., V.Castelo - JC Cível - Juiz .... [2] CPC Anotado, 5º, 143. [3] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt. [4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320. [5] DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143. [6] Cfr. Ac. da RL de 23-02-2023, prolatado no Proc. nº 10693/14.6T8LSB.L1-8 e acessível in www.dgsi.pt. [7] Neste sentido, vd. o Ac. da RC de 24-04-2018, prolatado no Proc. nº 3639/09.5TJCBR-A.C1 e acessível in www.dgsi.pt. |