Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS COMPETÊNCIA TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/27/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | Compete aos tribunais administrativos e fiscais conhecer dos litígios emergentes de “contrato de trabalho em funções públicas”. Segundo a causa de pedir e pedido, a questão ora trazida ao tribunal envolve regras de direito público e Universidade ... dos sujeitos da relação era uma fundação pública. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA intentou a presente acção declarativa com processo comum laboral contra Universidade ... pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 3.080,00, acrescida de juros de mora. Sustentou, em síntese, que se encontra vinculado à ré, desde ../../2015 e na sequência da celebração entre as partes de contrato de trabalho em funções públicas, por via do qual foi admitido para exercer as funções de Professor Auxiliar na Escola ... da Universidade ... (ré) realizando tarefas diversificadas, a incluir a ministração de ensino, a coordenação de unidades curriculares, a investigação científica, a promoção cultural e o desenvolvimento tecnológico, sem prejuízo de, durante certo período de tempo, ter estado, também, investido, em regime de comissão de serviço, do cargo de Administrador da Universidade ...; que, na sequência de projecto desenvolvido pela Escola de Executivos da ré, que venceu proposta apresentada a concurso público aberto pelo ISS, veio entre esta entidade e a ré a ser celebrado, aos 13.10.2021, contrato de aquisição de serviços de formação denominado “Formação para Dirigentes – FORGEP”, destinado a proporcionar a funcionários da Segurança Social formação na área da gestão pública; que, estando designadas as pessoas que iriam ministrar o módulo da formação subordinado à temática “Finanças Públicas, Contabilidade e Controlo de Gestão”, as mesmas ficaram em situação de indisponibilidade, pelo que ele, autor, sendo a única pessoa com formação académica e competência técnica bastante para ministrar o referido módulo, veio a ser contactado para o efeito, o que, depois de obter consentimento por parte do Reitor da Universidade ..., acedeu em fazer; que lhe foi garantido que, como contrapartida, lhe seria paga remuneração, à razão de € 70,00/h, num total de € 3.080,00, a liquidar logo que findasse o FORGEP; ora, concluída, aos 27.12.2021, a prestação do serviço a que a ré se obrigou, foi desencadeado procedimento, em vista do pagamento da contrapartida acordada; que, porém, até ao momento, não foi o correspondente montante liquidado, tendo o procedimento destinado a esse fim conhecido obstáculos fundados na exclusividade das funções que, então, exercia também, de Administrador da Universidade ..., e na suposta ausência de prévia autorização para acumulação delas com actividade formativa; que não tem qualquer aplicação à situação em sujeito a disciplina do Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração pública, aprovado pela L. nº 2/2004, e no qual se prevê o exercício de funções em regime de exclusividade, sendo, outrossim, aplicável o Estatuto da Carreira Docente Universitária, aprovado pelo Dec. L. nº 448/79, de 13.11, no qual se estabelece que não há violação do dever de dedicação exclusiva quando, como foi o caso, as actividades exercidas se enquadrem em acções da responsabilidade da instituição e os correspondentes encargos estejam garantidos através de receitas provenientes dos contratos celebrados; que, mesmo considerando-se aplicável a LGTFP, nesta está prevista a possibilidade de acumulação de funções, contanto que nisso se manifeste interesse público, incluindo-se, entre as situação nesses termos enquadráveis, a participação em acções de formação de curta duração, precedida de autorização da entidade competente, como foi, também, o caso. Por se afigurar ao tribunal a quo a verificação a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, foi o autor convidado a, querendo, exercer o contraditório- 3º, 3 CPC Em resposta, o autor sustentou a competência do tribunal do trabalho porque “o relevante é tão só que a alegação do autor de que está ligado à ré através do regime de contrato individual de trabalho e de que é esse contrato o fundamento da sua pretensão”. Mais refere que, após a celebração do contrato de trabalho entre o autor e a ré, em que esta era ainda uma “empregadora pública”, a Universidade ... foi transformada em fundação pública sujeita às normas de direito privado. Foi seguidamente proferido o despacho ora recorrido com o seguinte dispositivo: “julga-se este Juízo do Trabalho incompetente em razão da matéria para os termos da presente acção, em razão do que se decide absolver a ré Universidade ... desta instância. Custas a cargo do autor. Fixa-se à causa o valor de € 3.080,00. “ O autor interpôs recurso. FUNDAMENTOS DO RECURSO -CONCLUSÕES: “1.ª - Com todo o devido respeito, que é muito, o recorrente não concorda com a decisão do Tribunal a quo de que não seria o Tribunal materialmente competente para dirimir o presente litígio, recaindo a respetiva competência material nos Tribunais Administrativos e Fiscais 2.ª - É que constituem doutrina e jurisprudência pacíficas que a competência em razão da matéria é apreciada em função dos termos em que a ação é proposta e determina-se pela forma como o autor (aqui recorrente) estrutura o pedido e a respetiva causa de pedir, sendo que, se a ação for incorretamente intentada, o seu eventual insucesso é questão que não diz respeito à competência material do Tribunal.... 3.ª - E no caso em apreço cremos não restar dúvidas que, tal como configurada a ação, a competência material para dela apreciar recairia no Juízo do Trabalho porque o pertinente é tão só a alegação do recorrente de que está ligado à recorrida através do regime de contrato individual de trabalho, sendo irrelevante para aferir da competência do Juízo do Trabalho para apreciar a ação se este vínculo tem natureza privada ou se deve ser qualificado como vínculo de emprego público (circunstância que terá apenas relevo para o mérito da causa, juízo que não cabe ainda apreciar) - vd. art. 126.º, n.º 1, al. b) da Lei da Organização do Sistema Judiciário e art. 4.º, al. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - vd. Acs. do Tribunal de Conflitos de 08.03.2017, proferido no Conflito nº 12/15 e 03.11.2020, proferido no processo n.º 09/20 4.ª - Na petição inicial, constata-se que nela se invocam duas relações jurídicas distintas: a relação laboral mantida entre o recorrente e a recorrida (que não está em discussão) e a relação que foi estabelecida entre a recorrida e a Segurança Social, ao abrigo da qual o recorrente prestou formação, no âmbito do programa FORGEP, e relativamente à qual são peticionados os créditos que titulam o pedido - pelo que o pedido formulado pelo autor extravasa aquele vínculo contratual mantido com a recorrida e recai em matéria cuja apreciação é da competência dos Juízos do Trabalho 5.ª - Mais sucede que a Universidade ... é desde antes dos factos em discussão uma fundação pública com regime de direito privado, sendo que o regime jurídico aplicável aos Regulamento dos Dirigentes da Universidade ... (entre os quais o recorrente) é o constante do Código do Trabalho - vd. Despacho Normativo n.º 13/2017, de 29 de agosto, publicado no DR, 2.ª série, n.º 183, de 21 de setembro de 2017, art. 1.º dos Estatutos da Universidade ... publicados em anexo ao referido Despacho Normativo n.º 13/2017, de 29 de agosto, publicado no DR, 2.ª série, n.º 183, de 21 de setembro de 2017, 5.º do Regulamento dos Dirigentes da Universidade ... em anexo ao Despacho n.º ...19, publicado no DR, 2.ª série, n.º 94, de 16.05.2019 6.ª - Ora, tal sujeição às normas de direito privado no âmbito das relações laborais determinará que sempre seria ao abrigo do direito privado (e não público) que o recorrente deveria enquadrar a situação em apreço, pelo que parecem não substituir dívidas que o Tribunal competente para dirimir o presente litígio seria, de facto, o Juízo do Tribunal do Trabalho …DE HARMONIA COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO À PRESENTE APELAÇÃO E, POR TAL EFEITO, REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR UMA OUTRA QUE RECONHEÇA O JUÍZO DO TRABALHO DE ... COMO O TRIBUNAL COMPETENTE PARA DIRIMIR A PRESENTE AÇÃO” CONTRA-ALEGAÇÕES - não forma apresentadas. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: sustenta-se que a apelação não merece provimento. Em resposta ao parecer, o autor reitera o teor das alegações. O recurso foi apreciado em conferência. QUESTÃO A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]): excepção de incompetência material. I.I. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS: Os constantes do relatório e ainda: 1 - O autor, aos 13-11-2015, celebrou com a ré Universidade ... denominado “contrato de trabalho em funções públicas” em que esta figura com “entidade empregadora pública”, onde consta (entre o mais): “Considerando que: “a) A Lei n." 35/2014, de 20 de junho, aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante designada por LTFP), com o âmbito de aplicação fixado no seu artigo 1.*; b) O artigo 11." da LTFP, consagra o princípio de continuidade do exercício de funções públicas, pelo que o exercício de funções ao abrigo de qualquer modalidade de vinculo de emprego público em qualquer dos órgãos ou serviços a que a Lei n." 35/2014, de 20 de junho, releva como exercício de funções públicas quando os trabalhadores, mantendo aquele exercício de funções, mudem definitivamente de órgão ou serviço; c) O Empregador Público outorga o presente contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado para ocupação de posto de trabalho descrito no mapa de pessoal para o ano de 2015, aprovado nos termos do n." 4 do artigo 29.° da LTFP d) O Trabalhador transitou para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas no dia 1 de Janeiro de 2009, nos termos do artigo 18° da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro; e) O Trabalhador transitou, sem quaisquer formalidades, para o contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato a termo resolutivo certo, nos termos do disposto no n° 2 do artigo 10° do Decreto4.ei n° 205/2009, de 31 de Agosto, alterado pela Lei n° 8/2010, de 13 de maio; f) O Trabalhador, Assistente em contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, adquiriu o direito à contratação como professor auxiliar, com efeitos a partir de ../../2015, em consequência da obtenção do grau de Doutor, nos termos do n° 5 do artigo 10 ° do Decreto lei n° 205/2009, de 31 de Agosto, alterado pela Lei n° 8/2010, de 13 de maio; h) As funções a desempenhar correspondem a necessidades permanentes do serviço; g) O presente contrato foi autorizado pelo Reitor da Universidade ..., por despacho de 13.11.2015. É, livremente e de boa-fé, celebrado o presente contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, nos termos do ECDU, do RCTFP, dos considerandos nele insertos, que dele fazem parte integrante, e das condições constantes das cláusulas seguintes: Primeira (Inicio e duração) 1. O presente contrato de trabalho em funções públicas produz os seus efeitos a partir de ../../2015, data em que o Trabalhador inicia a sua atividade...” B) EXCEPÇÃO de INCOMPETÊNCIA MATERIAL A competência “designa a repartição do poder jurisdicional pelos diversos tribunais do Estado…”. Visa determinar se o poder de julgar uma certa causa pertence ao tribunal a que está afecta ou antes a um outro tribunal - José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol.1, 2º ed., p 104. Sob o prisma teórico é um “pressuposto processual”, o primeiro dos quais terá de se verificar para que o tribunal se ocupe do mérito da causa, sob pena de absolvição da instância - 96º, 99º, 1, 278º, 1, a), CPC. Usa-se distinguir os termos “jurisdição” e “competência”. A primeira reporta-se, no que ora releva, ao fracionamento do poder jurisdicional entre categorias diferentes de tribunais. A segunda reporta-se ao fracionamento do poder jurisdicional entre tribunais da mesma categoria - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra editora, p. 196 e ss. Internamente, o poder de julgar entre categorias diferentes de tribunais é repartido em razão da matéria com base no principio da especialização, a que subjaz o reconhecimento da vantagem em reservar a tribunais diferenciados sectores específicos do Direito que, dentro da vastidão jurídica, assim aprofundam matérias e acumulam saber próprio. Este critério de competência/jurisdição em razão da matéria tem consagração constitucional, distinguindo-se, numa primeira linha de classificação[2], os tribunais judiciais/comuns[3] dos demais, mormente dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas, entre outros - 209º CRP, 29º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) Lei 62/2013 de 26-08, com as sucessivas alterações. Entre estes, a distribuição de funções obedece à regra de que serão da competência dos tribunais judiciais/comuns apenas as causas que não sejam atribuídas a outra categoria jurisdicional. A regra opera assim de forma residual ou por exclusão de partes. Quer dizer, os tribunais judiciais só julgam se a lei não conferir esse poder a outra categoria de tribunal – 211º, 1, CRP, 60º, 2, 64º CPC, 40º LOSJ. Importa-nos ao caso os Tribunais Administrativos e Fiscais. Segundo o artigo 212º, 3 CRP: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” - também, no mesmo sentido, 144º, 1, LOSJ, 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro. Segundo este princípio geral, essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é a existência de uma “relação jurídica administrativa”. Segundo J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira «esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as ações e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”- Constituição da República Portuguesa, Volume II, Coimbra Editora, 2010, pág. 566-7. Ou seja, releva a natureza pública/equiparada de um dos sujeitos e a submissão da relação jurídica a normas de direito público/administrativo. O ETAF, ao concretizar a competência dos tribunais administrativos e fiscais, ajuda na delimitação do que são “relações jurídicas administrativas”. Colhe-se do seu artigo 4º (Âmbito de jurisdição): 1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;... o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores. 4 - 4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:.... b) A apreciação de litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público;” Tendo em conta que a ré tem como missão específica promover o ensino superior há, ainda, que atentar no Regime Jurídico do Ensino Superior (RJES), a Lei 62/2007, de 10-09: Segundo o artigo 4º do RJES: “O sistema de ensino superior compreende: a) O ensino superior público, composto pelas instituições pertencentes ao Estado e pelas fundações por ele instituídas nos termos da presente lei” Segundo o artigo 9º do RJES (Natureza e regime jurídico): 1 — As instituições de ensino superior públicas são pessoas colectivas de direito público, podendo, porém, revestir também a forma de fundações públicas com regime de direito privado, nos termos previstos no capítulo VI do título III. 2 — Em tudo o que não contrariar a presente lei e demais leis especiais, e ressalvado o disposto no capítulo VI do título III, as instituições de ensino superior públicas estão sujeitas ao regime aplicável às demais pessoas colectivas de direito público de natureza administrativa, designadamente à lei quadro dos institutos públicos, que vale como direito subsidiário naquilo que não for incompatível com as disposições da presente lei. Somos remetidos para o cap. VI do Título III do RJES sob o item “Instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional”, interessando-nos o art. 129º que dispõe: ” 1- Mediante proposta fundamentada do reitor ou presidente, aprovada pelo conselho geral, por maioria absoluta dos seus membros, as instituições de ensino superior públicas podem requerer ao Governo a sua transformação em fundações públicas com regime de direito privado.” Finalmente, o artigo 134º RJES (regime jurídico”) refere: 1 — As fundações regem -se pelo direito privado, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira, patrimonial e de pessoal, com as ressalvas estabelecidas nos números seguintes. 2 — O regime de direito privado não prejudica a aplicação dos princípios constitucionais respeitantes à Administração Pública, nomeadamente a prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade. 3 — No âmbito da gestão dos seus recursos humanos, a instituição pode criar carreiras próprias para o seu pessoal docente, investigador e outro, respeitando genericamente, quando apropriado, o paralelismo no elenco de categorias e habilitações académicas, em relação às que vigoram para o pessoal docente e investigador dos demais estabelecimentos de ensino superior público. 4 — O disposto no número anterior entende-se sem prejuízo da salvaguarda do regime da função pública de que gozem os funcionários e agentes da instituição de ensino superior antes da sua transformação em fundação.”- sublinhados nossos. O caso concreto: O autor alegou na petição inicial que se encontra vinculado à ré em consequência de celebração, em ../../2015, de contrato de trabalho em funções públicas, por via do qual foi admitido para exercer as funções de Professor Auxiliar, mais referindo que, posteriormente, a pedido da ré e no âmbito de um projecto que esta celebrou com outra entidade (ISS), deu formação que seria retribuída e que a ré, afinal se recusa a pagar, invocando uma suposta incompatibilidade de funções, retribuição que ora reclama na acção. Também resulta do teor do contrato junto pelo próprio autor com a petição inicial, e por ele acolhido, que a relação contratual é submetida à disciplina da Lei 35/2014, de 20 de junho, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, LTFP. É completamente consensual na jurisprudência a ideia de que a competência material dos tribunais é aferida em função do pedido deduzido pelo autor na sua petição inicial, devidamente enquadrado pela respetiva causa de pedir - ac. STJ de 31-05-2011, 28-06-2016, 29-05-2014, 3-03-2021, 6-07-2022, wwww.dgsi.pt Introduz-se agora que na altura da celebração do contrato a ré detinha uma natureza jurídica diferente daquela que hoje detém. Remontando à data (2015) e detendo-nos no seu desenvolvimento gradual, a Universidade ...[4], quanto à sua natureza e regime, era uma pessoa colectiva de direito público, sujeita ao regime aplicável às demais pessoas colectivas de direito público de natureza administrativa, em conformidade com o estipulado nos seus Estatutos na versão que na altura vigorava - art. 1º do Despacho normativo 61/2008, DR 2ª S, nº 236, de 5-12-2008 (Estatutos); art.s 9º, 1, 11º, 1 do referido RJES, art. 4º, 1, b), 48º, 49º,da Lei 24-2012 de 9/07 (Lei Quadro das Fundações, LQF abreviadamente). Não é despiciente notar que a ré prosseguia o fim público de assegurar o “ensino superior”, de resto constitucionalmente consagrado, sendo tarefa do Estado a criação de rede de instituições de ensino superior públicas -73º a 79º da CRP, 4º, nº 2, 26º, 1, a), 27º, 1, a), do RJES. Assinala-se também que, segundo a referida “Lei Quadro das Fundações” (48º), as fundações públicas, de direito público ou de direito privado, estão sujeitas aos princípios constitucionais de direito administrativo, aos princípios gerais da atividade administrativa e a regras da contratação pública, entre o mais. Sendo esta uma lei geral relativa a todo o universo de fundações, a mesma sofre os desvios de especialidade que decorram do assinalado Regime Jurídico de Ensino superior, Estatutos e Regulamento tendo em conta que a ré é uma Universidade. Assim, até à sua transformação em pessoa colectiva de direito privado (2016), a Universidade ... na sua actuação em matéria de contratação sujeitou-se ao estipulado nos diplomas que vigoraram ao longo do tempo e que regularam o exercício em funções públicas, sendo aplicáveis à administração directa e indirecta do Estado - ou seja, ao “Novo Regime de Vinculação de Carreira e de Remuneração dos Trabalhadores que exerçam Funções Públicas” Lei 12-A/2008, de 27-02, ao “Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas” Lei 59/2008, de 11-09 e, finalmente, ao novo regime da “Lei Geral do trabalho em Funções Públicas” (LGTFP) aprovada pela Lei 35/2014, de 20-06 que regulava tendencialmente o conjunto de vínculos de trabalho no universo público, incluindo a administração indirecta do Estado. Posteriormente, em 2016 ocorre uma alteração no regime da ré, no seguimento da suprarreferida possibilidade conferida pelo Regime Jurídico do Ensino Superior (9º) que permitiu que as instituições de ensino superior públicas revestissem também a forma de fundações públicas com regime de direito privado. Precisamente a ora ré Universidade ... transformou-se em fundação pública de direito privado, na sequência de pedido formulado e deferido pelo Governo através do DL nº 4/2016, de 13 de janeiro (com vaccio legis regra de 5 dias). Ou seja, somente a partir de então a Universidade ... passa a submeter-se a um regime jurídico diferente, de direito privado, o qual, contudo, não retroage ao inicio da relação contratual havida com o autor. Retomando o que consta como alegado na petição inicial, o autor referiu que está “no regime de contrato de trabalho em funções públicas” e não põe em causa a aplicação deste estatuto. Ressalve-se que o autor não alegou que passou para o regime de direito privado, ao contrário de que sucede em inúmeros arestos publicados no site da DGSI, mormente os referentes a pessoal os hospitais E. P. E. com relação jurídica de emprego público inicial que depois vieram a optar pelo regime do contrato de trabalho de direito privado. Portanto, a relação contratual entre autor e ré é regida por normas de direito público, mormente a Lei Geral do trabalho em Funções Públicas. Donde, atendendo à causa de pedir e pedido formulados, a questão ora trazida ao tribunal envolve regras de direito público e um dos sujeitos da relação (Universidade ...) revestiu na origem a natureza de pessoa colectiva “pública/equiparada” que justifica a submissão do caso aos tribunais administrativos e fiscais. Neste sentido ac. STJ de 3-03-2021, p. 369/18.0YZPRT.P1.S1 a propósito de um diferendo entre um hospital EPE e trabalhadores com vínculo de emprego público que não optaram pelo regime do contrato de trabalho privado: “A Autora exerce funções no Réu no âmbito de contrato de trabalho em funções públicas, pelo que, sendo de natureza pública a relação jurídica em causa, o tribunal competente para conhecer da presente ação é o tribunal administrativo e não o tribunal do trabalho.” - no mesmo sentido ac. STJ 17-11-2016, www.dgsi.pt I.I.I. DECISÃO Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º, CPT e 663º, CPC, acorda-se em negar provimento ao recurso mantendo-se a decisão recorrida. Custas a cargo do recorrente. Notifique. 27-06-2024 Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Antero Dinis Ramos Veiga Vera Sottomayor [1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s. [2] Critério que também opera, depois, na distribuição dentro da mesma categoria de tribunais judiciais/comuns repartindo-os por juízos especializados. [3] Primeira instância, tribunais da Relações e Supremo Tribunal e Justiça. [4] Criada em 1973, pelo Decreto-Lei nº 402/73 de 11-08. |