Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:258/10.7BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO
COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS
QUALIFICAÇÃO DO RENDIMENTO OBTIDO
Sumário:i) Não observando o recorrente, nas alegações ou conclusões, o ónus que lhe é imposto no n.º 1 do art.º 640.º do CPC quando pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto, o recurso deve ser imediatamente rejeitado nessa parte;

ii) Devem ser enquadrados como rendimentos empresariais (categoria B do IRS), as operações de compra e posterior venda de bens imobiliários se o sujeito passivo impugnante não logra provar que os concretos bens alienados (duas fracções autónomas) lhe foram entregues pelo construtor como pagamento em espécie do preço acordado pela anterior venda de um terreno para construção de que a impugnante seu falecido marido eram donos e legítimos proprietários já em 1999, data muito anterior àquela a que está referido o início da sua actividade empresarial (2005).

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

Maria ……………………, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra os actos tributários de liquidação adicional de IRS, com o n.°………………830, no valor de €18.358,83, e dos respetivos juros compensatórios, com o n.º …………….928, no valor de €1.883,50, referentes ao ano de 2006, alegando para tanto e conclusivamente: «

CONCLUSÕES:

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS n.° ……………..830, referente ao exercício de 2006.

No entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, na douta sentença recorrida, uma vez que:
a) a Fazenda Pública não impugnou nem contestou os factos e documentos juntos pela Recorrente à pi;
b) a Fazenda Pública não impugnou a genuinidade ou falsidade dos documentos muito menos colocou em causa a veracidade dos factos alegados pela Recorrente;

c) ficou demonstrado que, efetivamente, no dia 3 de Dezembro de 1999, a Recorrente (doméstica toda a vida) e seu falecido marido (sucateiro), outorgaram contrato promessa de compra e venda com a C........, com vista à alienação do prédio urbano, terreno para construção, localizado no Sítio …………., freguesia ………….., concelho do Funchal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.° ……….., pelo preço total de € 399.038,32 (Doc. 4 da pi);

d) se comprovou que esse contrato promessa foi objeto de cessão da posição contratual, em 26 de Março de 2002, da C........ para a sociedade I………. - ………………… da Madeira, Lda. (Doc. 4 da pi);

e) se demonstrou que, por força dessa cessão da posição contratual, seria alterada a redação do clausulado do contrato promessa, passando do mesmo a constar expressamente (vide cláusula quinta do Doc. 4) o seguinte:
“II - O preço de compra e venda ora prometida é de € 399.038,32 (trezentos e noventa e nove euros e trinta e oito euros e trinta e dois cêntimos) e será pago na sua totalidade através da entrega de nove frações autónomas, sendo quatro de tipologia T2, quatro de tipologia TI e uma loja destinada a comércio, correspondendo um parque de estacionamento a cada uma dessas frações e ainda uma arrecadação a cada uma das frações habitacionais, frações e parques que vão assinalados a cor azul na planta anexa.’’ - Facto Assente 3.

f) ficou provado que as partes acordaram que o pagamento do preço seria feito em espécie, através de uma operação de permuta de bem presente por bens futuros, por alegadas dificuldades financeiras da I…………… em pagar o preço em dinheiro naquele momento, sob pena do negócio ficar inviabilizado;

g) se comprovou que, no dia 6 de Setembro de 2002, a ora Recorrente e seu falecido marido viriam a alienar o referido prédio, terreno para construção, localizado no Sítio das……………….. (o qual com a execução da Via Distribuidora da Madalena seria dividido fisicamente em dois prédios: o artigo ………. - “Edifício V………. …………. /” e o artigo …….. 11 Edifício V………. ……………. //”), à sociedade I…………. pelo preço prometido de €399.038,32 (Doc. 5 da pi) - Facto Assente 5;

h) se demonstrou que, embora na escritura de compra e venda do referido imóvel, haja sido mencionado que o preço já tinha sido recebido em 2002, tal não se compadece com a realidade;

i) ficou provado que, no momento da alienação daquele imóvel à I…………….., a Recorrente não recebeu um único “tostão” que fosse, muito menos qualquer bem em contrapartida, dado que as frações prometidas ainda nem sequer estavam construídas;

j) ficou demonstrado que, mesmo sem ter recebido qualquer contrapartida pela referida venda, a Recorrente foi tributada e pagou mais valias no montante total de € 75.366,36 pela venda dos referidos imóveis (vide Doc. 7 da pi);

k) em face de toda a prova produzida nos autos e em julgamento, o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os factos 18, 19, 21, 22 e 23 da matéria dada como não provada;

l) se demonstrou que a Recorrente e falecido marido, em 2002, tinham 68 anos e 72 anos respetivamente, eram pessoas iletradas e que nunca exerceram qualquer atividade de compra e venda, construção civil, imobiliária ou relacionada (a Recorrente sempre foi doméstica e o marido sucateiro, como decorre da própria sentença recorrida - pág. 15);

m) se demonstrou que a Recorrente e falecido marido limitaram-se a assinar os contratos e documentos que lhes eram apresentados pela empresa I……………… que configurou todo o negócio;

n) se comprovou que as frações …… M e ………. G foram precisamente duas das nove frações prometidas e entregues pela I…………… à Recorrente, em permuta e como pagamento do imóvel alienado em 2002 (conforme decorre da escritura de propriedade horizontal junta como Doc. 6 da pi);

o) se provou que essas frações foram escrituradas a favor da Recorrente, pelo valor patrimonial inscrito na matriz, sem qualquer contrapartida financeira a favor da I…………….., dado as mesmas constituírem contrapartida parcial da venda realizada em 2002 (vide Docs. 8 e 9 da pi);

p) não era nem é possível outorgar uma escritura de permuta de um bem presente por bens futuros, sendo apenas possível a permuta entre bens presentes, daí a configuração do negócio feita pela sociedade I……………….;

q) se demonstrou que, como não era possível à Recorrente ser ressarcida diretamente em dinheiro pela venda do imóvel realizada em 2002, a alienação das duas frações recebidas em 2006 era a única forma da Recorrente converter os bens recebidos em dinheiro;

r) se comprovou que as duas frações foram vendidas praticamente de imediato e no mesmíssimo estado em que foram recebidas (Docs. 10 e 11 da PI;

s) ficou provado que a venda das restantes 6 frações entregues pela I…………. à Recorrente para pagamento da venda do imóvel realizada em 2002, foram todas elas tributadas em sede de mais valia e não como rendimentos comerciais, da Categoria B, facto esse jamais negado pela Administração Fiscal;

t) não se pode admitir que a venda das frações G e M, aqui em causa, incluídas no mesmíssimo negócio das restantes, sejam sujeitas a tratamento e enquadramento fiscal diferenciado;

u) não se pode admitir que a Administração Fiscal adote determinada interpretação e entendimento quanto aos restantes imóveis recebidos como contrapartida da venda realizada em 2002, e posteriormente vendidos, e relativamente a estas duas frações adote entendimento diverso, o que configura uma situação de Abuso do Direito na sua vertente de venire contra factum proprium;

v) a Fazenda Pública não nega nem contesta, mesmo após a inspeção realizada à escrita da Recorrente e falecido marido, que os mesmos apenas receberam 8 das 9 frações prometidas pela venda realizada em 2002;

w) a Fazenda Pública não nega nem contesta que a Recorrente e falecido marido, foram recebendo as frações por parte da I………….., sempre sem efetuarem qualquer pagamento pela transmissão das mesmas, ao longo de vários anos, entre 2004 e 2009, tendo, a última fração (7966 - L) entregue sido escriturada a favor da Recorrente apenas em 3 de Abril de 2009 (doc. 12);

x) subsistindo dúvidas sobre a veracidade dos factos alegados pela Recorrente e sobre os termos e condições efetivas do negócio, a Administração Fiscal deveria, no uso dos seus poderes de investigação e inspeção, solicitado quer à Recorrente quer à sociedade I……………. os documentos de suporte dos pagamentos e recebimentos realizados, nomeadamente, cópia das transferências bancárias, extratos bancários, cheques, o que não fez;

y) a Administração Fiscal não contesta nem nega, porque não desconhece, que a empresa I………………… se encontrava em dificuldades económicas e que nunca entregou a última fração à Recorrente porque foi decretada a sua insolvência, a requerimento da própria instituição bancária financiadora da construção dos empreendimentos (Doc. 13 da pi);

z) a venda das frações G e M visou única e exclusivamente o ressarcimento parcial da venda efetuada em 2002 (já tributada);

aa) os alegados ganhos obtidos (inexistentes vistos na globalidade do negócio) mais não constituem do que rendimentos de mais valias, integrados na Categoria G, por total ausência e intenção lucrativa no referido negócio e por jamais terem sido exercidos quaisquer atos de comércio ou promovidos quaisquer atos de valorização sobre os imóveis em causa por parte da Recorrente e falecido marido, a par do que sucedeu relativamente às restantes 6 frações envolvidas no mesmo negócio;

bb) a se fazer uma interpretação ampla da alínea a) do n.° 1 do artigo 4.° do CIRS, sem atender aos circunstancialismos e condições específicas do caso concreto, sempre que um particular adquirisse um imóvel e não o afetasse à sua habitação própria e permanente ou o arrendasse e, posteriormente, o vendesse, fossem quais fossem as circunstâncias envolventes, seria considerado como comerciante, o que não pode colher;

cc) a alínea a) do n.° 1 do artigo 4.° do CIRS deverá ser sempre enquadrada dentro das regras do bom senso, da experiência, do saber empírico e dos princípios gerais do Direito, o que não sucedeu neste caso;

dd) a tributação, em sede de Categoria B, de uma doméstica, septuagenária, iletrada, que nunca foi empresária, comerciante ou praticou qualquer ato de comércio ou similar, coloca em causa os princípios que norteiam o ordenamento jurídico fiscal e o próprio Estado de Direito Democrático;

ee) os imóveis vendidos em 2006 não foram adquiridos numa compra e venda normal, com o fito de serem revendidos e de se realizar lucro;

ff) a decisão ora recorrida não traduz a realidade dos factos, não contribui para a justiça material, limitando-se a aplicar literalmente a lei, olhando para a compra e venda isolada dos dois imóveis e sua posterior revenda, como se de uma compra para revenda normal praticada por um comerciante se tratasse, quando na realidade nada disso se tratou;

gg) a Lei é feita para o Homem e não o Homem para a lei;

hh) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender da Recorrente, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à procedência da impugnação judicial por erróneo enquadramento dos rendimentos em questão.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a douta sentença recorrida ser revogada, com todas as consequências legais, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!»

Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu mui douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, as questões a resolver reconduzem-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto, devendo ser dados como provados os factos julgados «não provados» face à prova produzida, e em erro de direito ao validar o entendimento da Administração tributária de que os ganhos obtidos pela impugnante com a venda, em 2006, dos prédios urbanos correspondentes aos artigos matriciais …….º e …………..º, ambos da freguesia de ……………….., correspondem a rendimentos provenientes da actividade comercial e não a incrementos patrimoniais de natureza ocasional ou fortuita.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual: «

1. No dia 03/12/1999, a Impugnante e seu falecido marido outorgaram contrato promessa de compra e venda com a C........ - Cooperativa ……………………. - Madeira, C. R. L., com vista à alienação do prédio urbano, terreno para construção, localizado no Sítio da …………., freguesia de ………….., concelho do Funchal, com a área de 35376 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.° …………., pelo preço total de €399.038,32. (conforme documento n.° 4, junto com a p.i., e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

2. Contrato-promessa esse que, em 26/03/2002, foi objeto de cessão da posição contratual: a posição de promitente compradora da C........ - Cooperativa ……………….. - Madeira, C. R. L., foi cedida a favor da I…………. - ……………… Madeira, Lda. (conforme documento n° 4 junto com a p.i. e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

3. No mesmo contrato e em resultado da referida cessão da posição contratual, foi alterada a redação do clausulado do contrato promessa em conformidade, passando do mesmo a constar (vide cláusula quinta do Doc. 4) o seguinte:
“I - Os primeiros outorgantes José …………. e mulher prometem vender à representada do terceiro outorgante I……………, livre de quaisquer ónus e encargos, o prédio misto, ao Sítio da ……………., freguesia de ………….., concelho do Funchal, com a área aproximada de 3.206 m2, inscrito na matriz rústica sob a parte do art. ……, da Secção AR e a parte urbana sob os art°s …..e ………, descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.° …………, a fls 9 v.° do L° B-14”
(…)
“II - O preço de compra e venda ora prometida é de € 399.038,32 (trezentos e noventa e nove euros e trinta e oito euros e trinta e dois cêntimos) e será pago na sua totalidade através da entrega de nove frações autónomas, sendo quatro de tipologia T2, quatro de tipologia T1 e uma loja destinada a comércio, correspondendo um parque de estacionamento a cada uma dessas frações e ainda uma arrecadação a cada uma das frações habitacionais, frações e parques que vão assinalados a cor azul na planta anexa.

4. Em 06/09/2002, por escritura pública outorgada no Terceiro Cartório Notarial do Funchal, a ora Impugnante e seu falecido marido alienaram o referido prédio, terreno para construção, localizado no Sítio das ………….. (o qual com a execução da Via Distribuidora da Madalena seria dividido fisicamente em dois prédios: o artigo 7966 - “Edifício Villas ……………I” e o artigo 7919 “Edifício Villas …………. II”), à sociedade I………….- Investimentos ……………., Lda. pelo preço prometido de € 399.038,32, constando da escritura designadamente o seguinte: (...)

« Texto no original»

(...)
(conforme documento n.° 5 junto com a p.i. e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais).

5. No terreno para construção a que se alude no número anterior, foram construídas nove frações autónomas, às quais foram atribuídas as seguintes letras, com a constituição da propriedade horizontal: C, F, J, L, M, U, D, G e H (conforme documento n.° 6 e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais).

6. A Impugnante e marido foram tributados em sede de mais-valias, que originou liquidação adicional de IRS, do ano de 2002, no montante total de € 75.366,36, a qual foi paga pelos mesmos (conforme documento n.° 7 junto com a p.i. e se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais).

7. Em 12/06/2006, foi celebrado “contrato de compra e venda” da fração …… G, em que figura como vendedora a sociedade “I…………… - Investimentos ……………., S.A.” e como comprador o marido da Impugnante José …………, da qual consta que tal fração é vendida “mediante o preço já recebido de oitenta e cinco mil e duzentos euros”. (conforme cópia das escrituras - documentos n.° 9, juntos com a p.i. e se dão por reproduzidas para os devidos efeitos legais).

8. A Impugnante e respetivo marido procederam, em 12/06/2006, à venda da fração ………… G a favor do Senhor Manuel …………….., pelo preço de oitenta e cinco mil e duzentos euros (conforme documento n.° 10 junto com a p.i. e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais).

9. Em 25/06/2006 foi celebrado “contrato de compra e venda” da fração 7966 M, em que figura como vendedora a sociedade “I……….. - Investimentos I…………………., S.A.” e como comprador o marido da Impugnante José …………….., da qual consta que tal fração é vendida “mediante o preço já recebido de setenta e cinco mil seiscentos e sessenta euros” (conforme cópia das escrituras - documentos n.° 8 e 9, juntos com a p.i. e se dão por reproduzidas para os devidos efeitos legais).

10. Em 11/07/2006, a Impugnante e respetivo marido procederam à venda da fração ……….. M, a favor da Senhora Maria ……………., pelo preço de cento e trinta e dois mil e quinhentos euros (conforme documento n.° 11 junto com a p.i. e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais).

MAIS SE PROVOU:

11. O sujeito passivo José ……………. adquiriu os seguintes prédios:
• Em 8/03/2005, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de €150.000,00 o prédio urbano identificado pelo artigo ……….°- fração AJ (cfr. doc. n.° 3 junto com a contestação, facto não contestado).
• Em 26/10/2005, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de €60.000,00, dois prédios urbanos identificados pelos artigos provisórios P5 …….. - fração IG e P …………- fração IF (cfr. doc. n.° 4 junto com a contestação, facto não contestado).
• Em 25/05/2006, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de €75660,00 o prédio urbano identificado pelo artigo ……….°- fração M (cfr. doc. n.° 5 junto com a contestação, facto não contestado).
• Em 12/06/2006, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de € 85200,00 o prédio urbano identificado pelo artigo ………….°- fração G (cfr. doc. n.° 6 junto com a contestação, facto não contestado).

12. O sujeito passivo Maria ………………… alienou os seguintes prédios:
• Em 12/12/2007, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de €115.000,00, o prédio urbano identificado pelo artigo ………….°- fração AM (cfr. doc. n.° 7 junto com a contestação, facto não contestado).
• Em 23/06/2009, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de €82.000,00, o prédio urbano identificado pelo artigo ………….°- fração U (cfr. doc. n.° 8 junto com a contestação, facto não contestado ).
• Em 17/07/2009, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de €90.000,00, o prédio urbano identificado pelo artigo ……….°- fração L (cfr. doc. n.° 9 junto com a contestação, facto não contestado).

13. O sujeito passivo Maria ………………… adquiriu os seguintes prédios:
• Em 30/08/2007, através de expropriação, pelo valor de € 93220,000,00, o prédio urbano identificado pelo artigo ……….°- fração OM (cfr. doc. n° 10 junto com a contestação, facto não contestado).
• Em 11/11/2008, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de € 55177,00, o prédio urbano identificado pelo artigo …………..°- fração U (cfr. doc. n.° 11 junto com a contestação; facto não contestado).
• Em 03/04/2009, através de escritura pública de compra e venda, pelo valor de € 55177,10, o prédio urbano identificado pelo artigo …………°- fração L (cfr. doc. n.° 12 junto com a contestação e também do. 12 junto com a petição inicial).

14. Desde 03/10/2003 que o domicílio fiscal da Impugnante é na Rua Nova ……………….., n.° 45, Funchal (cfr. doc. n.° 13 junto com a contestação).

PROVOU-SE AINDA:

15. No ano fiscal de 2010, a Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva, com extensão ao exercício de 2006, no âmbito de IRS, uma vez que, em resultado de consulta efetuada aos elementos fornecidos pelo Cartório Notarial Rosa ……………….., apurou-se que, no ano de 2006, o sujeito passivo alienou imóveis, com um rendimento total de € 217.700,00.

16. Em resultado da referida ação de inspeção, foi elaborado relatório, do qual consta, designadamente:

«Texto no original»
(…)
«Texto no original»

17. Em resultado da inspeção foi emitida a liquidação adicional de IRS n.° ……………475, no valor de € 18 358,83 e respetivos juros compensatórios n.° ……………928, no valor de € 1883,50 (cfr. doc. 1 junto com a p.i).

FACTOS NÃO PROVADOS:

18. Entre a Impugnante e a Imotelmade -Investimentos Imobiliários da Madeira, Lda., foi acordado que o pagamento do prédio urbano seria feito em espécie, através de uma operação de permuta de bem presente por bens futuros, em virtude de dificuldades financeiras por parte da I………….. - Investimentos ……………, Lda., em pagar o referido valor em dinheiro naquele momento.

19. O pagamento do preço seria concretizado em espécie, mediante a promessa de entrega à Impugnante e seu marido, de nove frações autónomas que viriam a ser construídas sobre o prédio alienado.

20. Por lapso imputável ao Terceiro Cartório Notarial do Funchal, foi mencionado erroneamente na escritura de compra e venda realizada em 06/09/2012, que o preço de € 399.038,32 havia já sido recebido em 2002.

21. Em consequência da referida alienação, os Impugnantes não receberam qualquer quantia monetária.

22. As frações ……….. M e ………. G ora em análise, seriam precisamente duas das frações entregues pela I………… à Impugnante e respetivo marido, em permuta e como pagamento em espécie (valor de realização), do imóvel alienado em 2002.

23. As referidas frações foram escrituradas a favor da Impugnante e respetivo marido, sem qualquer contrapartida financeira.

*
Alicerçou-se a convicção do tribunal, na consideração dos factos provados, no teor dos documentos ínsitos nos presentes autos, bem como dos constantes do processo administrativo apenso aos mesmos e face à admissão por acordo das partes.
Relativamente à prova testemunhal produzida nos presentes autos, prestaram depoimento a filha da Impugnante, Fátima …………..e a nora da Impugnante, Isabel ……………..
Quanto a esta última, referiu que não tem conhecimento direto dos factos, mas apenas do que lhe foi contado, não relevando o seu depoimento para este Tribunal.
Também o depoimento da filha da Impugnante, na parte em que contraria os documentos juntos aos autos, designadamente escrituras públicas de compra e venda, não é de molde a fazer prova no alegado na petição inicial, sem mais.
Seria necessário outros elementos de prova. Seria necessário, além do mais, de forma a dar credibilidade às testemunhas arroladas, que têm ligações familiares próximas com a Impugnante, fazer intervir nos autos outras pessoas capazes de atestar a veracidade das declarações prestadas e dos factos alegados.
A prova produzida pela Impugnante revela-se assim manifestamente insuficiente para obter o convencimento deste Tribunal quanto aos concretos termos dos negócios realizados com a sociedade I………….
O inspetor Tributário António ……………… referiu que foi efetuada a inspeção porquanto a Impugnante, na sua declaração modelo 3 de IRS do ano de 2006, no anexo G, não declarou a alienação das frações ………. M e ………..G.
Os serviços constataram ainda que no intervalo de 2005 a 2009, a Impugnante e o seu falecido marido adquiriram e alienaram diversos prédios. Foram anos sucessivos a comprar e a vender imóveis.».

B.DE DIREITO

Como se apreende do probatório e dos autos, em especial do relatório de inspecção tributária transcrito no ponto 16 da matéria assente, a impugnante, ora recorrente, omitiu à declaração de rendimentos, do ano de 2006, o rendimento obtido com a venda de duas fracções autónomas correspondentes aos artigos matriciais ………..º- G e ………….º - M, ambos da freguesia de ……….., pelo preço de € 217.700,00 e que a AT corrigiu como rendimentos da categoria B do IRS, provenientes de actividade empresarial.

Alega a recorrente que as duas fracções alienadas, entre outras, lhe foram entregues em 2006 pela sociedade “I……………– Investimentos ……………………, Lda.” como contrapartida, em espécie, do preço de venda do “terreno para construção” de que ela, impugnante, e o seu falecido marido, eram proprietários e onde viriam a ser edificadas as sobreditas fracções autónomas, devendo a entrega ser imputada ao preço de venda do terreno, acordado com aquela empresa em 2002, de € 399.038,32.

E, como tal, entende a recorrente que a venda daquelas duas fracções autónomas, que lhe foram entregues pela empresa construtora em 2006 como contrapartida (parcial) do preço da venda em 2002 do terreno para construção de que ela e seu falecido marido eram proprietários, não corresponde a qualquer operação de compra e posterior venda compreendida no exercício de uma actividade empresarial, não sendo o rendimento obtido enquadrável na categoria B, mas antes na categoria G (mais-valias), do IRS, enfermando as correcções efectuadas de erro nos pressupostos e a sentença que as validou de manifesto erro de julgamento.

Não acompanhamos a recorrente, porquanto, os alicerces factuais em que funda a sua posição nos autos foram dados como «não provados» na sentença recorrida.

E a verdade é que, alegando embora que os factos «não provados» deveriam ser dados como provados, a recorrente não impugnou eficazmente a decisão relativa à matéria de facto, isto é, com observância do ónus imposto ao recorrente no art.º 640.º, n.º 1 do CPC, nomeadamente, o de especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, o que conduz à rejeição do recurso na parte relativa à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

É, pois, com o probatório fixado na sentença que teremos de avançar na apreciação das demais questões do recurso, nomeadamente, indagar se se verifica o apontado erro na qualificação dos rendimentos pretensamente omitidos à declaração como rendimentos provenientes de uma actividade empresarial, tributados pela categoria B do IRS.

Dispunha então o n.º 1 do art.º 3.º do CIRS, sob a epígrafe “Rendimentos da categoria B” que “Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola silvícola ou pecuária;
b) (…)”.

De acordo com o n.º 1 do art.º 4.º do mesmo Código, “Consideram-se actividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:
a) Compra e venda;
b) (…)”.

Por outro lado, sob a epígrafe “Rendimentos da categoria G”, dispunha o n.º 1 do art.º 9.º do CIRS que “Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte;
b) (…)”.


O n.º 1 do seguinte art.º 10.º do CIRS, dispunha: “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
b) (…)”.



Desse enquadramento legal, que é o que importa trazer à colação em vista da fundamentação do acto correctivo, uma primeira conclusão interpretativa se pode extrair: os rendimentos provenientes de operações de compra e posterior venda de imóveis só serão considerados incrementos patrimoniais tributáveis em mais-valias se não forem considerados rendimentos empresariais, o que vale por dizer que a categoria G é, para este efeito, residual.

Assim vistas as coisas, mostram os autos factualmente que por escritura pública de 06/09/2002, a impugnante e seu falecido marido formalizaram a venda de um terreno para construção, de que eram os legítimos proprietários, à sociedade “I…………….” pelo preço de € 399.038,32, declarado já recebido; sobre o referido terreno para construção viriam a ser edificados os imóveis a que pertencem as duas fracções autónomas alienadas pela impugnante e seu falecido marido no ano de 2006 e cujo valor de realização foi omitido à declaração de rendimentos desse mesmo ano (cf. pontos 4, 7 a 10 do probatório); o sujeito passivo impugnante exerce a actividade de “Compra e Venda de Bens Imobiliários” desde 28/03/2005 (cf. ponto 16 do probatório); entre 2005 e 2010ª impugnante e/ou seu falecido marido compraram e posteriormente venderam diversos imóveis (cf. pontos 11 a 15 do probatório).

Ora, a factualidade descrita representa o exercício continuado de uma actividade económica de compra e venda de imóveis que não uma operação pontual e esporádica de compra e venda.



É certo que um sujeito passivo que exerça a actividade empresarial de compra e venda de bens imobiliários, também pode praticar operações da mesma natureza com relação a bens do seu património particular, designadamente, pode comprar e posteriormente vender a sua casa de morada de família e esta operação não está obviamente compreendida na sua actividade empresarial.

Mas não é essa a situação dos autos, desde logo, porque a alegação de que as duas fracções autónomas alienadas – cujo valor de realização foi pretensamente omitido à declaração de rendimentos de 2006 – teriam sido entregues como contrapartida, em espécie, do preço da venda, em 2002, de um terreno para construção de que a impugnante e seu falecido marido eram os proprietários, não se provou (cf. pontos 18 a 23 dos factos «não provados»).

Resta dizer que a circunstância de o rendimento proveniente da alienação de outras fracções autónomas de prédios edificados no terreno para construção que a impugnante e seu falecido marido haviam vendido em 2002 ter sido tributado pela Administração tributária como incremento patrimonial, não descaracteriza a natureza empresarial dos rendimentos provenientes das operações de venda em causa nos autos, pois como a maioria da doutrina e jurisprudência administrativa referem, não existe igualdade na ilegalidade, ou seja, a legalidade prevalece sobre a igualdade.

Concluindo, a sentença não incorreu nos apontados erros de julgamento, merecendo ser confirmada e negado provimento ao recurso.


IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente em ambas as instâncias.


Lisboa, 16 de Outubro de 2025

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Vital Lopes



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Isabel Silva



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Sara Loureiro