Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | SANDRA MELO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO DANO BIOLÓGICO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/27/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO INDEPENDENTE IMPROCEDENTE APELAÇÃO SUBORDINADA PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | .1- A afetação da capacidade funcional de uma pessoa, em regra, repercute-se também em toda a esfera da sua vida, seja na sua capacidade de ganho (nem que seja pela exigência de maiores esforços para o mesmo resultado que de outra forma seriam aproveitados na sua progressão), seja na sua vida pessoal, devendo o lesado ser compensado por todas essas perdas e limitações. .2- Atento o princípio da igualdade, importa, além do mais, atentar nos valores apurados na jurisprudência, considerando, no entanto, que para efeito de determinação da indemnização do dano biológico, quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial, importam essencialmente as consequências das lesões na vida do lesado, em todas as suas dimensões, mais do que a consideração abstrata dos pontos atribuídos ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física de que passou a padecer, embora estes sejam, evidentemente, representativos da gravidade da lesão. .3- Para verificar se o valor da indemnização do dano biológico na vertente de perda de rendimentos por esforços acrescidos fixado numa sentença é adequado, há sempre que verificar os critérios a que nela se recorreu para indemnizar os efeitos do dano biológico na sua totalidade para ter uma visão do conjunto, a fim de haver coerência nas decisões jurisprudenciais: com efeito há teses que incluem na vertente patrimonial a maior parte da indemnização atribuída para compensar todos os esforços e penas acrescidos a que o lesado ficou sujeito quando desenvolve as atividades que compõem a sua vida. 4.- Quanto aos danos materiais, a indemnização não visa só compensar o lesado da perda do valor de mercado do bem no seu património, mas coloca-lo na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o dano: quando o bem danificado é uma máquina que o lesante utilizava, o lesante, ou quem o substitua, tem que repor no seu património máquina que exerça as mesmas funções (de valor não inferior) ou entregar quantia que permita tal substituição. | ||
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Decisão Texto Integral: | Ré e Apelante independente:“EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, Autor e Apelante subordinado: AA Autos de:ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães .I- Relatório O Autor, para pedir a condenação da Ré a pagar-lhe: a) a indemnização global líquida de 56.346,07 €, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da ação até efetivo pagamento; b) a indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 253º. a 262º. da p.i., vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564º., nº. 2, do Código Civil), ou, segundo outro entendimento, a indemnização que vier a ser relegada para Incidente de Liquidação (artigos 358º., nºs.1 e 2 e 609º., nº. 2, do Código de Processo Civil), invocou, em síntese, que foi vítima de um acidente de viação, tendo a Ré assumido que o mesmo se deveu a culpa do seu segurado, sendo este o valor dos danos que sofreu, entre os quais se incluem os que incidiram sobre a sua integridade física e a perda de uma máquina, cuja produção foi descontinuada, mas cuja função é realizada por outra, vendida, nova, pelo preço de 9.469,77 €. A Ré impugnou os danos. Sentença Realizada a audiência final, foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar ao Autor: “a) a quantia líquida de €23.199,62, sendo €18.199,62 a título de danos patrimoniais e €5.000,00 a título de danos não patrimoniais; b) a quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença relativamente ao valor de mercado que o equipamento “... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02, danificado com perda total tinha à data do acidente, e bem assim quanto às ajudas medicamentosas, absolvendo-se a Ré do restante pedido ilíquido e genérico contra si deduzido; c) os juros de mora à taxa de 4% (Portaria 291/03, de 8Abr): desde a citação até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos patrimoniais; desde hoje até integral pagamento, sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais. d) Custas a cargo de Autor e Ré na proporção do decaimento.” É desta decisão que a Ré apela, com as seguintes conclusões: “1. O presente recurso visa a reapreciação da decisão vertida na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância a respeito da vertente patrimonial decorrente do dano biológico de que o autor ficou a padecer em virtude do acidente dos autos; 2. Por uma questão de economia e celeridade processual, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto julgada provada na sentença recorrida. 3. O Tribunal recorrido fixou em 15.000,00€ a indemnização devida ao autor BB como indemnização da vertente patrimonial do dano biológico por ele sofrido em consequência do sinistro dos autos, com o que a recorrente não se conforma. 4. No cálculo da indemnização ora em apreço foi essencialmente tida em consideração a idade do autor à data do evento, que era de 51 anos, a esperança média de vida, que para o homem corresponde aos 78 anos de idade, o rendimento do apelado fixado em €1.600,00€ mensais e o seu défice funcional permanente na integridade físico-psíquica emergente do sinistro, avaliado em 2 pontos. 5. A propósito do valor indemnizatório devido à apelada em virtude deste dano, importa começar por fazer notar que, nos autos resultou demonstrado que em consequência do presente sinistro o autor padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e que as sequelas de que é portador são compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, implicando, ligeiros esforços suplementares. 6. Assim, perante a ausência de efectivo rebate nos rendimentos do seu trabalho, crê a recorrente que não assiste ao autor o direito a ser indemnizado nessa vertente do dano, tal como parece emergir da decisão recorrida ao conceder àquele a quantia de 15.000,00€, ainda que sob a aparência de “dano biológico”. 7. Note-se que, no que tange a fixação desta quantia indemnizatória, o Tribunal recorrido tomou em linha de conta a esperança média de vida do autor, bem como, o valor do seu rendimento mensal proveniente do trabalho, o que aponta notoriamente para uma indemnização arbitrada pelo Tribunal a título de dano patrimonial futuro. 8. Sucede que, em casos como o dos autos, quando tais sequelas não acarretam qualquer prejuízo económico na esfera patrimonial do recorrido, o seu dano biológico tem apenas uma componente não patrimonial, pela qual, aquele deverá ser compensado. 9. Refira-se, a este título, que a sentença ora posta em crise arbitrou ao recorrido uma compensação por danos não patrimoniais, aí se tendo também ponderado as consequências a esse nível, nomeadamente o défice funcional permanente que o afecta. 10. Salvo o devido respeito por opinião diversa, e que é muito, crê a recorrente que nos casos em que não existe um dano patrimonial futuro a indemnizar, o dano biológico decorrente do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica só pode ser compensado na sua única vertente, que é a não patrimonial. 11. E inexiste qualquer fundamento fáctico, ou jurídico, para reconhecer ao recorrido o direito a uma indemnização pelo dano biológico na vertente patrimonial, decorrente do seu défice funcional permanente de integridade físico-psíquico quando não se prova que o mesmo seja previsível e, muito menos, provável. 12. Por outras palavras, em face do enquadramento factual resultante da douta decisão sob censura, não é previsível qualquer dano patrimonial decorrente da incapacidade permanente de que o autor padece (cfr. art. 564º n.º 2 do Cod Civil), o que é o mesmo que dizer que nenhum dano haverá a indemnizar neste campo, ou a este título. 13. O que impõe a revogação da douta sentença na parte em que condenou a aqui recorrente a pagar ao recorrido a quantia de 15.000,00€ a título de indemnização pelo dano biológico de cariz notoriamente patrimonial, o que, desde já, se requer. 14. Ainda que assim não se entenda, o que apenas se admite para efeitos do presente raciocínio, e salvo o devido respeito pelo entendimento sufragado pela decisão recorrida – e que é muito, crê a recorrente que o montante indemnizatório fixado ao autor pelo dano biológico se mostra francamente exagerado, atenta a realidade a indemnizar, bem como, se mostram menos correctos os pressupostos subjacentes à sua fixação. 15. À luz do decidido, parece evidente que o rendimento auferido pelo autor assumiu preponderância no cômputo desta indemnização, situação com a qual, ressalvando o devido respeito por opinião diversa, a aqui recorrente não pode concordar. 16. Com efeito, o autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, sem que tal situação tenha interferência com a sua capacidade de ganho, nomeadamente que acarrete uma diminuição dessa capacidade de ganho. 17. Deste modo, não parece fazer sentido entrar em linha de conta com o salário auferido pelo autor com vista à indemnização de um dano que reveste claramente uma natureza distinta: o direito à integridade física é igual para todos os seres humanos e é independente e autónomo do nível de rendimento e da situação patrimonial dos lesados. 18. O tratamento desigual em caso de sequelas idênticas, afigura-se-nos injusto e até, de certo modo, incoerente com as soluções que vêm sendo adoptadas pelos nossos Tribunais na fixação de indemnizações pelos danos não patrimoniais, onde se tem procurado encontrar padrões aproximados para situações idênticas. 19. Em face de todo o exposto e ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, entende a aqui recorrente que, no cômputo desta indemnização a arbitrar ao autor, não se deverá entrar em linha de conta com o salário auferido pelo mesmo. 20. Neste sentido, veja-se o recentemente decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 19.02.2015, proferido no âmbito do processo n. 99/12.7TCGMR.G1.S1, bem como o decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 21.01.2016, relatado pela Senhora Juiz Desembargadora Relatora Dra. Deolinda Varão, no âmbito do processo n. 959/11.2TBSJM.P1, 3ª Secção. 21. Por outro lado, não se afigura justo e conforme aos princípios da equidade, que, nestas circunstâncias, se fixe uma indemnização de valor muito superior àquelas que vêm sendo atribuídas pela nossa Jurisprudência em situações em que, por exemplo, os lesados ficam a padecer de um dano biológico superior àquele que afecta o recorrido ou em que a idade do lesado seja inferior, situação em que esta incapacidade será previsivelmente vivenciada por muitos mais anos. 22. A indemnização fixada ao autor mostra-se muito superior àquelas que vêm sendo fixadas pela nossa Jurisprudência em casos em que os lesados padecem de sequelas mais gravosas, sendo, inclusive, mais novos do que o recorrido. Veja-se, a título de exemplo, o decidido nos seguintes Acórdãos, parcialmente transcritos no corpo destas alegações: - Acórdão da Relação do Porto proferido no processo 595/14.1TBAMT.P1; em - Acórdão da Relação de Guimarães proferido no âmbito do processo n.º 1760/16.2T8VCT.G1; 23. Perante os montantes fixados nos casos acima citados parece não existir dúvida de que o valor arbitrado ao recorrido a título de indemnização pelo défice funcional permanente de 2 pontos de que o mesmo padece se afigura excessivo e injustificado. 24. Ainda respeito da indemnização arbitrada ao apelado em virtude da sobredita incapacidade funcional permanente, importa sublinhar que, ao fixar o montante indemnizatório na quantia de 15.000,00€, o Tribunal recorrido não tomou em consideração a circunstância de que essa indemnização constitui, na realidade, uma verdadeira antecipação de capital, reportada a um dano que se verificará por cerca de 16 anos. 25. Tal correcção, de acordo com a nossa, que corresponde a um dos elementos a ter em conta pelo Julgador para aplicação do princípio da equidade, traduz-se numa redução/cativação de parte do valor indemnizatório a que se chega mediante o recurso a tabelas financeiras, à capitalização de rendimentos ou às tabelas em uso na legislação infortunística, desconto esse usualmente fixado em cerca de ¼ do aludido montante. 26. Por outro lado, a decisão em mérito teve em consideração o facto de que o autor teria um vencimento mensal aproximado de 1.600,00€, quando tal circunstância não corresponde exactamente à verdade. 27. De acordo com os factos provados, o autor tinha o vencimento líquido de 843,97€ (facto provado 1.31), a que acrescia um rendimento médio de 500,00€ a 600,00€/mês (facto provado n.º 1.35). 28. Considerando o acrescimento de rendimento mensal médio do autor de cerca de 550,00€ (brutos), enquanto mecatrónico nas horas vagas, o rendimento líquido mensal do apelado não se situa nos 1.600,00€, mas sim no valor aproximado de 1.343,97€ (843,97€ + 500,00€ [líquidos]). 29. As indemnizações fixadas a este título devem aproximar-se em casos semelhantes, sob pena de não serem justas, por tratarem de maneira diferente situações idênticas. 31. Perante tudo o exposto, a indemnização ora em apreço não se apresenta conforme aos princípios de justiça, de equidade e de proporcionalidade, justificando-se a sua redução para um valor não superior a 7.500,00€. 32. Com efeito este montante vai ao encontro da orientação seguida pela nossa Jurisprudência em situações semelhantes, como são disso exemplo os Acórdãos supra citados. 33. Em face do exposto, caso não se considere que o dano biológico do recorrido deve ser compensado, apenas, enquanto dano não patrimonial – o que apenas se equaciona para efeitos do presente raciocínio – deve a sentença ser, nesta parte, revogada e substituída por outra que fixe em 7.500,00€ a indemnização a arbitrar ao recorrido pelo défice funcional permanente de 2 pontos de que o mesmo ficou a padecer em consequência do acidente dos autos. 34. A douta sentença sob censura violou as regras dos artigos 483º e 566º do Código Civil. Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso Vossas Excelências farão inteira JUSTIÇA.” O Autor respondeu, pugnando para que seja negado provimento ao recurso deduzido pela Recorrente e deduzindo recurso subordinado, com as seguintes conclusões: I - DAS CONTRA-ALEGACÖES: 1a - Tendo em conta a factualidade que resultou provada sob os pontos 1.10, 1.11, 1.13, 1.15, 1.16, 1.18, 1.28, 1,29, 1.30, 1.31, 1.32, 1.33, 1.34, 1.35, 1.36, 1.37, 1.38, 1.39 dos Factos provados da sentença recorrida, impunha-se indemnizar o dano biológico correspondente ao défice-funcional permanente para a integridade físico-psíquica de 2 pontos de que o A./Recorrido ficou a padecer em consequência do sinistro. 2a - Com efeito, resultou provado que: a) antes do sinistro, era um homem saudável, ágil, forte, robusto e dinâmico - ponto 1.28 dos Factos provados. b) em consequência do sinistro, o Autor/Recorrido sofreu um traumatismo na região cervical e na região da omoplata direita - ponto 1.10 dos Factos provados. c) as lesões decorrentes desse acidente incapacitaram o Recorrido de forma absoluta para o trabalho num período de 185 dias, tendo sida obtida a consolidação médico-legal em ../../2020 - pontos 1.13 e 1.11 dos Factos provados. d) por força das lesões sofridas o Autor/Recorrido ficou completamente impossibilitado de exercer a sua actividade profissional de mecatrónico desde ../../2020 até ../../2020, vendo-se absolutamente privado de auferir os seus rendimentos – pontos 1.37, 1.38 e 1.39 dos Factos provados. e) o Recorrido exercia as atividades de professor da disciplina de "Sistemas e Processos de Controlo Automóvel do Curso Profissional Técnico de Mecatrónica Automóvel" no Agrupamento de Escolas ..., dos ... - ponto 1.30 dos Factos provados. f) para alem disso, nas horas vagas, desenvolvia por conta própria a atividade de Mecatrónico - pontos 1.32, 1.33 e 1.34 dos Factos provados. g) como professor, o Autor/Recorrido auferia uma remuneração mensal ilíquida de € 1.118,65 (líquida de € 843,97) - ponto de 1.31 dos Factos provados. h) a esse rendimento, o Autor/Recorrido acrescentava aquele que auferia no desempenho por conta própria da profissão de mecatrónico e que ascendia a um resultado médio líquido entre € 500,00 e € 600,00 - ponto I .35 dos Factos provados. i) após a consolidação médico-legal das lesões, o Recorrido ficou a padecer de sequelas designadamente, cervicalgia à direita da linha média com irradiação dorsal e nucal compatíveis com o exercício da profissão habitual mas que implicam esforços suplementares, nomeadamente em efetuar tarefas em bancada, com uso de microscópio e em efectuar a gestão eletrónica de automóveis implicando flexão cervical prolongada - ponto 1.16 dos Factos provados. j) essas sequelas, determinaram para o Autor/Recorrido um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos - ponto 1.16 dos Factos provados. k) à data do sinistro, o Recorrido tinha 51 anos de idade, pois havia nascido em ../../1968 - ponto 1.27 dos Factos provados. 3a - Tendo sido atribuído ao Autor/Recorrido um défice funcional permanente da integridade físicopsíquica de 2 pontos, compatível com o exercício da sua profissão mas a exigir esforços suplementares, tal representa uma perda de capacidade de ganho de igual proporção, atentos os esforços acrescidos que o mesmo tem que fazer, com a consequente lentificação da sua prestação profissional daí decorrente. 4a - Nessa medida, ao ter mais dificuldade e lentificar a sua prestação laboral, obviamente que tem uma implicação sobre o seu rendimento laboral, e como tal deverá ser indemnizado. 5a - Decidir de outro modo seria atentar contra os artigo 562º 563º e 564º do Cód. Civil. 5a - Pelo que bem decidiu o tribunal a quo em arbitrar uma indemnização para ressarcimento do défice funcional da integridade fisico-psíquica de 2 pontos sofrida pelo Autor/Recorrido. 6a - Tendo em conta os factos que resultaram provados enunciados na precedente conclusão 2a, verifica-se que a indemnização de € 15.000,00 (quinze mil euros) arbitrada pelo tribunal a quo para ressarcimento do dano biológico sofrido pelo Recorrido é justa e equitativa, não merecendo qualquer censura, devendo ser integralmente mantida. 7a - Pelo que deve ser negado provimento ao recurso deduzido pela Recorrente, mantendo-se, nessa parte, a decisão recorrida. II - DO RECURSO SUBORDINADO: 8a - Atendendo à factualidade que resultou provada sob os pontos 1.40, 1.41, 1.42, 1.43 e 1.44 dos Factos provados, o tribunal "a quo" tinha elementos de facto que lhe permitiam arbitrar de imediato uma quantia indemnizatória líquida para ressarcimento do dano provocado ao Autor com a perda do equipamento "... (COMPLETO) 55" e não relegar a sua fixação para decisão ulterior. 9a - Com efeito, resulta destes factos provados que: a) em consequência do sinistro, a máquina de diagnósticos electrónicos de marca ... (COMPLETO) 55", com o número de Série ...02, de que o Autor era proprietário e que seguia no interior da viatura sinistrada sofreu danos - pontos 1.40 e 1.41, al. a) e b) dos Factos provados. b) tais danos são irreversíveis, sendo impossível a recuperação e reparação do referido equipamento - pontos 1.41 e 1.42 dos Factos provados. c) não existindo já no mercado um equipamento idêntico - uma vez que o modelo foi descontinuado - o custo de um modelo semelhante ao modelo da máquina de diagrósticos electrónicos de marca ... (COMPLETO) 55", com o número de Série ...02, é de € 9.469,77 que o Autor terá que despender para satisfazer a sua necessidade de tal equipamento - pontos 1.43 e 1.44 dos Factos provados. 10a - Estatui o art. 483º do Cód. Civil que aquele que violar ilicitamente .com dolo ou mera culpa) o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação. Por seu turno, o art. 562 do Cód. Civil estabelece que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação. De acordo com o art. 566º no 1 do Cód. Civil "A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos o seja excessivamente onerosa para o devedor. 11 a - Assim sendo, no caso sub-judice, existindo a obrigação de a Ré reparar a situação que existia antes do sinistro, mas não sendo possível proceder à reparação do equipamento nem à aquisição de equipamento idêntico - por estar descontinuado - terá a Ré que proporcionar ao Autor uma indemnização que lhe permita adquirir um equipamento idêntico àquele que possuía. 12a - Tendo resultado provado que um equipamento de características semelhantes ao que o Autor possuía tem actuamente um custo de € 9.469,77, deveria o tribunal a quo ter condenado a Ré a pagar ao Autor a quantia líquida correspondente a esse mesmo montante e não relegar a decisão para liquidação ulterior. 13a - Ao decidir de forma diversa, violou o tribunal a quo as disposições dos arts 483º art. 562º e art. 566º 1 e art. 564º 2 in fine do Cód. Civil. 14a - Pelo que deverá ser proferida decisão que condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 9.469,77 , para indemnização do dano correspondente à perda da máquina de diagnósticos electrónicos de marca ... (COMPLETO) 55", com 0 número de Série ...02. Sem prescindir, 15a - Mesmo que tal se não entendesse, o tribunal a quo dispunha de elementos nos autos que permitiam, com recurso à equidade, fixar uma quantia indemnizatória líquida para ressarcimento do dano correspondente à perda daquela máquina de diagnósticos electrónicos, nos termos do art. 566º nº 1 do Cód. Civil. 16a - Pelo que, também por via da equidade (art. 566º no 1 do Cód. Civil) deveria o tribunal a quo ter condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 9.469, 77, para indemnização do dano correspondente à perda da máquina de diagnósticos electrónicos de marca ... (COMPLETO) 55", com o número de Série ...02. IP - Ao decidir de forma diversa, o tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do art. 566º nº 3 do Cód. Civil. 18a - Pelo que deverá ser proferida decisão que condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 9.469,77 , para indemnização do dano correspondente à perda da máquina de diagnósticos electrónicos de marca ... (COMPLETO) 55", com o número de Série ...02. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Ré "EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, SA", devendo, pelo contrário, ser dado provimento ao recurso subordinado interposto pelo ora contra-alegante e alterando-se a decisão recorrida em conformidade com as conclusões aí formuladas. Com o que se fará JUSTIÇA” A Recorrida subordinada respondeu, pugnando pela improcedência do recurso subordinado. II- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil). Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma. Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar: 1- Se deve ser reduzida (para 7.500,00 €) a indemnização fixada pelas consequências patrimoniais futuras do dano biológico sofrido pelo Autor (do recurso independente) 2- se o dano pela perda da máquina mecatrónica deve ser concretizado em 9.469,77 € (do recurso subordinado) III- Fundamentação de Facto Na sentença a matéria de facto foi fixada como se segue: 1. FACTOS PROVADOS. 1.1. O Autor era, à data de 24 de dezembro de 2019, dono e legítimo proprietário do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-JD-.. (cf. doc. nº 1 junto com a p.i.). 1.2. No dia 24 de dezembro de 2019, pelas 16,43 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Avenida ..., da vila de ..., no qual foram intervenientes: – o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-JD-.., do A., e por este conduzido; - e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-HU-.., propriedade de CC, e por este conduzido. 1.3. O A. desenvolvia a sua marcha, no sentido ..., pela metade direita da faixa de rodagem da referida via – Avenida .... 1.4. Ao chegar junto a uma passadeira destinada ao atravessamento de peões, o Autor de forma gradual imobilizou a sua marcha, tendo ficado parado atrás de um outro veículo automóvel ligeiro de passageiros, cujo condutor havia previamente imobilizado, também a sua marcha, junto à barra de paragem – marca m8 -, ali existente imediatamente antes do limite de uma passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca m11, Para permitir que um (01,00) peão, que se encontrava, parado, sobre o passeio destinado ao trânsito de peões, situado na margem direita da faixa de rodagem da Avenida ..., tendo em conta o sentido ..., procedesse ao atravessamento da faixa de rodagem da referida via – Avenida .... 1.5. Quando se encontrava assim parado e imobilizado, o veículo do A. foi embatido na traseira pelo veículo ..-HU-... 1.6. O condutor do veículo HU não prestava atenção à condução que executava, designadamente aos veículos automóveis que se encontravam, parados e imobilizados, à sua frente e, por essa razão, não se apercebeu da presença do veículo do A., e que este se encontrava, imobilizado e parado, nas circunstâncias supra descritas. 1.7. Desse modo, o CC, sem travar e sem reduzir a velocidade de que seguia animado, foi embater no veículo do A. 1.8. Este embate verificou-se entre a parte frontal do veículo automóvel ..-HU-.. – tripulado pelo CC – e a parte traseira do veículo automóvel ..-JD-.. – propriedade do Autor AA. 1.9. A Ré Companhia de Seguros “EMP02..., S.A./EMP02..., atualmente denominada “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, concluiu pela total e exclusiva culpa na produção do acidente por parte do condutor – CC - do veículo automóvel seu segurado – ligeiro de passageiros de matrícula ..-HU-.., assumiu as suas responsabilidades pelas consequências danosas do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, e, na sequência, já pagou diretamente à oficina “EMP03...”, a quantia de 1.649,93 € , relativa aos danos sofridos – custo da reparação - pelo veículo automóvel do A. 1.10. Como consequência direta e necessária do acidente, resultou para o Autor traumatismo na região cervical e na região da omoplata direita. 1.11. A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 25/6/2020. 1.12. Sofreu um período de défice funcional temporário total de 1 dia e parcial de 184 dias. 1.13. Sofreu um período de repercussão temporária total de 185 dias na atividade profissional de gestão eletrónica de automóveis e de um dia na atividade de professor de mecatrónica de automóvel. 1.14. Sofreu um período de repercussão temporária parcial de 184 dias na atividade de professor de mecatrónica de automóvel. 1.15. Suportou um quantum doloris de grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente. 1.16. Ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos (por cervicalgia, sobretudo à direita da linha média e, por vezes, com irradiação dorsal e nucal, não constante, com reduzida limitação funcional, na presença de patologia degenerativa pré-existente), compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares, nomeadamente em efetuar tarefas em bancada, com uso de microscópio e em efetuar a gestão eletrónica de automóveis implicando flexão cervical prolongada. 1.17. Ficou a padecer de uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 7 graus de gravidade crescente. 1.18. Ficou dependente de ajudas medicamentosas (medicação analgésica/ anti-inflamatória/ relaxante muscular, não regular, ajustada em dose e frequência ao quadro sintomatológico apresentado). 1.19. O Autor foi transportado, de ambulância – INEM – para o Hospital ..., de ..., EPE, onde foram prestados os primeiros socorros, e foram-lhe efetuados exames complementares de diagnóstico à coluna. 1.20. No próprio dia da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, o Autor obteve alta hospitalar para o domicílio, medicado para as dores 1.21. E regressou à sua residência, onde se manteve doente, combalido, com dores ao nível das regiões do seu corpo atingidas. 1.22. Uma vez que as dores persistiam, o A. recorreu ao Hospital ..., onde foi consultado, assistido e acompanhado pelo Médico Ortopedia Dr. DD. 1.23. No Hospital ..., foram prescritos, ao Autor, exames complementares de diagnóstico diversos, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos e anti-inflamatórios. 1.24. Foi-lhe prescrito o uso de um colar cervical, que o Autor usou ao longo de um período de tempo, continuado e ininterrupto, de seis (06,00) meses. 1.25. No Hospital ..., foi, também, prescrito, ao Autor, tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia -, que realizou ao longo de: a) dez (10,00) sessões, na EMP04.... Lda.”, em ...; b) Trinta e duas (32,00) sessões, no Hospital .... 1.26. No momento do acidente, o Autor sofreu um susto. 1.27. O Autor contava cinquenta e um (51,00) anos de idade à data do acidente, pois nasceu no dia ../../1968. 1.28. Era um homem saudável, ágil, forte, robusto e dinâmico. 1.29. O Autor havia obtido o Certificação de Competência Referencial de Técnico de Mecatrónica Automóvel de nível 4 de qualificação do Quadro Nacional de Qualificações, conforme Catálogo Nacional de Qualificações, no Centro de Formação Profissional ... – Delegação Regional ... -, do Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, nas seguintes Unidades de Competência: diagnosticar e reparar sistemas de travagem; diagnosticar e reparar sistemas de segurança ativa e passiva; diagnosticar e reparar sistemas de direção/suspensão; diagnosticar e reparar Rodas/Pneus/Geometria de direção; diagnosticar e reparar sistemas de transmissão manual; diagnosticar e reparar sistemas de transmissão automática; reparar motores; diagnosticar avarias em Motores; interpretar os princípios de Eletricidade Automóvel; diagnosticar e reparar sistemas de carga e arranque; diagnosticar e reparar Unidades eletrónicas de comando / sensores e atuadores; diagnosticar e reparar Sistemas Multiplexados; diagnosticar e reparar Sistemas de Iluminação e aviso; interpretar Sistemas de ignição e injeção de motores a gasolina; diagnosticar e reparar avarias em sistemas de ignição e injeção eletrónica de motores a gasolina; diagnosticar e reparar avarias em sistemas de injeção Diesel; diagnosticar e reparar sistemas Antipoluição / Sobrealimentação; diagnosticar e reparar Sistemas de Climatização; diagnosticar e reparar sistemas de conforto e segurança; diagnosticar e reparar sistemas de informação e comunicação (cf. doc. 21 junto com a p.i). 1.30. À data do acidente o Autor exercia, como ainda exerce, a profissão de Professor da Disciplina Sistemas e Processos de Controlo Automóvel do curso Profissional Técnico de Mecatrónica Automóvel (cf. docºs. nºs. 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28, fls. 57 vº e ss) no Agrupamento de Escolas ..., .... 1.31. E auferia o rendimento global ilíquido do seu trabalho de: a) ordenado-base 1.018,48 €; b) subsídio de alimentação 100,17 €, num total de 1.118,65 € (líquido de €843,97). 1.32. Além disso, nas suas horas vagas deixadas pela sua profissão de Professor de Mecatrónica, o Autor dedicava-se, à data do acidente, por conta própria e com fins lucrativos, ao desempenho da profissão de Mecatrónico (cf. docs. 29 e 30 juntos com a p.i.). 1.33. O Autor era possuidor e proprietário de uma Máquina de Diagnósticos Eletrónicos, do ramo automóvel – ... (docs. 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39 e 40 juntos com a p.i.). 1.34. No desenvolvimento dessa sua atividade de Mecatrónico, o Autor prestava serviços de diagnóstico no ramo eletrónico de automóveis em oficina de reparação auto, situadas em todos os concelhos do distrito ..., nomeadamente diagnósticos de avarias e programação após a substituição de peças, nas avarias diagnosticadas. 1.35. Como resultado dessa sua profissão/atividade de Mecatrónico, por conta própria e com fins lucrativos, o Autor auferia, à data do acidente, um resultado médio líquido desse seu trabalho entre 500,00€ a €600,00, por mês:docºs. nºs. 29, 30, 32, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39 e 40. 1.36. Em consequência do acidente, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, viu-se impossibilitado de exercer essa sua profissão/atividade de mecatrónico, por conta própria e com fins lucrativos. 1.37. Desde o mês de ../../2020, até ao mês de ../../2020 – ressalva-se que, ao longo do mês de janeiro de 2020, o Autor com muitas dores e intenso sacrifício desenvolveu alguns trabalhos de Mecatrónico. 1.38. A partir do mês de ../../2020 até ao mês de ../../2020, porém, o Autor viu-se absolutamente impossibilitado de desempenhar essa sua profissão de mecatrónico, por conta própria e com fins lucrativos. 1.39. E não auferiu, por essa razão, os respetivos rendimentos desse seu trabalho, ao longo do referido período de tempo. 1.40. Na altura do acidente, o Autor transportava no interior do seu veículo uma (1) Máquina de Diagnósticos Eletrónicos, do ramo automóvel, de marca ... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02, constituído por dois (2) multímetros e por dois (2) osciloscópios digitais (softwere totalmente livre e completo, sendo esta versão a mais completa da gama de equipamento da ...) ( cf. docs. nºs. 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39 e 40 juntos com a p.i.), que havia adquirido, por compra, pelo valor de Esc.:2.633,027$00 – 13.133,50 € (doc. de fls. 173). 1.41. Em consequência do acidente sofreu o referido equipamento: a) dano irreversível do Display LCD/TFT NEC-53/5405 (sem qualquer possibilidade de reparação), pois viu danificados os cristais responsáveis para uma boa resolução de imagem; b) o Display, em consequência, acabou a causar outro estrago/dano, o que levou, ao mesmo momento, por danificar a placa electrónica, designada por ... / 4609, responsável pela alimentação, controlo de brilho e contraste do mesmo Display:docºs. nºs. 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39 e 40. 1.42. O que tem, como consequência, a impossibilidade de recuperação e reparação do referido Equipamento: docºs. nºs. 41 e 42, tendo em conta não existir no mercado um plano de reparações para o supra-referido Equipamento, tendo em conta a sua DESCONTINUAÇÃO, no mercado: docºs. nºs. 41 e 42. 1.43. O custo de aquisição de um Equipamento semelhante ao Equipamento, propriedade do Autor “... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02 é de 9.469,77 €:doc. nº. 44). 1.44. Quantia que o Autor vai necessitar de despender, para a aquisição de um equipamento de substituição, idêntico ao danificado e inutilizado, para poder continuar a exercer a sua profissão de Mecatrónico, por conta própria e com fins lucrativos: docºs. nºs. 41, 42, 43 e 44. 1.45. O Autor efetuou as seguintes despesas, como consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes: a) obtenção do Relatório Médico, junto com esta petição inicial 410,00 €; b) medicamentos 15,72 €; c) portagens em Auto-Estradas 24,81 €; d) custo de 1 certidão de nascimento/Registo Civil 20,00 €; e) custo de 2 certidões da Conservatória do Registo Automóvel 34,00 €; f) deslocações várias em veículo automóvel próprio para consultas, exames de diagnóstico e tratamentos 299,77 €; g) 1 certidão da GNR ... 72,00 €, num total de 876,30 €: docºs. nºs. 1, 12, 20, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58. 1.46. E ainda despendeu: na realização de tratamentos de fisioterapia; realização de exames complementares de disgnóstico, consultas médicas, prescrições médicas, aquisição de medicamentos a quantia de €109,32 – cf. docs. de fls. 396 vº a 404vº. 1.47. À data da deflagração do acidente de trânsito supra-referido, ocorrido no dia 24 de dezembro de 2019, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-HU-.. encontrava-se transferida para a COMPANHIA DE SEGUROS “EMP02..., S.A.”, com sede na ... (NIF:...31), através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. ...77, em vigor à data da ocorrência do acidente de trânsito, supra-referido:doc. nº. 59 1.48. Sucede que no dia 1 de Outubro de 2020, a referida Companhia de Seguros “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” foi incorporada, por fusão, na Companhia de Seguros “EMP02..., S.A./EMP02...”, e passou a adoptar a denominação social “EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”:docºs. nºs. 59 e 60. 2. FACTOS NÃO PROVADOS. 2.1. O Autor não se encontra ainda completamente curado, nem clinicamente estabilizado. 2.2. O Autor vai necessitar, ao longo de toda a sua vida, de recorrer a múltiplas e sucessivas consultas médicas, das especialidades de Medicina, Ortopedia e Fisiatria e de Cirurgia, além de outras. 2.3. O Autor vai ter necessidade de se submeter sessões, periódicas e contínuas, de Medicina Física de Reabilitação (MFR) – Fisioterapia –, ao longo de toda a sua vida, a todas as regiões do seu corpo atingidas, em consequência do acidente, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes. 2.4. Nomeadamente, o Autor ficou a necessitar, para toda a sua vida, de obter consultas periódicas e permanentes das Especialidades de Ortopedia e de Fisiatria, além de outras. 2.5. Ficou a necessidade de recorrer, ao longo de toda a sua vida, a tratamentos periódicos e contínuos de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia – e do uso de um colar ortopédico. 2.6. Além disso, o Autor passou, também, a sentir fobia em andar no interior de quaisquer veículos automóveis. 2.7. Da condução de veículos de circulação estradal. 2.8. De caminhar, a pé, na via pública. 2.9. E de proceder ao atravessamento de vias públicas, mesmo sobre as Passadeiras destinados ao Atravessamento de Peões, por associação com o sinistro que deu origem à presente acção. 2.10. O que, também, a limita e a impede de desempenhar, em pleno, a sua referida profissão de Professor de Mecatrónica, por conta do Agrupamento de Escolas ..., de .... 2.11. E de Mecatrónico, por conta própria e com fins lucrativos. 2.12. Passou e vai passar a necessitar da presença, do acompanhamento, da ajuda e do auxílio de colegas de profissão e de terceiras pessoas para execução de tarefas que ele não é já capaz de executar, ou que não é capaz de executar sozinho. 2.13. E passou a vai continuar e passar a necessitar da presença, do auxílio e da ajuda de colegas de trabalho e de terceiras pessoas, que o vão passar a complementar e a substituir em tarefas que ele não já capaz de executar, ou não é já capaz de executar sozinho. 2.14. O Autor viu, assim, e vai continuar a ver, frustradas as suas possibilidades e expectativas de formação, de promoção profissional e de progressão na carreira profissional de Professor de Mecatrónica, por conta do Agrupamento de Escolas ..., de ... e de Mecatrónico. 2.15. E viu já e vai continuar a ver o acesso, a progressão e a ascensão, na sua carreira profissional de Professor de Mecatrónica, por conta do Agrupamento de Escolas ..., de ... prejudicados e ser preterido por colegas de profissão. IV- Fundamentação de Direito A- Do recurso principal As partes estão em desacordo quanto ao valor justo que deve ser atribuído ao Autor para compensar as perdas patrimoniais futuras originadas pelo dano biológico de que ficou portador em consequência do acidente. Para se poder resolver as divergências nas posições constantes destes autos, importa, antes de mais, verificar quais os danos que aqui se devem indemnizar (uma vez que a Ré Recorrente não aceita que sejam passíveis de indemnização todas as consequências das lesões tidas em conta na sentença). E após importa verificar se a sentença fixou o valor indemnizatório em causa de uma forma justa e adequada, sem esquecer que existem diferentes métodos na fixação da indemnização, por recurso a diferentes critérios indemnizatórios. Vejamos, na síntese mais curta possível, os diversos critérios em causa neste âmbito: À firmada dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais (os primeiros atingindo diretamente a esfera patrimonial do lesado, ao contrário dos segundos), tem vindo a ter crescente importância a dicotomia lesões corporais e materiais (considerando-se as lesões corporais como ofensas à integridade física e saúde do lesado). A estas distinções recorre, aliás, DL n.º 291/2007, de 21 de agosto que estabelece o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, mencionando, no artigo 4º, os “danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros”. O dano biológico, originado numa lesão corporal, traduz-se na afetação da capacidade funcional de uma pessoa, declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica. Têm sidos discutidos os critérios a utilizar para a fixação da indemnização desta diminuição da capacidade funcional da pessoa originada nas lesões corporais que sofreu. (Uns entendem que deve fixar-se uma indemnização autónoma para este dano, sem recorrer á classificação danos patrimoniais e não patrimoniais, outros que estes devem ser considerados apenas como danos patrimoniais e outros ainda que podem ser considerados, conforme os casos, no âmbito de um destes dois critérios, outra ainda que este pode determinar consequências patrimoniais e não patrimoniais, sendo que nos parece que este último entendimento é o mais consentâneo com o que se visa reparar). Entendemos, como se viu, que o dano biológico não é um terceiro género, face á classificação dos danos como patrimoniais e não patrimoniais, mas uma outra categorização, fundada no facto que o origina e não nas suas consequências na esfera jurídica (patrimonial ou moral) do lesado; o dano biológico pode ter, quer consequência patrimoniais, quer não patrimoniais: no que concerne á consideração deste dano na sua vertente patrimonial, se o dano na saúde do lesado atinge imediatamente o seu património, por diminuir ou impedir totalmente o rendimento proveniente do seu trabalho, é clara a ressarcibilidade deste prejuízo, de valor diretamente económico. A questão é mais sensível quando não é tão direta essa repercussão no património. Não é de exigir uma imediata e efetiva perda de rendimentos decorrente da incapacidade permanente para que se reconheça ao lesado o direito a indemnização pelo dano biológico na sua repercussão patrimonial. A diminuição da rentabilidade de uma pessoa no trabalho que exerce (e que é capaz de exercer) tem necessariamente consequências patrimoniais, seja na possibilidade de vir a obter outras fontes de rendimento, na progressão na carreira, seja na reconversão profissional futura. (cf intervenção de Salazar Casanova a 27 de outubro de 2016 no Colóquio Sobre o Código Civil, disponível em stj.pt/ficheiros/colóquios e, entre muitos, Acs do STJ nos processos 565/10.9TBPVL.S1 298/06.0TBSJM.S1, 269/06.7 GARMR.E1.S1, 298/06.0TBSJM.S1) Assim, atenta a multiplicidade de vertentes em que se estende a vida humana, nomeadamente a profissional, como forma de obter rendimentos, a par de outras, entende-se premente considerar-se que a privação da inteira capacidade biológica de uma pessoa para o exercício da sua capacidade produtiva, se traduz também numa perda patrimonial, embora não imediata, e como tal deve ser indemnizada, visto que tal incapacidade implica um esforço acrescido, consumidor de recursos do lesado (finitos por natureza), que, não sendo esse esforço necessário, poderiam ser canalisados para atividade produtiva, simultânea ou subsequente. Deve, pois, ser considerada indemnizável autonomamente a incapacidade permanente que exija esforços acrescidos no desempenho da atividade profissional habitual do lesado. Tem sido a corrente maioritária na jurisprudência portuguesa que os critérios e valores previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26-05, a que alude o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, se destinam tão só a servir de orientação aos lesados no âmbito dos procedimentos obrigatórios para a regularização dos sinistros rodoviários como se esclarece no seu preâmbulo, não vinculando o julgador, embora sejam de ponderar, nomeadamente face á unidade do sistema jurídico. Tem interesse, pois, confirmar que neste diploma se afirma que deve ser considerada indemnizável autonomamente a incapacidade permanente que exija esforços acrescidos no desempenho da atividade profissional habitual do lesado, no artigo 3º alínea b) (referindo-se complementariamente à sua ressarcibilidade também como dano moral no artigo 4º, alínea b)). Estes “esforços complementares” no exercício da atividade habitual causados pelo dano biológico têm, no entanto, que ser calculados, quando se recorra a fórmulas matemáticas, com maior adaptações relativamente ao seu resultado, visto que estas têm em vista essencialmente os casos em que ocorre a perda de capacidade, ainda que parcial, de exercício dessa atividade, atenda a manifesta divergência na gravidade das consequências do dano que daqui advêm. Tem que ser apurada, verificando-se “apenas” esforços agravados e não perda direta da capacidade de ganho, essencialmente por recurso à equidade, tendo sempre em vista os valores jurisprudenciais que têm vindo a ser estabelecidos. Estes danos patrimoniais, embora originados na mesma circunstância, não se confundem com os esforços acrescidos e perda de qualidade de vida que o dano biológico causa no âmbito da vertente pessoal do lesado, traduzido no maior custo em efetuar as tarefas do dia-a-dia, na limitação das demais atividades que, sem ter em vista a obtenção de rendimentos, em que se desenvolve a personalidade humana (no campo pessoal, familiar, social, intelectual, recreativo, etc). - O cálculo da indemnização do dano biológico na vertente patrimonial quando este se traduza na exigência de esforços complementares. O recurso a fórmulas ou tabelas matemáticas, é apenas um auxiliar para encontrar a compensação adequada para o dano biológico, sempre sujeita a fatores de correção com base na equidade e tem em vista essencialmente os casos em que ocorre a perda de capacidade, ainda que parcial, de exercício dessa atividade. As fórmulas ou tabelas visam essencialmente o cálculo de indemnização devidas por incapacidades com repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho e aqui não é disso que se trata, mas a sua incidência mediata, por estar em causa, não o exercício efetivo das funções que a compõem, visto que o Autor consegue fazer da mesma forma todos os atos que tal profissão implica, mas um maior dispêndio de esforço no exercício da mesma, com consequência que só mediatamente se podem verificar. A indemnização da diminuição da capacidade laborativa que se traduza na necessidade de “esforços complementares” para o exercício da atividade habitual causados pelo dano biológico, mas sem pôr em causa a sua capacidade de desempenhar todas as componentes da sua atividade profissional, tem que ter um tratamento diferenciado daquelas situações em que o dano biológico impede o desempenho de parte das funções profissionais do lesado, por ser evidente a diversidade de gravidade entre ambas as situações e das suas consequências patrimoniais e haver que respeitar os princípios da igualdade e proporcionalidade. Assim, nesta sede, há que fazer uma distinção: entre os casos em que há uma repercussão direta da lesão sobre a capacidade de ganho, reduzindo efetivamente de forma direta o rendimento que o lesado obtém, em que o lesado vê de forma imediata comprometida, em maior ou menor grau, a possibilidade de exercer as funções que anteriormente cumpria, casos em que as fórmulas matemáticas podem ter uma aplicação mais clara (se bem que sempre sujeitas à adaptação dada pela equidade) e aqueles em que a lesão apenas atinge o lesado, na sua vertente patrimonial, de uma forma indireta, mediata, a longo prazo, pelas repercussões mais longínquas, considerando a impossibilidade de investir os mesmos esforços na sua vida profissional, a sua progressão na carreira, a sua possibilidade de alteração de profissão. Enfim, na primeira, em que a lesão tem consequências diretas no ganho ou capacidade de ganho do lesado, pode com mais facilidade aceitar-se o resultado do recurso às fórmulas matemáticas (se bem que sempre sem esquecer que têm que ser também necessariamente temperada pela equidade, como é hoje pacífico), no segundo caso, em que o dano é mais remoto, impõe-se o direto recurso à equidade (cf também neste sentido o acórdão proferido pelo STJ de 12/11/2012, no processo 269/06.7 GARMR.E1.S1. e pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/06/2016, no processo 232/13.1TBMBR.C1). Importa sempre, também, atender a valores jurisprudenciais que têm vindo a ser estabelecidos, com vista a uma uniformização de critérios, por imposição do princípio da igualdade e credibilização da aplicação da justiça, embora as especificidades de cada caso e a diferente valoração do dano biológico (ora só em sede patrimonial, ora também em sede não patrimonial, ora em ambas) possam não tornar fácil este desiderato. É certo que é também de ter em conta, nomeadamente face á unidade do sistema jurídico, mas entende-se que mais residualmente, face à hierarquia das normas, e apenas como um elemento coadjuvante, a Portaria 377/2008 (com as alterações da Portaria 679/2009), como mais esmiuçado foi no Acórdão desta Relação de 01/18/2018 no processo 2272/15.7T8CHV.G1: “1- A Portaria n.º 377/2008, de 28/05, visou concretizar o comando legal previsto nos arts. 20º-F e 20º-G do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 83/2006, de 29/7, que impõe às seguradoras a obrigação de apresentarem às vítimas de acidente de viação que tenham sofrido lesões corporais, proposta razoável de indemnização. 2- O regime legal previsto naquela Portaria esgota-se numa fase extra e pré-judicial, pelo que os critérios indemnizatórios nela enunciados não vinculam os tribunais. 3- Sendo a compensação por danos não patrimoniais fixada por recurso à equidade, isto é, um critério de justiça material, e sendo ínsito a este critério, desde logo, a ideia de igualdade, o julgador, na fixação da compensação por recurso à equidade, não poderá abstrair-se totalmente dos critérios indemnizatórios fixados naquela Portaria, devendo, contudo, em primeira linha, ter em conta os montantes indemnizatórios fixados pela jurisprudência em casos iguais/semelhantes.” Com efeito, a simples análise da jurisprudência demonstra que para efeito de determinação das consequências futuras do dano biológico (quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial), importam essencialmente as consequências das lesões na atividade desenvolvida pelo lesado, valorando o esforço acrescido adquirido, quanto ao seu peso, extensão e efeitos, mais do que a consideração abstrata dos pontos atribuídos ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física, embora estes sejam, evidentemente, representativos da gravidade da lesão. Enfim, os critérios previstos no artigo 496º, n.º 3 do Código Civil, embora referentes ao dano não patrimonial, têm também aqui ampla aplicação, fixando-se esta indemnização por recurso à equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º deste diploma, designadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a do lesado. Como se viu, no que toca aos critérios jurisprudenciais, a diferente qualificação dos danos dificulta muitas vezes o apuramento de uma linha condutora, sendo que também na análise dos valores a atribuir há que considerar os demais valores atribuídos na sentença decorrentes do dano biológico, tentando encontrar um valor equilibrado quanto ao montante global a atribuir (distribuído pelas várias parcelas). Como se disse no acórdão 28188/19.0T8LSB.L1-6, de 05/11/2023, perante um lesado de 34 anos de idade e que passou a padecer de uma afetação permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos que o obriga a desenvolver mais esforços para desempenhar a sua atividade profissional: “é indiferente o enquadramento conceptual do dano biológico realizado na sentença, importando apenas notar, como o faz o recorrido, que a indemnização arbitrada por equidade pelo tribunal recorrido contempla o dano biológico e os danos não patrimoniais especificamente mencionados na decisão. Dito de outro modo, não estamos perante uma sentença que fixe €45.000,00 por danos não patrimoniais, mas perante uma sentença que fixa tal montante em face de dano biológico e de dano não patrimonial na aceção restrita ou tradicional deste último tipo de dano. Também não há dúvida que o método de cálculo para o dano biológico e para o dano não patrimonial passa pela equidade, com ponderação dos fatores concretos relevantes, e em ambos os casos estaremos perante uma compensação e não perante uma reparação natural e que manteve esse valor.” Vejamos o que mais encontrámos na jurisprudência: - Acórdão proferido no processo 3181/14.2TBVFX-2, em 09/13/2018: “É de atribuir uma indemnização não patrimonial de 12.000€ a um lesado que teve de suportar consultas e tratamentos médicos, ficou com IPG de 2%, teve um quantum doloris de 3 numa escala crescente de 0 a 7 e um traumatismo da coluna cervical e lombar, tem cervicalgias intermitentes e necessidade de medicação de forma esporádica, ficou com uma alteração da mobilidade do pescoço com dor nas amplitudes máximas de rotação e inclinações laterais e teve uma IGP de 84 dias.”, em situação em que o lesado nasceu a ../../1954 e o acidente ocorreu em 30/03/2013 (tinha praticamente 79 anos). --- Acórdão proferido no processo 595/14.1TBAMT.P1, em 09/26/2016: “fixa-se o montante da indemnização em € 15.000,00, sendo € 5.000,00 a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial e € 10.000,00 a título de danos morais. As sequelas de que ficou afetado determinam-lhe uma desvalorização para todas as atividades em geral de 2 pontos em 100 que, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (o Autor tinha à data do acidente 35 anos). --- Acórdão proferido no processo 6244/13.8TBVNG.P1, em 12/16/2015: “ O A. ficou a padecer duma “incapacidade permanente geral”, de uma forma genérica, correspondente a um dano na integridade físico-psíquica do A., de caráter permanente, atual ou futuro, que se repercute em diversas áreas da sua existência: atividades da vida diária; atividades afetivas, familiares, sociais, de lazer e desportivas; atividades de formação; atividades profissionais, no valor de 2 pontos… O quantum doloris (grau 3 em 7), o prejuízo estético e de desempenho sexual (grau 1 em 7), os tratamentos ambulatórios (cinco meses), a dificuldade de preensão ou de suporte de pesos, tudo conjugado o prejuízo da formação e da atividade profissional do Autor/lesado (a educação física), bem como a natural necessidade de adaptação interior para lidar com a incapacidade, justificam a atribuição ao Autor de uma indemnização de € 25.000, a título de danos não patrimoniais. II – Já a indemnização pela perda futura de ganho, considerando sobretudo que o Autor era um jovem dinâmico, com inserção variada no mercado de trabalho, com 25 anos à data do acidente e da alta clínica, vendo-se para futuro dificultado no desenvolvimento da sua atividade profissional relacionada com a educação física, deve ser fixada no montante de € 11.000.” Antes de se descer à apreciação concreta dos factos em debate, há que dizer que se entende que é sempre possível, logicamente admissível e de aceitar diferentes categorização dos danos e o seu arrumo de forma diferenciada da que seguimos, desde que, seguindo critérios logico-jurídicos coerentes, se atendam a todas as consequências originadas pelo evento lesivo delas e sejam contemplados todos os danos passíveis da indemnização pedida. Assim, para verificar se o valor da indemnização do dano biológico na vertente de perda de rendimentos por esforços acrescidos fixado numa sentença é adequado há sempre que verificar os critérios a que recorreu para indemnizar os efeitos do dano biológico na sua totalidade, visto que há teses que incluem na vertente patrimonial toda a indemnização por ambas as vertentes deste dano, havendo que ter uma visão do conjunto, a fim de haver coerência nas decisões jurisprudenciais. A lesão física sofrida pelo Autor causou-lhe traumatismo na região cervical e na região da omoplata direita, com um défice funcional temporário total de 1 dia e parcial de 184 dias, um quantum doloris de grau 3 numa escala de 7 graus e em virtude do qual ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos (por cervicalgia, sobretudo à direita da linha média e, por vezes, com irradiação dorsal e nucal, não constante, com reduzida limitação funcional, na presença de patologia degenerativa pré-existente), compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares, nomeadamente em efetuar tarefas em bancada, com uso de microscópio e em efetuar a gestão eletrónica de automóveis implicando flexão cervical prolongada. Nas atividades desportivas e de lazer sofre de uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 7 graus, ficou dependente de ajudas medicamentosas (medicação analgésica/ anti-inflamatória/ relaxante muscular, não regular, ajustada em dose e frequência ao quadro sintomatológico apresentado, foi submetido a 42 sessões de fisioterapia e a colar cervical. Trabalhava como professor, auferindo o valor de 1.118,65 € (ilíquidos) e como Mecatrónico, por conta própria, nas horas vagas, com um resultado médio líquido desse seu trabalho entre 500,00€ a €600,00, por mês. À data do acidente tinha 51 anos de idade. A sentença considerou a quase totalidade das consequências do dano biológico nesta vertente indemnizatória patrimonial, visto que fixou o valor de 5.000,00 € para compensar as “dores, desgostos sofridos, quantum doloris atribuído, a natureza das lesões sofridas, tratamentos recebidos, e natureza das sequelas de que ficou portador, e bem assim o período de tempo desde o acidente até à consolidação”. A dificuldade em efetuar tarefas em bancada, com uso de microscópio e em efetuar a gestão eletrónica de automóveis implicando flexão cervical prolongada e a dependência de ajudas medicamentosas (medicação analgésica/ anti-inflamatória/ relaxante muscular, não regular, ajustada em dose e frequência ao quadro sintomatológico apresentado) apresenta uma considerável limitação na sua atividade como profissional da Mecatrónica que devem ser compensadas na medida em que limitam a sua capacidade de esforço e o resultado do seu trabalho (como a extensão do horário de trabalho, a velocidade do mesmo ou mesmo a sua qualidade, visto que trabalhar com dores muitas vezes não tem o mesmo resultado que trabalhar sem elas) e logo de progressão na carreira ou de auferir rendimentos adicionais. E porque é na vertente patrimonial do dano biológico que se considera este esforço acrescido, no que esta lesão importa na sua capacidade de vir a ganhar mais, que importa saber o valor patrimonial que o lesado deixa de poder vir a auferir. Nem todas as pessoas com o mesmo esforço auferem o mesmo, pelo que não é possível, como afirma a Recorrente, ignorar quanto auferia o lesado para calcular esta perda, nem, tão pouco, o tempo previsível em que continuaria a poder auferir rendimentos. Os montantes a atender são os que acabámos de referir. Embora o valor atribuído a este título na sentença já tenha tem bastante relevo, considerando que na vertente pessoal, não patrimonial, esta lesão nem sequer foi autonomizada, entendemos que o montante fixado, considerando a metodologia seguida na sentença na divisão das parcelas indemnizatórias dos danos resultantes da afetação permanente da integridade físico-psíquica do lesado, se conserva dentro dos critérios jurisprudenciais, pelo que se mantém o seu valor, em 15.000,00 €. B- Do recurso subordinado Não obstante o justo enquadramento dos critérios para apurar o valor indemnizatório devido pelos danos patrimoniais, a sentença não fixou o montante da indemnização, pela perda de uma máquina danificada no acidente, por entender que não tinha dados para tanto, do que discorda o Recorrente subordinado. Vejamos a fundamentação da sentença: “Peticiona o A. uma indemnização pela perda total do equipamento “... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02, uma vez que a sua reparação é tecnicamente impossível. A indemnização que o A. peticiona equivale ao custo de um equipamento novo. A este título apurou-se que: - na altura do acidente, o Autor transportava no interior do seu veículo uma (1) Máquina de Diagnósticos Electrónicos, do ramo automóvel, de marca ... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02, constituído por dois (2) multímetros e por dois (2) osciloscópios digitais (softwere totalmente livre e completo, sendo esta versão a mais completa da gama de equipamento da ...) que havia adquirido, por compra, em 13/12/2000, pelo valor de Esc.:2.633,027$00 – 13.133,50 € (doc. de fls. 173). - em consequência do acidente sofreu o referido equipamento danos irreversíveis, sendo a sua reparação inviável, tendo em conta não existir no mercado um plano de reparações para o supra-referido Equipamento, tendo em conta a sua DESCONTINUAÇÃO. - o custo de aquisição de um Equipamento semelhante ao Equipamento, propriedade do Autor “... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02 é de 9.469,77 €. Importa então apreciar e definir que tipo de prestação é devida pela Ré seguradora. Neste âmbito vigora o “princípio indemnizatório”, segundo o qual a seguradora só tem de pagar, nos limites do capital seguro, a quantia correspondente ao valor da coisa no momento do sinistro (neste sentido, José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, pág. 145 e seguintes). Assim sendo, entende-se que o A. apenas tem direito a ser ressarcido do valor de mercado do equipamento danificado à data do sinistro, e não do valor peticionado para aquisição de um equipamento em estado novo, que de resto nem será igual ao danificado, mas mais evoluído, em face da descontinuação daquele. A atribuição da indemnização peticionada pelo A. consubstanciaria um benefício para o A., colocando-o numa situação melhor do que aquela em que estaria se o sinistro não tivesse ocorrido, quando é certo que o que se pretende é a indemnização estrita do dano sofrido. Pelo exposto, entende-se que a indemnização pela perda total do equipamento deve corresponder ao valor de mercado do mesmo à data do acidente, a apurar em sede de liquidação ulterior.” Ora, a ideia de que “o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo do sinistro” e de que “o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado” estão estipuladas no artigo 130º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro para o seguro de danos. Não é este o presente caso. Aqui cuida-se do cálculo da indemnização devida ao lesado no âmbito de um acidente de viação que abrange a obrigação de indemnizar estabelecida na lei civil (artigo 11º do DL n.º 291/2007, de 21 de agosto). Determinados os danos de que o caso foi causa adequada, são todos esses, e só esses que, em princípio, o responsável é obrigado a reparar. A obrigação que impende sobre este terá como fim essencial, nos termos do artigo 562º do Código Civil, a reconstituição da situação que existiria, se o facto não se tivesse verificado (princípio da reposição natural). O n.º 1 do artigo 564º do Código Civil estipula que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. O dano patrimonial mede-se por uma diferença: a diferença entre a situação real atual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse o facto lesivo. Dentro do dano patrimonial cabe, não só o dano emergente, ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado. O primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão. O segundo abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão. Vistos este princípio a situação em apreço torna-se mais nítida: o Autor era possuidor de uma Máquina de Diagnósticos Electrónicos, o qual utilizava no exercício da sua profissão por conta própria e com fins lucrativos e sem a qual deixou de a poder exercer dessa forma. A máquina ficou destruída sem possibilidade de reparação, visto que foi descontinuada. Custou, nova, 13.133,50 €, estado em que já não se encontrava. O atual custo de um equipamento semelhante orça 9.469,77 €. Relevante é que, como resulta da matéria de facto provada, esta quantia de 9.469,77 € é aquela “que o Autor vai necessitar de despender, para a aquisição de um equipamento de substituição, idêntico ao danificado e inutilizado, para poder continuar a exercer a sua profissão de Mecatrónico, por conta própria e com fins lucrativos”. Ora, se como consequência do acidente o autor ficou carecido da máquina que utilizava para exercer a sua atividade e para a substituir e ser colocado na situação em que se encontrava antes do acidente (possuidor de uma máquina que lhe permita o exercício dessa atividade) é necessário despender a quantia de 9.469,77 € (sendo que não há conhecimento que existam máquinas semelhantes à do Autor com o mesmo tempo de uso à venda), dúvida não temos que é essa a quantia que a Ré tem que despender para que o Autor se encontre na situação em que estaria, se o facto não se tivesse verificado. Não releva para o Autor, cuja lesão se visa reparar, exclusivamente a perda do valor de mercado do bem no seu património, mas o uso que daquele tirava e que dele necessita de continuar a usufruir, pelo que o lesante, ou quem o substitua, tem que repor no seu património máquina que exerça as mesmas funções ou entregar quantia que permita tal substituição. Cumpria à Ré invocar e demonstrar que com quantia inferior o Autor poderia adquirir uma maquina que servisse os mesmos propósitos que a danificada no acidente (o que face às especificidades do material não parece nada provável); não o tendo feito, é patente que tem que despender a quantia necessária para que o autor possa ter à sua disposição máquina que exerça as mesmas funções, visto que só essa quantia o coloca em situação materialmente semelhante àquela em que se encontrava antes do acidente. Procede, pois, o recurso quanto a este segmento decisório, revogando-se a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar a quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença relativamente ao valor de mercado que o equipamento “... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02, danificado com perda total tinha à data do acidente e, em vez disso, condenando-se a Ré a pagar a quantia de 9.469,77 € pela perda do equipamento “... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02. V- Decisão Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em: - julgar totalmente improcedente a apelação independente interposta pela Ré. 2- julgar totalmente procedente a apelação subordinada deduzida pelo Autor, ----- revogando a parte da alínea b) do decisório da sentença que “condenou a Ré a pagar a quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação de sentença relativamente ao valor de mercado que o equipamento “... (COMPLETO) 55, com o número de Série ...02, danificado com perda total tinha à data do acidente” e em sua substituição ---- condena-se a Ré a pagar a quantia de 9.469,77 € (nove mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e setenta e sete cêntimos) pela perda do equipamento “... (COMPLETO) 55”, com o número de Série ...02. Custas da apelação independente pela Recorrente. Custas da apelação subordinada pela Recorrida. Custas da ação por ambas as partes na proporção do decaimento (tudo nos termos do artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil). Guimarães, 27 de junho de 2024 Sandra Melo Fernanda Proença Fernandes José Manuel Flores |