Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5192/11.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2019
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
CONHECIMENTO OFICIOSO;
TAXA DE REALIZAÇÃO DE INFRA-ESTRUTURAS URBANÍSTICAS.
Sumário:I.A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa por
conhecer alguma questão que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio (cfr. artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, e artigos 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC).
II.O facto de o tribunal de 1ª instância, não conhecer uma questão de conhecimento oficioso e não tendo as partes suscitado a mesma, apenas significa que aquele tribunal incorrerá em erro de julgamento, mas essa omissão não preenche a nulidade por omissão de pronúncia.
III.O que não invalida que este Tribunal de recurso não aprecie tal questão na configuração que agora lhe foi dada - erro de julgamento -, pois esse é o vício das decisões judiciais que não apreciam questões cujo conhecimento lhes é imposto por dever de oficioso.
IV.Os regulamentos municipais que tenham por objecto a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de operações de loteamento e de obras de urbanização, com excepção dos previstos no Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, são obrigatoriamente submetidos a inquérito público, pelo prazo de 30 dias, antes da sua aprovação pelos órgãos municipais competentes, e são publicados no Diário da República ( cfr. artigo 68.º-A, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Novembro).
IV.A falta de publicidade exigida por lei para um acto de conteúdo genérico do poder local implica a sua ineficácia jurídica, que tem como consequência não poderem com base nele serem impostas obrigações aos particulares.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO
M.... – E....., S.A. e M…., SGPS, S.A. inconformadas, recorreram para este Tribunal Central Administrativo, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 5 de Setembro de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial contra o acto de liquidação da taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas (TRIU) efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa.

As Recorrentes terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) A sentença recorrida limitou-se a dar como provados alguns factos que são manifestamente insuficientes para apurar o que verdadeiramente levou à prática do acto de liquidação impugnado;

B) Através das vicissitudes do processo administrativo, pretendem as Recorrentes demonstrar que a liquidação da TRIU impugnada não teve outro objectivo senão a de obter, por esse meio, a receita que não foi possível arrecadar por outro;

C) Para tal necessário se torna considerar outros factos, que se encontram suficientemente provados nos autos, bem assim como explicitar melhor outros elencados já na sentença recorrida;

D) Assim, porque se revestem de interesse para a decisão da causa, como ficou demonstrado, deverão ser dados como provados e tomados em consideração os seguintes factos:
1.Em 19/01/1990, a sociedade A…., Lda adquiriu por dação em pagamento feita pela CML um lote de terreno com a área de 1070 m2, o qual havia sido desanexado de um outro, com a área de 8.280 m2 que a CML adquiriu, em 1956, por permuta com a Companhia das Águas de Lisboa, SARL.

2. Na mesma data, 19/01/1990, e por escritura celebrada no mesmo edifício dos Paços do Concelho, a sociedade A……, Lda vendeu o lote referido em 1. à M…. – S…., SA.

3.Em 29/12/1989, a Câmara Municipal de Lisboa requereu a inscrição na matriz do referido lote de
terreno para construção com a área de 1070 m2.

4.No pedido de inscrição na matriz de 29/12/1989 e na escritura de dação em pagamento de 19/01/1990, a Câmara Municipal de Lisboa identifica o lote de terreno de 1070 m2 como situado na Rua J…., confrontando: norte - Rua J…; sul - traseiras dos prédios da Rua de C….; nascente - CML e traseiras dos prédios da Rua de C…..; poente - CML

5.Em 19/11/1955, Z….. promoveu o registo da conclusão do prédio com os n°s 2…A, 2…B, 2…, 2…C e 2…D da Rua de C…., na descrição n°3… a fls 76 do Livro B-1…. da 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa.

6.Na mesma data, 19/11/1955, foi registada a desanexação do referido prédio, com a área aproximada de 378 m2 que passou a ficar descrito sob o n°5…..

7.Em 09/06/1994, o prédio que permaneceu descrito sob o n°3…. foi extractado para a ficha com o n°014…..da freguesia de Santa Isabel.

8.A ficha n°014…… da freguesia de Santa Isabel descreve um lote de terreno para construção com a área de 150 m2 que confronta: norte -Companhia das Águas; sul - Rua de C…; nascente –A….. (herdeiros); poente – M…...

9.Na mesma data, através da Ap. 31/0….., foi actualizada a descrição do lote de terreno de 150 m2, passando a confrontação a ser: Norte -CML; sul - logradouro do prédio da Rua de C….., 24; nascente - logradouro do prédio da Rua de C…., 20; poente - logradouro do prédio da Rua de C…., 34.

10.A existência de um lote de terreno autónomo nas traseiras do prédio, com o n°24 da Rua de C…., sem acesso à via pública, era do inteiro conhecimento dos serviços da Câmara Municipal de Lisboa, pelo menos, desde 1988.
11.Na escritura de dação em pagamento celebrada em 19/01/1990, bem como ao inscrever na matriz predial urbana o lote de terreno com a área de 1070 m2, a Câmara Municipal de Lisboa identificou de forma incorrecta o dito prédio, ao não referenciar a existência do lote de terreno encravado que com ele confinava.

12.Em 03/05/1990, foi dado conhecimento ao requerente Z….., proprietário do lote encravado, da conclusão do Proc. n°50……e do seu arquivamento pela Câmara Municipal de Lisboa.

13.A M…. – S….., SA requereu o licenciamento de obra a construir no lote de 1070 m2, o qual correu como Proc. n°33….., tendo a respectiva licença de construção sido emitida, em 1994, com o n°8…..

14.Iniciada a construção, o proprietário do lote encravado dirigiu-se ao dono da obra - M.... – S....., SA - invocando a necessidade de obter uma servidão de passagem que não estava contemplada no projecto aprovado pela CML.

15.Confrontada com o problema, e com o objectivo de o resolver da maneira mais simples e segura, a M.... – S....., SA optou por adquirir o lote encravado.

16.Em 30/06/1994, a M.... – S....., SA, pelo preço de 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), adquiriu o referido lote de terreno, o qual se encontrava descrito com as seguintes confrontações: norte - CML; sul - logradouro do prédio da Rua de C…, 24; nascente - logradouro do Prédio da Rua de c…., 20; poente - logradouro do prédio da Rua de c…., 34.

17.Em 30/04/1996, a M.... – S....., SA foi notificada, ao abrigo dos art.s 100° e 101° do CPA, para se pronunciar sobre o projecto de decisão de indeferimento do projecto de alterações com base na Informação n° 8… anexa.

18.A interessada pronunciou-se, em 15/05/1996, nos termos do documento junto aos autos a fls. 109 a 119 que se dá por reproduzido.

19.Em 24/09/1996, teve lugar uma reunião entre técnicos camarários e a representante da M.... – S....., SA em que foi a esta comunicado que a ampliação da construção em desacordo com o projecto inicialmente aprovado constituía contra-ordenação grave e que, na eventual instauração de um processo de contra-ordenação, o valor estimado para a coima seria de 34.934.400$00 (trinta e quatro milhões novecentos e trinta e quatro mil e quatrocentos escudos).

20.Em 09/09/1997, a M.... – S....., SA pagou a coima de 300.000$00 (trezentos mil escudos) que lhe foi aplicada no final do processo de contra-ordenação com o n°8…...

21.Em 06/03/1998, e com o objectivo de suprir o défice de 5 lugares de estacionamento que havia sido suscitado no Proc.5…., a M….- S…., SA, requereu a aprovação de um parqueamento provisório de viaturas, à superfície, em prédio sito na Rua C….., n°s 64 a 70.

22.Por despacho da Senhora Vereadora do Urbanismo de 16/11/1998, o referido parqueamento provisório de viaturas foi aprovado.

E) A CML alienou o lote municipal, objecto da dação em pagamento, omitindo a existência de um lote encravado com aquele confinante, ou seja, efectuando uma errada identificação do lote municipal, quer na Repartição das Finanças, ao inscrever o prédio na matriz, quer na Conservatória do Registo Predial, ao proceder ao seu registo, quer aquando da celebração, em 19/01/1990, da escritura de dação em pagamento, induzindo o adquirente em erro sobre o objecto do negócio;

F) Ao fazê-lo, a CML tinha perfeito conhecimento que, omitindo a correcta identificação do lote municipal, estava a endossar o problema ao adquirente que iria ser confrontado com as exigências do proprietário do lote encravado, o qual já havia procurado exercer os seus direitos junto da CML;

G) A CML violou, assim, os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da colaboração com o particular ao omitir dados, ao identificar incorrectamente um lote municipal que pretendia alienar e ao recusar-se a resolver um problema, que os próprios serviços camarários haviam detectado e para o qual propuseram a solução adequada, endossando-o ao particular que, de boa-fé, celebrou um negócio com a CML;

H) Na verdade, para poder continuar a desenvolver o projecto que se encontrava já em construção no lote municipal, a Recorrente foi obrigada a adquirir o lote encravado e a apresentar um projecto de alterações (Proc. n°5…..) ao primeiro já aprovado (Proc. 3….), que contemplasse a área de 150 m2 adquirida;

l) A CML, que sabia da existência desse lote encravado e que descurou a solução do problema urbanístico, esperou que o particular (ora Recorrente) o resolvesse, adquirindo o terreno e pagando o respectivo preço, para logo a seguir procurar tirar benefício da situação a que havia dado origem;

J) Na reunião de 24/09/1996, a CML comunicou que poderia ser instaurado um processo de contra-ordenação - o qual, aliás, já se encontrava a correr - e que o valor estimado da coima era de 34.934.400$00, por aplicação de uma fórmula equivalente à fórmula vigente para a fixação da TRIU;

K) Ficou demonstrado nos autos que a CML apenas pretendia arrecadar receitas e que não estava preocupada com o modo como o conseguia ou o título que invocava para as obter - a título de coima, ou de TRIU, ou de penalização, qualquer que esta fosse;

L) Com tal actuação, a CML violou os princípios fundamentais da igualdade da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, consagrados no art.266°, n°2 da CRP e melhor explicitados no Código do Procedimento Administrativo;

M) Princípios esses que se encontram igualmente consagrados na Lei Geral Tributária (art.55°) e no Código de Processo e Procedimento Tributário (art.46°);

N) A prática de acto administrativo, neste caso traduzido na liquidação da TRIU, em violação flagrante de princípios fundamentais, como ficou descrito, constitui violação de lei e acarreta a sua anulabilidade, conforme disposto no art.135° do CPA;

O) Como ficou demonstrado, a situação que originou o procedimento que terminou com a aprovação do projecto de licenciamento e liquidação da TRIU foi provocada pela própria CML;

P) Em seguida, a mesma CML procurou retirar benefícios da situação a que havia dado azo, invocando um processo contra-ordenacional e "ameaçando" com uma coima elevada como forma de ultrapassar o "ilícito", caso a coima fosse paga voluntariamente pela M.... – S....., SA.;

Q) Por último, e como efectivamente tal coima veio a ser fixada em montante irrisório pela Polícia Municipal, os serviços camarários liquidaram a TRIU em montante equivalente ao do montante previsto da coima, tendo acabado, finalmente, por decidir reduzi-la para metade.

R) Esta sucessão de factos evidencia manifesto abuso de direito e configura o vício de desvio de poder, o que acarreta necessariamente a anulação do acto praticado;

S) Incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento ao considerar válido o acto de liquidação da TRIU apesar de o mesmo se apresentar inquinado pelos referidos vícios;

T) Entende a sentença recorrida que, no caso dos autos, se está perante uma verdadeira taxa que visa fazer face a adicionais e futuros encargos com infra-estruturas urbanísticas municipais;

U) Ora, não basta o nomen juris de Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas (TRIU) para que se possa atribuir essa natureza à liquidação efectuada pela CML do montante a pagar pela Recorrente;

V) Por um lado, o processo de formação da vontade da CML demonstra à saciedade que a TRIU só foi liquidada porque não se encontrou outra forma de conseguir arrecadar aquela receita;

W) Por outro, não existe qualquer correspectividade entre a taxa aplicada e eventuais encargos com infra-estruturas urbanísticas;

X) E não se diga, como o tribunal a quo, que competia às Recorrentes demonstrar que "as alterações urbanístico-arquitectónicas em causa não acarretam encargos adicionais para a CML " já que tal demonstração é, por natureza, impossível de efectuar, tendo em consideração a própria natureza desses encargos adicionais, futuros, imprevisíveis e não quantificáveis;

Y) Por um lado, é evidente que a CML quis "penalizar" a Recorrente por ter levado a cabo uma determinada obra;

Z) Por outro, não existe qualquer correspectividade quando uma das prestações pode ser arbitrariamente reduzida para metade já que, por certo, também não ficou reduzido para metade o futuro custo com as infra-estruturas urbanísticas;

AA) A quantia que a Recorrente foi obrigada a entregar nos cofres da CML constituiu uma sanção administrativa, uma "penalização", ou qualquer outro tipo de imposição arbitrária e ilegal, mas não pode considerar-se uma taxa, com o conteúdo e finalidades que a doutrina e a jurisprudência lhe têm vindo a atribuir;

BB) Incorreu, pois, a sentença recorrida em erro de julgamento, sobre a matéria de facto e de direito, quando considerou que estava em causa a liquidação de uma Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas;

CC) O Edital n°1…./95, que publicitou em Boletim Municipal as alterações introduzidas pela Assembleia Municipal ao Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas não foi publicado na II Série do Diário da República, como determinado no n°3 do art.68°-A do DL 445/91, de 20 de Novembro, introduzido pelo DL 250/94, de 15 de Outubro, e tais alterações não foram objecto de prévia discussão pública;

DD) Por esse motivo tal regulamento deverá ter-se por inexistente;

EE) E o presente acto de liquidação da TRIU, praticado ao abrigo de um regulamento inexistente, está ferido de nulidade, sendo esta de conhecimento oficioso;

FF) A sentença recorrida não se pronunciou sobre tal matéria o que constitui manifesta omissão de pronúncia e acarreta a sua nulidade de acordo com o disposto na al. d) do nº1 do art.668° do CPC, aplicável por força do art.2°, al. e) do CPPT;

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência, ser anulada a liquidação da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas, como é de inteira JUSTIÇA!».


***
A Recorrida (Câmara Municipal de Lisboa) veio apresentar contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

«A. A Impugnação Judicial a que se refere o presente Recurso incide sobre a liquidação da taxa pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (TRIU) praticado pelo Senhor Vereador com o pelouro da gestão financeira da Câmara Municipal de Lisboa (...), na sequência do deferimento do processo camarário n°5….;

B. A douta Decisão recorrida limitou-se a considerar provados os factos que, nos autos, detinham interesse para a questão nos mesmos discutidos: a apreciação da legalidade da liquidação da TRIU, atendendo àquele que pode constituir o objecto de acções como a aqui em causa e as questões que determinou consubstanciar o mesmo;

C. Limitou-se, a douta decisão recorrida, a seleccionar, dos autos, os factos provados que detinham interesse para o julgamento das questões em juízo, em obediência ao disposto no art.123°, do CPPT e não se debruçando sobre questões que em nada influenciam a apreciação daquelas, desde logo porque são referentes a actos que não respeitam ao procedimento de liquidação da taxa, nem sequer, alguns deles, às aqui Recorrentes;

D. Incumbe sobre o juiz o dever de seleccionar, de entre os factos levados a juízo pelas partes e por referência à prova produzida no processo, os factos provados que importam para a apreciação das questões a decidir;

E. O processo de impugnação judicial destinava-se, no CPT, em vigor ao tempo de dedução da Impugnação a que respeita o presente, à apreciação de qualquer ilegalidade de actos tributários ou de actos administrativos em matéria tributária (como acontece, ainda, no CPPT);

F. Sendo objecto do processo de impugnação judicial o acto de liquidação consubstanciado na TRIU liquidada no âmbito do processo nº 5….., só pode ter por fundamento qualquer ilegalidade daquele acto, e não dos actos administrativos que o antecederam, praticados quer no processo de licenciamento, quer aquando da dação de lote de terreno.

G. Os vícios invocados pelas Recorrentes, assentes nos factos que aqui pretendem ver provados, não são apreciáveis na presente forma processual, respeitando a actos que antecederam, e são independentes, do procedimento de liquidação, aqui apreciável, referindo-se, não ao acto de liquidação que constitui objecto da impugnação, mas à decisão que incidiu sobre a proposta de aquisição do terreno identificado em 2. do probatório, acto que, na realidade, acaba por ser o visado pelas suas Alegações, mas que não constitui, nem pode constituir, objecto destes autos;

H. Ainda que assim não acontecesse e tais decisões fossem sindicáveis ou, sequer, apreciáveis, nos presentes autos, muitos dos factos que as Recorrentes pretendem ver provados são meramente conclusivos e valorativos, constituindo uma mera interpretação (pessoal) do conteúdo dos processos administrativos juntos aos autos, dos quais constam, de igual modo, pareceres e despachos que contrariam por completo a tese que aquelas advogam;

I. Analisando ponto por ponto os factos que as Recorrentes pretendem ver aditados, e confrontando-os com a prova produzida nos autos, conclui-se:
1. Os pontos 3. a 12. não se referem, directa ou indirectamente, ao objecto dos presentes autos, não sendo apreciáveis da presente acção, por respeitarem, por um lado a inscrições e descrições prediais que não estão (nem poderiam estar) em causa nos mesmos e, por outro, a entidades diferentes das Recorrentes (v.g., A….. e Z……) que, a pretenderem agir quanto aos mesmos, certamente tê-lo-iam feito, pelos meios próprios e em tempo;
2. O documento a que as Recorrentes se referem em 19, não faz prova dos factos que aquelas pretendem, sobretudo quando confrontado com o teor do depoimento das testemunhas J….. (signatário do documento) e I….., bem como com o despacho de fls. 2, v.° do proc.3….e com o facto de terem sido notificadas do seu teor (fls. 18 e 19 do proc.3…..), sem que tenham reagido, em tempo e pelo meio certo, pretendendo agora discutir vicissitudes dos procedimentos de licenciamento e de contra-ordenação, que não se encontram, directa ou indirectamente, em causa nos presentes autos;
3. Os pontos 21. e 22. apenas foram suscitados pelas Recorrentes na presente sede, encontrando-se subtraídos do objecto do mesmo, uma vez que os Recursos não se destinam à apreciação de novas questões ou fundamentos;
4. Analisada, no seu conjunto, a prova produzida, conclui-se, ao invés do pugnado pelas Recorrentes:
vii. A decisão de adquirir o lote não foi forçada pelo município, antes tendo correspondido a uma opção das Recorrentes, motivada por diferentes ordens de razões - cfr. fIs.134 e 135 do Proc. 5…..: optamos por adquirir esse lote (...) a aquisição deste lote de 150 m2, permitia resolver o problema do encravamento desta propriedade e permitia-nos também endireitar a fachada posterior do prédio, nos pisos inferiores, a qual sofria uma reentrância naquela zona;
viii. As Recorrentes, optaram pela aquisição do lote de terreno e pretenderam ampliar a construção de imóvel sem sujeitar a licenciamento a alteração ao licenciamento inicial que a mesma motivava, iniciando os trabalhos de ampliação e tendo o posterior licenciamento (após propostas de indeferimento, documentadas nos autos e referidas na douta sentença recorrida) e consequente liquidação da TRIU correspondido a uma solução de compromisso, após conversações entre os representantes daquelas e a CML - cfr. despachos proferidos a fls. 1, v.° e 2, v.° do proc. 3…..;
ix. As Recorrentes pretendem ter sido prejudicadas pelo município, sem que façam prova do prejuízo (que aqui, ademais, nuca estaria em causa) e escamoteando que este viabilizou a ampliação, após o início dos trabalhos, mesmo com propostas de indeferimento do projecto, por este desrespeitar os planos urbanísticos da zona e as regras urbanísticas em vigor e quando se encontrava em causa, ademais, a demolição da construção entretanto efectuada;
x. O que decorre da prova produzida nos autos, é que foi alcançada uma solução de compromisso, envolvendo todas as partes envolvidas, e que, não tendo reagido em tempo e pelos meios certos, pretendem as recorrentes fazer-se valer de situações que nada têm a ver com a liquidação impugnada e que não se encontram provadas;
xi. Não pode, sequer, considerar-se provado que a CML tenha, directa ou indirectamente, provocado a factualidade invocada pelas Recorrentes, uma vez que, também aquela foi confrontada com o destaque daquela parcela (cfr., cópias parciais do proc. 50…., juntas do proc. 34….);
xii. Insurgem-se, ainda, as Recorrentes, já em matéria de direito, contra a liquidação propriamente dita, afirmando que a CML, de modo arbitrário, teria reduzido o valor inicialmente liquidado a título de TRIU, quando as razões de tal redução resultam claras, tanto do próprio despacho que assim decidiu, proferido a fls. 189, do Proc. 50….., quanto das declarações da testemunha I….. - constava do Regulamento da TRIU um coeficiente de agravamento, quando se tratassem de obras clandestinas (sem licenciamento), cuja aplicação foi proposta pelo técnico que procedeu à liquidação, e que acabou por ser retirado, por despacho, por se considerar que se tratava de uma operação de ampliação, subjacente a processo já licenciado;

J. Ainda que as questões que as Recorrentes pretendem ver apreciadas nos presentes autos consubstanciassem fundamentos do processo de impugnação judicial, o que não acontece, as mesmas não resultam provadas nos presentes autos, nem do conteúdo dos processos de licenciamento, quando apreciados no seu todo, nem, sobretudo, do confronto dos mesmos com as declarações das testemunhas inquiridas;

K. Afinal, as Recorrentes nunca questionaram aqueles que constituem os pressupostos da liquidação impugnada: a existência de ampliação, correspondente área e usos a que se destina;

L. Ao longo do licenciamento, e destes autos, admitem as Recorrentes, expressamente, a existência de ampliação;

M. O cálculo da TRIU, informação e despachos sobre os mesmos incidentes, são os exarados a fls. 1….. (e v.°), do Proc. 53……e do Proc. E-19/….., ambos com despachos finais de concordância do Vereador do Pelouro das Finanças, de 10 de Maio de 1999;

N. Contra o procedimento de apuramento e cálculo da liquidação impugnada, não vêm as Recorrentes insurgir-se, apenas questionando a suposta arbitrariedade da redução do valor inicialmente calculado para a TRIU, sem que a razão lhes assista, como se demonstrou e resulta, de forma clara, dos anteditos despachos, e dos esclarecimentos da testemunha I…;

O. Defendem as recorrentes, em II - a) e c), bem como quanto as pontos 21 e 22, do peticionado aditamento à matéria de facto, matérias novas que não haviam, em tempo, suscitado nos presentes autos, razão pela qual as mesmas devem considerar-se subtraídas do presente Recurso;

P. Não deverão ser conhecidas tais alegações das Recorrentes, quer por não contraditarem a fundamentação da douta sentença recorrida, quer por respeitarem a matéria nova que aquela decisão não debateu, por não ter de o fazer;

Q. Quanto aos vícios que afirmam consubstanciar violação de princípios fundamentais/desvio de poder, para além de, como se deixou claro supra, os mesmos não se verificarem, nem serem apreciáveis na presente forma processual, vêm as Recorrentes argui-los, pela primeira vez, no presente Recurso;

R. Encontra-se assente, na jurisprudência dos Tribunais portugueses, a impossibilidade de suscitar a apreciação de novas questões, ou fundamentos, face aos apresentados, in casu, na Petição Inicial, em sede de recurso jurisdicional (cfr., entre outros, os doutos Acórdãos, do STA, de 19/11/2008, proferido no Proc. 576/08, do TCAS, de 13/01/2011 e 05/07/2011, proferido, nos Procs. 865/05 e 2629/08, respectivamente);

S. Não se verificam, como se viu, nem a alegada violação de princípios fundamentais, quer o invocado desvio de poder e os mesmos, a verificarem-se, importariam, não a nulidade, mas a mera anulabilidade da liquidação impugnada, considerando o disposto no art.133° do CPA, ex vi da al. d), do art.2°, do CPPT e a falta de cominação, na lei, de tal forma de invalidade, não sendo de conhecimento oficioso e encontrando-se, assim, excluídos do objecto do Recurso;

T. De igual modo acontece relativamente ao ponto II - c), das Alegações das Recorrentes, o qual, apesar do que as mesmas afirmam, não foi arguido em momento próprio;

U. Advogam as Recorrentes só terem tido oportunidade de se pronunciarem sobre o teor do Regulamento da TRIU após a junção do mesmo aos autos de Impugnação, pelos serviços da CML, mas na PI referem-se amiúde ao conteúdo de tal Regulamento, sem que tivessem invocado, ou sequer aflorado, os vícios que posteriormente lhe vieram assacar (vd. arts 63° a 67° ou 72°, da PI) e agora pretendem ver conhecidos, os quais se encontram assim, como já se referiu, subtraídos da apreciação desse douto Tribunal, devendo considerar-se não escritos;

V. A propósito da omissão de pronúncia, que pretendem afectar a douta decisão recorrida, a mesma, naturalmente, não se verifica. O douto Tribunal recorrido não conheceu de tal questão simplesmente porque a mesma não foi suscitada em momento próprio, não constituindo, pois, questão a analisar nos autos, de igual modo acontecendo neste Recurso;

W. Não obstante, e apesar de se pugnar pela subtracção de tais argumentos do objecto dos autos e do presente recurso, ainda assim se dirá que os mesmos não merecem acolhimento, devendo improceder;

X. O art.68.°-A do DL 445/91, de 20/11, aditado pelo DL 250/94, de 15/11 não é aplicável ao regulamento da TRIU, porque este não dispõe sobre a fixação de regras relativas a taxas de obras particulares, conceito que abrange as taxas devidas pela emissão de alvarás de licença e de utilização, não abarcando a taxa devida pela realização de infra-estruturas urbanísticas;

Y. Ainda que se aplicasse à TRIU, o art.68°-A do antedito DL sempre seria inconstitucional, uma vez que consta de Decreto-Lei aprovado pelo Governo no uso de autorização legislativa, concedida pela Assembleia de República (in casu, pela Lei de Autorização Legislativa n°17/94, de 23 de Maio) e ultrapassa o âmbito da autorização legislativa concedida, ao impor formalismo especial a regulamentos municipais, em matéria de taxas, não abrangida pela mencionada autorização, sem a qual se encontra ferida de inconstitucionalidade, a qual desde já se argui para todos os legais efeitos;

Z. O n°2 do aludido art.68°-A foi revogado, pelo art.2°, da Lei 22/96, de 26/07, o qual produziu os seus efeitos a 1 de Janeiro de 1996, não sendo aplicável, pois, à situação em apreço;

AA. No que concerne à alegada obrigatoriedade de publicação do Regulamento em DR, tal exigência de igual modo conflitua com o art.118°, do CPA, de igual modo redundando em inconstitucionalidade, nos já descritos termos, e que, de igual modo se argui. O Regulamento ao abrigo do qual foi efectuada a liquidação impugnada, sendo publicado em Boletim Municipal, respeitou todas as formalidades legalmente instituídas para o efeito;

BB. Relativamente à inexistência de uma qualquer taxa, invocada em ll-b) das Alegações das Recorrentes, que as mesmas pretendem fazer decorrer da alegada falta de sinalagmaticidade, improcede por completo;

CC. A TRIU reveste natureza de taxa, como tem sido amplamente considerado pela Jurisprudência dos nossos Tribunais superiores e, a liquidação em crise nestes autos não é excepção;

DD. Não foi feita nos autos qualquer prova de que a ampliação que as Recorrentes promoveram não provocou impacto que careça ou venha a carecer de intervenção por parte do município, ao nível da construção, remodelação ou reforço das infra-estruturas primárias e secundárias que servem o prédio, caindo assim, pela base, toda a sua argumentação;

EE. O Regulamento da TRIU em que a liquidação impugnada colheu os seus fundamentos, originariamente, foi elaborado e aprovado ao abrigo, da al. a), do art.11°, da Lei n°1/87 (Lei das Finanças Locais que antecedeu a anteriormente referida, por esta revogada), de 6 de Janeiro - lei de base habilitante - e da al. l), do n°2, do art.39°, do Decreto-Lei n°100/84, de 29 de Março - competência subjectiva -, tendo a liquidação ora sindicada sido efectuada ao abrigo do sobredito Regulamento, na redacção publicada pelo Edital 122/95, de 5 de Dezembro, cuja cópia integra os autos;

FF. A Lei n°169/99, de 18 de Setembro, estabelece, na al. e), do n°2, do art.53°, que compete à Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara, estabelecer, nos termos da lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos;

GG. Em paralelo, a Lei das Finanças Locais - ao tempo da liquidação impugnada, a Lei 42/98, de 06/08, na al. a), do art.19°, habilitava os municípios a cobrar taxas pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas.

HH. A TRIU constitui a contrapartida devida ao município pelas utilidades prestadas aos particulares pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias cuja realização, remodelação ou reforço seja consequência de operações de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou de alterações na forma de utilização destes, incidindo a taxa sobre a construção, alteração ou reconstrução de edifícios (que implique aumento de área bruta), ampliação ou alteração de edifícios ou fracções existentes, desde que determinem ou venham a determinar, directa ou indirectamente, a prestação, pelo município, de obras de construção, reconstrução, ampliação ou alteração de infra-estruturas urbanísticas primárias ou secundárias ou encargos de planeamento e ordenamento urbanístico;

II. O cálculo da TRIU foi efectuado nos termos do art.4° do RTRIU, que determina a fórmula a utilizar para o efeito, bem como os coeficientes integrantes da mesma, sendo o valor unitário (VU) o anualmente determinado pela Assembleia Municipal, integrando a Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (TTORM), do ano correspondente, in casu, a de 1999;

JJ. Não assiste razão às Recorrentes quando afirmam ter demonstrado que à exigência e pagamento da TRIU não correspondeu qualquer utilidade individualizada prestada pelo Município, não resultando dos autos qualquer prova nesse sentido;

KK. Directa ou indirectamente, a ampliação do edifício em causa terá, forçosamente, que ser equacionada pelo município, sempre que este considerar as infra-estruturas necessárias para a zona em que o mesmo se insere, e tal facto não poderá ser negado pelas Recorrentes;

LL. A TRIU é devida como contrapartida do impacto que a realização das operações urbanísticas provoca no esforço de infra-estruturação geral suportada pelo Município, esforço esse aferido em função das características do projecto licenciado;

MM. A propósito da constitucionalidade da TRIU, e concretamente do Regulamento aqui em causa (Edital 122/95) já se pronunciou amiúde a jurisprudência dos Tribunais Superiores e o próprio Tribunal Constitucional, nomeadamente no douto Acórdão n°258/2008, proferido no Proc. n°958/07;

NN. Relativamente à alegada arbitrariedade na fixação da TRIU, da CML, que as Recorrentes pretendem identificar com o facto de não ter sido aplicado o coeficiente de agravamento da taxa, tal questão foi esclarecida nos autos, como decorre tanto da observação dos documentos integrantes do processo administrativo, quanto do depoimento das testemunhas inquiridas, para os quais se remete;

OO. Em suma, não existiu qualquer arbitrariedade, mas uma mera concretização da liquidação, considerando o caso concreto e as normas do RTRIU que disciplinavam a liquidação;

PP. Improcedem, assim, na sua totalidade, os argumentos invocados pela Impugnante como base do presente Recurso.

Nestes termos e nos demais de Direito se conclui, invocando o douto suprimento de V.Exas, pela manutenção da douta sentença recorrida, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA».

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Determinada a baixa dos autos à primeira instância para que a Mm.ª Juíza se pronunciasse sobre a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia, foi entendido que tal nulidade não se verifica.
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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer a fls. 463 e 463v dos autos, no sentido da improcedência do recurso.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação das Recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Neste quadro as questões a decidir são as seguintes:
(i) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
(ii) Ampliação da matéria de facto;
(iii) Se a denominada Taxa de Realização de Infra-Estreturas Urbanísticas aqui em questão reveste a natureza de taxa;
(iv) Saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que no caso em apreço estamos perante uma liquidação referente à Taxa de Realização de Infra-Estreturas Urbanísticas;
(v) Saber se este Tribunal de recurso pode conhecer da questão da falta de publicação em Diário da Republica do Regulamento Municipal que suportou a liquidação da taxa sindicada não obstante não ter sido suscitada junto do Tribunal de 1ª Instância.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:

«1. A actividade das impugnantes desenvolve-se na área da compra, venda e gestão de imóveis e de direitos sobre imóveis, exercício de exploração de centros comerciais, actividades turístico-hoteleiras, e prestação de serviços de consulta e gestão (cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a fls. 37 dos autos);

2. As impugnantes adquiriram um lote de terreno para construção, na R. de C…., em Lisboa, com a área de 150 m2 (cfr. art° 34° da p.i.; e fls. 102 a 105 dos autos);

3. As impugnantes apresentaram à CML, com data de 17/02/1995 um projecto de arquitectura visando proceder a alterações ao imóvel referente ao processo camarário n° 33…., ao qual foi atribuído o n°55….. (cfr. fls. 1 e ss. do 1° volume do processo n° 55…., apenso aos autos);

4. As alterações pretendidas pelas impugnantes consistiam na ampliação do edifício sito em Ca….., em Lisboa, edificado no âmbito do processo camarário nº33….., em virtude da incorporação nele do lote de terreno descrito no n°2 do probatório supra, e na realização de diversos acertos no seu interior (cfr. fls. 1 e ss. do 1° volume do processo n°5….., apenso aos autos; artigos 1°; 2°, 15° e 16°, 17° e 18°, todos da p.i.; e fls. 77 e 78 dos autos);

5. As impugnantes foram notificadas para exercer o direito de audição prévia, o que fizeram (cfr. artigos 39° e 40° da p.i.; e fls. 106 a 119 doa autos);

6. Em 05/02/1996 a CML procedeu ao embargo das obras entretanto iniciadas pelas impugnantes, por as mesmas não estarem licenciadas (cfr. fls.145 e 146 do 3° volume do processo administrativo apenso aos autos; e fls. 77 dos autos, segundo parágrafo da alínea a));

7. Com data de 31/12/1996, as impugnantes foram notificadas de um processo de contra-ordenação devido à realização de obras de construção civil no edifício em causa, sem a devida aprovação e licença camarárias (cfr. fls.122 e 123 dos autos; e artigos 45° e 46° da p.i.);

8. O projecto de alterações apresentado pelas impugnantes foi aprovado pela CML em 26/07/1999 (cfr. art° 37° da p.i.; e fls. 186 e 187, e fls. 190/191, todas do 3° volume do processo administrativo apenso aos autos);

9. A CML fixou o pagamento de TRIU aplicável, com fundamento no art°4° do Edital n°122/95, no montante de 18 914 670$00 (34.345,98), o qual foi pago pelas impugnantes em 20/12/1999 (cfr. fls. 189 e 189-vs. do 3° volume do processo administrativo apenso aos autos; e fls. 140 e 141, e fls. 218, todas dos autos);

10. As impugnantes foram notificadas do deferimento do projecto de alterações, por ofício datado de 03/08/1999 (cfr. fls.192 do 3° volume do processo administrativo apenso aos autos; e fls. 28 dos autos);

11. Em 02/11/1999 as impugnantes fizeram entrega da presente impugnação judicial nos serviços da CML (cfr. carimbo aposto em fls. 3 dos presentes autos).

Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos insertos no presente processo de impugnação, bem como no processo administrativo apenso por linha, que não foram impugnados, e no depoimento testemunhal.

Inexistem factos não provados com interesse para a boa decisão da causa».


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B.FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
DA PRETENSA NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Seguindo uma sequência lógica, a primeira questão que importa dirimir refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida, nulidade que, segundo as Recorrentes, decorre da sentença enfermar de omissão de pronúncia por não ter apreciado a questão de conhecimento oficioso, traduzida na circunstância do acto de liquidação da TRIU ter sido praticado ao abrigo de um regulamento inexistente, dado que não foi publicado na II Série do Diário da República, como determinado no n°3 do artigo 68.°-A do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro.
Conforme já deixamos registado no relatório supra, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo entendeu que tal nulidade não se verificava.
Vejamos, pois, se tal nulidade se verifica in casu.
É sabido que, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa por conhecer alguma questão que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio (cfr. artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, e artigos 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC).
Como uniformemente tem sido entendido na jurisprudência «Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660º nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença.
Significa isto que, nos termos do art. 660º, nº 2, do CPC, impende sobre o juiz a obrigação de conhecer de todas as questões que sejam suscitadas pelas partes, nos termos definidos no art. 264º do CPC, bem como daquelas que sejam do conhecimento oficioso.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.09.2013, proferido no processo n.º 0895/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Analisando a petição inicial de impugnação, dela não se vê que as Recorrentes tenham suscitado a questão cuja apreciação consideram omitida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo.
Tudo o que acaba de ser dito é do perfeito conhecimento das Recorrentes. Talvez por isso, tenham deixado claro na conclusão EE das alegações recursivas, que « (…) o presente acto de liquidação da TRIU, praticado ao abrigo de um regulamento inexistente, está ferido de nulidade, sendo esta de conhecimento oficioso.»
Chegados aqui, coloca-se então a questão de saber se a “falta de publicação” pela forma devida por lei (requisito de eficácia dos diplomas legais) constitui, ou não, uma questão de conhecimento oficioso.
A resposta é afirmativa.
Vejamos porquê:
Por força do princípio da publicidade dos actos normativos, consagrado no artigo 119.º da Constituição da República Portuguesa, qualquer regulamento com eficácia externa, ou que contenha normas com eficácia externa, necessita de ser publicitado para que a entidade que o emana o possa opor à categoria de pessoas por ele abrangidas, seja no Diário da República ou em qualquer outro jornal oficial, se a lei exigir essa publicação, seja através de qualquer outro meio público apropriado, como é o caso da afixação nos lugares de estilo (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.07.2007, proferido no processo n.º 60/07, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)
Desde modo, a eventual falta de publicação do Edital n.º 122/95 que introduziu as alterações ao Regulamento da TRIU (ao abrigo do qual foi praticado o acto impugnado), nos termos previstos na lei implica a sua ineficácia jurídica nos termos artigo 119.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa determinando a sua inconstitucionalidade formal.
Aliás o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 08.07.2009, proferido no processo n.º 0964/08, decidiu e passamos a citar: «A falta de publicidade exigida por lei para um acto de conteúdo genérico do poder local implica a sua ineficácia jurídica, que tem como consequência não poderem com base nele serem impostas obrigações aos particulares (artigo 122.º, n.º 2 da CRP/92, actual artigo 119.º, n.º 2 da CRP), (Sumário disponível em www.dgsi.pt).
E, como tal na sentença e/ou no recurso dela interposto para este Tribunal Central Administrativo pode ser suscitada pelas partes ou ex-officio a insconstitucionalidade das normas que subjazem ao acto impugnado.
Neste sentido, se pronunciou este Tribunal Central Administrativo no Acórdão de 21.09.2010, proferido no processo n.º 03872/10, em passagem que agora se acompanha com pleno cabimento ao caso em apreço, «II)- Na ordem de apreciação dos vícios do acto tributário logra prioridade a inconstitucionalidade da lei em que se baseou o acto recorrido pois se trata de matéria de conhecimento oficioso, embora a intervenção do tribunal se tenha de circunscrever à fiscalização concreta da constitucionalidade pois a fiscalização abstracta incumbe em exclusivo ao Tribunal Constitucional (cfr.artº.281º da C.R.P.).
III) - O que vem dito significa que na sentença e/ou no recurso dela interposto para o TCA pode ser suscitada pelas partes ou “ex-officio” a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos da tributação, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso, não integrando questão nova a alegação, em recurso jurisdicional, de inconstitucionalidade de normas aplicadas pela sentença ou ao abrigo das quais o acto administrativo foi praticado.
IV) - A oficiosidade do conhecimento da inconstitucionalidade das normas resulta ainda do princípio de que os tribunais administrativos e fiscais devem recusar a aplicação de normas inconstitucionais ou que contrariem outras de hierarquia superior(disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Na verdade a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 204.º proíbe os tribunais nos feitos submetidos a julgamento de aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
Todavia, a omissão de pronúncia « (…) sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365).» (Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 11.01.2018, proferido no processo n.º 38/17.8BESNT, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Daí que se possa afirmar: porque as Recorrentes não suscitaram, perante o Tribunal a quo a questão da falta de publicação em Diário da República do Regulamento Municipal e embora não tendo esta questão (de conhecimento oficioso) ali sido conhecida, mostra-se afastada a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim, improcede a arguida nulidade de sentença.
Contudo, não obstante o decidido não invalida que este Tribunal de recurso não aprecie tal questão na configuração que agora lhe foi dada - erro de julgamento -, pois esse é o vício das decisões judiciais que não apreciam questões cujo conhecimento lhes é imposto por dever de ofício (adiante voltaremos a esta questão) .
DA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A segunda questão que importa dirimir no presente recurso refere-se à impugnação da decisão de facto. E isto porque entendem as Recorrentes que para a boa decisão da causa a sentença recorrida deveria ter levado ao probatório os factos elencados na conclusão D. , isto de modo a demonstrar que a Recorrida não actuou de boa fé, violando os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da colaboração com os particulares ao omitir dados, ao identificar incorrectamente um prédio para o alienar a seguir.
Deve começar-se por dizer, que as circunstâncias que envolveram a aquisição do lote de terreno sobre o qual recaiu a denominada Taxa Municipal pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (TRIU) aqui questionada é irrelevante para a solução do litígio objecto destes autos. Também, assim o entendem as Recorrentes ao considerarem que as mencionadas questões « (…) não estão directamente relacionadas com o acto de liquidação impugnado» mas foi « em virtude desta actuação que se colocou para o particular, aqui Recorrente, a necessidade imperiosa de resolver o “vazio” que havia sido mantido pela CML, procurando uma solução urbanística para um lote de terreno encravado, como única forma de poder continuar a desenvolver o projecto que se encontrava já em construção no lote municipal , entretanto adquirido.».
Por consequência é, a nosso ver, inquestionável a improcedência do recurso nesta parte.
Prosseguindo.
Antes de mais, recordemos que o presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelas recorrentes contra o acto de liquidação da denominada Taxa Municipal relativa a Infraestruturas prevista no Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal de Lisboa.
Sustentam as Recorrentes que no caso dos autos não estamos perante uma própria taxa, por inexistir qualquer correspectividade entre a taxa aplicada e eventuais encargos com infra-estruturas urbanísticas.
Sobre esta questão se pronunciaram já quer o Tribunal Constitucional, quer o Supremo Tribunal Administrativo, em diversos arestos, cuja jurisprudência vamos aqui seguir de perto, uma vez que não vemos motivo para a alterar.
Consignou-se, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.2014, proferido no processo n.º 01242/13, o seguinte:
«As duas primeiras questões -1 Inexistência de contrapartida, por parte do Município, relativamente à TRIU liquidada e 2 Inconstitucionalidade da taxa liquidada, uma vez que se configura como uma verdadeira contribuição especial e não uma taxa e, por isso, a sua criação pelo Município é ilegal -, terão um tratamento conjunto, bem como a questão de falta de atribuições da entidade recorrida, uma vez que a jurisprudência dos vários tribunais assim as tem apreciado.
Quanto à questão da conformidade constitucional da taxa em questão, quer por força da entidade criadora, quer por força da inexistência de contrapartida específica, escreveu-se no acórdão do TC, n.º 227/2011, de 03/05/2011:
“4. O outro vício invocado – violação do n.º 2 do artigo 103º e da alínea i) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição – corresponde à arguição de um vício orgânico: sustenta-se que as normas impugnadas, criadoras de um verdadeiro imposto, não foram emitidas por lei formal da Assembleia da República, conforme o disposto nos aludidos preceitos constitucionais. Mas resta saber – o argumento invocado pela recorrente arranca de um dado suposto – se as normas prevêem inovadoramente esse tal «imposto».
A natureza da figura da taxa pela realização, reforço e manutenção de infra-estruturas, ou de instrumentos tributários de idêntica natureza já foi apreciada, em diversas ocasiões, pelo Tribunal que tem enfatizado o entendimento de que as taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas constituem a um tributo bilateral. O Tribunal tem, de resto, desenvolvido a esse propósito uma pertinente argumentação no sentido de concretizar o conteúdo das exigências de sinalagmaticidade, correspectividade, equivalência e proporcionalidade entre o tributo e a prestação que aquele visa retribuir, à qual genericamente agora se adere.
Por exemplo, no Acórdão n.º 357/99, onde foi sindicado o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Amarante, então em vigor, sustentou-se o seguinte:
Na verdade, afastada a exigência de uma absoluta correspondência económica entre as prestações do ente público e do utente (cit. Acórdãos nºs. 205/87 e 76/88), o critério adoptado, fundamentalmente pela ponderação da área de construção – índice quer da utilidade retirada pelo obrigado, quer do grau de exigência na realização, reforço, manutenção ou funcionamento, de obras de infra-estruturas urbanísticas – não deixa de ser ditado por uma preocupação de proximidade entre o custo e a utilidade da prestação do serviço e o montante da taxa.

E também não contradiz a bilateralidade da taxa a eventualidade de a prestação do serviço não implicar vantagens ou benefícios para quem é obrigado ao pagamento (cfr. cit. Acórdão nº. 67/90), muito embora, seja considerável, no caso, a probabilidade dessas vantagens ou benefícios em qualquer das modalidades de obras de infra-estruturas urbanísticas (“realização, reparação, manutenção e funcionamento”) em geral exigíveis, ou convenientes, quando se efectuam as construções ou operações de loteamento referidas nos artigos 2º e 3º do Regulamento, o que do mesmo modo retira o carácter presuntivo, em abstracto, das maiores despesas ou encargos por parte da pessoa pública que é próprio das “contribuições especiais por maiores despesas” (neste sentido, Aníbal Almeida, ob. cit. pág. 72).
Por outro lado, a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado (cfr. cit. Parecer da PGR nº. 59/86) que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível).
Em suma, pois, não se vê que a “taxa municipal de urbanização” em causa revista características diversas das que, na jurisprudência do Tribunal Constitucional (e cita-se aqui, em especial, o Acórdão nº. 354/98, de 12/5 in DR II Série de 15/7/98), têm fundamentado a qualificação de outros tributos como “taxa”.
E, sendo assim, não pode o “Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização”, aprovado pela Assembleia Municipal de Amarante em 30/6/86 estar ferido de inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 168º nº. 1 alínea i) da CRP (na versão revista em 82) que às “taxas” se não reporta
No acórdão n.º 410/2000 (Plenário), o Tribunal sindicou a constitucionalidade dos três primeiros artigos do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim. Sustentou-se:
«(…)
Segundo consta da introdução ao Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização do concelho da Póvoa do Varzim, a criação desse tributo tornou possível que a construção individual concorresse, também, para os custos da urbanização. De outro modo a Câmara, sem recursos que lhe permitissem custear as obras de urbanização, não as poderia levar a termo, nomeadamente tendo em conta uma "intensa pressão de construção, sobretudo em zonas situadas fora dos principais aglomerados".
A melhoria da rede viária e dos transportes, do saneamento, dos equipamentos e arranjos dos espaços públicos exige "que cada nova construção ou cada aumento de área construída em prédios existentes comparticipe de forma significativa nos encargos gerais de urbanização do concelho".
Nesta linha, diz-nos o artigo 2º do Regulamento o que se deve entender, para os seus efeitos, por infraestruturas urbanísticas: a) a execução de trabalhos de construção, ampliação ou de reparação da rede viária, nela se compreendendo, em especial, a abertura, alargamento, pavimentação e reparação de vias municipais, caminhos vicinais e arruamentos urbanos; b) a execução de trabalhos de urbanização inerentes a equipamentos urbanos, tais como parques de estacionamento, passeios, parques, espaços livres e arborizados e jardins; c) a construção e reparação de redes de drenagem de esgotos domésticos e de colectores pluviais, bem como de elementos depuradores; d) a construção, ampliação e reparação de redes de abastecimento domiciliário de águas; e) a execução de trabalhos de construção e ampliação da rede eléctrica, quando os mesmos não sejam da responsabilidade da EDP, bem como respeitantes à iluminação pública; f) a recolha e tratamento de lixo; g) aquisição de terrenos para equipamentos.
Colhe-se deste enunciado que o serviço prestado pela autarquia está conexionado com o pagamento do tributo e encerra a ideia de contraprestação específica. Que assim é, corrobora o artigo 4º do diploma – "regime especial dos loteamentos" – que não sujeita a essa taxa as obras de construção a realizar nos loteamentos urbanos com infraestruturas a cargo do loteador, quando a licença tenha sido titulada por alvará de loteamento passado há menos de cinco anos e tramitado de acordo com o § único do artigo 5º do mesmo texto (nº1 do preceito), ao passo que no caso de construção sita em lote onde tenha sido cobrada essa taxa e não se encontre esgotado aquele prazo, apenas haverá lugar a cobrança adicional se a construção exceder a área sobre a qual foi a taxa calculada (nº 2).
Encontram-se, assim, por um lado, especificadas as situações susceptíveis de originarem a cobrança da taxa, individualizando-se, inclusivamente, as operações em que são percebidas pelos particulares as utilidades inerentes às infraestruturas urbanísticas. São as mesmas expressão da iniciativa autárquica na realização daquelas infraestruturas e na execução dos equipamentos públicos necessários à utilização colectiva dos munícipes. (…).
A realização de infra-estruturas urbanísticas ocorre, por via de regra, na fase das operações de loteamento, nomeadamente quando os municípios assumem uma função de estímulo à iniciativa de urbanização e de construção (proporcionando a abertura de arruamentos, construindo infra-estruturas de abastecimento de água e de saneamento, por exemplo). O que se compreende: o loteamento urbano constitui um instrumento típico de transformação urbanística do solo, fazendo-se acompanhar, como tal, e normalmente, das operações materiais necessárias e implícitas à iniciativa.
No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do Regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com as dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de urbanização.
Digamos que ainda aqui funciona a lógica de interacção em que a taxa se insere (e a que o acórdão nº 1108/96 alude), bastando-se com a sinalagmaticidade construída juridicamente, já anteriormente mencionada.
Não se surpreende, assim, vício de inconstitucionalidade orgânica no Regulamento em apreço. (…)”.
Por fim, referente a problema análogo, o Acórdão n.º 344/09, que fiscalizou a constitucionalidade das normas dos artigos 28.º a 32.º do Regulamento Municipal para a Liquidação e Cobrança de Taxas do Município de Amarante de 1999, tendo concluído pela sua conformidade constitucional. Aí se explica:
«(...) A questão que se coloca é a de saber se nesse caso ainda se pode dizer que estamos perante uma “taxa” ou se já estaremos perante um “imposto”.
Ora, a “pedra de toque” da jurisprudência do Tribunal Constitucional, com vista à distinção entre “taxa” e “imposto” (entre muitos outros, citem-se os Acórdãos n.º 457/87, n.º 412/89, n.º 53/91, n.º 148/94, n.º 357/99, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt) é a correspectividade sinalagmática do tributo.
No caso em apreço, a verdade é que, estejam ou não projectados no terreno a licenciar, os “equipamentos públicos”, eles, mais cedo ou mais tarde, vão ser necessários ou então já existem. Não poderá ser de outro modo. Como nem a jurisprudência deste Tribunal nem a doutrina exigem que a correspectividade equivalha a plena equivalência económica, admitindo-se uma ponderada divergência entre a vantagem auferida e o montante a suportar, no caso em apreço ainda se está perante uma “taxa” (...)
Além disso, para o Tribunal Constitucional, a correspectividade jurídica entre taxa e prestação não exige uma absoluta contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição do benefício decorrente da actividade prestadora desenvolvida pela entidade pública. Veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 274/04:“No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de urbanização.”». O tribunal recorrido perfilhou um entendimento semelhante, o de que a referida taxa corresponde à contrapartida da manutenção das infra-estruturas urbanísticas em termos de permitirem financiar os encargos já suportados e a suportar pelo município nos equipamentos que directa ou indirectamente coloca à disposição da área urbanizada em causa, ainda que estes se localizem em zona contígua ao loteamento e não no seu interior. As normas em causa não padecem de inconstitucionalidade uma vez que a previsão regulamentar pressupõe a contra-prestação municipal relativa a encargos suportados pelo município no que diz respeito às infra-estruturas destinadas à disposição do loteamento (artigo 27.º, n.º 3 e 28.º do Regulamento).
Quanto ao preenchimento do conceito de contrapartida específica, neste contexto, afigura-se pertinente ter em consideração o Acórdão n.º 357/99, ao ponderar que a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria. Tal critério permite justificar a validade da cobrança da taxa referida a encargos, pressupostos na decisão recorrida, com infra-estruturas contíguas ao loteamento. Desta linha jurisprudencial decorre, em suma, não ser desconforme à Constituição que o pagamento de determinada taxa não dê lugar à efectivação imediata e sincrónica da prestação.
Em conclusão, tratando-se de uma taxa, não se verifica a sujeição a reserva de lei parlamentar exigida pelos artigos 103 n.º 2 e 165º n.º 1 alínea i) da Constituição, pelo que sempre poderia ser aprovada por regulamento municipal. Não ocorre, portanto, o referido vício.”. Como bem se percebe, este acórdão surge num momento em que a jurisprudência sobre a conformidade constitucional deste tipo de taxas, já se encontrava consolidada, não havendo, nesse momento, entendimentos divergentes. Sobre a mesma TRIU do Município de Lisboa, já decidiu este Supremo Tribunal pela conformidade constitucional da mesma, ainda que por referência a regulamento anterior, cfr. acórdão datado de 18/06/2008, recurso n.º 0296/08.
Não se vê agora, também, que se possa decidir de modo diferente, quer porque as concretas circunstâncias de facto são idênticas, quer porque a legislação aplicável não sofreu alterações de relevo que exijam da parte do julgador uma reapreciação da questão sob prismas diferentes.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Face a este quadro, impõe-se afirmar, e sem delongas, que a denominada Taxa de Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas, prevista no artigo 1º da Taxa Municipal de Infra-Estruturas Urbanísticas da CML, é uma taxa e não um imposto.
E, assim sendo improcede o recurso nesta parte.
Retomando agora, a questão da “falta de publicação” em Diário da República do Regulamento Municipal questionado nos autos, é seguro que nada obsta à sua apreciação por parte deste Tribunal atenta a oficiosidade (como já demos nota) do seu conhecimento. Tanto mais, que as contra-alegações demonstram à evidência que a Recorrida, nesta instância, veio expor as suas razões (jurídicas e factuais) sobre tal questão. Desde modo, a determinar-se, a notificação prevista no n.º 3 do artigo 665.º do CPC traduzir-se-ia na prática de um acto inútil proibido por lei ( artigo 130º do CPC) .
Vejamos, então.
As Recorrentes alegam que o Regulamento da TRIU, na versão alterada pelo Edital n.º 122/95, é ineficaz por contrariar o artigo 68.º-A, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Novembro.
Argumenta a Recorrida, que tal normativo não é aplicável ao regulamento da TRIU no qual a liquidação impugnada conheceu os seus fundamentos, « (…) desde logo porque este não dispõe sobre a fixação de regras relativas a (…) taxas de obras particulares, conceito que abrange as taxas devidas pela emissão de alvarás de licença de utilização, não abancando a taxa devida pela realização de infra-estruturas urbanísticas.». Mas, ainda que se aplicasse à TRIU, diz a recorrida, que foi revogado pelo artigo 2º da Lei 22/96, de 26 de Julho, o qual produziu efeitos a 1 de Janeiro de 1996, como tal não aplicável ao caso.
Interessa, pois, averiguar se, in casu, é aplicável o artigo 68.ºA do Decreto - Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, aditado pelo Decreto- Lei n.º 250/94, de 15 de Novembro.
O Regulamento da Taxa de Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (TRIU) publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa de 05.12.1995, veio regulamentar a taxa municipal pela realização de infra-estruturas urbanísticas ao abrigo do artigo 11º, alínea a) da Lei 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais) e artigo 32º do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro (diz o preceito - A realização de infra-estruturas urbanísticas e a concessão do licenciamento da operação de loteamento estão sujeitas ao pagamento das taxas a que se referem as alíneas a) e b) do artigo 11.º da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações, com excepção das previstas no artigo 16.º. ») cujas normas para o que aqui releva têm a seguinte redacção:
Artigo 1º
(Natureza e fins)
É estabelecida a Taxa Municipal pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas, que constitui a contrapartida devida ao município pelas utilidades prestadas aos particulares pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias cuja realização, remodelação ou reforço seja consequência de operações de construção, reconstrução ou ampliação, de edifícios ou de alterações na forma de utilização destes.
Artigo 2.º
(Incidência)
1 – A taxa índice sobre qualquer das seguintes operações verificados os pressupostos previstos no n.º 2:
a) Construção ou alteração de edifícios;
b) Reconstrução de edifícios que implique o aumento da área bruta;
c) Ampliação dos edifícios ou fracções existentes;
d) Alteração da utilização de edifícios ou fracções existentes.
2 – Só são passíveis de incidência da taxa, as operações que tenham determinado, ou venham a determinar, directa ou indirectamente, a prestação, pelo município, das seguintes utilizações:
a) Construção, reconstrução, ampliação e alteração de infra-estruturas urbanísticas primárias;
b) Construção, reconstrução, ampliação e alteração de infra-estruturas urbanísticas secundárias;
c) Encargos de planeamento e ordenamento urbanístico.
Artigo 3.º
(Isenções e reduções)
(…)
Artigo 4º
(Cálculo da taxa – Regime geral)
1 – O montante da Taxa a cobrar, nos casos estabelecidos nas alíneas a), b), e c), do nº 1, do artigo 2º é determinado, para cada tipo de utilização, de acordo com a seguinte fórmula de cálculo:
Taxa=[(LP-AE) x C1 x C2 + (AP-LP) x C1 x C2 x 6]x VU
em que:
Taxa – Valor da taxa municipal pela realização de infra-estruturas urbanísticas.
AP – É a área bruta de construção constante do projecto.
AE – É a área bruta de construção pré-existente ou resultante de venda ou permuta efectuada pela Câmara.
C1 – É o coeficiente de utilização constante do Quadro 1 anexo.
C2 – É o coeficiente de sobrecarga urbana constante do Quadro 2 anexo.
LP – É o lote singular de construção-padrão, entendido este como o lote situado acima do solo, limitado por uma figura definida pelo plano marginal vertical, com a altura derivada da aplicação do artigo 59.º do RGEU, até ao máximo de capacidade equivalente a 8 pisos, com uma profundidade de empena de 15 m e desprovido de varandas ou corpos salientes que não revistam apenas natureza ornamental.
No caso de loteamentos, LP define-se como a área bruta prevista para cada lote no respectivo instrumento urbanístico em vigor, com o máximo, para o conjunto dos lotes, derivados dos índices gerais aplicáveis. Quando se trate de lotes alienados pela Câmara, LP corresponde ao lote com a implantação, volume e área de construção definidas na escritura ou título jurídico de alienação.
VU – Valor unitário a fixar pela Assembleia Municipal, tendo em consideração o valor anteriormente vigente, o interesse público em presença e a evolução socioeconómica do sector da construção civil, atento à sua incidência nos encargos municipais com as infra-estruturas urbanísticas
2 – Para efeitos de aplicação da fórmula constante do número anterior, não será considerado no valor AP a área dos estacionamentos acima do solo e só serão considerados os valores (LP-AE) e (AP-LP) quando positivos.
3 – Sempre que forem autorizadas caves semienterradas e a área do edifício acima do solo for inferior à de LP, serão consideradas dentro do valor deste, até ao limite para o mesmo definido.
4 – Não será considerada em AP a área para instalações sanitárias sempre que os edifícios as não possuam e se torne impossível ou extremamente oneroso incluí-las na área definida para LP.
5 – Igualmente não será considerado naquele valor o aumento de área em virtude do cumprimento do artigo 65º do RGEU, em pisos amansardados, no caso de edifícios situados em «Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística».
6 – Sempre que estejam em causa legalizações de obras realizadas há menos de 10 anos, em razão dos custos acrescidos com o ordenamento urbanístico, será cobrada em dobro a taxa apurada nos termos dos números anteriores.
7 – Quando estejam em causa legalizações de obras realizadas há mais de 20 anos, será concedida uma redução de 50% no montante da taxa.
8 – Quando estejam em causa legalizações de obras realizadas há menos de 20 anos e mais de 10 anos, a taxa a cobrar variará linearmente entre os limites mencionados nos nºs 6 e 7.
9 – Sempre que a AP for inferior à que resulta do LP, deve ser aquela considerada na fórmula, por substituição de LP.
10 – Sempre que a AE seja superior à que resulta do LP, deve ser aquela considerada na fórmula, por substituição do valor deste.
11 – Sempre que a mediação de AP exceda a de LP e no projecto se preveja mais do que um tipo de utilização, os coeficientes de utilização a aplicar na diferença AP-LP da fórmula de cálculo, serão os menos penalizantes para o promotor.
12 – Nos casos de lotes de construção provenientes de demolição de edifícios, o valor AE nunca pode ser inferior ao que resultaria da afectação do coeficiente de uso preconizado no instrumento urbanístico local, desde que previamente alte­rado nos termos do presente regulamento.»
Conforme resulta dos artigos 1º e 2º do Regulamento da TRIU ( supra transcritos) a Taxa de Realização de Infra-Estruturas incide sobre a construção, alteração ou reconstrução de edifícios, ampliação ou alteração de edifícios ou fracções existentes, desde que determinem ou venham a determinar, directa ou indirectamente, a prestação, pelo município, de construção, reconstrução, ampliação ou alteração de infra-estruturas urbanísticas primárias ou secundárias ou encargos de planeamento e ordenamento urbanístico, sendo os valores a aplicar os previstos, para cada ano, na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais respectivamente em vigor;
Esta “taxa” corresponde à contrapartida dos investimentos municipais « (…) com a construção, reforço e manutenção das infra-estruturas existentes e equipamentos urbanos em que se incluem não só os arruamentos como ainda os espaços verdes e de lazer e demais equipamento social e cultural da responsabilidade do município». (J…. e F….. (Perequação, Taxas e Cedências, Almedina, págs. 74 e ss), sendo calculada através da aplicação de fórmulas matemáticas pré-estabelecidas, deve ser liquidada pelo promotor daquelas operações na sequência da aprovação dos projec­tos de arquitectura, sendo a sua cobrança efectuada antes do levantamento da respectiva licença de construção (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 258/09 de 30.04 - processo n.º 958/07, disponível em texto integral em www.tribunal constitucional.pt).
Por sua vez, o artigo 68.°- A, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, aditado pelo Decreto - Lei n.º 250/94, de 15 de Novembro, sob a epígrafe «Regulamentos municipais» tem a seguinte redacção:
«1 - Os projectos de regulamentos municipais que tenham por objecto a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de obras particulares, com excepção dos previstos no Decreto-Lei n.°69/90, de 2 de Março, são obrigatoriamente submetidos a inquérito público pelo prazo de 30 dias antes da sua aprovação pelos órgãos municipais competentes.
2 - Os regulamentos actualmente em vigor relacionados com as matérias constantes do número anterior serão, até 31 de Dezembro de 1995, submetidos a inquérito público pelo período de 90 dias e a posterior confirmação pelos órgãos municipais competentes para sua aprovação, sob pena de ineficácia.
3 - Os regulamentos a que se refere o n.° 1 são publicados na 2.ª série do Diário da República.
4 - Para a resolução de conflitos na aplicação dos regulamentos municipais previstos no n.° 1 podem os interessados requerer a intervenção de uma comissão arbitral.
5 - A comissão arbitral é constituída por um representante da câmara municipal, um representante do interessado e um técnico, designado por cooptação, especialista na matéria sobre que incide o litígio, o qual preside; na falta de acordo o técnico é designado pelo presidente do tribunal administrativo do círculo competente na circunscrição administrativa do município.» (sublinhado da nossa autoria)
Da disposição acabada de transcrever, resulta pois que, os regulamentos municipais que tenham por objecto a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de operações de loteamento e de obras de urbanização, com excepção dos previstos no Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, são obrigatoriamente submetidos a inquérito público, pelo prazo de 30 dias, antes da sua aprovação pelos órgãos municipais competentes, e são publicados no Diário da República (artigo 68.º-A do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro). (neste sentido vide: Acórdãos do STA de 22.11.2006 e 08.07.2007, respectivamente nos processos n.ºs 0516/06 e 0964/08-referindo-se ao artigo 68.ºB do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto que corresponde ao artigo 68.ºA do mesmo diploma na redacção aqui em vigor- disponíveis em www.dgsi.pt). E tal disposição contrariamente ao pugnado pela recorrida é aplicável ao regulamento municipal ao abrigo do qual foi emitida a questionada liquidação da TRIU.
Com efeito, atento o doutamente considerado do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.07.2009, proferido no processo n.º 964/08 ( ainda que a propósito do artigo 68.ºB do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto corresponde todavia o artigo 68.ºA do mesmo diploma na redacção aqui em vigor) « os regulamentos municipais que tenham por objecto a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de operações de loteamento e de obras de urbanização, com excepção dos previstos no Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, são obrigatoriamente submetidos a inquérito público, pelo prazo de 30 dias, antes da sua aprovação pelos órgãos municipais competentes, e são publicados no Diário da República (artigo 68.º-B do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro)» ( disponível em texto integral em www.dgsi.pt). Neste mesmo sentido já se havia pronunciado o Supremo Tribunal Administrativo n seu Acórdão de 02.11.2006, no processo n.º 0516/ 06 que teve como objecto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no âmbito de impugnação judicial apresentada contra uma liquidação de Taxa Municipal pela Realização de Infra-estruturas Urbanísticas (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Assim, tal como nos Acórdãos supra convocados, teremos de concluir que Regulamento Municipal em apreço está sujeito à disposição lega contemplada no artigo 68º- A do Decreto- Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro.
Antevendo a fragilidade da sua posição, diz a Recorrida que o normativo em causa foi revogado, pelo artigo 2.º do Decreto – Lei n.º 22/96, de 26.07 « o qual produziu os seus efeitos a 1 de Janeiro de 1996» donde conclui « não sendo aplicável, pois, à situação em apreço.».
Efectivamente, decorre da leitura do artigo 1º da Lei n.º 22/96, de 26.07 o n.º 2 do preceito acima transcrito foi objecto de revogação expressa com « efeitos reportados a 1 de Janeiro de 1996 sem prejuízo de direitos adquiridos por acto administrativo praticado entre aquela data e a data da publicação do presente diploma(cfr. artigo 2º).
Todavia, tem de entender-se que ao Regulamento da TRIU publicado por intermédio do Edital 122/95, de 5 de Dezembro, contrariamente ao defendido pela Recorrida é de aplicar a norma do artigo 68.ºA do Decreto – Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, isto porque, à data em que foi objecto de publicidade ainda vigorava na ordem jurídica aquele normativo legal, uma vez como vimos, a sua revogação somente operou a partir de 1 de Janeiro de 1996.
Nesta perspectiva, ao Regulamento da TRIU, na versão alterada em reunião da Assembleia Municipal de Lisboa, de 9 de Novembro de 1995, aplica-se o requisito de eficácia previsto no n.º 2 do artigo 68.º-A do DL n.º 448/91, de 29 de Novembro, que é a necessidade de publicação no Diário da República.
Deste modo, e sendo que, in casu, pese embora a publicação no Boletim Municipal mediante Edital n.º122/95, a falta de publicação deste regulamento em Diário da República, como já se teve oportunidade de referir, implica a sua ineficácia jurídica de harmonia com o artigo 119º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, nos termos do citado preceito constitucional, a falta de publicidade de qualquer acto de conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, implica a sua ineficácia jurídica.
Efectivamente «O princípio da publicidade dos actos com conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local é uma exigência lógica do princípio do estado de direito democrático (v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP anotada, págs. 547/548).Sem a publicação das normas regulamentares nos termos e com o conteúdo assinalado, não é possível determinar ou exigir dos particulares as taxas urbanísticas em causa.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.07.2009, proferido no processo n.º 0964/08, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
No entendimento da Recorrida «Ainda que se aplicasse à TRIU, o art.68°-A do antedito DL sempre seria inconstitucional, uma vez que consta de Decreto-Lei aprovado pelo Governo no uso de autorização legislativa, concedida pela Assembleia de República (in casu, pela Lei de Autorização Legislativa n°17/94, de 23 de Maio) e ultrapassa o âmbito da autorização legislativa concedida, ao impor formalismo especial a regulamentos municipais, em matéria de taxas, não abrangida pela mencionada autorização, sem a qual se encontra ferida de inconstitucionalidade (…)».
A Lei nº 17/94, de 23 de Maio, pela qual a Assembleia da República concedeu autorização ao Governo para este legislar em matéria do licenciamento municipal de obras de construção civil e de utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas, na parte que aqui importa, reza assim:
«Artigo 1.º Fica o Governo autorizado a rever o regime jurídico do licenciamento municipal de obras de construção civil e de utilização de edifícios ou de suas fracções autónomas.
Artigo 2.º - 1 - O sentido de autorização concedida é o de simplificar o procedimento de licenciamento, reduzindo as suas formalidades e incrementando a respectiva celeridade, bem como o de reforçar as garantias dos particulares.»
O Governo, ao definir impor a publicação em Diário da República dos regulamentos municipais, não excedeu o objecto, o sentido ou o âmbito da autorização; antes, os cumpriu. Efectivamente, a determinada forma de publicidade para além da função de “disciplinar o uso do poder regulamentar” visa também garantir a segurança e transparência jurídica, enquanto reforço das garantias dos particulares.
Sendo isto assim, não se crê que a norma em sindicância na interpretação efectuada por este tribunal padeça da invocada inconstitucionalidade, uma vez que não foram excedidos os limites do poder normativo concedido ao Governo através da dita Lei de Autorização Legislativa.
Resta, por isso, julgar procedente o recurso quanto à invocada inconstitucionalidade formal. Impõe-se, assim, concluir tal como o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.07.2009, proferido no processo n.º 0964/08 (acima mencionado): « o acto impugnado, ao fundar a liquidação nesse Regulamento, enferma de erro sobre os pressupostos de direito, que constitui vício de violação de lei e justifica a sua anulação (arts. 99.º do CPPT e 135.º do CPA).»
IV.CONCLUSÕES
I.A nulidade da sentença por omissão de pronúncia verifica-se quando o juiz deixa por
conhecer alguma questão que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada em face da solução dada ao litígio (cfr. artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, e artigos 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPC).
II.O facto de o tribunal de 1ª instância, não conhecer uma questão de conhecimento oficioso e não tendo as partes suscitado a mesma, apenas significa que aquele tribunal incorrerá em erro de julgamento, mas essa omissão não preenche a nulidade por omissão de pronúncia.
III.O que não invalida que este Tribunal de recurso não aprecie tal questão na configuração que agora lhe foi dada - erro de julgamento -, pois esse é o vício das decisões judiciais que não apreciam questões cujo conhecimento lhes é imposto por dever de oficioso.
IV.Os regulamentos municipais que tenham por objecto a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de operações de loteamento e de obras de urbanização, com excepção dos previstos no Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, são obrigatoriamente submetidos a inquérito público, pelo prazo de 30 dias, antes da sua aprovação pelos órgãos municipais competentes, e são publicados no Diário da República ( cfr. artigo 68.º-A, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, aditado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Novembro).
IV.A falta de publicidade exigida por lei para um acto de conteúdo genérico do poder local implica a sua ineficácia jurídica, que tem como consequência não poderem com base nele serem impostas obrigações aos particulares.


V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, e julgar procedente a impugnação, anulando-se, em consequência, o acto tributário impugnado.

Sem custas, por a Câmara Municipal de Lisboa estar isenta, no presente processo.
Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Setembro de 2019.

[Ana Pinhol]
[Isabel Fernandes]
[Catarina Almeida e Sousa]