Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 176/25.4BCLSB |
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Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
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Data do Acordão: | 09/02/2025 |
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Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
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Descritores: | JUSTIÇA DESPORTIVA SANÇÃO DE SUSPENSÃO JOGADOR FUMUS BONI IURIS |
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Sumário: | I. Num contexto desportivo, deveriam todos os seus participantes abster-se de cânticos de teor antiético e antidesportivo, que desprestigiam todos aqueles que veem na prática desportiva uma prática que se pretende de competição salutar.
II. A entoação de um cântico com as características referidas em I. por parte de agentes desportivos é de repudiar especialmente, não se vislumbrando, numa análise própria em sede cautelar, que o sancionamento dessa conduta represente uma compressão intolerável da liberdade de expressão nem do exercício da profissão. |
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Votação: | DECISÃO SINGULAR |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Decisão [art.º41.º, n.º 7, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (1) (TAD)] I. Relatório R ……………… (doravante Requerente) intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), contra a Federação Portuguesa de Futebol (doravante Requerida ou FPF), uma ação arbitral, com requerimento de providência cautelar, pedindo, nesta última, que seja decretada a suspensão da eficácia do Acórdão da Secção não Profissional do Conselho de Disciplina (CD) da Requerida, datado de 29.08.2025. Para sustentar a sua pretensão, invocou, em síntese: ¾ Quanto ao fumus boni iuris: - A decisão do CD é ilegal, por erro na fixação da matéria de facto, violação do direito à liberdade de expressão e violação do princípio da culpa; - “[O]s actos e comportamentos que não colidam de forma clara com os fins e atribuições que estão cometidos às federações desportivas, devem ficar fora do campo da sanção disciplinar ou, pelo menos, das sanções mais severas, entre quais está, seguramente, a suspensão, que, na prática, corresponde à proibição do núcleo essencial do direito ao trabalho do jogador”; ¾ Quanto ao periculum in mora: - “[A] suspensão do acto em causa é condição sine qua non de efectividade de gozo de direitos fundamentais por parte do Demandante; direitos que gozam, inclusivamente, de protecção jurídica constitucional”, considerando o agendamento de jogos para os dias 3 e 9 de setembro; - Em relação ao jogo de dia 3, “[e]m virtude da sanção de suspensão que lhe foi aplicada, o Demandante está impedido de participar nesse jogo oficial, que é de especial importância, não só por tratar do primeiro jogo oficial da presente época desportiva, mas sobretudo por estar em disputa o primeiro título da época”; ¾ O prejuízo resultante da providência a decretar não excede o dano que com ela se pretende evitar.
II. Da intervenção da Presidente do TCAS Por despacho do Ex.mo Presidente do TAD, de 02.09.2025, foram os autos remetidos a este TCAS, para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral. O mencionado despacho tem o seguinte teor: “Vem submetido a este Tribunal requerimento para apreciação, em sede de arbitragem necessária, da legalidade do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, Secção Não Profissional, conclusivo do processo disciplinar n.º ……………../2026, que o condenou na sanção de 8 (oito) dias de suspensão e acessoriamente na multa que lhe foi imposta. Observando o disposto no n.º 4.º do artigo 41.º da Lei do TAD, vem pedido o decretamento de medida cautelar de suspensão da eficácia da decisão recorrida, com dispensa de audição da Requerida, “ou verificando-se as circunstâncias previstas no n.º 7 do artigo 41.º da LTAD, que sejam os autos remetidos à Exma. Senhora Juiz Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul para efeitos de adoção de medidas provisórias tendentes a assegurar o direito em causa na presente ação”. O n.º 2 do artigo 41.º da Lei do TAD estabelece que este Tribunal detém competência exclusiva para o decretamento de providências cautelares; mas se se revelar que a medida de amparo cautelar fica comprometida por causa do tempo necessário à constituição da formação arbitral, manda o referido n.º 7 do artigo 41.º que a competência jurisdicional prima facie atribuída ao TAD, seja exercida pelo Presidente do TCA Sul. Não concedendo a lei ao presidente do TAD poderes de intervenção processual, impõe-lhe, todavia, que em cumprimento dos deveres de gestão do Tribunal e com a preocupação de assegurar a efetividade da tutela jurisdicional, informe sobre as condições para a apreciação no TAD, em tempo útil, das concretas medidas cautelares requeridas. No presente caso, alega o Requerente, inter alia, que, se não for suspensa de imediato a decisão contida no aresto disciplinar cuja legalidade coloca em causa, a utilidade da decisão a proferir na ação arbitral fica comprometida pois que “o Demandante fica impedido de participar quer no primeiro jogo oficial da época desportiva 2025/2026 – a S……. F….. 2025 – agendada para o próximo 3 de Setembro de 2025 contra S……….. CP, em que é discutido o primeiro título da época desportiva, quer, ainda, no primeiro jogo da Liga Placard 2025/2026, marcado para o dia 9 de Setembro de 2025”, o que comprova com a junção do documento 2. Ora, o tempo que resta até à data do primeiro jogo (amanhã, 3 de setembro) e mesmo o jogo agendado para dia 9 de setembro (daqui a escassos 7 dias), não se mostra compaginável com a inevitável demora na constituição do colégio arbitral, atento o que decorre do artigo 28.º da Lei do TAD. Por conseguinte, devem os autos ser de imediato remetidos à Excelentíssima Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, para decisão sobre se se encontram verificados os pressupostos legais da sua intervenção, e, em caso positivo, apreciar e decidir sobre a pretensão cautelar reclamada pela Requerente…”. O art.º 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que, “[c]onsoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou ao presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação de medidas provisórias e cautelares, se o processo não tiver ainda sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda não estiver constituído”. Como já referido, vem mencionada, in casu, a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, atentos os prazos legalmente estabelecidos. Reiterando os fundamentos constantes do despacho transcrito e considerando a necessidade de cumprimento das regras adjetivas previstas na Lei do TAD, de que resultaria a preclusão da tutela efetiva do direito invocado, não pode senão concluir-se no sentido de que está preenchido o requisito de que depende a intervenção da Presidente do TCAS, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. art.º 41.º, n.º 7, da Lei do TAD).
III. Da dispensa de audição da requerida e da suficiência da prova junta Nos termos do art.º 41.º, n.º 5, da Lei do TAD: “A parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”. Este prazo é injuntivamente fixado, não podendo, pois, ser legalmente encurtado. Tal circunstância importa que, in casu, seja suscetível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, uma vez que o Requerente alega que a utilidade da ação cautelar impõe que se tome a decisão até à data dos próximos jogos, agendados para o dia de hoje e para o dia 9 de setembro de 2025. Face ao exposto, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.
Após a análise sumária da prova junta, entende-se que nenhuma outra carece de ser produzida, sendo a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa.
IV. Da Instância As partes são legítimas. O processo é o próprio. Inexistem exceções ou outras questões prévias que devam ser conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida Fixa-se aos autos o valor de 30.000,01 Eur., atenta a natureza de valor indeterminável dos interesses em apreciação (art.º 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA).
V. Fundamentação de facto V.A. Factos Provados Para a apreciação da presente providência cautelar, estão indiciariamente provados os seguintes factos: 1) Foi instaurado, contra o Requerente, processo disciplinar (facto que se extrai do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial). 2) Foi proferido Acórdão, a 29.08.2025, na Secção não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, no qual foi julgada parcialmente procedente a acusação e, em consequência, condenado o ora Requerente “pela prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 171.º-A do RDFPF, na sanção de 8 (oito) dias de suspensão e de multa de 1 UC, isto é, € 102,00 (cento e dois euros)”, constando do mesmo designadamente a seguinte: “§2. Da acusação 8. Em síntese, a Acusação (fls. 104 a 118) refere que: a) “(…) No dia 29 de junho de 2025, realizou-se no Pavilhão ……., em Lisboa, o jogo oficial n.º ……….. disputado entre S…..CP e S……… a contar para a final da Liga Placard da época 2024/2025. (…)” b) “(…) Após o final do jogo oficial n.º ………….. disputado entre S…..CP e S……… a contar para a final da Liga Placard da época 2024/2025, a equipa e os adeptos do S………… dirigiram-se para o Pavilhão …….. para celebrarem a vitória no jogo supra referenciado. (…)” c) “(…) Durante os festejos do título de campeão nacional da Liga Placard 24/25, adeptos afetos ao S………….., que se encontravam nas bancadas do Pavilhão da ……., envergando cachecóis e camisolas com as cores e os emblemas do clube, entoaram, entre outros, o cântico “ou ganha o ….. ou matamos alguém (…)”. d) “(…) Durante os festejos do título de campeão nacional da Liga Placard 24/25, no Pavilhão ……., o jogador R ………….., aqui arguido, empunhando um microfone e assumindo as funções de mestre de cerimónias, acompanhou o cântico dos adeptos do SL B..........., dizendo repetidamente, “ou ganha o ……….. ou matamos alguém” (…)”. e) “(…) O Arguido S ………….., enquanto clube qualificado para disputar competição oficial organizada pela FPF, bem sabia que sobre si impede, nomeadamente, o dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivos, sendo sua obrigação a de evitar ou prevenir comportamentos antidesportivos (…)”. f) “(…) o Arguido S …………., não logrando evitar os comportamentos dos seus adeptos, acima descritos, e, por não ter adotado conduta preventiva necessária a impedir a verificação de tais factos e das suas consequências, não agiu com o cuidado e diligência a que está por essa razão regulamentarmente obrigado – e que pode e é capaz de observar –, no sentido de cumprir aquela obrigação, o que podia e devia ter feito, potenciando, com a sua omissão, o perigo de verificação de tais factos e respetivas consequências, o que consubstancia violação censurável do dever de evitar ou prevenir comportamentos antidesportivos, o que redunda no incumprimento do dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivos. (…)”. g) “(…) R …………, aqui arguido, sabia e não podia ignorar – pois tinha obrigação de conhecer a legislação e os regulamentos – que lhe era vedado adotar comportamento grosseiro, antiético e antidesportivo, pois é dever dos agentes desportivos atuar com retidão e urbanidade. (…)”. h) “(…) R ………. agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao entoar o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”, assim adotando comportamento grosseiro, antidesportivo e antiético, contrário à retidão e à urbanidade, bem sabendo, e não podendo ignorar, que essa conduta configurava infração disciplinar, e, mesmo assim, consciente da natureza ilícita da sua conduta, não se absteve de a concretizar (…)”. 9. Conclui a Acusação pela imputação: (..) b) Ao Arguido R ………… de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 171.º-A do RDFPF e sancionável, em abstrato, com repreensão ou com suspensão de 8 dias a 1 mês e, em qualquer caso, acessoriamente por se tratar de jogador profissional, com multa entre 1 e 5 UC.
§3. Da defesa 10. Os Arguidos, por email enviado a 17.07.2025, foram devidamente notificados da Acusação e do prazo para exercer o respetivo direito de defesa escrita, podendo juntar documentos, indicar testemunhas e requerer outras diligências probatórias (fls.119 a 122). 11. No prazo de que dispunham para o efeito, a 23.07.2025 (fls. 129 a 154), os Arguidos deduziram defesa conjunta, alegando em síntese que: “(…) No entanto, ao invés de entoarem o cântico “ou ganha o ………..ou não ganha ninguém, os adeptos entoaram essa mesma música, mas com letra diferente, no caso, com a letra “ou ganha o B........... ou matamos alguém” (…) o Arguido R ………….., depois de ouvir os adeptos entoar tal cântico, ainda que com letra diferente da original, num contexto de muita empolgamento pela conquista do título, entoou esse mesmo cântico em conjunto com os adeptos (…). Nunca, porém, o Arguido R ……….. entoou os cânticos que constam dos vídeos juntos aos autos com qualquer outra intenção que não a de expressar uma alegria incontida pela vitória na Liga Placard 2024/2025 (…). Nem assumiu, ou quis assumir, as “funções de mestre de cerimónias”, que lhe foram atribuídas na Acusação (…). Como nunca imaginou que as celebrações em que participou e que a interacção com os adeptos pudesse ser entendida como imprópria ou grosseira (…), nunca o fez com a consciência e muito menos com o propósito de ofender quem quer que fosse. Nem tão-pouco com a arrogância de querer ser “mestre de cerimónias”, numa equipa em que, até pela idade que tem, sabe bem que o papel de destaque cabe a atletas mais velhos e mais experientes que o Arguido (…). Importa ainda afirmar que todos os cânticos entoados no referido Pavilhão ………… pelos adeptos foram-no, de forma espontânea, por iniciativa dos próprios adeptos e não por iniciativa de qualquer dirigente, colaborador, técnico ou jogador do S.............. E fora do contexto de jogo oficial (…). Não resultaram, portanto, de qualquer iniciativa programada ou sequer conhecida pelo S…..........., mas, sim, exclusivamente, da vontade espontânea dos adeptos, que, de forma imprevisível, entoaram os cânticos que, no momento, livremente entenderam entoar, independentemente da vontade do S............ (…). É importante frisar, como resulta da gravação reproduzida no jornal “Record”, que o Arguido R ………… entoou essa letra “alternativa” à habitual “ou ganha o B........... ou não ganha ninguém” apenas depois dos adeptos a terem cantado, ou seja, não foi o Arguido quem escolheu a letra; foram os adeptos. O Arguido, inadvertidamente, limitou-se a imitar, tanto mais que a letra “oficial” dessa música é “Ou ganha o B........... ou não ganha ninguém”. É essa a letra que normalmente é cantada nos estádios e pavilhões e que está difundida na própria internet, inclusivamente, em redes sociais como o Youtube (…), pelo que não é cântico conforme ao princípio da ética desportiva (…). Mas, naquelas concretas circunstâncias de exaltada celebração, não chegou sequer a possibilidade da letra entoada pelos adeptos poder ter a carga menos ética que, efectivamente, tem, pelo que, nas circunstâncias em que o cântico foi entoado, não teve a consciência de poder estar a entoar cântico susceptível de ser considerado antiético (…). De assinalar que os festejos decorreram durante mais de uma hora e fora da competição, num ambiente reservado, que foi, aliás, a razão pela qual não foi transmitido televisivamente e por que dos autos consta apenas uma gravação amadora e parcial de tais celebrações (…). Nesta medida, por não ter tido a consciência de que a letra do aludido cântico, entoado pelos adeptos com letra diferente da usual “ou ganha o B........... ou não ganha ninguém”, poderia ter conotação antidesportiva, mais ainda nas circunstâncias em que os festejos decorriam, fora da competição e em local de acesso reservado, entende o Arguido que não agiu com culpa (…). Em todo o caso, se porventura for outro o entendimento e se se entender que o Arguido tinha a obrigação de, mesmo no calor do momento, ter percebido que tal letra, ainda que metafórica, era contrária ao princípio da ética desportiva, abstendo-se de a entoar, nessa eventualidade não deverá deixar-se de ter em conta de que o Arguido foi meramente descuidado, pelo que, a agir com culpa, estamos perante negligência inconsciente (…). Em momento algum, porém, a entoação de tal cântico foi programada, prevista ou sequer poderia ter sido evitada por parte do Clube, visto que foi da iniciativa dos adeptos e entoado de forma espontânea e imprevisível. Não estava, pois, o S ……............ em condições de prever ou evitar tal facto, ainda que a postura do Clube seja sempre a de promover condutas conformes aos princípios da ética e do espírito desportivo (…). Não deve, por isso, efectuar-se qualquer presunção de incumprimento dos deveres in formando a partir da entoação do aludido cântico por parte de alguns adeptos, ainda que o cântico seja, como entendemos que é, incorrecto. (…) Reprovando-se e condenando-se todos e quaisquer comportamentos antidesportivos por parte dos adeptos, não pode ser dirigido qualquer juízo de censurabilidade ao S............, por manifesta falta de ilicitude e culpa”. 12. Requerendo, a final, que a acusação fosse julgada improcedente, por não provada, e os Arguidos absolvidos das infrações que lhe são imputadas. 13. Não requereram a produção de prova testemunhal, tendo juntado aos autos uma notícia extraída do site “Mais Futebol” onde se refere que “Atleta do B........... juntou-se aos adeptos e entoou a seguinte frase: «ou ganha o B........... ou matamos alguém»” (fls. 146 e 147). (…) IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO §1. A prova no direito disciplinar desportivo 17. Em sede de direito disciplinar desportivo, atenta a particular natureza sancionatória do respetivo processo, tem plena validade a convocação – em sede de exame crítico da prova – do princípio geral da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código do Processo Penal, de acordo com o qual “[s]alvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. O RDFPF prevê expressamente este princípio no artigo 220.º, n.º 2, onde estatui “[s]alvo quando o Regulamento dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção dos órgãos disciplinares”. 18. Mas como se escreve no Acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina de 13.03.2025 , relatado pela Sra. Conselheira …………, “também no processo disciplinar desportivo se descobre a dialética tensão que, em matéria de apreciação e valor probatório, se estabelece entre dois princípios de sinal contrário: (i) o princípio da prova livre, que reconhece ao julgador ampla liberdade de apreciação das provas, com base na sua livre valoração e convicção pessoal, e (ii) o princípio da prova legal, em conformidade com o qual a apreciação das provas fica sujeita a regras legais que pré-determinam o seu valor e a força probatória a atribuir-lhes”. 19. Com efeito, no âmbito disciplinar desportivo, a concreta conformação do mencionado princípio de livre valoração da prova vê-se condicionada pelo valor especial e reforçado que os relatórios oficiais e declarações complementares das equipas de arbitragem e dos delegados da FPF merecem em tal contexto. E, assim, o RDFPF – numa aproximação à previsão constante do artigo 169.º do Código de Processo Penal – dispõe, no artigo 220.º, n.º 3 do RDFPF, que os factos presenciados pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da FPF no exercício de funções, constantes de relatórios de jogo e de declarações complementares, se presumem verdadeiros enquanto a sua veracidade não for “fundadamente” posta em causa. 20. Mas, como esclarece o Sr. Conselheiro ………….., no Acórdão deste CDSNP de 04.04.2025 , “a presunção de veracidade vale apenas para os factos materiais percecionados diretamente pelas equipas de arbitragem e pelos delegados da FPF e justifica-se pelo particular papel e responsabilidades que estes agentes assumem no âmbito das competições organizadas pela FPF, aproximando-os, nesse contexto, de autoridades públicas e justificando um princípio de confiança reforçada nas suas declarações, sob pena de retração do sistema sancionatório e disciplinar desportivo”. 21. Está em causa, porém, uma presunção ilidível (artigo 350.º, n.º 2 do Código Civil), que pode ser afastada mediante contraprova fundada (artigo 169.º do Código Penal). Efetivamente, como bem se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.08.2024 , “os referidos relatórios não constituem um dogma insuscetível de ser contrariado e contraditado, através da apresentação de meios de prova credíveis”. 22. Destarte, a credibilidade probatória reforçada de que gozam tais relatórios oficiais só sairá abalada quando, perante a prova produzida, existirem fundadas razões para acreditar que o seu conteúdo não é verdadeiro. Para além disso, e em segundo lugar, no que tange à atividade decisória, a força probatória reforçada de que tais relatórios beneficiam impõe ao julgador, quando entenda impor-se o afastamento da presunção de veracidade, um “especial dever de fundamentação”. 23. Portanto, o regulamentador teve o cuidado de estabelecer os requisitos para o afastamento da presunção de veracidade de que gozam os factos percecionados por aqueles agentes desportivos: é necessário alegar e provar circunstâncias e factos que fundadamente ponham em causa a veracidade da materialidade vertida nos relatórios de jogo e declarações complementares. Essa tarefa de apresentar contraprovas, sujeitas à livre apreciação, onera, naturalmente, quem tenha interesse em afastar a presunção, sem prejuízo daquilo que oficiosamente possa ser conhecido pelo próprio órgão decisório. 24. Todavia, se o interessado não for capaz de alegar e provar essas circunstâncias e contra factos que fundadamente coloquem em causa a veracidade dos relatórios de jogo e das declarações complementares, então esses elementos, porque gozam da aludida presunção de veracidade, estão subtraídos à livre apreciação deste Conselho. 25. Em todo o caso, importa ainda tomar em linha de conta que, à semelhança do processo penal, são neste contexto e à luz do que determina o artigo 220.º, n.º 1, do RDFPF, “admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (…) podendo os interessados apresentá-las diretamente ou requerer que sejam produzidas quando forem de interesse para a justiça da decisão”.
§2. Factos provados 26. Apreciados todos os elementos probatórios constantes dos autos à luz das regras da experiência comum e da livre convicção do CDSNP, como comanda o artigo 220.º, n.º 2 do RDFPF, resultam provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: 1. Na época desportiva 2024/2025 o S…............ disputou, entre outras competições, a Liga Placard, prova de futsal masculino organizada pela FPF. 2. Com referência àquela competição, o S……............. apresenta cadastro disciplinar, na época desportiva 2024/2025 e nas imediatamente anteriores. 3. Na época 2024/2025, constam averbadas ao seu cadastro, por referência à Liga Placard, a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 88.º, n.º 1 do RDFPF; de três infrações previstas e sancionadas pelo artigo 109.º, n.º 1 do RDFPF; de quatro infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 192.º, n.º 1 do RDFPF; de três infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 204.º, n.º 2 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 205.º, n.º 2 do RDFPF e de sete infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 209.º do RDFPF. Na época desportiva 2023/2024, constam averbadas ao seu cadastro, por referência à Liga Placard, a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 86.º, n.º1, al. a) do RDFPF; de três infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 109.º, n.º 1 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 116.º do RDFPF; de quatro infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 192.º, n.º 1 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 204.º, n.º 2 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 204.ºA, n.º 2; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 205.º, n.º 2 do RDFPF; de duas infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 207.º do RDFPF e de quatro infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 209.º do RDFPF. Na época 2022/2023, constam averbadas ao seu cadastro, por referência à Liga Placard, a prática de duas infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 109.º, n.º 1 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 116.º do RDFPF; de cinco infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 192.º, n.º 1 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 204.º-A, n.º 1 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 205.º, n.º 2 do RDFPF e de seis infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 209.º do RDFPF. Na época 2021/2022, constam averbadas ao seu cadastro, por referência à Liga Placard, a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 84.º, n.º 1, al. a) do RDFPF, de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 86.º, n.º 1, al. a) do RDFPF; de duas infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 109.º, n.º 1 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 192.º, n.º 1 do RDFPF; de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 205.º, n.º 2 do RDFPF e de duas infrações disciplinares previstas e sancionadas pelo artigo 209.º do RDFPF. 4. O Arguido R........ ………., titular da licença ……, na época desportiva 2024/2025 esteve inscrito pelo S............. como jogador profissional de futsal. 5. O Arguido R........ .., com referência à Liga Placard, na época desportiva 2024/2025, não apresenta cadastro disciplinar, apresentando nas imediatamente anteriores. 6. Na época 2023/2024, consta averbada ao seu cadastro, por referência à Liga Placard, a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 170.º, n.º 1 do RDFPF; na época 2022/2023, consta averbada ao seu cadastro, por referência à Liga Placard, a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 170.º, n.º 1 do RDFPF; na época 2021/2022, consta averbada ao seu cadastro, por referência à Liga Placard, a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 170.º, n.º 1 do RDFPF. 7. No dia 29.06.2025, realizou-se, no Pavilhão …….., em Lisboa, o jogo oficial n.º 510.05.005, disputado entre S …………. e S……………..a contar para a final da Liga Placard da época 2024/2025. 8. A equipa de arbitragem que dirigiu o jogo oficial suprarreferido foi constituída pelo árbitro principal Ruben …………, pelo 2.º árbitro C …………………., pelo Cronometrista T ……………………, pelo 3.º árbitro J ………………….. e pelo 4.º árbitro B ………………. 9. No jogo em causa estiveram presentes aproximadamente 2621 espectadores. 10. A segurança esteve a cargo de 99 elementos da PSP e de 55 elementos de segurança privada. 11. O jogo não foi alvo de observação por parte do Conselho de Arbitragem da FPF. 12. O jogo contou com a presença de Delegado da FPF. 13. O jogo foi objeto de transmissão televisiva pelo Canal 11. 14. O jogo terminou com o resultado S……….: 3 x S............: 4. 15. O S…............. sagrou-se campeão nacional da Liga Placard 2024/2025. 16. Após o final do jogo oficial n.º ….., disputado entre S…………..e S…............. a contar para a final da Liga Placard da época 2024/2025, a equipa e os adeptos do S……….......... dirigiram-se para o Pavilhão …… para celebrarem a vitória no jogo supra referenciado. 17. Durante os festejos do título de campeão nacional da Liga Placard 24/25, adeptos afetos ao S…............, que se encontravam nas bancadas do Pavilhão da ………, envergando cachecóis e camisolas com as cores e os emblemas do clube, entoaram, entre outros, o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”. 18. Durante os festejos do título de campeão nacional da Liga Placard 24/25, no Pavilhão ……., o Arguido R........ ……. empunhando um microfone e assumindo a tarefa de incentivar os adeptos nos seus festejos, acompanhou o cântico dos adeptos do S………..........., dizendo repetidamente, “ou ganha o B........... ou matamos alguém”. 19. Tais comportamentos foram captados em vídeos e amplamente difundidos na comunicação social, designadamente na imprensa desportiva de maior tiragem nacional, como os jornais “Record” e “A Bola”. 20. O Arguido S……............, enquanto clube qualificado para disputar competição oficial organizada pela FPF, bem sabia que sobre si impede, nomeadamente, o dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivos, sendo sua obrigação a de evitar ou prevenir comportamentos antidesportivos. 21. O Arguido R…………. sabia e não podia ignorar – pois tinha obrigação de conhecer a legislação e os regulamentos – que lhe era vedado adotar comportamento grosseiro, antiético e antidesportivo, pois é dever dos agentes desportivos atuar com retidão e urbanidade. 22. O Arguido R........ …….agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao entoar o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”, assim adotando comportamento grosseiro, antidesportivo e antiético, contrário à retidão e à urbanidade, bem sabendo, e não podendo ignorar que essa conduta configurava infração disciplinar, e, mesmo assim, consciente da natureza ilícita da sua conduta, não se absteve de a concretizar. 27. Com interesse para a decisão, são dados como não provados os seguintes factos: a) Na época 2024/2025, consta averbada no cadastro disciplinar do Arguido R........ ……, por referência à Liga Placard, a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 169.º, n.º 1, al. f) do RDFPF. b) O Arguido S ……............, não logrando evitar os comportamentos dos seus adeptos, acima descritos, e, por não ter adotado conduta preventiva necessária a impedir a verificação de tais factos e das suas consequências, não agiu com o cuidado e diligência a que está por essa razão regulamentarmente obrigado – e que pode e é capaz de observar –, no sentido de cumprir aquela obrigação, o que podia e devia ter feito, potenciando, com a sua omissão, o perigo de verificação de tais factos e respetivas consequências, o que consubstancia violação censurável do dever de evitar ou prevenir comportamentos antidesportivos, o que redunda no incumprimento do dever de zelar pela defesa da ética e do espírito desportivos. §4. Motivação 28. A factualidade dada como provada e não provada resulta da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo, à luz das regras da lógica e da experiência comum. 29. Concretizando, os factos provados em 1), 2) e 3), respeitantes à inscrição do Arguido S……............. na Liga Placard e respetivo cadastro disciplinar na época desportiva 2024/2025 e nas três imediatamente anteriores, encontram sustentação probatória no detalhe da inscrição do S…............ na época 2024/2025 (fls. 28 a 35) e no cadastro junto a fls. 36 a 67. 30. Já os factos provados de 4), 5) e 6), respeitantes à titularidade da licença pelo Arguido R........ ……………., à sua inscrição como jogador profissional de futsal pelo SL B........... na época desportiva 2024/2025, às inscrições no cadastro disciplinar na referida competição na época desportiva 2024/2025 e nas três imediatamente anteriores, assentam probatoriamente no histórico de inscrições do jogador R........ ………………. (fls. 68 a 69), nos detalhes do seu processo de inscrição no S……............. na época 2024/2025 (fls. 70 a 73); no respetivo player passport (fls. 7 e 74); e no cadastro disciplinar (fl. 75). 31. Os factos provados constantes de 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14) e 15), respeitantes à realização do jogo oficial n.º ……………., disputado entre S………….e S………............. a contar para a final da Liga Placard da época 2024/2025, lugar, dia e hora de realização, respetiva equipa de arbitragem, número de espectadores presentes, entidade responsável pela segurança do jogo, inexistência de observação pelo Conselho de Arbitragem da FPF, presença de delegado da FPF, transmissão televisiva pelo Canal 11, resultado do jogo e consagração do SL B........... como campeão nacional da Liga Placard 2024/2025, assentam probatoriamente nos seguintes elementos de prova: relatório do jogo oficial n.º 510.05.005 disputado entre S………….e S……….............no dia 29.06.2025, no Pavilhão ……………, a contar para a Liga Placard (fls. 76 e ss.); relatório de ocorrências elaborado pelo Delegado da FPF ao jogo (fls. 79 e ss.); comunicado oficial n.º 8 de 04.07.2025 (excerto), de onde resulta a publicação das decisões aplicadas pelo Conselho de Disciplina da FPF, em processo sumário, ao S……e ao S…........... pelas infrações cometidas no jogo (fls. 87 e ss.); informação prestada pela Direção de Arbitragem da FPF informando que o jogo dos autos não foi alvo de observação por parte do Conselho de Arbitragem da FPF (fls. 95); vídeo do jogo dos autos, disponibilizado pelo Canal 11 (fls. 97 e ss.); e notícia publicada no site oficial da FPF em 29-.06.2025 com o título “SL B........... sagra-se campeão nacional” - https://www.fpf.pt/pt/News/Todas-as not%C3%ADcias/Not%C3%ADcia/news/52170 (fls. 100 e ss.). 32. Já os factos provados constantes de 16), 17), 18), e 19), referentes aos festejos da consagração do S…..como campeão nacional de futsal na Liga Placard na época desportiva 2024/2025, ocorridos no final do jogo no Pavilhão …., ao cântico entoado pela massa de adeptos, bem como pelo Arguido R…………, com a letra “ou ganha o B........... ou matamos alguém”, à captação de tais comportamentos em vídeos e sua difusão na comunicação social, nomeadamente nos jornais “Record” e “A Bola”, os mesmos resultam da concatenação de vários elementos probatórios. Desde logo, do vídeo remetido com a participação do S………….junto a fl. 14, de resto disponível em https://www.record.pt/multimedia/videos/detalhe/equipa-defutsal-o-benfca-festeja-na-luz-raul-moreira-pegou-no-microfone-e-puxou-pelos-adeptos. No referido registo vídeo, cuja autenticidade não foi posta em causa pelos Arguidos, que aceitam os factos neles retratados, percecionam-se os festejos da equipa benfiquista no Pavilhão da ……… onde adeptos nas respetivas bancadas entoam cânticos de glorificação/elevação do S………..........., cânticos, esses, entoados também pelo arguido R........ Moreira que deambula de microfone na mão direita pelo campo de jogo e os vai entoando com os adeptos. No decurso das comemorações, a dada altura, a massa de adeptos entoa o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”, enquanto o jogador apoia e incentiva gestualmente o referido cântico, sendo que numa “segunda ronda” o Arguido R………….., empunhando o microfone na mão direita e em festejo com a massa associativa entoa, também ele, o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”. A entoação do referido cântico pelo Arguido R………. encontra ainda sustentação probatória na notícia publicada no jornal online “Record” em 29.06.2025 com o título “Equipa de futsal do B........... festeja na Luz: R……….. pegou no microfone e puxou pelos adeptos” https://www.record.pt/multimedia/videos/detalhe/equipa-de-futsal-doB...........-festeja-na-luz-raul-moreira-pegou-no-microfone-e-puxou-pelos-adeptos (fl. 90) e vídeo que acompanha a referida notícia (fl. 91); assim como na notícia publicada no jornal online “A Bola” em 01.07.2025 com o título “«Ou ganha o B........... ou matamos alguém»: R..................nega intenção após cântico polémico” - https://www.abola.pt/futebol/noticias/ou-ganha-oB...........-ou-matamos-alguem-raul-moreira-nega-intencao-apos-cantico-polemico2025070109031907899?srsltid=AfmBOopTjTbzcIYCIkgZ4nBbdq5ycJlEhNr8BQT5MvbtVAeNl_ti QQ8j (fls. 92 a 93) e vídeo que acompanha a referida notícia (fl. 94). Ademais, o próprio Arguido R……….., na respetiva defesa, não nega que tenha entoado o referido cântico, antes assume ter praticado a referida conduta, embora declare expressamente que não o fez a título de “mestre de cerimónias” e que agiu sem culpa, subsidiariamente com negligência grosseira. No futebol, o "mestre cerimónias" refere-se à pessoa que apresenta e conduz um evento imediatamente anterior ou posterior a um jogo, como seja a entrada das equipas, os hinos, a apresentação dos jogadores e os discursos de celebração. Mas a expressão também é utilizada para designar quem coordena e anima um evento, um festejo, uma celebração, como o caso de um evento festivo de comemoração de um título. É nesse sentido amplo que a expressão surge referida na acusação. Dos vídeos contendo os festejos no Pavilhão …….. infere-se, sem margem para dúvidas, que, pelo menos durante um determinado período, o Arguido R........ ………. foi o “mestre de cerimónias” na comemoração da vitória do S……………do título na Liga Placard, época desportiva 224/2025. Na verdade, a sua interação com o público não se confinou na entoação do cântico “Ou ganha o B........... ou matamos alguém”, replicando ou imitando a massa de adeptos; constata-se que, já em momento anterior, era o referido Arguido quem passeava pelo campo de jogo com o microfone na mão, encorajando e incentivando os adeptos a festejar a vitória, incentivando-os a entoar cânticos de glorificação do clube, bem como incentivando-os a aclamar o nome do referido clube, o que permite inferir, de acordo com as regras da experiência comum, que, pelo menos durante o período em que decorriam os festejos da vitória do S……............., nomeadamente aquando da entoação “Ou ganha o B........... ou matamos alguém”, o Arguido R........ ………agiu como "mestre de cerimónias”. E nessa qualidade de dinamizador pontual e eventual dos festejos – que se tem como provada, ainda que com substituição da fórmula “mestre de cerimónias” por ser potencialmente geradora de equívocos – podia e devia ter-se abstido de entoar o referido cântico nos termos em que o fez, o que não sucedeu. Os Arguidos reconhecem também na respetiva defesa que tais festejos e entoação de cântico foram objeto de registo videográfico, ainda que por meio de gravação “amadora e parcial de tais celebrações”, cuja autenticidade não põem em causa, antes aceitando ser verdadeiro o que esse registo vídeo retrata. 33. A demonstração da factualidade de índole subjetiva vertida nos factos provados 20), 21), e 22), que representa o estado psíquico atinente ao preenchimento dos elementos subjetivos dos tipos de infrações disciplinares em causa, decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo, à luz das regras da lógica e da experiência comum. 34. Comece-se por notar que a prática da infração disciplinar ao Arguido R........ Moreira é imputada a título de dolo. Sendo o dolo representação e vontade, ambas do foro interno, interior ou psíquico do agente, a sua prova em sede judicial ou disciplinar serve-se, na maior parte dos casos, e a menos que exista confissão ou outro elemento probatório onde o agente tenha vertido para a posteridade estes elementos, das máximas da experiência comum. Como bem sintetiza o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.02.2019 , “os factos psicológicos que traduzem o elemento subjetivo da infração são, em regra, objeto de prova indireta, isto é, só são suscetíveis de serem provados com base em inferências a partir dos factos materiais e objetivos, analisados à luz das regras da experiência comum”. Desta forma, para obter uma conclusão firme quanto à verificação do dolo, o intérprete-aplicador tem frequentemente de se basear nos demais factos apurados, nas circunstâncias e contexto global em que estes se verificam e em dados da conduta do agente, racionalizando essa avaliação através do respeito pelas regras da lógica e da normalidade do agir e acontecer humano. 35. Assim, no que respeita ao Arguido R........ ………. é insofismável que sabia e queria entoar o cântico com aqueles dizeres, tendo atuado com dolo direto. O Arguido não podia ignorar que ao entoar o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”, cuja letra não corresponde à letra “oficial” do referido cântico, consubstancia um comportamento antidesportivo e/ou antiético, na medida em que, ainda que entendido como metáfora (o que, no contexto, não deixa, obviamente, quaisquer dúvidas), verbaliza e encoraja a adoção de comportamentos intolerantes, antidesportivos e violentos em situações em que o B........... não saia vencedor nos jogos e/ou competições. E o argumento de que o Arguido teve apenas a intenção de “expressar uma alegria espontânea e incontida pela conquista”, que “fê-lo num momento de euforia e convencido que o cântico não tinha qualquer conotação ofensiva” não colhe. Com efeito, conforme se infere do detalhe da sua inscrição o mesmo encontra-se inscrito na FPF desde 15.09.2010, tendo estado inscrito em todas as épocas consecutivas e ininterruptamente como jogador do A………. Caxinas …………., clube que representou até ao final da época desportiva de 2023/2024; em 28.06.2024 foi inscrito pelo S……............., para onde foi transferido (fls. 72 a 74). Portanto, é jogador de futsal há cerca de 15 anos, pelo que tem obrigação de conhecer e saber que o cântico por si entoado é um cântico antidesportivo, antiético, consubstanciando um comportamento grosseiro que, banalizado, interiorizado e repetido, fomenta a intolerância, tanto mais que a letra entoada não é a “letra oficial” do referido cântico. Por maior que seja a alegria e entusiasmo que decorre da comemoração de um título, a mesma não legitima que sejam entoados cânticos antidesportivos e antiéticos, contrários às regras do fair play e do respeito pelo adversário, sobretudo se neles está contido (ainda que sob a forma de metáfora infeliz) o incentivo à violência e à intolerância desportiva. Resulta dos vídeos a que se alude supra que o Arguido ouviu primeiramente o referido cântico ser proferido pela massa de adeptos, sem que o haja entoado em voz alta, teve por conseguinte oportunidade de ajuizá-lo, pelo que num segundo momento, quando o entoou, era livre de agir de forma diferente, o que não fez; pelo contrário, associou-se à massa de adeptos e com eles entoou o referido cântico, conformando-se com o comportamento por si querido e adotado. Ademais, na sua própria defesa os Arguidos admitem tratar-se de um cântico “incorreto”. Refira-se que o ambiente de celebração não neutraliza a ilicitude disciplinar, nem elimina o dever de correção e respeito pelos valores desportivos a que os jogadores profissionais estão sujeitos, sob pena de se legitimar um espaço de impunidade, precisamente quando as regras de conduta mais se impõem. 36. Quanto à factualidade dada como não provada a mesma resulta da ausência de prova que, de forma suficientemente escorada e para além de qualquer dúvida razoável, a sustente. Aliás, apesar da defesa deduzida, os Arguidos não requereram a produção de qualquer prova, limitando-se a juntar aos autos uma notícia extraída do site “Mais Futebol” onde se refere que “Atleta do B........... se juntou aos adeptos e entoou a seguinte frase: “ou ganha o B........... ou matamos alguém” (fls. 146 e 147), o que apenas veio reforçar a factualidade dada como provada quanto à entoação do referido cântico. 37. Com efeito, no que respeita ao facto não provado constante da alínea a), respeitante à ausência de cadastro disciplinar na época desportiva 2024/2025 na competição em apreço, apesar de na Acusação constar que o Arguido R........ ……….. na época desportiva 2034/2025 havia sido condenado ao abrigo do artigo 169.º, n.º 1, al. f) do RDFPF, compulsado o cadastro disciplinar junto aos autos a fl. 75 infere-se que a referida infração foi praticada em 27.04.2024 e, portanto, na época desportiva 2023/2024. Pelo que se conclui que à data dos factos que lhe são imputados nos presentes autos, o Arguido R............... não tinha averbado no seu cadastro disciplinar por referência à competição em apreço e à época desportiva 2024/2025 qualquer condenação. 38. Já no que respeita ao facto não provado constante da alínea b) é o corolário da circunstância de considerarmos, como infra se verá, que o Arguido S……............. não violou quaisquer deveres in formando e in vigilando, não sendo, pois, possível concluir-se que agiu sem o cuidado e diligência exigíveis no contexto da participação em competições organizadas pela FPF, o que redunda na necessidade de se dar como não provado o preenchimento, por este, do tipo subjetivo sancionatório.
V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO § 1. Do enquadramento geral (…) 42. Já ao Arguido R.................... é imputada na acusação a prática uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 171.º-A do RDFPF, à qual corresponde, em abstrato, a aplicação da sanção de repreensão ou suspensão de 8 dias a 1 mês e, em qualquer caso, acessoriamente por se tratar de jogador profissional, com multa entre 1 e 5 UC. 43. O Arguido S……............. está acreditado como Clube pela FPF, nos termos do artigo 4.º, alínea d) (…) do RDFPF, em conjugação com o artigo 3.º, n.º 1 (…) daquele Regulamento, e o Arguido R........ …………., enquanto jogador, é considerado agente desportivo (…) para os efeitos do RDFPF, nos termos do artigo 4.º, alínea b), em conjugação com o artigo 3.º, n.º 1 do RDFPF (…), pelo que ambos estão sujeitos ao exercício do poder disciplinar por parte da FPF na medida em que pratiquem factos que possam ser integrados nalgum dos tipos de infração naquele previstos. 44. Nos termos do artigo 15.º, n.º 1 do RDFPF, “[c]onstitui infração disciplinar o facto voluntário, ainda que meramente culposo, que por ação ou omissão previstas ou descritas neste Regulamento viole os deveres gerais e especiais nele previstos e na demais legislação desportiva aplicável.” 45. Apenas se poderá concluir pelo preenchimento de uma infração disciplinar se todos os elementos constitutivos da infração se verificarem em concreto, cumulativamente – pois a falta de qualquer um deles comporta, como consequência necessária, a inexistência de infração disciplinar por falta de preenchimento do respetivo tipo sancionatório. 46. Nos termos do artigo 16.º, n.º 1 do RDFPF “[s]ão sancionadas as infrações disciplinares cometidas tanto por ação como por omissão na forma consumada e, quando expressamente prevista, na forma tentada.” (…) 62. Já o artigo 171.º-A do RDFPF, sob a epígrafe “Inobservância de outros deveres” estipula que “O jogador que, em todos os casos não especialmente previstos neste Regulamento, viole dever imposto pelos regulamentos, normas e instruções genéricas da FPF e demais legislação desportiva aplicável, é sancionado ou com repreensão ou com suspensão de 8 dias a 1 mês e, em qualquer caso, acessoriamente e se for jogador profissional, com multa entre 1 e 5 UC”. 63. No caso concreto o Arguido R……………. violou os princípios e deveres de participação na Liga Placard consagrados no artigo 6.º do Regulamento da Liga Placard, mormente o princípio da ética desportiva e da prevenção de comportamentos antidesportivos. 64. O sancionamento do referido comportamento antidesportivo e antiético, revelador de uma deficiente interiorização dos valores do fair play, encontra também o seu fundamento nesta tarefa (pública) de realização do valor da ética desportiva e da prevenção da violência. 65. Portanto, a ética e o espírito desportivos não prescindem, antes exigem, no quadro das competições oficiais, a existência de mútuo respeito entre todos os diversos agentes desportivos, e entre estes e o público, incumbindo aos primeiros especiais deveres tendentes à realização de tais valores. 66. Com efeito, a tutela disciplinar aqui convocada visa defender o bom e regular funcionamento da competição, assegurando a credibilidade da própria competição, dos competidores e dos cargos desportivos. A credibilidade da competição assenta em valores de mútuo respeito entre os diversos agentes desportivos e/ou órgãos da estrutura desportiva e com o público/adepto em geral, bem como na promoção de comportamentos tolerantes, éticos no fenómeno desportivo. Daí a sua imposição como dever normativo e o sancionamento da sua violação. 67. Deste modo, no quadro regulamentar atual, a disciplina jurídico-desportiva prevê, reprova e sanciona, de forma especial, quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos praticados pelos agentes desportivos que se revelem como comportamento antidesportivo, antiético, grosseiro ou intolerante. Fá-lo com plena autonomia relativamente ao direito penal e ao direito civil (cf. artigo 6.º, n.º 2 do RDFPF), pois que, para além do bom nome e reputação das instituições e dos agentes desportivos, aquela norma protege o bom e regular funcionamento da competição, procurando assegurar que os valores de respeito entre os contendores imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição, dos competidores e dos cargos desportivos não seja abalada por comportamentos ou afirmações lesivos desses valores. (…) §3. Do comportamento do Arguido R...................... 72. O Arguido R....................... vem acusado da prática de 1 (uma) infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 171.º-A do RDFPF, por referência ao artigo 12.º do RDFPF e artigo 6.º do Regulamento da Liga Placard, porquanto, após o último jogo da competição, durante as comemorações da vitória da sua equipa, entoou, juntamente com os adeptos do seu clube, o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”, cântico que, pelo seu teor literal, é claramente antiético e antidesportivo, promovendo a banalização e, assim a interiorização, de comportamentos violentos e intolerantes na prática desportiva. Embora não se duvide estar-se perante linguagem metafórica, trata-se indiscutivelmente de uma metáfora infeliz por assentar na banalização da violência e da intolerância e que os agentes desportivos têm o dever de repudiar firmemente, no mínimo abstendo-se de os reproduzir ou ecoar nas suas celebrações. 73. O ilícito disciplinar descrito no artigo 171.º-A do RDFPF corresponde a uma norma complexa, cuja exegese convoca a interpretação dos deveres e obrigações previstos no DFPF, demais regulamentos, normas e instruções genéricas da FPF e demais legislação desportiva aplicável, como seja no caso dos autos o Regulamento da Liga Placard. Assim, o artigo 171.º-A do RDFPF não tem um conteúdo de ilicitude autónomo, antes comportando a violação por parte do agente de um dever legal ou regulamentar relativo à ética desportiva. 74. Em parte, este normativo sancionatório corresponde àquilo que na dogmática penal se vem designando como “normas penais em branco” (neste contexto, e com mais propriedade, podemos falar de “normas sancionatórias ou disciplinares em branco”), i.e., normas penais que recorrem a outras normas para parcialmente descrever os pressupostos da punição, incluindo o reenvio, para esse efeito, para outras normas (complementares ou integradoras). A problemática geralmente associada às normas penais em branco prende-se com a eventual violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, a que o sancionamento desportivo não é estranho (cfr., inter alia, o artigo 7.º do RDFPF). Em todo o caso, a doutrina dominante, aqui representada por FIGUEIREDO DIAS, tem entendido que desde que a norma penal em branco «conste de lei formal, não se veem razões teleológico-funcionais decisivas para considerar em causa, no plano da fonte, o respeito pelo princípio da legalidade». Mutatis mutandis, e estando o artigo 171.º-A inserto no RDFPF não se considera existir qualquer violação do princípio da legalidade ou da tipicidade, na medida em que as concretas infrações disciplinares sejam certas e determinadas. 75. Deste modo, e para que possamos concluir pelo preenchimento ou não por parte do Arguido R……………… do artigo 171.º-A do RDFPF mister é que se verifique que concretos deveres e obrigações que terá o Arguido, com a sua conduta, violado. No caso concreto, resulta violado o disposto no artigo 6.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), b) e c) do Regulamento da Liga Placard, nos termos do qual se prevê que a: “1. A Liga Placard é realizada em observância dos princípios da integridade, lealdade, transparência, ética, defesa do espírito desportivo e verdade desportiva. 2. Todos os participantes têm o dever de: a) zelar pelo nome e reputação da Liga Placard; b) colaborar de forma a promover a transparência e proteger a integridade e a credibilidade da Liga Placard; c) prevenir comportamentos antidesportivos, designadamente a corrupção, a combinação de incidências ou resultados desportivos, a violência, a dopagem, o racismo, a xenofobia ou qualquer outra forma de discriminação (…)” (negrito nosso) 76. Portanto, atenta a materialidade dada como provada, designadamente nos factos provados 18), 22) e 23) mostra-se verificado o preenchimento de todos os requisitos típicos objetivos do artigo 171.º-A do RDFPF, pois que: (i) o Arguido enquanto jogador profissional que à data dos factos competia na Liga Placard; (ii) violou o dever da defesa do espírito e ética desportiva que sobre o mesmo recai nos termos do artigo 6.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), b) e c) do Regulamento da Liga Placard, ao entoar o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”, (iii) consubstanciando o seu comportamento um gesto antidesportivo, antiético, grosseiro incentivo à violência e intolerância desportiva. 77. Verificados os elementos típico-objetivos da norma sancionatória, cabe agora concluir sobre o elemento subjetivo da referida norma. Nesta senda, conclui-se que a conduta do Arguido se apresenta como suscetível de preenchimento na modalidade de dolo, havendo, no caso vertente, conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objetivo de ilícito. O Arguido bem sabia que o cântico que entoou era proibido e punido pelos regulamentos desportivos, apresentando-se como contrário à ética e valores desportivos, e prejudicando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva em que se encontrava envolvido o jogador, facto que consubstancia comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, o qual não se absteve, porém, de concretizar (cf. factos provados n.ºs 22 e 23). E, como supra se referiu, o festejo de uma vitória, por mais efusivo que seja, não legitima ou não consente que se entoem cânticos que incitem (mesmo que metaforicamente) à violência e/ou intolerância, consubstanciando comportamento antidesportivo e antiético. 78. Mais uma vez recordamos que o quadro disciplinar desenhado e implementado tem sempre em vista a promoção de certos valores na esperança e expectativa que o seu respeito erradique ou pelo menos diminua acentuadamente os fenómenos da violência e da desordem no desporto. Ora, todas as condutas praticadas por agentes desportivos, e em particular jogadores profissionais, a quem se exige um standard ou padrão de atuação em todas as ocasiões elevado, correto, probo, leal e urbano, que se desviem do respeito dos ditos valores são passíveis de censura disciplinar, como in casu ocorre. 79. É certo que o Arguido R………………. entoou o suprarreferido cântico num contexto de festejo e celebração da vitória de uma competição importante para a sua equipa, mas como bem enfatiza o Sr. Conselheiro ……………. no acórdão deste CDSNP de 11.07.2025 “é precisamente nos festejos de uma vitória desportiva que se impõe uma maior consideração e respeito pelo adversário derrotado. A ética, o espírito desportivo e o fair play assim o exigem. E não se trata de impor aos agentes desportivos um qualquer modo particular de festejarem as suas vitórias e as suas conquistas; trata-se, outrossim, de impedir que sob esse pretexto se adotem condutas disciplinarmente ilícitas e violadoras dos valores jusdesportivos.” 80. Assim, cumpre concluir, dizendo que a conduta do Arguido R……………. se afigura culposa, juridicamente censurável, por indiferente e contrária aos valores protegidos pelo ordenamento jurídico-disciplinar, encontrando-se, portanto, reunidos os pressupostos de natureza objetiva e subjetiva de que depende a responsabilidade disciplinar do Arguido, à luz do disposto no artigo 171.º-A do RDFPF.
VI – DA MEDIDA E GRADUAÇÃO DAS SANÇÕES §1. Determinação da medida da sanção 81. Qualificados juridicamente os factos e operada a sua subsunção aos preceitos legais e regulamentares sancionadores, tendo-se concluído pela prática de ilícito disciplinar pelos Arguidos S……............. e R........ …….. pelo qual vêm acusados, deve, como tal, ser sancionados. Importa, por isso, agora proceder à determinação da medida concreta das sanções a aplicar. 82. Estatui o artigo 42.º, n.º 1, do RDFPF que “[a] determinação da medida da sanção, dentro dos limites definidos no presente Regulamento, é feita em função da culpa do agente, e das exigências de prevenção”. Prevenção e culpa são, então, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, espelhando o primeiro a necessidade comunitária da punição do caso concreto – nas palavras de FIGUEIREDO DIAS, a “necessidade da tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada” e constituindo o segundo, especificamente dirigido ao agente da infração, o limite às exigências de prevenção e, portanto, o limite máximo da sanção. 83. Mister é, neste particular, notar que é a ideia de prevenção geral (positiva), enquanto finalidade primordial visada pela sanção, que dá sustento ao cumprimento do princípio da necessidade da pena, consagrado, em termos gerais, no artigo 18.º, n.º 2 da CRP. São, nomeadamente, as exigências de prevenção geral que definem a chamada “moldura da prevenção”, em que o quantum máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias que a sanção deve alcançar e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo da defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de pena sem irremediável prejuízo da respetiva função tutelar. 84. Nesse contexto, no que concerne às exigências de prevenção especial ou individual, a sanção não pode deixar de alcançar o objetivo de fazer os Arguidos interiorizar o desvalor da sua conduta, de molde a prevenir a prática de futuros ilícitos disciplinares. Em todo o caso, a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, que constitui “um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas”. 85. Por outro lado, determina o citado artigo 42.º, n.º 2 do RDFPF que “[n]a determinação da medida da sanção atende-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de infração, militem a favor do agente ou contra ele, considerando-se nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou negligência; c) Os fins ou motivos que determinaram a prática da infração; d) As condutas anterior e posterior ao facto, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências da infração; e) As especiais e singulares responsabilidades do agente na estrutura desportiva; f) A situação económica do infrator”. 86. Neste contexto, deve ponderar-se, ainda, a eventual verificação no caso concreto de algumas das circunstâncias – atenuantes e agravantes – previstas nos artigos 43.º e 44.º do RDFPF, que, in casu, determinariam a atenuação ou o agravamento da moldura sancionatória. 87. Por um lado, o artigo 43.º, n.º 1 do RDFPF estabelece que “[c]onstitui circunstância agravante especial a reincidência”, esclarecendo o n.º 2 do mesmo artigo que “[é] sancionado como reincidente quem cometer infração depois de ter sido sancionado, por decisão definitiva, pela prática de infração muito grave ou grave ou de duas infrações leves e se, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, o infrator for de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra a prática da infração”. O n.º 3 de tal artigo acrescenta que “[p]ara efeitos do número anterior, a infração ou infrações anteriores por que o infrator tenha sido sancionado só relevam se tiverem sido praticadas na mesma época desportiva ou, adicionalmente e apenas quanto a casos especialmente previstos de cometimento reiterado da mesma infração, nas duas imediatamente anteriores”. 88. Por outro, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 44.º do RDFPF, “[c]onstituem circunstâncias atenuantes especiais: a) Ser a Arguido menor de idade; b) A ausência de registo disciplinar na mesma época e nas três épocas anteriores a essa em que a Arguido tenha estado inscrito; c) A prestação de serviços relevantes ao futebol; d) O louvor por mérito desportivo; e) contribuição decisiva para a descoberta da verdade material; f) Ser a Arguido denunciante da manipulação de jogo ou aposta antidesportiva ou de qualquer comportamento destinado a alterar fraudulentamente o decurso ou o resultado da competição”. §2. O caso concreto do Arguido R……………… 89. Ora, apurados os factos valorados como atentatórios da ordem jurídica desportiva e enquadrados no respetivo tipo de infração, resta apreciar e decidir as sanções a aplicar. Elucidada a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena e qual a função que uma e outra cumprem neste processo, importa então eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto – “aquele recorte ou pedaço de vida”, na expressão de FIGUEIREDO DIAS – que relevam para a culpa e para a prevenção. FIGUEIREDO DIAS chama a esta tarefa “a determinação do substrato da medida da pena” e àquelas circunstâncias “os fatores da medida da pena”. 90. Na concretização deste trabalho e nos termos já acima abordados, quanto à determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos no RDFPF, a mesma faz-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuras infrações disciplinares, considerando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de infração, militem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, as constantes dos artigos 42.º a 44.º do mencionado diploma disciplinar. 91. Em termos de prevenção geral, há que considerar a natureza e a relevância do bem jurídico protegido pelos tipos de ilícitos em questão (a proteção da competição, concretamente que se garanta a ética e o espírito desportivo da competição), bem como a frequência com que comportamentos como os demonstrados nos autos ocorrem (avultadamente), o que incrementa a “necessidade da tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”, o que tudo sopesado eleva as exigências de prevenção geral. 92. No que concerne às exigências de prevenção especial ou individual que o caso concreto alumia, cumpre referir que, à data dos factos, por referência à época desportiva 2024/2025 e à Liga Placard o Arguido R..................... não apresenta cadastro disciplinar, apresentando nas imediatamente anteriores. 93. Pelo que, não podendo ser julgado como reincidente, a prática de infrações disciplinares nas três épocas imediatamente anteriores, na competição em apreço, para além de obstar à verificação da circunstância atenuante prevista no artigo 44.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 do RDFPF, não deixa de relevar no quadro das exigências concretas de prevenção especial ou individual, que, se revelam relativamente medianas. 94. Olhando às demais alíneas do artigo 44.º, n.º 1 do RDFPF, não se verifica, in casu, qualquer das circunstâncias atenuantes aí previstas, inexistindo também motivos para que tenha lugar a atenuação especial da sanção prevista no n.º 7 e no n.º 8 do mesmo artigo. 95. Destarte, por força da aplicação da redução derivada da redução adveniente do tipo de competição em apreço, a moldura abstrata do artigo 171.º-A do RDFPF é fixada em repreensão ou com suspensão de 8 dias a 1 mês e em qualquer caso, acessoriamente e se for jogador profissional (como sucede), com multa entre 0,5 UC e 2,5 UC. 96. Assim, considerando o circunstancialismo dos factos em causa, importa ter em conta na determinação da medida da sanção o facto de o Arguido não ter tido a iniciativa do cântico, tendo antes repetido - o que não deixa de ser censurável, ainda que em menor grau - a letra "desvirtuada" que os adeptos entoaram. Por outro lado, e ainda que não exista qualquer expectativa legítima de privacidade capaz de excluir a ilicitude ou a culpa, importa considerar que se tratou de um momento de celebração perante os próprios adeptos que para esse efeito se deslocaram ao Pavilhão ……, circunstância que - sem prejuízo da gravidade da conduta (o que afasta, decididamente, a adequação e suficiência da mera repreensão) - não pode deixar de ser tida em conta na graduação da pena. Conjugando-se a referida factualidade com as exigências de prevenção geral e especial, sopesada igualmente toda a materialidade dada como provada e os fatores orientadores da dosimetria da sanção, entende-se adequado e suficiente, tanto em termos preventivos como para efeitos sancionatórios, aplicar ao Arguido R................. pela prática, a título doloso, de forma consumada, de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 171.º-A, do RDFPF, a sanção de 8 (oito) dias de suspensão e de multa de 1 UC, isto é, € 102,00 (cento e dois euros). 97. Neste conspecto, cumpre apenas acrescentar que o RDFPF, no seu artigo 47.º, reconhece a possibilidade excecional de suspensão parcial (até ao valor de metade) da execução da sanção. Todavia, nos termos do disposto no respetivo n.º 5, “[a] parte da sanção cuja execução não é suspensa não pode ser inferior [...], no caso da multa, a 50 UC”, o que, perante a dosimetria da sanção supramencionada, inabilita, sem necessidade de outros considerandos, tal possibilidade. Já a possibilidade da suspensão da sanção de suspensão não está sequer prevista. VII – DECISÃO 98. Nestes termos e com os fundamentos expostos, o Conselho de Disciplina – Secção Não Profissional – da Federação Portuguesa de Futebol decide, nos presentes autos, julgar parcialmente procedente a Acusação e, em consequência: (…) b) Condenar o Arguido R...................... pela prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 171.º-A do RDFPF, na sanção de 8 (oito) dias de suspensão e de multa de 1 UC, isto é, € 102,00 (cento e dois euros)” (cfr. documento n.º 1, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 3) A FPF divulgou, no seu sítio da Internet, o seguinte calendário desportivo: 3.1. Para a Supertaça de Futsal Placard (masculina): “Quadro no original” 3.2. Para a primeira jornada da Liga Placard – Futsal – 2025/2026: “Quadro no original” (documento n.º 2, junto com o requerimento inicial, e informação pública, constante do sítio da Internet da FPF – https://resultados.fpf.pt/
V.B. Factos Não Provados Não existem factos indiciariamente não provados relevantes para a apreciação.
V.C. Motivação A decisão proferida sobre a matéria de facto sustenta-se na prova documental junta aos autos, conforme indicado junto a cada um dos factos. O facto 3) sustenta-se ainda em informação pública, constante do sítio da Internet da FPF.
VI. Fundamentação de Direito Considera o Requerente que estão reunidos os requisitos para deferimento da presente providência. Assim, e em síntese, alega: ¾ Quanto ao fumus boni iuris: - A decisão do CD é ilegal, por erro na fixação da matéria de facto, violação do direito à liberdade de expressão e violação do princípio da culpa; - “[O]s actos e comportamentos que não colidam de forma clara com os fins e atribuições que estão cometidos às federações desportivas, devem ficar fora do campo da sanção disciplinar ou, pelo menos, das sanções mais severas, entre quais está, seguramente, a suspensão, que, na prática, corresponde à proibição do núcleo essencial do direito ao trabalho do jogador”; ¾ Quanto ao periculum in mora: - “[A] suspensão do acto em causa é condição sine qua non de efectividade de gozo de direitos fundamentais por parte do Demandante; direitos que gozam, inclusivamente, de protecção jurídica constitucional”, considerando o agendamento de jogos para os dias 3 e 9 de setembro; - Em relação ao jogo de dia 3, “[e]m virtude da sanção de suspensão que lhe foi aplicada, o Demandante está impedido de participar nesse jogo oficial, que é de especial importância, não só por tratar do primeiro jogo oficial da presente época desportiva, mas sobretudo por estar em disputa o primeiro título da época”; ¾ O prejuízo resultante da providência a decretar não excede o dano que com ela se pretende evitar. Vejamos, então. Nos termos do art.º 41.º da Lei do TAD: “1 - O TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo. 2 - No âmbito da arbitragem necessária, a competência para decretar as providências cautelares referidas no número anterior pertence em exclusivo ao TAD. (…) 6 - O procedimento cautelar é urgente, devendo ser decidido no prazo máximo de cinco dias, após a receção do requerimento ou após a dedução da oposição ou a realização da audiência, se houver lugar a uma ou outra. (…) 9 - Ao procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil [CPC]”. Atenta, pois, a disciplina prevista no CPC nesta matéria, somos remetidos para o seu art.º 368.º, nos termos do qual: “1 - A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. 2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”. Nas palavras de Alberto dos Reis, no que concerne ao “1º requisito pede-se ao Tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança; quanto ao 2º pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1980, p. 621]. Como é pacífico na jurisprudência deste TCAS sobre a matéria, são requisitos essenciais de verificação cumulativa das providências cautelares como a presente os seguintes: a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito. Refere-se, a este propósito, na decisão deste TCAS de 20.01.2023 (Processo: 17/23.7BCLSB): “[E]sta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summaria cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor. Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam. É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”. (…) A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2: “(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte; III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão; IV – desta forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado; (…) VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção; (…).” O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.”. Feito este introito, cumpre apreciar. Como já se referiu, a procedência de uma providência cautelar como a presente depende da verificação cumulativa dos seus requisitos. In casu, em sede cautelar, o Requerente apenas ataca a sanção de 8 dias de suspensão aplicada, pela prática de 1 (uma) infração disciplinar, prevista e sancionada no art.º 171.º-A do Regulamento de Disciplina da FPF (RDFPF).
Do fumus boni iuris Comecemos, então, pela apreciação do fumus boni iuris. Como já referido, este pressuposto implica que exista a probabilidade séria da existência do direito. Nas palavras de Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, p. 90), “[q]uanto ao direito cujo receio de lesão grave constitui a justificação fundamental para a concessão da tutela cautelar não se exige um juízo de certeza, bastando-se a lei com um juízo de verosimilhança ("probabilidade séria", segundo o [então] art.º 387.°, n.° 1) formulado pelo juiz, com base nos meios de prova apresentados ou naqueles que o tribunal oficiosamente aprecie, embora tal juízo não deva ser colocado num patamar tão baixo na escala gradativa da convicção do juiz que se tutelem situações destituídas de fundamento razoável”. Antes de mais, referira-se que, atentando quer no Acórdão do CD em causa, quer na posição do próprio Requerente, não há dúvidas de que: a) Na sequência de o S …………… e B........... se ter sagrado campeão nacional da Liga Placard de Futsal, na época 2024/2025, houve uma comemoração entre, designadamente, adeptos e jogadores no Pavilhão …….. ou Pavilhão ……..; b) Nesse contexto, os adeptos, entre outros cânticos, entoaram cântico com a seguinte letra: “ou ganha o B........... ou matamos alguém”; c) O Requerente acompanhou os adeptos nesse cântico, empunhando microfone, nos termos referidos em 18. dos factos provados – o que este Tribunal confirmou pela visualização das imagens constantes do site citado em sede de motivação no Acórdão (cfr. ponto 32). A título prévio, não pode este Tribunal deixar de sublinhar que, num contexto desportivo (seja num jogo ou numa comemoração de uma vitória, como foi o caso), deveriam todos os seus participantes abster-se de cânticos desta natureza, que, pelo seu carácter, no mínimo, deselegante, usando a adjetivação do próprio Requerente, transformam um momento comemorativo num momento com características desagradáveis que só desprestigiam todos aqueles que veem na prática desportiva uma prática que se pretende de competição salutar. Trata-se de uma regra, em nosso entender, basilar da saudável convivência, que não pode deixar de se estender ao universo desportivo. No entanto, independentemente deste nosso entendimento, o que aqui se pretende aferir é se, no plano jurídico, estamos ou não perante uma situação que justifique a tutela cautelar referida, começando por se apreciar a probabilidade séria da existência do direito, invocada pelo Requerente. Nos termos do art.º 12.º do RDFPF, sob a epígrafe Deveres gerais: “1. Todas as pessoas físicas e coletivas sujeitas ao presente Regulamento devem agir em conformidade com os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade. 2. Os clubes e agentes desportivos devem manter comportamento de urbanidade entre si, para com o público e entidades credenciadas para os jogos oficiais. 3. Todas as pessoas previstas no número 1 têm o dever de promover os valores relativos à ética desportiva e de contribuir para prevenir comportamentos antidesportivos, designadamente violência, dopagem, corrupção, combinação de resultados desportivos, racismo e xenofobia e qualquer comportamento discriminatório, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo ou ofensivas dos órgãos da estrutura desportiva e das pessoas a eles relacionados”. Por seu turno, decorre do art.º 15.º do RDFPF: “Constitui infração disciplinar o facto voluntário, ainda que meramente culposo, que por ação ou omissão previstas ou descritas neste Regulamento viole os deveres gerais e especiais nele previstos e na demais legislação desportiva aplicável”. Como resulta do art.º 171.º-A do RDFPF, sob a epígrafe Inobservância de outros deveres: “O jogador que, em todos os casos não especialmente previstos neste Regulamento, viole dever imposto pelos regulamentos, normas e instruções genéricas da FPF e demais legislação desportiva aplicável, é sancionado ou com repreensão ou com suspensão de 8 dias a 1 mês e, em qualquer caso, acessoriamente e se for jogador profissional, com multa entre 1 e 5 UC” [sendo que é ainda de considerar o disposto no art.º 25.º, n.º 4, alínea b), do mesmo regulamento, para efeitos de moldura da multa]. Portanto, trata-se de infração sancionada ou com repreensão ou com suspensão e, acessoriamente, com multa, caso estejamos perante jogador profissional. Nos termos do art.º 6.º do Regulamento da Liga Placard: “1. A Liga Placard é realizada em observância dos princípios da integridade, lealdade, transparência, ética, defesa do espírito desportivo e verdade desportiva. 2. Todos os participantes têm o dever de: a) zelar pelo nome e reputação da Liga Placard; b) colaborar de forma a promover a transparência e proteger a integridade e a credibilidade da Liga Placard; c) prevenir comportamentos antidesportivos, designadamente a corrupção, a combinação de incidências ou resultados desportivos, a violência, a dopagem, o racismo, a xenofobia ou qualquer outra forma de discriminação…”. Posto este enquadramento, o Requerente imputa, de facto e de direito, diversas deficiências à decisão do CD, que passaremos a apreciar, nos termos próprios da tutela cautelar. Quanto ao erro na fixação da matéria de facto, atenta a summaria cognitio que carateriza a tutela cautelar, a par da prova produzida, o mesmo não se afigura, na presente sede, evidente, o que, desde logo, implica que não tenha as consequências assacadas pelo Requerente em sede cautelar. Ademais, o contexto em que ocorreu a situação em causa não é controvertido (foi um contexto de festejo) e a duração decorre da visualização das próprias imagens. Refira-se, paralelamente, que o Requerente menciona a existência de vídeo não consentido, nada retirando dessa afirmação [de resto, v. o Acórdão da Relação de Coimbra de 24.02.2016 (Processo: 2638/12.4TALRA.C1): “I - A captação de imagens por particulares, em locais públicos ou de livre acesso ao público, não estando ferida de qualquer ilegalidade nem violando os direitos de personalidade que compreendem o direito à imagem, é meio admissível de prova”]. Por outro lado, verifica-se, sim, alguma discordância com os advérbios utilizados, não sendo controvertido que a situação foi reproduzida em dois jornais desportivos, A Bola e Record, de tiragem nacional e presença on line, como é facto notório e de conhecimento geral. O Requerente refere ainda que não foi feita nenhuma diligência probatória adicional pelo CD, ainda que não refira que diligências entende essenciais e ainda que, em sede disciplinar, como resulta do próprio Acórdão e não é posto em causa, nunca tenha requerido a realização de quaisquer diligências. No entanto, sublinha-se, o contexto em que ocorreu a factualidade não resulta, em nosso entender, controvertido, como decorre da leitura do Acórdão. Como tal, nesta parte, não assiste razão ao Requerente. Quanto à explicação dada pelo ora Requerente na rede social X, a mesma não põe em causa a existência da factualidade em que se sustentou o CD. Prosseguindo. Desde já se refira que o conteúdo do cântico é, em nosso entender, antiético e antidesportivo, mesmo que encarado metaforicamente. Permitimo-nos, nesta sede, seguir o entendimento da decisão do CD sob escrutínio: “63. No caso concreto o Arguido R........ …….. violou os princípios e deveres de participação na Liga Placard consagrados no artigo 6.º do Regulamento da Liga Placard, mormente o princípio da ética desportiva e da prevenção de comportamentos antidesportivos. 64. O sancionamento do referido comportamento antidesportivo e antiético, revelador de uma deficiente interiorização dos valores do fair play, encontra também o seu fundamento nesta tarefa (pública) de realização do valor da ética desportiva e da prevenção da violência. 65. Portanto, a ética e o espírito desportivos não prescindem, antes exigem, no quadro das competições oficiais, a existência de mútuo respeito entre todos os diversos agentes desportivos, e entre estes e o público, incumbindo aos primeiros especiais deveres tendentes à realização de tais valores. (…) A credibilidade da competição assenta em valores de mútuo respeito entre os diversos agentes desportivos e/ou órgãos da estrutura desportiva e com o público/adepto em geral, bem como na promoção de comportamentos tolerantes, éticos no fenómeno desportivo. Daí a sua imposição como dever normativo e o sancionamento da sua violação. 67. Deste modo, no quadro regulamentar atual, a disciplina jurídico-desportiva prevê, reprova e sanciona, de forma especial, quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos praticados pelos agentes desportivos que se revelem como comportamento antidesportivo, antiético, grosseiro ou intolerante. Fá-lo com plena autonomia relativamente ao direito penal e ao direito civil (cf. artigo 6.º, n.º 2 do RDFPF), pois que, para além do bom nome e reputação das instituições e dos agentes desportivos, aquela norma protege o bom e regular funcionamento da competição, procurando assegurar que os valores de respeito entre os contendores imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição, dos competidores e dos cargos desportivos não seja abalada por comportamentos ou afirmações lesivos desses valores. (…) Embora não se duvide estar-se perante linguagem metafórica, trata-se indiscutivelmente de uma metáfora infeliz por assentar na banalização da violência e da intolerância e que os agentes desportivos têm o dever de repudiar firmemente, no mínimo abstendo-se de os reproduzir ou ecoar nas suas celebrações” (sublinhado nosso). A entoação de um cântico como o que foi entoado, in casu, afigura-se, pois, numa análise perfunctória, própria do procedimento cautelar, como não só deselegante, como refere o Requerente, mas antiética e antidesportiva, o que, como os agentes desportivos têm obrigação de saber, é de repudiar. O facto de se estar perante um contexto de comemoração de uma vitória, como o do caso, não afasta o carácter antiético e antidesportivo da conduta, caso contrário estaríamos perante o não sancionamento de um comportamento por força desse mesmo contexto, o que não encontra respaldo nos normativos vigentes. Tendo em conta esta linha de raciocínio, não se concorda, da análise perfunctória que se faz nesta sede, que a liberdade de expressão tenha, neste contexto, a compressão intolerável que lhe aponta o Requerente. A liberdade de expressão, sendo um valor constitucionalmente consagrado (cfr. art.º 37.º da nossa Lei Fundamental) e com assento na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (cfr. art.º 10.º), não tem alcance absoluto. Veja-se, aliás, que a nossa Constituição também consagra, no n.º 2 do seu art.º 79.º, que “[i]ncumbe ao Estado (…) prevenir a violência no desporto”. E o facto de a liberdade de expressão não ter carácter absoluto implica que não possa ser sob a sua alçada que se defenda a entoação de cânticos com frases como a em causa (“ou ganha o B........... ou matamos alguém”), que se nos afigura, como já referido, como sendo antiética ou antidesportiva, passível de motivar uma postura violenta. Ao contrário do que parece defender o Requerente, a compressão da liberdade de expressão, se é apenas admissível em casos limitados, não está circunscrita apenas aos casos de tutela do bom nome e da reputação. Com efeito, bastará atentar, por exemplo, em termos de direito penal, na existência de vários tipos de crime em que a liberdade de expressão é comprimida, por haver valores que se sobrepõem. Acrescente-se que são várias as profissões às quais, pela sua especiais caraterísticas e/ou responsabilidade social, estão legalmente impostos deveres que, necessariamente, implicam restrições à liberdade de expressão, justamente para se conformar esta liberdade com os impactos negativos na sociedade que decorram de afirmações ilícitas proferidas. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.02.2019 (Processo: 066/18.7BCLSB), ainda que a propósito de outra infração disciplinar: “[O] sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros [é] necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa” [v., igualmente, v.g., os Acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 04.06.2020 (Processo: 0154/19.2BCLSB) e de 09.12.2021 (Processo: 019/21.8BCLSB)] O entendimento em sentido distinto permitiria que todas as condutas idênticas à presente, antiéticas e antidesportivas, proibidas nos termos já referidos, estivessem fora do alcance sancionatório, o que não se nos afigura suceder. Veja-se que, de modo algum, se está a impedir o direito de celebrar. No entanto, o direito de celebrar não tem alcance absoluto, em termos, desde logo, do teor das afirmações proferidas. Nem se vislumbra, pela prova perfunctória produzida, que o contexto o justificasse, nem que qualquer celebração fosse posta em causa pela abstenção de proferir a expressão em causa. Por outro lado, da prova perfunctoriamente produzida, não se pode concluir que um jogador, ainda que com 22 anos, mas que já joga há diversos anos, não saiba os termos que devem ditar o seu comportamento num evento aberto aos adeptos e que, por isso, público. Além do mais, a sanção de suspensão é de 8 dias, mínimo da moldura, no que toca à sanção de suspensão, não se mostrando como excessivamente compressora do exercício da profissão (cfr. Decisão deste TCAS de 20.05.2022 – Processo: 96/22.4BCLSB) – pelo que não se afigura que esta restrição seja desproporcional. Portanto, também por esta via não se acolhe o entendimento do Requerente. Igualmente, face à prova perfuntoriamente produzida e a que nos referimos, não se é evidente a violação do princípio da presunção de inocência, dado que o CD não se baseou em meras suposições. Por outro lado, o Requerente invoca que, considerando o princípio da culpa, previsto no art.º 8.º do RDFPF, mesmo que a sua conduta fosse ilícita, nunca foi por si representado que a letra entoada pudesse ter a carga menos ética que lhe é atribuída e não teve a consciência de poder estar a entoar cântico suscetível de ser considerado antiético. Retornando à decisão sob escrutínio, aí se refere: “[N]o que respeita ao Arguido R............... é insofismável que sabia e queria entoar o cântico com aqueles dizeres, tendo atuado com dolo direto. O Arguido não podia ignorar que ao entoar o cântico “ou ganha o B........... ou matamos alguém”, cuja letra não corresponde à letra “oficial” do referido cântico, consubstancia um comportamento antidesportivo e/ou antiético, na medida em que, ainda que entendido como metáfora (o que, no contexto, não deixa, obviamente, quaisquer dúvidas), verbaliza e encoraja a adoção de comportamentos intolerantes, antidesportivos e violentos em situações em que o B........... não saia vencedor nos jogos e/ou competições”. Da prova perfuntoriamente assente, concorda-se com este entendimento – aliado à visualização das imagens em causa. Com efeito, é, para nós, evidente que o teor do cântico é antiético e antidesportivo, nos termos já referidos. Ademais, da visualização das imagens decorre que, sendo certo que o cântico partiu dos adeptos, passados alguns segundos e tendo o microfone na mão, o Requerente não se coibiu de o repetir e de fazer gestos de incentivo, como resulta da decisão sob escrutínio. Como se refere no Acórdão do CD: “Resulta dos vídeos a que se alude supra que o Arguido ouviu primeiramente o referido cântico ser proferido pela massa de adeptos, sem que o haja entoado em voz alta, teve por conseguinte oportunidade de ajuizá-lo, pelo que num segundo momento, quando o entoou, era livre de agir de forma diferente, o que não fez; pelo contrário, associou-se à massa de adeptos e com eles entoou o referido cântico, conformando-se com o comportamento por si querido e adotado. Ademais, na sua própria defesa os Arguidos admitem tratar-se de um cântico “incorreto”. Refira-se que o ambiente de celebração não neutraliza a ilicitude disciplinar, nem elimina o dever de correção e respeito pelos valores desportivos a que os jogadores profissionais estão sujeitos, sob pena de se legitimar um espaço de impunidade, precisamente quando as regras de conduta mais se impõem”. Como tal, uma análise perfuntória não permite afastar a atuação dolosa, nos termos constantes da decisão sob análise. Logo, num juízo de prognose de summaria cognitio e de verosimilhança, que não se pode concluir pela probabilidade séria da existência do direito invocado pelo Requerente.
Sendo os requisitos de procedência da providência cautelar de verificação cumulativa, a ausência do fumus boni iuris inelutavelmente dita o insucesso da pretensão do Requerente, pelo que resulta prejudicada a apreciação dos demais pressupostos.
Vencido o Requerente, é o mesmo responsável pelas custas da presente providência (art.º 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na ação principal (art.º 539.º, n.º 2, do CPC).
VII. Decisão Face ao exposto, julga-se improcedente a providência cautelar requerida. Custas pelo Requerente, a atender, a final, na ação principal. Registe e notifique pelo meio mais expedito, também o TAD. Lisboa, 03 de setembro de 2025 A Juíza Desembargadora Presidente, (Tânia Meireles da Cunha) |