Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1130/09.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Descritores:MOTORISTAS DO MUNICÍPIO DE LISBOA
HORAS EXTRAORDINÁRIAS
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
DECRETO-LEI Nº 353-A/89, DE 16 DE OUTUBRO
DECRETO-LEI Nº 155/92, DE 28 DE JULHO
DECRETO-LEI Nº 259/98, DE 9 DE AGOSTO
ARTºS 265º E 508º DO CPC
PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS
ARTº 309º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:I. Não resulta da factualidade dada como provada na decisão recorrida que os Recorrentes prestaram, efectivamente, horas extraordinárias, faltando a discriminação dos precisos dias e as horas e, se para tal, previamente foi autorizada a sua realização pelo superior hierárquico, o que não demanda despacho de aperfeiçoamento pelo juiz a quo, com o fito de identificar o que estava ausente da composição probatória.
II. O Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, estatui no nº 6 do artº 3º que “A remuneração é paga mensalmente, devendo, em casos especiais, ser estabelecida periodicidade inferior”.
Evidencia-se, então, que mensalmente no recibo de vencimento dos Recorrentes apresentam-se inscritas as fracções valorativas remuneratórias – bem como os inerentes descontos – correspondentes aos dias trabalhados no horário que lhes está adstrito e, se for o caso, igualmente com a indicação da verba paga a título de horas extraordinárias, pelo que do teor do processamento assim descrito têm ciência.
III. Estes actos de processamento de vencimentos são catalogados como actos administrativos e, continuamente, vão-se sedimentando na ordem jurídica se não forem objecto de impugnação.
IV. Ope legis a verba destinada ao pagamento das horas extraordinárias in casu, pauta-se por legislação própria, significando que está sujeito a um prazo máximo de prescrição de três anos – cfr nº 3 do artº 34º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho – a contar da data em que se constituiu o efectivo dever de pagar, o que conjugado com a circunstância de a presente acção ter sido instaurada em 22 de Maio de 2009, dúvidas não restam que os eventuais créditos dos Recorrentes respeitantes a horas extraordinárias, poderão ser-lhes devidos, tão-só, os firmados a partir dessa data, o que vale por dizer que os formados anteriormente se encontram prescritos.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório

A........ e Outros, nos autos melhor identificados, vêm interpor recurso de apelação da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 28 de Junho de 2012, que julgou improcedente a acção que intentaram contra o Município de Lisboa, com vista ao pagamento de trabalho extraordinário, enquanto motoristas desta última edilidade.
Nas alegações, os Recorrentes formularam as seguintes conclusões:
“1.º - Os AA. intentaram a competente acção em tribunal, alegando que prestaram horas de trabalho suplementar, horas essas identificadas no corpo da acção, mês a mês, ano a ano, juntando para o efeito, até recebidos de vencimento, processados, como não podia deixar de ser, pelo Réu, onde consta o número de horas efectuado.
2.º - A douta sentença adere à tese do Réu de que existe falta de alegação de factos essenciais à acção mas, nos termos do disposto nos art.º 265º e art.º 508º do CPC e até por economia processual, o que se presume que competiria ao Tribunal era, então, proferir o competente despacho de aperfeiçoamento.
E isto porque,
3.º - A título suplementar, o Tribunal a quo decidiu que, por força do disposto no art.º 30º do Dec. Lei n.º 259/98, de 9 de Agosto, não podendo ser exigida a realização de trabalho extraordinário quando ultrapasse o limite dos 60% do índice remuneratório do pessoal, tal terá de significar que os AA. não tinham de o prestar, e, tendo-o prestado, não podem receber o respectivo valor porque o teor do preceito legal o impede, pelo que tal significaria que se conformaram com essa situação.
4.º - Se a ratio legis subjacente ao quadro normativo inserto nos art.ºs 26º e 33º do Dec. Lei n.º 259/98 aponta para que o trabalho em dias de descanso e feriados não deve exceder, não se possa obrigar/exigir que se preste trabalho para além do horário legalmente previsto, tal não significa que caso aquele trabalho seja efectivamente para além do horário legal não tenha de ser processado e pago como trabalho com os acréscimos remuneratórios legais, até por razões de justiça, de equidade e/ou de enriquecimento sem causa.
5.º - Não pode considerar-se legitimo o comportamento/atitude do Réu que, pese embora tenha determinado/autorizado o desempenho de funções de que beneficiou/aproveitou para além daquilo que seriam os limites legais admissíveis e como tal em inobservância dos mesmos e dos dispositivos legais que os definem, venha agora querer escudar-se nesses mesmos limites para justificar o não pagamento da retribuição devida pelo efectivo desempenho de funções, sob pena de se violar o art.º 59º da CRP..
6.º - Num terceiro vértice do silogismo que permitiu a absolvição da instância do Réu, o Tribunal a quo considerou ainda que os créditos dos AA, a existirem, estariam prescritos por força da aplicação do art.º 34º, n.º 3 do Dec. Lei n.º 155/92, de 28 de Julho.
Salvo o devido,
7.º - Tal interpretação analógica, uma vez que a norma em causa não se aplica a créditos respeitantes à execução de trabalho subordinado, resulta inadmissível, devendo-se, sempre que a lei não preveja um específico prazo inferior, aplicar o prazo ordinário da prescrição, que, de acordo com o art. 309.º do Código Civil, é de 20 anos,
Termos em que deve a decisão posta em causa ser revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos, condenando-se ulteriormente o Réu no peticionado, com o que V. Exas farão a ACOSTUMADA JUSTIÇA!”
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Foram apresentadas contra-alegações pelo Recorrido, com as conclusões que seguem:
“1. O objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões;
2. A situação sub judice era insusceptível de um despacho de aperfeiçoamento, pela razão simples de que não havia matéria de facto a aperfeiçoar;
3. Para que houvesse lugar ao despacho de aperfeiçoamento visado pelos AA., teriam estes de ter alegado a matéria de facto subjacente à sua pretensão de forma insuficiente, imprecisa ou não concretizada;
4. Os AA. não alegaram qualquer matéria de facto, tendo-se sustentado as suas pretensões apenas na alegação de que prestaram trabalho extraordinário nos meses e anos indicados nos quadros que apresentaram, que liquidam nos valores pedidos para cada um deles, que o fizeram para além dos limites legais e que esse trabalho não lhes foi pago ou lhes foi pago em desconformidade com o estabelecido na lei, e nada mais do que isso;
5. Os AA. nada disseram sobre como chegaram à premissa de que o trabalho presumivelmente prestado revestiu efectivamente carácter extraordinário, para o que teriam de alegar qual o horário de trabalho que cada um tinha, e os dias e as horas de início e fim entre as quais decorreu a prestação desse trabalho extraordinário;
6. Só desta forma seria possível determinar e concluir se o mesmo revestiu efectivamente natureza extraordinária, se foram ultrapassados os limites legais e se as percentagens remuneratórias aplicáveis a cada uma dessas horas foram de facto as correctas;
7. O nº 3 do art. 508º do CPC pressupõe que a parte alegue a matéria de facto em que assenta a sua pretensão em termos insuficientes, imprecisos ou não concretizados, de modo a que o juiz considere necessário que a mesma seja completada, concretizada ou corrigida;
8. Se não foi alegada qualquer matéria de facto, não há nada a completar, concretizar ou corrigir, pois que cada uma dessas acções pressupõe a existência de matéria de facto alegada de modo imperfeito;
9. O despacho de aperfeiçoamento é uma faculdade, e não um dever, que o juiz tem, pelo que, se não a exerceu, nada lhe poderá ser apontado;
10. Ao contrário do que pretendem os AA., a sentença não incorreu num erro de julgamento quanto ao disposto no art. 30º, nº 1, do Dec.-Lei nº 259/98, nem na violação do art. 59º, nº 1, als. a) e d), da CRP, que nem sequer é densificada;
11. Os AA. fazem uma interpretação deficiente do nº 2 do art. 26º do Dec.-Lei 259/98, na medida em que esta norma determina a insusceptibilidade de recusa ao cumprimento de trabalho extraordinário, mas logicamente compaginado dentro dos limites legais;
12. Não esteve no pensamento do legislador, quando criou tal norma, que houvesse trabalho prestado para além dos limites máximos, situação que, a acontecer, legitimaria uma recusa;
13. Ao contrário do que pretendem os AA., os créditos emergentes da prestação de trabalho extraordinário e em dias de descanso semanal e feriados não pago, estão sujeitos ao regime de prescrição previsto no art. 34º, nº 3, do Dec.-Lei nº 155/92 (três anos), que é aplicável directamente e não por via de interpretação extensiva ou analógica;
14. O prazo de prescrição ordinário estabelecido no art. 309º do Código Civil (vinte anos) não se aplica ao tipo de créditos reclamado pelos AA., desde logo porque existe efectivamente um prazo de prescrição específico;
15. Tendo a acção sido proposta em 22.MAI.2009, os créditos de horas extraordinárias reclamados por cada um dos AA. anteriores a 31.MAI.2006 já estavam prescritos àquela data;
16. A apreciação do segundo e do terceiro fundamento do presente recurso depende da procedência, que não se concede, do primeiro fundamento;
17. A sentença recorrida não merece qualquer censura, pelo que o recurso terá de improceder.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!”.
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de que deverá ser dado provimento ao recurso apresentado.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com prévia remessa do projecto de acórdão às Senhoras Juízes Desembargadoras Adjuntas, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção da Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para julgamento
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II. Objecto do recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, em harmonia com o disposto no artº 5º, no artº 608º, no nº 4 do artº 635º e nos nºs 1, 2 e 3 do artº 639º, todos do CPC ex vi do nº 1 do artº 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
O thema decidendum do recurso consiste em conhecer se a sentença recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe vem assacado.
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III. Factos (dados como provados na decisão recorrida):

“1. Os pagamentos que o R. efectuou aos AA. a título de trabalho extraordinário, atingiram, no mínimo, os 60% do respectivo índice remuneratório.
2. A presente acção foi proposta em 22.05.09 (cfr. carimbo aposto a fls. 2)”.
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IV. De Direito

A vexatia quaestio do recurso consiste em saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito, quando discorre que inexistem factos essenciais, por ao abrigo do disposto no artº 30º do Decreto-Lei nº 259/98, de 9 de Agosto, considerar que mesmo que os Recorrentes tenham realizado trabalho extraordinário sendo que este ultrapassa o limite dos 60% do índice remuneratório do pessoal, não tinham de o prestar, pelo que a sua concretização não vale por dizer que recebam o respectivo valor e, por ter conhecido e decidido da prescrição dos créditos em causa.
Vejamos.
Os Recorrentes nas conclusões de recurso, em síntese, mencionam que “2.º - A douta sentença adere à tese do Réu de que existe falta de alegação de factos essenciais à acção mas, (…) até por economia processual, o que se presume que competiria ao Tribunal era, então, proferir o competente despacho de aperfeiçoamento.
(…)
4.º - Se a ratio legis subjacente ao quadro normativo inserto nos art.ºs 26º e 33º do Dec. Lei n.º 259/98 aponta para que o trabalho em dias de descanso e feriados não deve exceder, não se possa obrigar/exigir que se preste trabalho para além do horário legalmente previsto, tal não significa que caso aquele trabalho seja efectivamente para além do horário legal não tenha de ser processado e pago como trabalho com os acréscimos remuneratórios legais, até por razões de justiça, de equidade e/ou de enriquecimento sem causa.
5.º - Não pode considerar-se legitimo o comportamento/atitude do Réu que, pese embora tenha determinado/autorizado o desempenho de funções de que beneficiou/aproveitou para além daquilo que seriam os limites legais admissíveis e como tal em inobservância dos mesmos e dos dispositivos legais que os definem, venha agora querer escudar-se nesses mesmos limites para justificar o não pagamento da retribuição devida pelo efectivo desempenho de funções, sob pena de se violar o art.º 59º da CRP”.
O Recorrido nas conclusões das contra-alegações de recurso, em resumo, sustenta que “4. Os AA. não alegaram qualquer matéria de facto, tendo-se sustentado as suas pretensões apenas na alegação de que prestaram trabalho extraordinário nos meses e anos indicados nos quadros que apresentaram, que liquidam nos valores pedidos para cada um deles, que o fizeram para além dos limites legais e que esse trabalho não lhes foi pago ou lhes foi pago em desconformidade com o estabelecido na lei, e nada mais do que isso;
5. Os AA. nada disseram sobre como chegaram à premissa de que o trabalho presumivelmente prestado revestiu efectivamente carácter extraordinário, para o que teriam de alegar qual o horário de trabalho que cada um tinha, e os dias e as horas de início e fim entre as quais decorreu a prestação desse trabalho extraordinário;
6. Só desta forma seria possível determinar e concluir se o mesmo revestiu efectivamente natureza extraordinária, se foram ultrapassados os limites legais e se as percentagens remuneratórias aplicáveis a cada uma dessas horas foram de facto as correctas;
7. O nº 3 do art. 508º do CPC pressupõe que a parte alegue a matéria de facto em que assenta a sua pretensão em termos insuficientes, imprecisos ou não concretizados, de modo a que o juiz considere necessário que a mesma seja completada, concretizada ou corrigida;
8. Se não foi alegada qualquer matéria de facto, não há nada a completar, concretizar ou corrigir, pois que cada uma dessas acções pressupõe a existência de matéria de facto alegada de modo imperfeito;
9. O despacho de aperfeiçoamento é uma faculdade, e não um dever, que o juiz tem, pelo que, se não a exerceu, nada lhe poderá ser apontado;
10. Ao contrário do que pretendem os AA., a sentença não incorreu num erro de julgamento quanto ao disposto no art. 30º, nº 1, do Dec.-Lei nº 259/98, nem na violação do art. 59º, nº 1, als. a) e d), da CRP, que nem sequer é densificada;
11. Os AA. fazem uma interpretação deficiente do nº 2 do art. 26º do Dec.-Lei 259/98, na medida em que esta norma determina a insusceptibilidade de recusa ao cumprimento de trabalho extraordinário, mas logicamente compaginado dentro dos limites legais;
12. Não esteve no pensamento do legislador, quando criou tal norma, que houvesse trabalho prestado para além dos limites máximos, situação que, a acontecer, legitimaria uma recusa;”.
Analisando.
O Decreto-Lei nº 259/98, de 18 de Agosto, veio estabelecer as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário de trabalho na Administração Pública, definindo a alínea a) do nº 1 do artº 25º que “1 - Considera-se extraordinário o trabalho que for prestado:
a) Fora do período normal de trabalho diário;”.
Dispõe o nº 1 do artº 30º que “Os funcionários e agentes não podem, em cada mês, receber por trabalho extraordinário mais do que um terço do índice remuneratório respectivo, pelo que não pode ser exigida a sua realização quando implique a ultrapassagem desse limite”.
O artº 31º ainda do citado diploma prevê que “Os serviços devem preencher e enviar mensalmente à Direcção-Geral do Orçamento em impresso próprio a indicação do número de horas extraordinárias por cada funcionário ou agente, o respectivo fundamento legal e as correspondentes remunerações”.

Não resulta da factualidade dada como provada na decisão recorrida que os Recorrentes prestaram, efectivamente, horas extraordinárias, faltando a discriminação dos precisos dias e as horas e, se para tal, previamente foi autorizada a sua realização pelo superior hierárquico, em ordem ao que ditam o artº 13º e o nº 1 do artº 34º do referido diploma.

Segundo Paulo da Veiga Moura, in Função Pública, 1º Volume, 2ª Edição, p 317, nota 763, “a prestação de trabalho extraordinário não pode resultar da iniciativa do funcionário ou agente, tendo, pelo contrário, de ser previamente determinada pelo dirigente do respetivo serviço e comunicada, salvo casos excecionais, aos funcionários e agentes com a antecedência de 48 horas (V. art. 34.º/ 1 e 3 do DL 259/98”.
Em sintonia com o que imediatamente antecede, Ana Fernandes Neves, in O pagamento de trabalho extraordinário não autorizado, in CJA, nº 96, p 53 e ss, afirma que “A autorização é o ato que, aferindo da conformidade com o regime pertinente, permite o “exercício de um direito ou o exercício de uma competência preexistente”: o “direito pertence ao particular, não é a autorização que lho confere”; no caso do exercício de competência, o órgão titular da mesma fica “condicionado a uma autorização de um órgão administrativo de categoria mais elevada.
(…) A autorização configura, no caso, um instrumento de controlo preventivo por um órgão administrativo do ato ou decisão de um outro, entre os quais intercede uma “relação de controlo” (GIANNINI) interorgânica”.

Convocamos que não há lugar, como os Recorrentes advogam, ao despacho de aperfeiçoamento para que pudessem apresentar o que o Tribunal a quo identificasse como ausente da composição probatória, assente aliás, apenas, na prova documental, visto que não foi indicada prova testemunhal.
O convite ao aperfeiçoamento teria lugar se estivéssemos perante meras imprecisões na petição inicial, ou seja, face a deficiências unicamente formais na explanação da matéria de facto, não valendo quanto aos aspectos substantivos ou materiais, como é o caso.
A propósito, mutatis mutandis, nas palavras do Acórdão do TCA Sul, Processo nº 1293/05, de 12 de Janeiro de 2006, in www.dgsi.pt: “o juiz não pode nem deve extravasar da função de mero auxiliar no simples aperfeiçoamento de articulados, não lhe sendo licito assumir uma acção salvífica de articulados que não contenham factos essenciais à individualização da situação jurídica e procedência da acção – artigos 264º, 508º nº 1 al. b) e nº 3 do Código de Processo Civil”.
Por sua vez, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 40/00, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 46, p 307, escreveu-se que “O convite só tem justificação, como concretização do direito de acesso à justiça e do principio da proporcionalidade quando as deficiências notadas forem estritamente formais, ou de natureza secundária ligadas à apresentação ou formulação, mas não ao conteúdo, concludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida, não podendo o mecanismo do convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais do acto da parte, transmutar-se num modo de esta obter novo prazo para, reformulando substancialmente a sua própria pretensão ou impugnação, obter novo e adicional prazo processual para substancialmente cumprir o ónus da prova que sobre ela recaia”.

Neste enquadramento, aderimos ao expressado na decisão recorrida: “Na verdade, incidem sobre os AA. os ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito ou da situação jurídica material que pretendem fazer valer (cfr. artigo 78°, n° 2, al. g) do CPTA).
Percorrida a petição inicial, constata-se que os AA. se limitam a alegar, cada um por si, e à vez, que prestaram trabalho extraordinário (embora os AA. se refiram, por vezes, na p.i., a trabalho suplementar, deve entender-se que se querem referir a trabalho extraordinário, uma vez que é essa a designação constante do diploma que invocam — DL n° 259/98), nos meses e anos indicados nos quadros respectivos (sem que desses quadros se consiga detectar qualquer menção coerente com as alegações produzidas nos artigos 2º a 19° e 2839º e sgts. da pi.) e omitindo em absoluto o horário de trabalho a que cada um estava obrigado e as horas de início e fim e os dias em que prestaram o trabalho extraordinário que reivindicam.
Ora, só através da alegação do horário de trabalho que cada um estava obrigado a cumprir, dos dias e das horas em que decorreu a prestação de trabalho extraordinário, é que se tornaria possível determinar e concluir se o mesmo revestiu efectivamente natureza extraordinária, se ultrapassou os limites legais e, bem assim, qual a percentagem remuneratória aplicável a cada hora.
Não basta alegar que se prestou trabalho extraordinário, que o mesmo não foi pago ou que foi pago por um valor total mensal inferior quando devia ter sido pago um outro valor, substancialmente superior, para que se logre obter decisão judicial de condenação do R. nos pedidos deduzidos pelos AA.
Há factos essenciais à procedência da acção que ficaram por alegar (como vimos, designadamente, o horário de trabalho a que cada um dos AA. estava obrigado e as horas de início e fim e os dias em que prestaram esse trabalho para que se pudesse concluir que efectivamente prestaram trabalho para além desse limite), pelo que, basta a não alegação desses factos para que a acção improceda”.

No que concerne ao trabalho extraordinário relativamente ao qual os Recorrentes vêm peticionar o pagamento, sem estar deslindada a situação de facto da sua efectivação e que congrega o modo, o tempo, o lugar e a atinente autorização do órgão administrativo competente, não é possível apreciar sobre se preenchem, ou não, nos ditames legais.
Mas, caso se ficcione que todos aqueles requisitos se encontravam verificados, em abono do Acórdão deste TCA Sul, Processo nº 1083/09.3BELRA, de 29 de Maio de 2025, in www.dgsi.pt, dúvidas não restam que “o artigo 30.º/ 1 estabelece expressamente que não pode ser exigida a realização de trabalho extraordinário quando implique a ultrapassagem do limite de um terço do índice remuneratório respetivo”.
Ora, apesar de resultar provado que “1. Os pagamentos que o R. efectuou aos AA. a título de trabalho extraordinário, atingiram, no mínimo, os 60% do respectivo índice remuneratório”, a fasquia temporal que se eleve para além desta percentagem definida legalmente, não é concordante com o preceituado no nº 2 do artº 26º: “Salvo o disposto no número seguinte, os funcionários e agentes não podem recusar-se ao cumprimento de trabalho extraordinário”, ou seja, a regra geral da prestação do trabalho extraordinário não implica que se transponham os mencionados 60%.
Neste conspecto não se verifica a violação das alíneas a) e d) do artº 59º da CRP, uma vez que os direitos à retribuição devida legalmente e, bem assim, o direito consagrado ao repouso, não se mostram beliscados.

Os Recorrentes mais invocam nas conclusões das alegações de recurso que “6.º - Num terceiro vértice do silogismo que permitiu a absolvição da instância do Réu, o Tribunal a quo considerou ainda que os créditos dos AA, a existirem, estariam prescritos por força da aplicação do art.º 34º, n.º 3 do Dec. Lei n.º 155/92, de 28 de Julho.
Salvo o devido,
7.º - Tal interpretação analógica, uma vez que a norma em causa não se aplica a créditos respeitantes à execução de trabalho subordinado, resulta inadmissível, devendo-se, sempre que a lei não preveja um específico prazo inferior, aplicar o prazo ordinário da prescrição, que, de acordo com o art. 309.º do Código Civil, é de 20 anos”.
O Recorrido discorda, manifestando nas conclusões das contra-alegações de recurso que “13. Ao contrário do que pretendem os AA., os créditos emergentes da prestação de trabalho extraordinário e em dias de descanso semanal e feriados não pago, estão sujeitos ao regime de prescrição previsto no art. 34º, nº 3, do Dec.-Lei nº 155/92 (três anos), que é aplicável directamente e não por via de interpretação extensiva ou analógica;
14. O prazo de prescrição ordinário estabelecido no art. 309º do Código Civil (vinte anos) não se aplica ao tipo de créditos reclamado pelos AA., desde logo porque existe efectivamente um prazo de prescrição específico;
15. Tendo a acção sido proposta em 22.MAI.2009, os créditos de horas extraordinárias reclamados por cada um dos AA. anteriores a 31.MAI.2006 já estavam prescritos àquela data;”.
Analisando.
O Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, estabelece o regime da administração financeira do Estado, prevendo o artº 34º, designadamente, que “1 - Os encargos relativos a anos anteriores serão satisfeitos por conta das verbas adequadas do orçamento que estiver em vigor no momento em que for efectuado o seu pagamento.
2 - O montante global dos encargos transitados de anos anteriores deve estar registado nos compromissos assumidos, não dependendo o seu pagamento de quaisquer outras formalidades.
3 - O pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constituiu o efectivo dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro prazo mais curto.
(…)”.

A quaestio que se ergue agora consiste em saber se os créditos emergentes da prestação de trabalho extraordinário estão sujeitos à prescrição, nos termos do artº 309º do Código Civil, ou seja, no prazo de 20 anos.
Importa que ope legis a verba destinada ao pagamento das horas extraordinárias in casu, pauta-se por legislação própria, significando que está sujeito a um prazo máximo de prescrição de três anos – cfr nº 3 do normativo supra transcrito – a contar da data em que se constituiu o efectivo dever de pagar, salvo o que comina o seu nº 4, isto é, se ocorrer algum facto interruptivo ou suspensivo da prescrição, ressalvando-se que estes últimos não foram arregimentados.
Trazemos à colação que o Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, estabelece regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas, estatuindo o nº 6 do artº 3º que “A remuneração é paga mensalmente, devendo, em casos especiais, ser estabelecida periodicidade inferior”.

Evidencia-se, então, que mensalmente no recibo de vencimento dos Recorrentes apresentam-se inscritas as fracções valorativas remuneratórias – bem como os inerentes descontos – correspondentes aos dias trabalhados no horário que lhes está adstrito e, se for o caso, igualmente com a indicação da verba paga a título de horas extraordinárias, pelo que do teor do processamento assim descrito têm ciência.
Estes actos de processamento de vencimentos são catalogados como actos administrativos e, continuamente, vão-se sedimentando na ordem jurídica se não forem objecto de impugnação.
A prescrição define-se como a reacção contra a inércia e o desinteresse do titular do direito que se mantém indiferente a um significativo desenrolar do tempo sem exigir o cumprimento da dívida.
Ora, na situação que nos ocupa, havendo norma especial que prevalece sobre o regime instituído no artº 309º do Código Civil – nº 3 do artº 34º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho – conjugado com a circunstância de a presente acção ter sido instaurada em 22 de Maio de 2009, dúvidas não restam que os eventuais créditos dos Recorrentes respeitantes a horas extraordinárias, poderão ser-lhes devidos, tão-só, os firmados a partir dessa data, o que vale por dizer que os formados anteriormente se encontram prescritos.

Atento o exposto, não padece a sentença recorrida do erro de julgamento invocado, pelo que se mantém na ordem jurídica.
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V. Decisão

Nestes termos, acordam, em conferência, as Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

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Lisboa, 3 de Julho de 2025
(Maria Helena Filipe – Relatora)
(Maria Julieta França – 1ª Adjunta)
(Teresa Caiado– 2ª Adjunta)

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