Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11215/25.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:PEDIDO DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL
OBJETO DA PROVA
VÍTIMAS DE TRÁFICO DE PESSOAS OU DE AÇÃO DE AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL
Sumário:I - É em face da causa de pedir, em consonância com o pedido formulado, considerando as soluções plausíveis de direito, que é avaliada a necessidade e pertinência da produção de produção de prova;
II - Devendo o requerente da proteção internacional cumprir o seu ónus da prova perante a entidade administrativa, o que ao Tribunal cumpre apreciar, com respeito pelos limites à sindicabilidade do agir administrativo, é a legalidade da atuação administrativa à luz dos vícios apontados pela Requerente ao ato;
III - A prova a produzir em sede judicial não pode servir como nova oportunidade para o requerente do asilo prestar declarações e convencer, agora o Tribunal – quando não o fez perante a entidade administrativa -, da sua credibilidade e pertinência do circunstancialismo que alegou como fundamento do seu pedido de proteção internacional, conduzindo a que o Tribunal se substitua à Administração no exercício da função administrativa;
IV - Não se verifica a omissão de pronúncia quando em causa está a não apreciação de argumentos que a Recorrente aduziu para fundar o erro nos pressupostos de facto e o défice instrutório que apontou ao ato impugnado;
V - O objeto da prova em sede judicial não se confunde com o objeto da instrução no âmbito do procedimento administrativo. O primeiro visa os factos relevantes à decisão do litígio submetido a juízo, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que se devam considerar controvertidos e necessitados de prova, o segundo incide sobre “os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de decisão” pela Administração (artigo 115.º, n.º 1 do CPA);
VI - E também se distingue o dever de instrução que recai sobre a Administração no âmbito do procedimento administrativo, com o inquisitório que vigora em sede judicial, não se destinando este último a suprir a deficiência da atividade instrutória da Administração no âmbito do procedimento administrativo, mas visando a realização das diligências instrutórias necessárias ao conhecimento da causa e das questões a decidir;
VII - Recai sobre o requerente do pedido de asilo ou de proteção subsidiária o ónus de “dizer a verdade, esforçar-se para sustentar as suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB), isto é “sendo-lhe exigível que nas declarações que preste ao SEF apresente um relato coerente, consistente e credível” (Ac. do TCA Sul de 11.4.2024, proferido no processo 798/23.8BELSB);
VIII - Nem o direito de asilo, nem o direito à autorização de residência por proteção subsidiária, regidos pela Lei n.º 27/2008, de 30.6, abrangem situações de cidadãos estrangeiros vítimas de tráfico de pessoas ou de ação de auxílio à imigração ilegal, sendo estas tuteladas pela “autorização de residência a vítimas de tráfico de pessoas ou de ação de auxílio à imigração ilegal”, regulada nos artigos 109.º e seguintes da Lei n.º 23/2007, de 4.7;
IX - Nas situações que se enquadrem nas alíneas do n.º 1 do artigo 19.º da Lei 27/2008, “a apreciação do pedido de proteção internacional não é submetida a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18.º, devendo ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:


1. Relatório

M… (doravante A. ou Recorrente), instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa urgente de impugnação de ato contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo – AIMA, I.P. (doravante Entidade Demandada ou Recorrida), tendo por objeto a decisão proferida pelo Conselho Diretivo da AIMA, IP, datada de 13.01.2025, que considerou o seu pedido de proteção internacional infundado, peticionando, a final:
“(…) Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Exª., deve a presente impugnação de acto administrativo (jurisdicional), por ser provada, para conceder à Autora o estatuto de refugiado com emissão de autorização de residência válida ou proteção subsidiária com emissão de autorização de residência de proteção temporária, com suspensão da eficácia do acto que negou proteção internacional à Autora, por ser considerado infundado, a considerar completa falta de observação do item 8 do artigo 33.º da Constituição Portuguesa, bem como ausências de diligências ou situações que indiquem verificação junto ao Governo Português de perseguições religiosa e submissão da A. à rede internacional que envia à Portugal cidadãos de outros países com promessas de regularização. (…)”.

Por sentença proferida em 14 de abril de 2025, o referido Tribunal julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada do pedido.

Inconformada, a A./ Recorrente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo (após convite ao aperfeiçoamento) nos seguintes termos:

“36. Pelo exposto, em que se indica que douta Sentença recorrida, ao julgar improcedente a ação, confirmou a decisão da AIMA que indeferiu o pedido de proteção internacional da Recorrente, incorrendo, porém, em diversos erros de julgamento de facto e de direito, que impõem a sua revogação. Dito isso, a sentença recorrida errou ao desconsiderar as circunstâncias nebulosas da entrada da Recorrente em Portugal (viagem por múltiplos países, recurso a meios “online” desconhecidos), que constituem fortes indícios de uma situação de especial vulnerabilidade e de potencial tráfico de seres humanos, matéria que deveria ter sido investigada e sobre a qual o Tribunal omitiu pronúncia, violando as obrigações decorrentes da Convenção de Varsóvia e o dever de realizar uma análise global do pedido.
37. Ao indeferir a audição da Recorrente em declarações de parte, com o fundamento de que já teria prestado declarações no procedimento administrativo, a Sentença recorrida violou o seu direito à prova e ao contraditório (artigo 90.° do CPTA), cerceando a sua defesa. Esta diligência era essencial para aferir a credibilidade do seu relato e para esclarecer factos que o procedimento administrativo, por natureza inquisitório e stressante, não permitiu apurar, violando o direito a uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.° da CRP).
38. A Sentença recorrida cometeu um erro de julgamento ao minimizar a perseguição religiosa sofrida pela família da Recorrente e ao focar-se na sua menor religiosidade subjetiva, ignorando o dever de investigar a situação objetiva e factual da perseguição a cristãos na China. Era dever do Tribunal, suprindo a inércia da AIMA, averiguar junto de fontes credíveis (como o ACNUR ou relatórios internacionais) o risco objetivo em caso de regresso, violando o espírito da Lei do Asilo (Lei n.° 27/2008). Ao não valorizar o facto de a Recorrente pertencer a uma família cristã perseguida, a Sentença errou na aplicação do artigo 3.° da Lei do Asilo e desconsiderou o risco de “perseguição por associação”.
39. A jurisprudência reconhece que o risco de perseguição não se limita ao indivíduo, mas estende-se aos seus familiares, especialmente em contextos de repressão generalizada, o que torna o receio da Recorrente objetivamente fundado. Consequentemente, a decisão recorrida, ao confirmar o indeferimento do pedido de asilo sem uma análise completa e contextualizada de todos os riscos, viola o direito de asilo, garantido no artigo 33.°, n.° 8 da Constituição, a estrangeiros gravemente ameaçados de perseguição em consequência de uma violação dos direitos da pessoa humana no seu país de origem.
40. Bem como, a não elaboração do relatório previsto no artigo 17.° da Lei n.° 27/2008 e a falta de oportunidade de pronúncia sobre as informações essenciais consubstanciam a preterição da audição do interessado, formalidade essencial que conduz à anulabilidade do ato administrativo final, demonstram a necessidade do presente recurso e nos termos supra fundamentados, requer-se a V. Exas. que se dignem julgar o presente recurso procedente e, em consequência:
a) Revogar a douta Sentença recorrida;
b) Anular o ato administrativo impugnado, proferido pelo Conselho Diretivo da AIMA em 13.01.2025, por violação do direito de audiência prévia (preterição de formalidade essencial) e por erro nos pressupostos de facto e de direito, nomeadamente pela falta de investigação sobre a perseguição religiosa na China e sobre as circunstâncias da entrada da Recorrente em Portugal;
c) Subsidiariamente, caso não se entenda pela anulação do ato, ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo para produção da prova requerida pela Recorrente (designadamente a sua audição em declarações de parte) e para que sejam realizadas as diligências necessárias ao apuramento da situação de perseguição religiosa na China e das circunstâncias da entrada da Recorrente em Portugal, antes de ser proferida nova decisão."

A Recorrida AIMA, IP, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

No despacho que admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, arguida pela Recorrente, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificadas do aludido parecer, as partes nada disseram.

Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a este Tribunal cumpre apreciar se,
a. O despacho de indeferimento da produção de prova requerida enferma de erro de julgamento de direito, violando o direito ao contraditório, à prova e à tutela jurisdicional efetiva;
b. A sentença recorrida enferma de,
b.1. Nulidade por omissão de pronúncia;
b.2. Défice instrutório;
b.3. Erro de julgamento de direito.

3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:

“1. A Autora é nacional da China, titular do passaporte nº E…, válido até 25/06/2… – cfr. págs. 15 e 39 do processo administrativo (p.a.) junto a fls. 46 do SITAF;
2. Em 28.11.2024, a Autora apresentou pedido de protecção internacional junto das autoridades portuguesas, ao qual foi atribuído o número 2548/24 – cfr. pág. 39 do p.a. junto a fls. 46 do SITAF;
3. Em 02.01.2025, a Autora prestou declarações no âmbito do pedido de protecção internacional, constando nas mesmas, entre o mais, o seguinte:
“ (…)


(…)” – cfr. págs. 46 a 48 do p.a. junto a fls. 46 do SITAF;
4. Na mesma data, foi emitida notificação com o seguinte teor:
“ (…)




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- cfr. pág. 77 do p.a. junto a fls. 46 do SITAF;
5. Em 13.01.2025, foi elaborada Informação/proposta/nº 82/CNAR-AIMA/2024, extraindo-se da mesma, entre o mais, o seguinte:
“ (…)




«Imagem em texto no original»










«Imagem em texto no original»










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(…)” – cfr. págs. 49 a 53-A do p.a. junto a fls. 46 do SITAF;
6. No seguimento da informação identificada no ponto antecedente, a instrutora do processo elaborou proposta com o seguinte teor:
“ (…)
Propõe-se que o pedido de proteção internacional seja considerado infundado, nos termos da/s alínea/s e), do nº 1, do artigo 19º, da Lei nº 27/08, de 30 de junho, na sua atual redação, e que a pessoa seja notificada da decisão proferida. (…)” – cfr. pág. 66 do p.a. junto a fls. 46 do SITAF;
7. Sobre a referida informação/proposta, mencionadas nos pontos antecedentes, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“ (…)



«Imagem em texto no original»


(…)” - cfr. pág. 57 do p.a. junto a fls. 46 do SITAF;
8. Em 20.01.2025 foi elaborado documento identificado como “Notificação sobre PPI apresentado em território nacional infundado e/ou inadmissível (Artigo 20º, n.º3 da Lei nº 27/2008 de 30/06, na sua atual redação)”, de onde consta, entre o mais, o seguinte:
“ (…)


«Imagem em texto no original»




(…)” – cfr. pág. 71 do p.a. junto a fls. 46 do SITAF.


3.2. Consignou-se na sentença a respeito dos factos não provados,

“Inexiste matéria de facto não provada com interesse para a decisão da causa.”


3.3. E em sede de motivação de facto consta da sentença,

“O Tribunal fundou a sua convicção com base na análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo (p.a.), conforme resulta indicado em cada facto dado como provado.”

4. Fundamentação de direito

4.1. Do erro de julgamento quanto à desnecessidade de produção de prova

Sustenta a Recorrente que ao indeferir as diligências de prova por si requeridas, designadamente a sua audição em declarações de parte, a sentença violou o seu direito ao contraditório e à prova, nos termos que emergem do artigo 268.º, n.º 4 da CRP, e o direito à tutela jurisdicional efetiva. Considera que as declarações prestadas no âmbito do procedimento administrativo, em contexto de stress e com barreiras linguísticas e culturais, não são suficientes ao cabal esclarecimento dos factos. Pelo que, ao indeferir a audição da requerente, o Tribunal a quo impediu-a de esclarecer pontos essenciais, nomeadamente as circunstâncias da sua viagem, a natureza da perseguição sofrida pela família (ainda que ela própria não se sentisse diretamente visada na mesma intensidade) e o seu receio fundado de regressar à China, sendo que a avaliação da credibilidade e da pertinência das alegações exige o contacto direto com o requerente em sede judicial.
É inegável que o direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial.
Neste sentido, «[a] consagração, no n.º 4 do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa, do direito a um processo equitativo, envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza. O direito à prova emana da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo e de assegurar a capacidade de influenciar o conteúdo da decisão.

“O direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras”.
O direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal. As partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova.
(…)
Como afirma Eduardo Cambi, “as partes devem, pois, ter a oportunidade de demonstrar os fatos que servem de fundamento para as respetivas pretensões e defesas, sob pena de não conseguirem influenciar o órgão julgador no julgamento da causa. A noção de direito à prova aumenta as possibilidades das partes influenciarem na formação do convencimento do juiz, ampliando as suas chaces de obter uma decisão favorável aos seus interesses. Assim, as partes têm liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (cf. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.4.2015, proferido no processo 124/14.1TBFND-A.C1, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/1e851b0d1306f6d580257e49004dccbe?OpenDocument)».
No entanto, como qualquer direito, o direito à prova não é um direito absoluto na sua essência, isto é, não é um direito ilimitado. De tal forma que pode comportar restrições, designadamente colocadas em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo.
Refira-se, ainda, que como se sumariou no Ac. do STA de 26.9.2024, proferido no processo 01670/22.4BEBRG, “[o] objeto da instrução no direito processual administrativo, segundo o artigo 90.º, n.º 1 do CPTA, são os factos relevantes da causa que se devam considerar controvertidos ou necessitados de prova”. “E podendo ser objeto de instrução tudo quanto, de algum modo, possa interessar à prova dos factos relevantes para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, vedado está aquilo que se apresenta como irrelevante (impertinente) para a desenhada causa concreta a decidir, devendo, para se aferir daquela relevância, atentar-se no objeto do litígio (pedido e respetiva causa de pedir e matéria de exceção)” (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 11.9.2023, proferido no processo 1176/21.9T8LOU-A.P1). Assim, o juiz está limitado pela proibição de prática de atos inúteis prevista no art.º 130.º do CPC.
Se bem se compreende a Recorrente entende que, em face do contexto – de stress e com barreiras linguísticas e culturais -, se revelaria a insuficiência para o esclarecimento dos pressupostos em que fundamentou o seu pedido de proteção internacional, razão pela qual se impunha, em sede judicial, a produção da prova por si requerida (designadamente a prestação de declarações de parte), relativamente às circunstâncias da sua viagem, à natureza da perseguição sofrida pela família e ao seu receio fundado de regressar à China. Ou seja, considerando a sua p.i. à matéria alegada nos pontos 6.º e 7.º.
Contudo, como vimos, cabendo ao tribunal pronunciar-se sobre as provas propostas, cumpre-lhe “emitir, sobre elas, um juízo de admissibilidade, não só de legalidade mas, também, de pertinência sobre o seu objecto” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.9.2023, processo nº 1176/21.9T8LOU-A.P1, in www.dgsi.pt).
Recorda-se que estamos no âmbito de uma impugnação jurisdicional (artigo 30.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho) de decisão que, no âmbito do regime da proteção internacional, considerou infundado o pedido da Requerente nos termos da alínea e), do n.º 1, do artigo 19.º, da Lei n.º 27/08, de 30 de junho - “ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária”.
E, lida a petição inicial, verifica-se que a causa de pedir se centra na imputação ao ato de erro nos pressupostos de facto, aduzindo a Requerente, no essencial, que – opostamente ao que foi decidido pela entidade administrativa - lhe assiste o direito de asilo ou a proteção subsidiária, por ser vítima de perseguição religiosa no seu país de origem (China), e em défice instrutório.
É em face da causa de pedir, em consonância com o pedido formulado, considerando as soluções plausíveis de direito – e, portanto, havendo que se considerar o ato administrativo impugnado e o regime normativo aplicável –, que é avaliada a necessidade e pertinência da produção de prova.
Ora, o procedimento de atribuição de proteção internacional corresponde a um procedimento administrativo, em que incumbe à autoridade administrativa competente a análise do preenchimento dos pressupostos legais de que depende a atribuição, aos requerentes, do estatuto de refugiado ou de autorização de residência por proteção subsidiária.
Isto é, a apreciação dos pedidos de proteção internacional corresponde a uma atividade que se insere no âmbito da função administrativa, cujo regime jurídico, consagrado na Lei 27/2008, de 30 de junho e nas Diretivas n.ºs 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de abril, e 2005/85/CE, do Conselho, de 1 de dezembro, por determinação legal, contempla não só aspetos vinculados, mas também normas jurídicas abertas ou de definição incompleta, em que se concede à Administração “um espaço de escolha própria ou uma certa margem de autonomia decisória, isto é, concede-lhe uma alguma discricionariedade de atuação” (Sofia David, Discricionariedade administrativa e controlo pelo Tribunal de Contas, IV Colóquio Luso-Brasileiro de Direito Público Discricionariedade Administrativa e Controlo da Administração Pública, coord. Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves, Eurico Bitencourt Neto, Dezembro 2023, pp. 262 e 263). É o que sucede, designadamente, com conceitos como grave ameaça ou ofensa grave (artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2008, de 20 de junho) ou, com interesse para o caso dos autos, de “questões não pertinentes ou de relevância mínima” [artigo 10.º, n.º 1 als. c) e e) da Lei n.º 27/2008, de 20 de junho], em que a norma apresenta aspetos do agir administrativo em que se verifica a atribuição à Administração de poderes de valoração próprios e exclusivos.
Porque estamos no âmbito da função administrativa é perante a entidade administrativa, e no âmbito do procedimento relativo ao pedido de proteção internacional, que sobre o requerente do pedido de asilo ou de proteção subsidiária recai o ónus da prova dos factos que alega, cabendo-lhe “dizer a verdade, esforçar-se para sustentar as suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB), isto é “sendo-lhe exigível que nas declarações que preste ao SEF apresente um relato coerente, consistente e credível” (Ac. do TCA Sul de 11.4.2024, proferido no processo 798/23.8BELSB).
Assente no princípio de separação e interdependência de poderes (cf. art.ºs 266.º e 269.º, n.º 1, da CRP), os tribunais não atuam em primeira linha na apreciação dos pedidos de proteção internacional, mas antes no controlo judicial ou justiciabilidade da conduta da Administração Pública e cuja intensidade depende “diretamente do maior ou menor grau de vinculação da Administração à lei, isto é, do nível de juridicidade que o legislador impôs àquela conduta administrativa, ou da autovinculação ou redução de discricionariedade que ocorre em cada caso” (Sofia David, ob. cit., p. 267).
E daí que a avaliação da credibilidade e da pertinência do relato do requerente de proteção internacional, para o efeito da aferição da admissibilidade do pedido [artigo 19.º, n.º 1 als. c) e e) da Lei n.º 27/2008, de 30.6], por corresponder ao exercício da função administrativa, não caiba, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, aos Tribunais.
Isto significa que quando, designadamente como in casu, está em causa a al. e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30.6, o que o Tribunal aprecia, em face do vício (erro nos pressupostos) que foi apontado ao ato, é se, na valoração realizada das declarações prestadas pelo requerente no procedimento, respeitados os limites do controlo judicial da atividade administrativa em domínios de discricionariedade, a entidade administrativa exerceu legalmente os seus poderes administrativos.
Devendo o requerente da proteção internacional cumprir o seu ónus da prova perante a entidade administrativa, o que ao Tribunal cumpre apreciar é, com respeito pelos limites à sindicabilidade do agir administrativo, a legalidade da atuação administrativa à luz dos vícios apontados pela Requerente ao ato, aferindo, se, opostamente ao entendimento da Administração, o relato daquela em sede administrativa não corresponde apenas a “questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária”, devendo o pedido ser admitido e haver lugar à sua apreciação pela entidade administrativa nos termos do artigo 18º da Lei n.º 27/2008, de 30.6.
E essa análise pelo Tribunal é feita, como dissemos, considerando as declarações prestadas pelo requerente no âmbito do procedimento administrativo e a fundamentação aportada pela entidade administrativa ao ato. E daí que, in casu, os factos relevantes à decisão respeitam à tramitação do procedimento administrativo e aos atos nele praticados, cuja prova é documental.
A prova a produzir em sede judicial não pode servir, como pretende a Recorrente, como nova oportunidade para o requerente do asilo prestar declarações e convencer, agora o Tribunal – quando não o fez perante a entidade administrativa -, da sua credibilidade e pertinência do circunstancialismo que alegou como fundamento do seu pedido de proteção internacional, conduzindo a que o Tribunal se substitua à Administração no exercício da sua função administrativa.
A prova que a Recorrente pretende produzir não visa demonstrar a realidade de factos, controvertidos, relevantes para a decisão, destinados a demonstrar, além do mais, o erro nos pressupostos em que alega que a Recorrida incorreu com a prática do ato impugnado. Isto é, não visa possibilitar ao Tribunal a apreciação da legalidade do ato impugnado – tendo subjacentes os termos em que a Administração valorou e apreciou aquele pedido - à luz dos vícios que lhe imputou, antes se destina a que o próprio Tribunal, apreciando a prova que requereu, designadamente as suas próprias declarações de parte, afira em primeira linha da admissibilidade do seu pedido e do preenchimento dos pressupostos para a concessão de proteção internacional, assim se substituindo à Administração no exercício da função que lhe está cometida.
Mas o direito à prova com tal amplitude (ou finalidade) não lhe assiste. Assiste-lhe sim o direito a provar os factos, controvertidos, que se mostrassem necessários à demonstração dos vícios que imputou ao ato impugnado. Só que, no caso dos autos, os factos que relevam à decisão da causa são, como já dissemos, objeto de prova documental. Pelo que, naturalmente, a produção da prova requerida pela Recorrente – as declarações de parte, o depoimento de parte do representante legal da AIMA e o testemunho dos seus progenitores – consubstanciaria a prática de um ato inútil, sendo como tal, proibido por lei (artigo 130.º do CPC).
Neste sentido, é patente que não foi violado o direito à prova da Recorrente e, consequentemente, o seu direito à tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º da CRP), pelo simples facto de que o direito à prova não é ilimitado e, não o sendo, não se mostravam preenchidos os pressupostos legais de que dependia a existência de tal direito na esfera da Recorrente. Isto é, inexistindo factualidade sobre a qual fosse necessária – com vista à decisão da causa – a produção da prova requerida, a Recorrente simplesmente não tem o direito à prova.
E, consequentemente, o despacho que a indeferiu não padece de erro de julgamento, nem tão pouco a sentença violou o seu direito à tutela jurisdicional efetiva, na dimensão de direito ao contraditório e à prova.

4.2. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

A Recorrente aduz que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia por não ter considerado a forma como ocorreu a sua entrada em Portugal, ponderando a existência de uma situação de vulnerabilidade acrescida, nomeadamente a Recorrente e a sua família serem vítimas de redes de auxílio à imigração ilegal ou tráfico de seres humanos, que seria relevante à análise pedido de proteção internacional, justificando a concessão de proteção por outros fundamentos ou exigir diligências de investigação específicas.
As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer [al. d)].
A nulidade da sentença a que se refere a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC verifica-se quando ocorre o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito nos artigos 95.º, n.º 1 e 3 do CPTA e 608, n.º 2 do CPC, e que se traduz em decidir todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. No âmbito dos processos impugnatórios esse dever comporta a pronúncia sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato (art. 95.º, n.º 3 do CPTA).
Como é jurisprudência pacífica, a causa de pedir, ou melhor, as questões a decidir, não se confundem com as razões ou argumentos de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. Pelo que apenas integra a nulidade prevista no citado normativo, a omissão de conhecimento das “questões”, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
Considerando a causa de pedir e o pedido formulado na ação, à luz da petição inicial, verifica-se que constituíam questões a decidir as de saber se o ato impugnado, correspondente à decisão que considerou infundado, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º, da Lei n.º 27/08, de 30.06, o pedido de proteção internacional apresentado pela Requerente, padecia de erro nos pressupostos de facto, a respeito do qual a Recorrente sustentava que lhe assiste o direito de asilo ou a proteção subsidiária, por ser vítima de perseguição religiosa no seu país de origem (China) e, bem assim, por a forma como foram conduzidos a Portugal, poder revelar serem vítimas de rede de intermediários ilegais que enviam pessoas para países diversos. Vinha, ainda, apontado ao ato o défice instrutório, argumentando a Requerente não terem sido permitidas testemunhas ou verificações sobre os índices de segurança para cristãos na China, nem apurada essa situação de risco de serem vítimas de rede de intermediários ilegais.
Ou seja, as questões a decidir, para a qual a Recorrente alegou a necessidade de consideração e apuramento da situação de risco/vulnerabilidade, com vista à análise do seu pedido, correspondem ao erro nos pressupostos de facto e ao défice instrutório, constituindo a referida alegação um dos argumentos que aportou para sustentar tais vícios.
Analisada a sentença verifica-se que o Tribunal recorrido, embora sem qualificar as invalidades apontadas ao ato, dá nota que a Recorrente sustentava “a falta de observação do n° 8 do artigo 33° da CRP”, mas também “não terem sido realizadas diligências de verificação perante o Governo Chinês sobre o índice de segurança para os cristãos” (vd. fls. 22 da sentença). E a tal respeito afirmou “que não assiste qualquer razão à Autora nos referidos fundamentos”, passando então a pronunciar-se sobre o erro nos pressupostos de facto, considerando que as declarações, a respeito da perseguição religiosa, não revelam factos pertinentes ou dotados de relevância mínima para o cumprimento das condições de que atribuição do estatuto de asilo ou autorização de residência por proteção subsidiária, razão pela qual o seu pedido é infundado à luz do artigo 19.º, n.º 1 al. e) da Lei n.º 28/2007, de 30.6.
A sentença não considera, é certo, o erro nos pressupostos de facto na dimensão de assistir à A./Recorrente o direito de asilo ou a proteção subsidiária por ser vítima de redes de auxílio à imigração ilegal. E, efetivamente, não aduz qualquer fundamentação para afastar a razão da A./Recorrente quanto ao défice instrutório, designadamente nessa mesma dimensão correspondente à falta de apuramento da situação de risco face à forma como entraram em Portugal.
Contudo, em ambos os casos o que está em causa é a ausência de referência a tal dimensão do erro nos pressupostos de facto e do défice instrutório, ou seja, a falta de consideração de um argumento invocado pela Recorrente e não a omissão de pronúncia sobre questão que o Tribunal devesse apreciar.
Daí que não se possa aceitar que a sentença padeça de nulidade por omissão de pronúncia. Poderá ter incorrido em erro de julgamento na decisão que tomou a respeito dos vícios apontados ao ato, designadamente por não ter considerado tal dimensão dos mesmos, mas não em omissão de pronúncia.

4.3. Do défice instrutório

A Recorrente aduz que cabia ao Tribunal, suprindo a inércia da AIMA, averiguar junto de fontes credíveis (como o ACNUR ou relatórios internacionais), a veracidade e a gravidade da perseguição religiosa a cristãos.
Está em causa a imputação à sentença de défice instrutório.
Sem que lhe assista razão pois a Recorrente confunde o objeto da prova em sede judicial, com o objeto da instrução no âmbito do procedimento administrativo e, ao fazê-lo, não distingue (também) o dever de instrução que recai sobre a Administração no âmbito do procedimento administrativo, com o inquisitório que vigora em sede judicial.
Com efeito, como supra demos nota, o objeto da instrução (em sede judicial) corresponde aos factos relevantes à decisão do litígio submetido a juízo, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que se devam considerar controvertidos e necessitados de prova.
E, em sede judicial, recaindo sobre o autor o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito (art. 342.º n.º 1 do CC), o inquisitório, enquanto principio segundo o qual “[i]ncumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” (artigo 411.º do CPC), não se destina a que o juiz se substitua às partes no cumprimento dos seus ónus probatórios.
Assim, se é certo que o juiz tem o dever de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias ao apuramento da verdade, cumpre recordar que “o princípio do inquisitório não concede ao juiz o poder de se substituir às partes, colmatando os seus lapsos ou esquecimentos no que respeita ao ónus de arrolar ou de aditar determinada testemunha ao rol apresentado” (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 30.1.2019 no processo 639/18.8T8FNC-A.L1-4). Isto é, o princípio do inquisitório
In casu, respeitando a causa dirimida em juízo à apreciação da legalidade da atuação administrativa à luz dos vícios apontados pela Requerente ao ato, o objeto da instrução correspondia, enquanto factos necessários à decisão, àqueles que respeitavam à tramitação do procedimento administrativo e aos atos nele praticados. Factos esses que, como dissemos, são objeto de prova documental.
Essa instrução, foi, efetivamente, realizada pelo Tribunal a quo, que, ademais, levou ao probatório os factos necessários à decisão da causa.
Mas esta instrução em sede judicial não se confunde com a realizada em sede de procedimento administrativo, desde logo porque no seu objeto esta última incide sobre “os factos cujo conhecimento seja adequado e necessário à tomada de decisão” pela Administração (artigo 115.º, n.º 1 do CPA). In casu, a instrução a realizar em sede administrativa corresponde àquela que se encontre prevista no regime jurídico da concessão de asilo ou proteção subsidiária com vista à decisão sobre o pedido de proteção internacional apresentado pela Requerente.
Ou seja, compete à AIMA “solicitar e obter de outras entidades os pareceres, informações e demais elementos necessários para o cumprimento do disposto na presente lei em matéria de concessão de pedidos de proteção internacional” (art.º 10.º, n.º 4) e, quando o pedido de proteção internacional seja considerado admissível, a instrução segue os termos do artigo 28.º da Lei n.º 27/2008 (ex vi artigo 21.º, n.º 1 da Lei n.º 27/2008). Contudo, nas situações que se enquadrem nas alíneas do n.º 1 do artigo 19.º da Lei 27/2008, “a apreciação do pedido de proteção internacional não é submetida a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18.º, devendo ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB).
Vindo imputado ao ato impugnado o incumprimento pela Administração dos deveres de instrução no âmbito do procedimento administrativo, o que o Tribunal aprecia é a verificação de tal vício, realizando em sede judicial as diligências instrutórias que ao conhecimento da causa, e das questões a decidir, incluindo o vício de deficiência instrutória, relevem.
Mas, ainda que o ato padeça de tal vício (défice instrutório) e, portanto, se verifique que a Administração omitiu as diligências instrutórias necessárias a decidir o pedido da requerente, nem daí resultaria, como pretende a Recorrente, a possibilidade de o Tribunal se substituir à Administração na realização das diligências de instrução que, ao abrigo do princípio do inquisitório em sede de procedimento administrativo (artigo 58.º do CPTA), a esta incumbem.
É que não só aquelas diligências instrutórias não visariam a decisão da causa submetida a juízo, antes se destinando à tomada de decisão no procedimento administrativo, como “[a] actividade instrutória da Administração no âmbito do procedimento administrativo configura (…) uma actividade complexa que abarca a determinação das diligências de prova relevantes, de entre todas aquelas permitidas em direito que repute adequadas, a sequência da sua produção, a formulação de um juízo a propósito de cada um dos meios de prova produzidos (que, na maioria dos casos se caracteriza pela liberdade de apreciação), a audiência dos interessados e, por fim, a prolação de uma decisão sobre os factos provados e não provados e a sua subsunção no direito aplicável (cfr. art. 126º do CPA).
Esta decisão ou juízo sobre a prova produzida encerra todas as vertentes da actividade instrutória, a qual envolve espaços de actividade administrativa estritamente vinculados e espaços de autodeterminação, quais sejam, designadamente os respeitantes à direcção da instrução e à formulação de juízos valorativos a respeito de determinados meios de prova.
A actividade administrativa de instrução do procedimento traduz a função cometida à Administração de averiguação da matéria de facto concretamente relevante para a tomada de cada decisão reclamada pela prossecução dos interesses que por lei lhe estão confiados. Configura, assim, uma vertente própria da actividade administrativa enquanto exercício de um dos poderes do Estado e contempla espaços de livre decisão” (Ana Carla Teles Palma Duarte, A ação de condenação à prática de ato devido: conhecimento e prova dos pressupostos de facto do ato, disponível em https://repositorio.ul.pt/handle/10451/24096).
Neste sentido, a atividade procedimental da Administração, em sede de instrução, corresponde tipicamente ao exercício da função administrativa, contemplando em maior ou menor medida uma margem de livre apreciação. E, portanto, admitir que ao Tribunal coubesse, como pretende a Recorrente, perante a inércia da Administração, substituir-se a esta no cumprimento dos seus deveres de instrução do procedimento, consubstanciaria a violação do princípio da separação de poderes.
E daí que, naturalmente, mesmo que, à luz das soluções plausíveis de direito, fosse de admitir que a Administração omitiu a realização das diligências instrutórias necessárias à prática do ato impugnado, designadamente as destinadas “a apurar a veracidade e a gravidade da perseguição religiosa a cristãos na China” (fls. 7 das alegações), nem daí caberia ao Tribunal proceder per si a tais averiguações.
Em suma, porque o dever de instrução que recai sobre o Tribunal não se confunde, nem se destina a suprir a deficiência da atividade instrutória da Administração no âmbito do procedimento administrativo, não padece a sentença recorrida do défice instrutório que lhe vem apontado.

4.4. Do erro de julgamento de direito

A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida aduzindo, em suma, que o Tribunal não considerou as circunstâncias de entrada da Recorrente em Portugal, que traduzem indícios da situação de especial vulnerabilidade e potencial tráfico de seres humanos, minimizando a perseguição religiosa sofrida pela família da Recorrente, focando-se na sua menor religiosidade subjetiva sem averiguar junto de fontes credíveis o risco objetivo em caso de regresso, e não valorizando o facto de a Recorrente pertencer a uma família cristã perseguida e desconsiderando o risco de “perseguição por associação”, ou seja, que o risco de perseguição não se limita ao indivíduo, mas estende-se aos familiares. Daí advoga que a sentença erra na aplicação do artigo 3.º da Lei do Asilo e viola o direito de asilo, garantido pelo artigo 33.º, n.º 8 da CRP.
Aduz, ainda, que a não elaboração do relatório previsto no artigo 17.º da Lei n.º 27/2008 e a falta de oportunidade de pronúncia sobre as informações essenciais consubstanciam a preterição da audição do interessado. Contudo, tais questões não foram suscitadas na petição inicial – na qual, apenas de forma não consubstanciada e concretizada, a A. afirmou que no processo de asilo “não foi possível o contraditório da decisão à tempo” - e, como tal, não foi tratada na decisão recorrida. Não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, surgindo, por isso, como questão nova, não cabe a este Tribunal proceder à sua apreciação pois que o recurso se destina a impugnar as decisões da sentença (Ac. do STA de 12.11.2019, proferido no processo 17085/15.8T8 LSB.L1.S2, disponível em https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f04eac5f3e44f320802584be003dfefe?OpenDocument).
Sem prejuízo, ainda que se considerasse a invocação da falta de audiência prévia no requerimento inicial, o certo é que tal questão não foi apreciada pelo Tribunal a quo e a Recorrente não invocou, a tal respeito, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Como tal, nessa parte, a decisão transitou em julgado, não podendo ora este Tribunal ad quem conhecer de erro de julgamento apontado a questão que não foi apreciada pela sentença.

A sentença recorrida julgou não verificado o erro nos pressupostos apontado ao ato pelo qual o pedido de proteção internacional formulado pela Requerente foi considerado infundado ao abrigo do artigo 19.º, n.º 1 al. e) da Lei n.º 27/2008, de 30.6, por considerar que “os factos expostos pela Autora não se mostram pertinentes, nem dotados de um grau de relevância mínima suscetíveis de determinar a análise do cumprimento das condições para ser considerada pessoa elegível para a concessão de asilo ou proteção subsidiária, devendo ter-se por preenchido o pressuposto da alínea e) do n.° 1 do artigo 19.° da Lei do Asilo e que conduz à consideração do pedido como infundado”.
Foi o seguinte, em suma, o discurso fundamentador,
“(…) compulsadas as declarações da Autora, prestadas no âmbito do procedimento administrativo, e no que concerne às razões do seu pedido de protecção internacional, esta referiu que apenas os seus pais não estavam em segurança na China devido à sua religião (por serem cristãos). Mais salientou que não liga muito à religião e que apenas os seus pais andavam sempre a mudar de casa para fugir às perseguições e quando queria ir a casa, uma vez que preferiu viver na escola, muitas vezes não sabia onde eles estavam. Refere, ainda, que antes de vir para Portugal foram para a Sérvia, onde estiveram cerca de um ano e tinham residência temporária até 10.11.2026. Saíram da Sérvia no dia 17.11.2024 e que aí não pediram asilo, pois a China e a Sérvia assinaram um acordo que permite repatriar os cidadãos chineses para a China sem motivo. Alega que não sabe “muito das coisas” e que os seus pais é que trataram de tudo, online, para virem para Portugal. Chegaram a Portugal no dia 27.11.2024, em viagem que realizaram de autocarro, tendo passado pela Bósnia, Croácia, Eslovénia e Itália, seguindo para Lisboa. Por fim refere que escolheram Portugal "porque vimos na internet que Portugal tem um bom clima, não é muito frio, as pessoas são simpáticas.”
Ora, analisadas as declarações prestadas pela Autora, afigura-se-nos não terem sido alegados quaisquer factos que permitam aferir do preenchimento do n° 1 do artigo 3° da LA, concretamente não resultou demonstrado que a mesma é perseguida ou gravemente ameaçada de perseguição,” (...) em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. ”.
Igualmente não se encontra preenchido o n° 2 do citado normativo, nos termos do qual, “Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual. "
Com efeito, para o preenchimento do disposto no referido normativo tornava-se necessário que fosse alegada factualidade susceptível de consubstanciar o mencionado preenchimento, concretamente a actualidade da perseguição, o que não se verifica na presente situação.
De facto, das declarações prestadas pela Requerente e tendo em conta os fundamentos em que se baseia o pedido de protecção internacional, não resulta qualquer factualidade que consista numa ameaça actual e efectiva contra si, sendo certo que, alegadamente, apenas os seus pais foram perseguido devido à sua religião, tanto mais que, como a própria admite, não liga à religião.
Ante o exposto, urge concluir que das declarações prestadas pela Autora não se vislumbra qualquer perseguição ou ameaça actual e efectiva, susceptível de fundamentar o pedido de protecção internacional pelas razões que invocou.
Assim, o receio de perseguição da Autora traduz um mero receio, dando que não se mostra consubstanciado em nenhum acto concreto (tais como os enunciados no artigo 5°, n° 2 da LA) que configure a existência de uma ameaça actual.
Mais alega a Autora, que lhe deve ser concedida protecção subsidiária, com emissão de autorização de residência de protecção temporária.
(…)
Ora, compulsada a petição inicial, pese embora a Autora invoque o referido instituto, certo é que não logrou demonstrar qualquer facto concreto que virá a sofrer um risco sério, real e efetivo de pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, ou que venha a ser alvo de ameaça grave contra a sua vida ou integridade física, resultante de violência indiscriminada em virtude de situações de conflito armado internacional ou interno, ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, caso regresse ao seu país de origem.
De facto, não demonstrou a Autora, factos concretos, relacionados com a sua vida real que permitissem chegar à conclusão de os seus direitos foram violados ou que correm o risco sério de o serem.”
Impõe-se, pois, apreciar se, como alega a Recorrente, o Tribunal a quo errou ao considerar mostrarem-se preenchidos os pressupostos para que o seu pedido de proteção internacional fosse considerado infundado ao abrigo do disposto no artigo 19.º, n.º 1 al. e) da Lei n.º 27/2008.
A Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (Lei do Asilo), estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária.
Assim, prevê-se no art.º 3.º da Lei n.º 27/2008 que,
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
(…)
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”
O art.º 5 deste diploma, epigrafado “Atos de perseguição”, estipula que,
“1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.
2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas:
a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual;
b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;
c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;
d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória;
e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º;
f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.
3 – (…)
4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais atos.”
Nos termos da al. n) do art.º 2, n.º 1 deste diploma, os “motivos da perseguição” que fundamentam o receio fundado de o requerente ser perseguido “devem ser apreciados tendo em conta as noções de raça, religião, nacionalidade e grupo que resultam das alíneas i) a v) do normativo, considerando-se agentes de perseguição, conforme o n.º 1 do art.º 6.º, o Estado [al. a)], os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território [al. b)] e “os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição” [al. c)], considerando-se “que existe proteção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva” (art.º 6.º, n.º 2 ).
Por seu turno o art.º 7.º prevê a proteção subsidiária, nos seguintes termos,
“1 - É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”
O princípio do non-refoulement refere-se à proibição de expulsar ou repelir qualquer pessoa que fuja de um cenário de violência, perseguição e de ameaça à sua vida ou à sua liberdade, quando o país de origem não é capaz de a proteger. Este normativo deve ser interpretado tendo em conta o disposto no artigo 8.º da Diretiva n.º 2011/95/UE, do Conselho, de 13 de dezembro, que dispõe que,
«1 – Ao apreciarem o pedido de proteção internacional, os Estados-Membros podem determinar que um requerente não necessita de protecção internacional se, numa parte do país de origem, o requerente:
a) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
b) Tiver acesso a protecção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 7.º, E puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país, e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.»
Assim, no caso de o requerente da proteção internacional poder se deslocar para outra parte do território do país de origem, de forma regular e com segurança, e tiver expetativas razoáveis de nela poder instalar-se, verifica-se a falta de necessidade de proteção internacional, por não haver receio fundado de ser perseguido ou se encontrar perante um risco real de ofensa grave, ou tiver acesso a proteção contra a perseguição ou a ofensa grave.
No que respeita à tramitação procedimental do pedido de proteção internacional (art.º 13.º, n.º 1), apresentado o pedido, constituem deveres do requerente “apresentar os documentos de identificação e de viagem de que disponha, bem como elementos de prova, podendo apresentar testemunhas em número não superior a 10” (art.º 15.º, n.º 2) e, bem assim, “apresentar todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional, nomeadamente:
a) Identificação do requerente e dos membros da sua família;
b) Indicação da sua nacionalidade, país ou países e local ou locais de residência anteriores;
c) Indicação de pedidos de proteção internacional anteriores;
d) Relato das circunstâncias ou factos que fundamentam a necessidade de proteção internacional;
e) Permitir a recolha das impressões digitais de todos os dedos, desde que tenha, pelo menos, 14 anos de idade, nos termos previstos no Regulamento (UE) n.º 603/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, relativo à criação do sistema Eurodac de comparação de impressões digitais;
f) Manter a AIMA, I. P., informada sobre a sua residência, devendo imediatamente comunicar a este serviço qualquer alteração de morada;
g) Comparecer perante a AIMA, I. P., quando para esse efeito for solicitado, relativamente a qualquer circunstância do seu pedido.” (art.º 15.º, n.º 1).
Ao requerente é, ainda, assegurado o direito de prestar declarações nos termos do artigo 16.º, sendo elaborada transcrição das mesmas (art.º 17.º).
Por sua vez, cabendo à AIMA a apreciação dos pedidos de proteção internacional (art.º 10.º, n.º 3), compete-lhe “solicitar e obter de outras entidades os pareceres, informações e demais elementos necessários para o cumprimento do disposto na presente lei em matéria de concessão de pedidos de proteção internacional” (art.º 10.º, n.º 4).
Conforme emerge do n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 27/2008, na apreciação dos pedidos de proteção internacional deve ser determinado, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para proteção subsidiária.
Quanto à apreciação dos pedidos de proteção internacional, da conjugação dos artigos 18.º, 19.º e 19.º-A, resulta que, no caso de o pedido de proteção internacional não ter sido, desde logo, considerado infundado (ao abrigo do disposto no artigo 19º.) ou inadmissível (ao abrigo do disposto no artigo 19º.-A), a apreciação do mesmo obedecerá ao disposto no artigo 18.º.
Assim, o artigo 19.º estabelece a tramitação acelerada da “análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, considerando-se o pedido infundado, quando, com relevo aos autos, se verifique que “[a]o apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária” [n.º 1 al. e)].
Refira-se que nas situações que se enquadrem nas alíneas do n.º 1 do artigo 19.º da Lei 27/2008, “a apreciação do pedido de proteção internacional não é submetida a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18.º, devendo ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB).
Ou seja, no âmbito das situações tipificadas no n.º 1 do artigo 19.º, estamos perante circunstâncias que, com elevado grau de evidência, se entende o pedido como infundado e, consequentemente, tornando desnecessário que este seja submetido a instrução e apreciado nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008.
Cumpre, ainda, considerar que recai sobre o requerente do pedido de asilo ou de proteção subsidiária o ónus da prova dos factos que alega, cabendo-lhe “dizer a verdade, esforçar-se para sustentar as suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB), isto é “sendo-lhe exigível que nas declarações que preste ao SEF apresente um relato coerente, consistente e credível” (Ac. do TCA Sul de 11.4.2024, proferido no processo 798/23.8BELSB).
Daí que porque “as declarações prestadas ao SEF constituem o ponto de partida da análise que irá ser efectuada do pedido de protecção formulado” (Ac. do TCA Sul de 11.4.2024, proferido no processo 798/23.8BELSB), é à sua luz que cabe verificar se a alegação consubstancia questões pertinentes e com relevância para analisar o cumprimento das condições para a Recorrente ser considerada refugiada ou pessoa elegível para proteção subsidiária.
A Recorrente, nas declarações que prestou perante a entidade administrativa, invocou que solicitava proteção internacional porque, apesar de não ligar à religião, os pais, em virtude de serem cristãos, não se sentiam seguros na China, mudando frequentemente, mas que pouco sabe, além do que ouviu os pais falarem. Notou que estiveram na Sérvia durante 1 ano, onde têm residência temporária até 10.11.2026, e que aí não pediram asilo em virtude de um acordo entre a Sérvia e a China que possibilita o repatriamento de cidadãos chineses. E que vieram para Portugal, por ser um país com bom clima e onde as pessoas são simpáticas, onde chegaram a 27.11.2024, passando pela Bósnia, Croácia, Eslovénia e Itália, através de uma agência na Sérvia que tratou da viagem e a quem pagaram, através de amigos, os bilhetes e para a Requerente ter autorização de residência para trabalho em Itália. Aduziu que se regressar à China é pressionada pela polícia para tentar saber dos pais.
No que respeita à alegada perseguição religiosa, como se deu nota no Ac. deste TCA Sul de 5.7.2017, proferido no processo 464/17.3BELSB (disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/48102DE003CE54D38025818400307269), “[p]ara efeitos da concessão de proteção internacional com base em perseguição religiosa do interessado, nos termos da Lei do Asilo, há que fundamentar e não presumir que o interessado é membro e ou praticante de certa religião, religiosidade essa que, assim, não deve ser pressuposta acriticamente pelo Estado Português”.
O que significa que, cabendo à Requerente prestar declarações que sejam coerentes e plausíveis face à generalidade dos factos conhecidos, enquanto pressuposto da intervenção do benefício da dúvida no direito de asilo, do seu relato deve, desde logo, resultar que o requerente de proteção internacional em virtude de perseguição religiosa sofrida na China professa religião não oficial, in casu de índole cristã.
O que sucede é que é a própria Recorrente a, por um lado, assumir a sua indiferença à religião, evidenciando-se que, nem nas declarações prestadas perante a entidade administrativa, nem perante o Tribunal, concretizou a que ramo ou igreja se referia. Por outro lado, a Recorrente não apresenta uma narrativa factual, cronológica e subjetivamente coerente da pertença e prática religiosa que atribui aos seus progenitores ou dos atos persecutórios por aqueles sofridos, limitando-se a tal respeito a afirmar que os mesmos são cristãos e que se mudavam frequentemente, nunca tendo precisado os fundamentos para tal. E afirma que, se regressar, será pressionada a informar a polícia sobre os seus pais, sem, tão pouco, esclarecer porque assim sucederia.
Ora, fundando a Requerente o seu pedido de proteção internacional na alegação de que é, e o são os seus progenitores, vítimas de perseguição religiosa (artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 27/2008, de 30.6), o que se verifica é que não só não professa qualquer crença religiosa, como tão pouco apresenta um relato suficientemente concretizado que permitisse considerar que os seus pais assim o fariam e que, por tal motivo, seriam ou foram alvo de atos persecutórios.
Refira-se, de resto, que os fundamentos em que a Recorrente assenta a sua pretensão, não revelam com pertinência e relevância a consubstanciação de sujeição a grave ameaça ou efetiva prática de atos de perseguição nos termos do art. 5.º da Lei 27/2008, pelos agentes de perseguição identificados no art. 6.º, e um receio fundamentado de perseguição, in casu, em virtude da sua religião - apreciada segundo a noção elencada na subalínea ii) da al. n) do n.º 1, do art. 2.º, do mesmo diploma - que, a impossibilite ou impeça de voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
Com efeito, a Recorrente nunca revela ou concretiza qualquer ameaça ou atos de perseguição de que tivesse, ou os seus progenitores, sido vítima, alegadamente motivados pela prática de religião proibida na China. E, como já aqui demos nota, em primeira linha, é sobre o requerente da proteção internacional que recai a obrigação de apresentar, no âmbito do procedimento administrativo, um relato coerente, consistente e credível, o que lhe demanda a circunstanciação fáctica, sólida e coesa da perseguição religiosa que afirma ser vítima.
Na situação sub judice há uma total falta de consubstanciação ou concretização de episódios de grave ameaça ou efetiva prática de atos de perseguição ou que justificassem um fundado receio de perseguição, em termos que, em conformidade com o artigo 5.º, constituíssem “pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais” ou que se traduzissem num “conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais”.
O que significa que, além de nunca ter alegado qualquer ativismo em prol da defesa dos princípios democráticos, da liberdade, da paz e dos direitos humanos, por motivo do qual tivesse sido sujeita ou ameaçada de perseguição, as declarações da Recorrente não revelam ter sido sujeita a ameaças ou a atos objetivos de natureza persecutória contra a sua pessoa, sequer dos seus progenitores, que traduzam de forma objetiva um receio de ser vítima de perseguição por força de religião, que torne a sua permanência na China insustentável a ponto de ter de abandonar o seu país de origem e a ele não poder regressar.
E daí que, tal como se entendeu na sentença recorrida, a respeito da invocada perseguição religiosa, a A./Recorrente não aduz questões pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerada pessoa elegível com vista a ser-lhe concedido o direito de asilo e obter o estatuto de refugiado.
E o mesmo sucede quanto ao alegado direito a proteção subsidiária dado que não se vislumbra que em causa esteja um qualquer impedimento ou impossibilidade de a A. regressar à China, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correr o risco de sofrer ofensa grave, não podendo, por conseguinte, ser-lhe atribuída proteção subsidiária, por autorização de residência, por força de tal facto.
O direito à proteção subsidiária (art. 7.º) depende de o requerente sentir-se impossibilitado de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, em razão (i) da sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique ou (ii) por correr o risco de sofrer ofensa grave.
Ora, a situação invocada pela A. não configura, nem revela uma sistemática violação generalizada e indiscriminada dos direitos humanos na China, que permitissem sustentar o impedimento ou impossibilidade de regresso e permanência àquele país.
É certo que se reconhece, como emerge do ato impugnado, a existência de perseguição às igrejas domésticas cristãs, com detenções, penas de prisão e doutrinação. Contudo, nem o resultante das fontes internacionais, nem o relato da Recorrente atinge o patamar de uma “sistemática violação dos direitos humanos”. Isto é, a Recorrente pretende assentar o seu direito sem ter alegado qualquer situação concreta de violação dos direitos humanos que o Estado do seu país de origem, contra si, ou sequer contra os seus progenitores, enquanto cidadã chinês, esteja a perpetrar.
Tão pouco evidenciou a Recorrente o risco de, ao regressar ao seu país de origem, poder vir a ser sujeita a uma ofensa grave na aceção da Lei do Asilo.
Com efeito, o risco de ofensa grave assenta, como emerge do elenco exemplificativo do n.º 2 do artigo 7.º da Lei 27/2008, em hipóteses que objetiva e marcadamente se prendem com o receio pela vida ou pela segurança física do requerente, o que, em termos concretos, a Recorrente não circunstanciou, limitando-se a afirmar que seria pressionada a informar a polícia de onde estariam os seus pais.
O que significa que as declarações prestadas pela Autora se revelam insuficientes para enquadrar a sua situação no regime da proteção subsidiária, consagrado no referido artigo 7.° da Lei do Asilo.
E também quanto à alegação de ter sido vítima de tráfico de pessoas ou de ação de auxílio à imigração ilegal, não lhe assiste qualquer razão quanto ao vício que aponta ao ato impugnado.
Em primeiro lugar, porque foi a própria Requerente quem, no âmbito das suas declarações, fundou o seu pedido de proteção internacional numa alegada perseguição religiosa de que seriam vítimas os seus progenitores. Sendo que de tais declarações não resulta, como veio sustentar em sede judicial, que tenha ancorado tal pedido na circunstância de ser vítima de redes de auxílio à imigração ilegal ou tráfico de seres humanos, antes se tendo limitado a esclarecer a forma como chegou a Portugal. O que significa, portanto, que o seu pedido de proteção subsidiária não tinha que ser apreciado considerando tal fundamento.
Sem prejuízo, ainda que se admitisse, como pretende a Recorrente que, na realidade, ao descrever o seu percurso de chegada a Portugal, daí se revelasse a alegação de ter sido vítima de redes de auxílio à imigração ilegal ou tráfico de seres humanos, nem daí resultaria que tal se tratasse de questão pertinente ou de relevância para o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária, com vista a afastar o enquadramento do seu pedido na al. e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30.6.
É que, como já aqui demos nota, o direito de asilo é concedido face a perseguição ou grave ameaça de perseguição perseguidos resultante de atividade exercida “em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana” (artigo 3.º, n.º 1) ou “com fundamento em perseguição em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social” (artigo 3.º, n.º 2). E o direito à autorização de residência por proteção subsidiária é concedida em razão de impedimento ou impossibilidade “de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave” (artigo 7.º, n.º 1).
Ou seja, nem o direito de asilo, nem o direito à autorização de residência por proteção subsidiária, que correspondem ao objeto do pedido apresentado pela Requerente perante a AIMA, abrangem situações de cidadãos estrangeiros vítimas de tráfico de pessoas ou de ação de auxílio à imigração ilegal.
Assim sucede, porque tais situações são tuteladas pela “autorização de residência a vítimas de tráfico de pessoas ou de ação de auxílio à imigração ilegal”, regulada nos artigos 109.º e seguintes da Lei n.º 23/2007, de 4.7 que preveem a concessão de “autorização de residência ao cidadão estrangeiro que seja ou tenha sido vítima de infrações penais ligadas ao tráfico de pessoas ou ao auxílio à imigração ilegal, mesmo que tenha entrado ilegalmente no País ou não preencha as condições de concessão de autorização de residência” (artigo 109.º, n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho).
Pelo que, se a Recorrente pretendia, na realidade, obter autorização de residência para vítimas de tráfico de pessoas ou de ação de auxílio à imigração ilegal, sem prejuízo do dever de informação a que se reporta o artigo 110.º da Lei n.º 23/2007, de 4.7, cabia-lhe ter apresentado o pedido nos termos do artigo 81.º do referido diploma.
O que não pode pretender é que, por tais razões, lhe seja concedido o direito de asilo ou a proteção subsidiária, porquanto as mesmas não correspondem ao preenchimento dos pressupostos legais para tal efeito.
Daqui resulta que, como se entendeu no ato impugnado e na sentença recorrida, “ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária”, a determinar, portanto, que o seu pedido se considera infundado nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008.
Não incorrendo a tal respeito a sentença em erro de julgamento.

E daqui decorre, também, que à Recorrente não assiste razão no défice instrutório que apontou ao ato, reclamando a necessidade de realizar diligências instrutórias, junto de fontes credíveis e independentes (como o ACNUR, organizações de direitos humanos, ou mesmo informações oficiais de outros Estados), para apurar a veracidade e a gravidade da perseguição religiosa a cristãos na China e, bem assim, com vista a esclarecer as circunstâncias da sua entrada em Portugal com vista a aferir possível exploração por redes criminosas de tráfico de pessoas ou de auxílio à imigração ilegal.
Apresentado o pedido de proteção internacional (art.º 13.º, n.º 1), constituem deveres do requerente “apresentar os documentos de identificação e de viagem de que disponha, bem como elementos de prova, podendo apresentar testemunhas em número não superior a 10” (art.º 15.º, n.º 2) e, bem assim, “apresentar todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional”, nomeadamente os elencados nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo 15.º.
Por sua vez, cabendo à AIMA a apreciação dos pedidos de proteção internacional (art.º 10.º, n.º 3), compete-lhe “solicitar e obter de outras entidades os pareceres, informações e demais elementos necessários para o cumprimento do disposto na presente lei em matéria de concessão de pedidos de proteção internacional” (art.º 10.º, n.º 4).
Refira-se, ainda, que no âmbito do procedimento de apreciação do pedido de proteção internacional, é assegurado ao requerente o direito de prestar declarações nos termos do artigo 16.º, sendo elaborada transcrição das mesmas (art.º 17.º).
Como já anteriormente demos nota, no que respeita à apreciação dos pedidos de proteção internacional, da conjugação dos artigos 18.º, 19.º e 19.º-A, resulta que, no caso de o pedido de proteção internacional não ter sido, desde logo, considerado infundado (ao abrigo do disposto no artigo 19.º) ou inadmissível (ao abrigo do disposto no artigo 19.º-A), a apreciação do mesmo obedecerá ao disposto no artigo 18.º.
Assim, o artigo 19.º estabelece a tramitação acelerada da “análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, considerando-se o pedido infundado, quando, com relevo aos autos, se verifique, como sucedeu in casu, que “ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção
Ora, só na hipótese de o pedido de proteção internacional não ter sido considerado infundado (cf. artigo 19.º) ou inadmissível (cf. artigo 19.º-A), a sua apreciação obedecerá ao disposto no artigo 18.º da Lei n.º 27/2008, que prevê,
“1 - Na apreciação de cada pedido de proteção internacional, compete à AIMA, I. P., analisar todos os elementos pertinentes, designadamente as declarações do requerente, proferidas nos termos dos artigos anteriores, e toda a informação disponível.
2 - Na apreciação do pedido, a AIMA, I. P., tem em conta especialmente:
a) Os factos pertinentes respeitantes ao país de origem, obtidos junto de fontes como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, o ACNUR e organizações de direitos humanos relevantes, à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e as garantias da sua aplicação;
b) A situação e circunstâncias pessoais do requerente, por forma a apreciar, com base nessa situação pessoal, se este sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;
c) Se as atividades do requerente, desde que deixou o seu país de origem, tinham por fim único ou principal criar as condições necessárias para requerer proteção internacional, por forma a apreciar se essas atividades o podem expor a perseguição ou ofensa grave, em caso de regresso àquele país;
d) Se é razoável prever que o requerente se pode valer da proteção de outro país do qual possa reivindicar a cidadania;
e) A possibilidade de proteção interna se, numa parte do país de origem, o requerente:
i) Não tiver receio fundado de ser perseguido ou não se encontrar perante um risco real de ofensa grave; ou
ii) Tiver acesso a proteção contra a perseguição ou ofensa grave, tal como definida no artigo 5.º e no n.º 2 do artigo 7.º, puder viajar e ser admitido de forma regular e com segurança nessa parte do país e tiver expectativas razoáveis de nela poder instalar-se.
3 - Constitui um indício sério do receio fundado de ser perseguido ou do risco de sofrer ofensa grave, o facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição ou ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, exceto se existirem motivos fundados para considerar que os fundamentos dessa perseguição ou ofensa grave cessaram e não se repetirão.
4 - As declarações do requerente devem ser confirmadas mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito, a não ser que estejam reunidas cumulativamente as seguintes condições:
a) O requerente tenha feito um esforço autêntico para fundamentar o seu pedido;
b) O requerente apresente todos os elementos ao seu dispor e explicação satisfatória para a eventual falta de outros considerados pertinentes;
c) As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis;
d) O pedido tiver sido apresentado com a maior brevidade possível, a menos que o requerente apresente justificação suficiente para que tal não tenha acontecido;
e) Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.”
E daí que, como já aqui fomos evidenciando, nas situações que se enquadrem nas alíneas do n.º 1 do artigo 19.º da Lei 27/2008, “a apreciação do pedido de proteção internacional não é submetida a instrução nem à apreciação do pedido de acordo com os critérios do artigo 18.º, devendo ser sujeito a tramitação acelerada por o pedido ser considerado infundado” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB).
Ou seja, no âmbito das situações tipificadas no n.º 1 do artigo 19.º, estamos perante circunstâncias que, com elevado grau de evidência, se entende o pedido como infundado e, consequentemente, tornando desnecessário que este seja submetido a instrução e apreciado nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008.
Isto significa que, quando o pedido seja considerado infundado nos termos do art.º 19.º, n.º 1, não há lugar à instrução nem à aplicação do disposto no art.º 18.º, designadamente o que ali se mostra vertido nos seus n.ºs 1, 2 e 4, incluindo, pois, a averiguação de factos pertinentes respeitantes ao país de origem [n.º 2, al. a)] e da situação e circunstâncias pessoais do requerente [n.º 2 al. b)], e, bem assim, no seu n.º 4, ou seja, o “benefício da dúvida”.
Na situação sub judice, além de se verificar que a entidade demandada procedeu à consulta das fontes internacionais e noticiosas em matéria de asilo, no sentido de averiguar os termos da perseguição religiosa na China, o regime de asilo da Sérvia e o risco de deportação para os países de origem, a entrada de cidadãos chineses através dos países dos Balcãs e a redes de tráfico chinesas e de introdução clandestina de imigrantes chineses (vd. facto 5), assim realizando a instrução necessária à decisão que tomou, o certo é que o pedido da A. enquadra-se nas situações em que o mesmo deveria, como foi, ser considerado infundado nos termos do art.º 19.º, n.º 1 al. e) da Lei n.º 27/2008.
Assim sendo, além das diligências instrutórias que efetivamente foram realizadas, não havia lugar a quaisquer outras, porquanto não havia lugar à aplicação do disposto no art.º 18.º, nem tão pouco do art.º 28.º que dependeria da admissibilidade do pedido.
Ora, o que a A. pretende é beneficiar do regime de instrução dos artigos 18.º e 28.º da Lei n.º 27/2008, numa hipótese em que a apreciação da sua pretensão foi submetida ao regime da tramitação acelerada do art.º 19.º do mesmo diploma e que, consequentemente, não impõe que se realizem as diligências instrutórias necessárias a apurar seja os factos respeitantes ao seu país de origem, seja a sua situação e circunstâncias pessoais, designadamente quanto aos moldes da sua entrada em Portugal.
Assim sendo, não padece, como – ainda que sem o fundamentar – se considerou na sentença recorrida, o ato impugnado de défice instrutório e, consequentemente, deve manter-se a decisão recorrida com a presente fundamentação.

4.5. Da condenação em custas

Sem custas, por ser gratuito o processo, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.


5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.


Mara de Magalhães Silveira
Marta Cavaleira
Lina Costa