Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2671/25.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
OCUPAÇÃO SEM TÍTULO DE HABITAÇÃO SOCIAL
PERICULUM IN MORA
Sumário:I - Nos termos do artigo 143.º, n.º 2 al. b) do CPTA os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares têm efeito meramente devolutivo; 
II - Não se mostra preenchido o requisito do periculum in mora quando se revela a ausência de demonstração de que a produção de efeitos do ato suspendendo, impondo a desocupação da habitação social que ocupa sem título no prazo de 3 dias úteis, determinará que, na pendência da ação principal, o Requerente e o seu agregado familiar fiquem em situação de total carência habitacional, em termos tais que se produzam os alegados prejuízos de difícil reparação ou a situação de facto consumado que invocou.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

Município de Torres Vedras (doravante R./Recorrente ou MTV) instaurou o presente recurso da sentença proferida em 30.4.2025 pela qual o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa julgou procedente o processo cautelar, que contra si havia sido instaurado por A… (doravante A. ou Recorrido) e na qual este peticionava que a providência seja “admitida com decretamento provisório, com base no carácter de urgência e sem audição prévia da entidade Requerida com atribuição de efeito imediato ao pedido de suspensão da eficácia do despacho/carta junto como Doc.4, nos termos do disposto nos artigos 128º e 131º do CPTA, julgada procedente por provada e por via dela ser notificada a Município de Torres Vedras para se abster, sob pena de incorrer no crime de desobediência, de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado pelo Requerente, a companheira e o filho com apenas 11 meses de idade tal como Doc. 1 já junto da casa sita na Rua A…, n.º …, 2…-… E…, Torres Vedras para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva), até que seja celebrado um contrato de arrendamento desta ou de outra habitação com as Requeridas, condenando-se as Requeridas em custas e condigna Procuradoria”, e suspendeu “a eficácia do ato de 10.12.2024, praticado pela Câmara Municipal de Torres Vedras, que ordenou a desocupação voluntária da habitação sita na Rua A…, n.º …, 2…-… E…, Torres Vedras, no prazo de 3 dias úteis, e em que, em caso de incumprimento é, igualmente, ordenado o despejo dessa habitação”.

Apresentou as seguintes conclusões,

“I. Insurge-se o ora Recorrente da decisão proferia pelo tribunal recorrido, a qual " julgo procedente o presente processo cautelar e, em consequência, suspendo a eficácia do ato administrativo, de 10 de dezembro de 2024, da Câmara Municipal de Torres Vedras, pelo qual foi ordenada a desocupação voluntária da habitação sita na Rua A…, n.s …, E…, em Torres Vedras, no prazo de 3 dias úteis, e, em que, em caso de incumprimento, é, igualmente, ordenado o despejo dessa habitação."
II. O Recorrente não se conforma com a mesma, por entender que a mesma faz uma errada interpretação da prova produzida e ainda uma má aplicação do direito. Assim, a decisão recorrida deve ser reapreciada quando aos factos e quanto ao direito.
III. Quanto à apreciação dos pressupostos enunciados no artigo 120.2 do CPTA, e respetivo cumprimento para o decretamento da providência cautelar no que respeita ao invocado "Periculum in mora", o Recorrente apenas pode afirmar que não foram alegados nem provados pelo Recorrido quaisquer factos que permitam concluir que o não decretamento da providência culminará na produção de prejuízos de difícil reparação.
IV. Não tendo o Requerente especificado, concretizado e muito menos provado, os alegados prejuízos que diz poder vir a sofrer, limitando-se a alegações genéricas das consequências ou repercussões, pois é demonstrado a existência de soluções alternativas para colmatar a alegada carência habitacional, conforme os vários pareceres técnicos juntos na Oposição
V. A Unidade de Intervenção Social do Município de Torres Vedras esteve em permanente contacto com o Recorrente e com a sua companheira para providenciar pelo competente encaminhamento para soluções habitacionais alternativas e procurar uma alternativa viável e que responda às necessidades identificadas, tendo realizado vários atendimentos, onde foram informados das formas de apoio habitacional e social que o Município dispõe.
VI. Aliás, de modo a salvaguardar a dignidade deste agregado familiar, é de frisar que o Município de Torres Vedras colocou à disposição do Requerente e da sua companheira, o alojamento provisório junto de unidade hoteleira, solução que foi por estes recusada.
VII. Independentemente da carência deste agregado, sempre se dirá que a situação de efetiva carência habitacional não cristaliza na esfera jurídica do Requerente nenhum direito a uma concreta habitação social, mas apenas a um encaminhamento para uma alternativa habitacional, e que pode passar por um alojamento temporário, por forma a solucionar uma situação emergente de risco
VIM. Assim, se considera que o decretamento da providência, não deveria ter sido adotado, não tendo o Tribunal a quo feito correta análise da matéria de facto.
IX. Se o Recorrente não fornece matéria factual concreta e credível que permita aferir acerca da veracidade dos danos que diz poder vir a sofrer, como pretende que o julgador cautelar suporte uma ponderação de prejuízos adequada?
X. Aliás, o considerar que o requerente e seu agregado familiar fica sem local de abrigo é totalmente descabido, pois para além de ficar provado que o Recorrente tudo fez ao seu alcance para colmatar a alegada necessidade de habitação (através de apoio ao arredamento, ou pagamento da estadia em oferta habitacional urgente), o Requerente sempre se recusou, alegando querer somente habitação social que, como lhes informado tinha critérios e requisitos para a sua atribuição.
XI. E bem assim, verifica-se também a existência de uma rede familiar, quer dos pais de cada um dos membros do casal, quer da irmã do requerente.
XII. De onde se conclui, pela não existência de periculum in mora que justifique a concessão da presente providência cautelar.
XIII. Quanto ao critério a verificar "fumus boni iuris", desde já se reafirma que o Recorrente encaminhou o requerente e o seu agregado familiar para soluções alternativas de acesso à habitação ou prestação de apoios habitacionais, conforme demonstram os documentos n.s 7, n.s 8, n.e 9 e n.e 10 juto com a Oposição e nos moldes sufragados pelos Tribunais Superiores.
XIV. Aliás, de frisar que todas as soluções apresentadas foram sempre recusadas pelo requerente, mas mesmo assim o Recorrente continua em permanente contacto com este agregado familiar para salvaguardar qualquer situação de emergência.
XV. O Recorrente deu a conhecer ao Recorrido os motivos que justificam a necessidade de desocupação da habitação social e as regras que regem a atribuição de arrendamento apoiado.
XVI. O Recorrente deu cumprimento ao disposto no artigo 121.° do CPA dando a conhecer ao Recorrido através da notificação da decisão final presencial, as razões que fundamentam a decisão e concedendo-lhe a oportunidade de se pronunciar sobre tudo o que considerasse relevante (cfr. Documento ne 8 da Oposição).
XVII. O Recorrente teve oportunidade de expor o que entendesse por necessário nos diversos atendimentos que teve junto do Recorrente requerida, optando por apenas exigir a atribuição de uma habitação ou de um contrato de arrendamento apoiado sem cumprimento dos requisitos legais.
XVIII. Aliás, o Recorrido foi por várias vezes informado que a permanência naquela habitação não iria ser concedida e o contrato de arrendamento apoiado obedecia a regras legalmente estabelecidas.
XIX. Pelo que, desde o início que o Recorrido está ciente que o Município não lhe pode reconhecer qualquer direito em permanecer na habitação.
XX. No entanto, sempre se poderia arguir que estabelece o artigo 124° ne 1, alínea a) do CPA que o responsável pela direção do procedimento pode não proceder à audiência dos interessados quando a decisão seja urgente.
XXI. A urgência da decisão terá de ser aferida em relação à situação real e objetiva que a decisão se destina a regular e ocorre quando haja de prosseguir determinada finalidade pública em que o fator tempo é um elemento determinante.
XXII. Perante o incumprimento do Recorrido, a ocupação ilegal e a atitude hostil perante as situações alternativas apresentadas, não restou ao Município outra solução que não a de executar o despejo.
XXIII. Fê-lo ponderando devidamente a urgência em avançar com o procedimento concursal pendente, para atribuição dos 7 (sete) fogos em regime de arrendamento apoiado, pois a situação não se compadecia com mais delongas.
XXIV. Tal urgência baseou-se na situação objetiva e real de perigo, dado a iminente abertura de precedente, com a ocupação ilegal de outros prédios municipais disponíveis para atribuição no mesmo procedimento, como modo de obstar às regras estabelecidas de atribuição de habitações socias.
XXV. Assim, era imperioso que a situação de perigo fosse removida antes que a situação se repetisse noutras habitações sociais que se encontram desocupadas a aguardavam pelo desenvolvimento do concurso de atribuição.
XXVI. Acresce que, atenta a urgência da situação, a diligência de audiência prévia era objetivamente suscetível de comprometer a utilidade da decisão.
XXVII. Sem conceder, ainda que se considere que a audiência prévia não foi validamente efetuada, importa apurar se a sua falta foi relevante ou não para o fim que se visou alcançar com o despejo administrativo.
XXVIII. O despejo administrativo visou a recuperação da posse de um prédio propriedade do município, ocupado ilegalmente e com recurso ao arrombamento pelo ora recorrido, prédio esse, destinado ao programa de habitação social do município.
XXIX. Importa, pois, demonstrar, através de um juízo de prognose que o ato praticado, sempre teria o mesmo sentido, caso em que se impõe a recusa da sua anulação.
XXX. Resulta, pois, que o Recorrido optou por recusar qualquer solução apresentada pela requerida, mantendo uma postura hostil sempre que confrontado com a posição da requerida em negar o direito em permanecerem na habitação em causa.
XXXI. O Município em absoluto estado de necessidade, com fundamento no facto do ato final não poder ser outro senão manter a ordem de desocupação e caso esta não seja cumprida a ordem de despejo, pois qualquer outra ação iria comprometer a utilidade da própria habitação social colocando em causa o fim a que esta se destina.
XXXII. Mais uma vez se reitera, impedir a prossecução de atos tendentes à cessação da ocupação ilegal da habitação, prejudica gravemente o interesse público e os interesses privados de 37 agregados familiares em condições de extrema vulnerabilidade, que ao contrário do Recorrido, pautaram a sua conduta dentro de toda a legalidade no acesso à habitação social do Município.
XXXIII. A aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo há muito adotada pela jurisprudência foi expressamente consagrada no n.e 5 do artigo 163e do CPA, admitindo o legislador a não produção do efeito anulatório em situações em que, não obstante ocorrer a preterição da audiência prévia, tal formalidade pode em determinadas circunstâncias degradar-se em não essencial e nessa medida ser insuscetível de gerar a anulação do ato.
XXXIV. E especificamente por força da parte final da alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, atento o circunstancialismo factual do caso concreto, tal efeito anulatório não pode produzir-se se apenas uma solução puder ser identificada como legalmente possível.
XXXV. Assim, a Requerida por força da situação de perigo e urgência não poderia ter decidido de outra forma.
XXXVI. Em consequência, o ato praticado pelo Município, é perfeitamente válido, não sendo anulável e muito menos nulo, não deve ser objeto da suspensão de eficácia requerida nos presentes autos, retirando-se da sentença recorrida que o Tribunal a quo não efetuou correta análise da matéria de facto e a consequente incorreta aplicação do direito, decidindo como decidiu
XXXVII. Quanto à ponderação de interesses (principio da proporcionalidade) efetuada pelo Tribunal a quo, entendeu este não se verificar uma grave lesão do interesse público, por via da qual se imponha a execução imediata do ato, o que alegadamente decorre da situação de extrema vulnerabilidade e sem qualquer local de abrigo, em que ficaria colocado o Requerente e o seu agregado familiar, sendo que o Recorrente, quanto à ponderação de interesses, nos termos do nº 2 do artigo 120.º do CPTA, considerou que não deveria de manter-se a situação de ocupação ilegal, pois iria implicar retirar do concurso por sorteio para atribuição de habitação social em regime de arrendamento apoiado um dos fogos disponíveis para atribuição.
XXXVIII. Manter a situação de ocupação ilegal que se verificava, seria reconhecer que o interesse do Recorrido se sobrepõe ao direito à habitação de todos os outros 37 candidatos, todos em situação de grave vulnerabilidade, que nutrem legítimas expectativas de lhes ser atribuída uma habitação em regime de arrendamento apoiado.
XXXIX. Ponderado o interesse público, manter a ocupação ilegal seria permitir a subversão total das regras legais de atribuição de habitação social e aceitar a ilegalidade e a violência, premiando a conduta totalmente ilícita do Recorrido, em detrimento da conduta lícita de todas as outras famílias que apresentaram candidatura ao referido concurso.
XL. De facto, os 37 agregados familiares habilitados para o sorteio da habitação que aqui está em causa - entre os quais famílias monoparentais, vítimas de violência domésticas, agregados sem qualquer tipo de rendimentos ou suporte familiar, agregados com pessoas com deficiência e que necessitam de apoio de terceiros, agregados com idosos - todos em situação de grande vulnerabilidade, apresentaram candidatura e foram selecionados para o sorteio desta habitação, devendo o interesses destas famílias ser também levado em consideração.
XLI. Pois o Recorrido sabe que o Município dispõe de outras soluções para acautelar a carência habitacional, que não impliquem a retirada de uma habitação de um concurso público, para a sua atribuição em sequência de uma ocupação ilegal de um dos candidatos.
XLII. Mais uma vez se roga ao douto Tribunal que não permita que ocupações de imóveis ilegalmente consumadas perdurem no tempo, permitindo que os ocupantes sem título utilizem este meio processual como subterfúgio às regras atribuição de habitação social, sob pena da total descaracterização e subversão do Estado de Direito
XLIII. Efetivamente, a ocupação de uma habitação municipal, sem autorização e à revelia do Município, constitui um crime de usurpação de coisa imóvel e introdução em lugar vedado ao público, conforme disposto nos artigos 191. ° e 215. ° do Código Penal.
XLIV. A Recorrente andou bem ao decidir como decidiu, quando, confrontada com o perigo para o interesse público em manter a ocupação ilegal de uma habitação destinada ao programa de habitação social e perante o incumprimento do Requerente em desocupar voluntariamente a referida habitação, optou por determinar o despejo administrativo
XLV. Verifica-se que a ponderação de interesses efetuada pelo Tribunal a quo foi incorreta, não sendo feita uma ponderação entre todos os factos carreados para os autos
XLVI. Do que antecede, o Recorrente só pode concluir que não se podem dar por verificados os requisitos a que aludem os critérios de decisão previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA, devendo, nessa conformidade, ter sido recusada a presente providência cautelar.
XLVII. Devendo, bem assim, alterar-se a decisão recorrida em conformidade com o supra exposto.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso, nos termos expeditos nas alegações e conclusões supra, alterando-se a decisão recorrida em conformidade.”

Notificado, o A./Recorrido não apresentou contra-alegações.

O Tribunal a quo admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), cumpre a este Tribunal apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.
Como questão prévia haverá que apreciar se ao recurso deve ser atribuído efeito suspensivo.


3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida foram dados como perfunctoriamente provados os seguintes factos,
A) Em 26 de maio de 2017, o prédio situado na Rua A…, n.° …, E…, em Torres Vedras, foi inscrito, na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, a favor da Entidade Requerida (cf. fls. 34 s., do processo administrativo, adiante referido como PA);
B) Em 19 de janeiro de 2024, a Entidade Requerida emitiu a certidão de utilização n.° …/2024, relativa ao prédio sito na Rua A…, n.° …, E…, em Torres Vedras (cf. fls. 25, do PA);
C) Em 13 de agosto de 2024, o Requerente apresentou candidatura no âmbito do concurso para atribuição de habitação social em arrendamento apoiado, promovido pela Entidade Requerida, na qual apresenta como morada de contacto a Rua A…, n.° .., em Torres Vedras (cf. fls. 4 ss., do PA);
D) Em 20 de agosto de 2024, foi elaborada participação, pela Polícia de Segurança Pública, Esquadra de Torres Vedras, da qual consta, entre o mais, o seguinte:


(cf. fls. 18 s., do PA);
E) Em 21 de agosto de 2024, foi elaborada informação, na Divisão de Desenvolvimento Social - Unidade de Intervenção Social, da Entidade Requerida, sobre o assunto "Habitações Sociais - Ocupação Ilegal", da qual consta, entre o mais, o seguinte:
"(...)


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(...)." (cf. fls. 1 ss., do PA);
F) Em 28 de agosto de 2024, técnicas da Entidade Requerida efetuaram atendimento presencial ao Requerente e cônjuge, tendo sido lavrado o seguinte relato dessa diligência:




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(...)." (cf. fls. 19 ss., do PA);
G) Em 26 de novembro de 2024, foi elaborada, na Divisão Jurídica e de Fiscalização, da Entidade Requerida, informação/parecer, do qual consta, entre o mais, o seguinte:





(...)." (cf. fls. 65 ss., do PA);
H) Em 10 de dezembro de 2024, a Câmara Municipal de Torres Vedras tomou uma deliberação, com o seguinte teor:
"(…)
--- Informação da área jurídica, datada de 26/11/2024, a qual refere que o Município de Torres Vedras, é proprietário de uma fração habitacional sita na Rua A… n.° … E…, na freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães, em Torres Vedras, que se encontra ocupada, sem título válido por A… e S…, nos termos do n.° 1, do art.° 35.°. da Lei n.° 81/2014, de 19/12.
--- Na sequência de providência cautelar intentada contra o município, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, processo cautelar n.° 1025/24.6 BELRA não reconheceu qualquer direito de ocupação do imóvel.
--- O imóvel em questão engloba o leque de fogos a ser disponibilizados pelo MTV para o regime de arrendamento apoiado, através do Edital n.° 200/2024 de 05.07.2024. o que compromete a continuidade do processo de atribuição, nos exatos termos publicitados.
--- A introdução e ocupação da habitação social por via de violência, não detendo contrato, documento de atribuição ou autorização que a fundamente, para além de constituir crime, consiste numa ocupação ilegal, pelo que os ocupantes devem desocupar a mesma e entregá-la ao Município, livre de pessoas e bens no prazo de 3 (três) dias úteis, contados da notificação da decisão, nos termos do n.° 2, do art.° 35.°, da Lei n.° 81/2014, de 19/12, no caso de não ser cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação no referido prazo, a Câmara Municipal ordenará o despejo.
--- Nesse sentido a área jurídica entende estarem reunidas as condições para ordenar a desocupação da habitação e caso esta ordem não seja cumprida voluntariamente no prazo fixado, estão reunidas as condições para o executivo ordenar a execução do despejo e nesse sentido propõe que, ao abrigo dos artigos 28 ° e 35 °. da Lei n.° 81/2014, de 19/12 e artigos 175.° a 180.,° do Código do Procedimento Administrativo, e ainda do art ° 32.°, da Lei n.° 75/2013, de 12/09, na sua atual redação, que o executivo delibere o seguinte:  
--- I - Por decisão desta câmara é ordenada a desocupação da habitação sita na Rua A… n.° … E…, na freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães, em Torres Vedras, que se encontra ocupada, sem título válido por A… e S…, nos termos do n.° 1, do art.° 35.°, da Lei n.° 81/2014, de 19/12.
--- II - Por decisão desta câmara, caso a ordem de desocupação não seja voluntariamente cumprida, é ordenado o despejo da habitação sita na Rua A… n.° … E…, na freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães, em Torres Vedras, que se encontra ocupada, sem título válido por A… e S…, nos termos do n.° 3, do art.° 35.° e art.° 28 °, da Lei n.° 81/2014, de 19/12;
--- III - A unidade de intervenção social (UIS) da Divisão de Desenvolvimento Social desta câmara dá cumprimento ao n.° 6, do artº 28.° da Lei n.° 81/2014, de 19/12, procedendo à avaliação da efetiva carência habitacional e caso esta se verifique, proceder ao exigido encaminhamento para soluções legais de acesso à habitação ou para a prestação de apoios habitacionais.
--- IV - O imóvel deverá ser desocupado e entregue à autarquia, devoluto de pessoas e bens no
prazo de 03 (três) dias úteis a contar da notificação do teor desta deliberação, sob pena da autarquia fazer tomada de posse do imóvel;
--- V - A notificação da presente deliberação deverá ser pessoal com dispensa de audiência prévia, com fundamento no facto do ato final não poder ser outro senão manter a ordem de desocupação e caso esta não seja cumprida executar a ordem de despejo, qualquer outra ação irá comprometer a utilidade da própria habitação social colocando em causa o fim a que esta se destina.
--- VI - Caso não tenha ocorrido a entrega voluntária do imóvel â autarquia dentro do prazo de 03
(três) dias úteis, será efetuada a tomada de posse do imóvel sendo lavrado o respetivo auto, que irá identificar o imóvel e os intervenientes na tomada da posse e descrever as ações desenvolvidas e as condições em que se encontra o imóvel;
--- VII - Caso existam bens móveis os mesmos serão recolhidos pela autarquia e serão considerados abandonados a favor da autarquia, caso não sejam reclamados no praze de 60 dias, podendo a Câmara deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação
aos ocupantes;
--- VIII - A deliberação aqui tomada não exime os ocupantes de eventual processo de responsabilidade pelos danos existentes no imóvel, e/ou eventual pedido de indemnização pelo tempo da ocupação indevida do imóvel municipal;  
--- IX - Ficam desde já autorizadas todas a diligências necessárias á tomada de posse,
nomeadamente o apoio das forças policiais, caso assim seja entendido, pelos serviços municipais.
--- X - Do auto de posse administrativa será dado conhecimento à camara municipal
--- Submete-se ao executivo para decisão, conforme proposto.
--- A câmara deliberou aprovar todas as formalidades propostas na informação da área jurídica
datada de 26/11/2024, tendentes à desocupação da habitação sita na Rua A… n.° … E… na freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães, em Torres Vedras, que se encontra ocupada, sem título válido por A… e S…, nos termos do n.° 1. do art.° 35.°, da Lei n.° 81/2014, de 19/12."
(...)." (cf. fls. 69 ss., do PA);
I) Em 13 de janeiro de 2025, foi elaborada, no centro de atendimento social integrado, da Entidade Requerida, uma ata de atendimento, da qual consta o seguinte:
"(…)




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(...)." (cf. fls. 72 ss., do PA);
J) Em 13 de janeiro de 2025, foi afixado edital, no prédio sito na Rua A…, n.° …, e nos lugares de costume da Freguesia de Santa Maria, São Pedro e Matacães, do qual consta o seguinte:
"(…)
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(...)." (cf. fls. 76 ss., do PA);
K) Em 15 de janeiro de 2025, a Presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras emitiu mandato, em nome do agente de execução J…, para que proceda à entrega coerciva do imóvel sito na Rua A…, n.° …, em Torres Vedras, em caso de incumprimento da sua entrega voluntária (cf. fls. 80, do PA);
L) Em 17 de janeiro de 2025, foi elaborado auto de entrega, pelo agente de execução J…, que consta a fls. 81 a 85, do PA, e se dá por integralmente reproduzido;
M) Em 20 de janeiro de 2025, no Centro de Atendimento Social Integrado, da Entidade Requerida, foi efetuado o atendimento presencial do Requerente, do qual foi lavrado registo, nos seguintes termos:
"(…)
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(...)." (cf. fls. 99, do PA);
N) Em 27 de janeiro de 2025, no Centro de Atendimento Social Integrado, da Entidade Requerida, foi elaborada informação com o seguinte teor:
"(…)
A Sra. S… voltou a dirigir-se ao CASI para solicitar novo atendimento presencial que ficou agendado para o dia 28/1/2025, pelas 14h. A cidadã mencionou que tinham uma visita a um imóvel cujo valor de arrendamento seria de 700€, no período da tarde. Na manhã do dia 28/1/2025, a visada contactou a equipa do CASI para cancelar o atendimento em virtude de ainda não possuírem resposta relativamente ao imóvel que visitaram. Ficou de voltar a contactar o SAAS, assim que surgissem novos dados
(...)." (cf. fls. 116, do PA);
O) O Requerente e S… são pais de A…, que nasceu em 15 de janeiro de 2024 (cf. documento 1, junto com o Requerimento cautelar).

3.2. Quanto aos factos não provados consignou-se,

“Inexistem outros factos com relevância para a decisão.”

3.3. A respeito da motivação de facto consignou-se na sentença recorrida,

“A matéria dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos presentes autos e do processo administrativo e das posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados, expressamente indicados em cada um dos pontos do probatório.”


4. Fundamentação de direito

4.1. Do efeito do recurso

Em sede de requerimento de interposição de recurso pugnou o Recorrente pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso, aduzindo que, em virtude da sentença, suspendeu o sorteio da habitação social sita na Rua A…, n.º …, em Torres Vedras. Contudo, a não realização de tal sorteio e a atribuição da habitação a que se refere o presente processo a um dos agregados familiares legalmente habilitados, atribuindo, ainda que provisoriamente a casa ao Requerente, acarreta sérios prejuízos para o interesse público, para os interesses dos membros 37 agregados familiares habilitados a tal sorteio, e que se encontram em condições de grande vulnerabilidade, mas, acima de tudo, para os membros de um dos agregados familiares a quem será atribuída tal habitação, por serem privados da possibilidade de atribuição da habitação, mais acarretando a perda de confiança da comunidade na atuação da Recorrida. Acrescenta que tal acarreta um potencial efeito contágio se se vier a verificar que quem procedeu à ocupação ilegal de uma habitação social em regime de renda apoiada, verá os seus interesses protegidos em detrimento dos direitos e interesses legalmente protegidos de que atuou de forma legal. Mais notando que providenciou pelo encaminhamento do agregado familiar para soluções habitacionais, incluindo o alojamento provisório em unidade hoteleira, que foi recusada. Acrescenta que o Recorrido, encontrando-se o Recorrente ainda em prazo para executar a decisão, procedeu ao arrombamento da porta e aí se instalou, recorrendo novamente à ocupação ilegal.
Como emerge do artigo 143.º, n.º 2 al. b) do CPTA os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares têm efeito meramente devolutivo. 
Prevendo-se nos n.ºs 3 a 5 deste artigo 143.º que, 
“ 3 — Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo. 
4 — Quando a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos. 
5 — A atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso é recusada quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.” 
Como resulta destes dispositivos o pressuposto da aplicação das medidas previstas no n.º 4 é que estejamos perante situação em que é o Tribunal que, ao abrigo do disposto no n.º 3, atribui, a requerimento do interessado, efeito meramente devolutivo ao recurso, por reconhecer que a suspensão dos efeitos da sentença é passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses por ela prosseguidos. 
Assim, o n.º 4 do artigo 143.º do CPTA não é aplicável às situações em que o efeito meramente devolutivo do recurso é fixado nos termos da lei.  
Nem tão pouco se encontra prevista a possibilidade de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, antes fixando a lei que os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares têm efeito meramente devolutivo [artigo 143.º, n.º 2, alínea b), do CPTA].  
Pelo que se indefere o requerido, mantendo-se o efeito meramente devolutivo. 


4.2. Do erro de julgamento de direito

O Recorrente imputa à sentença erro de julgamento no que respeita ao entendimento de que se mostram preenchidos os pressupostos de adoção das medidas cautelares.
A respeito do periculum in mora entende que o Recorrido não alegou, nem provou quaisquer factos que permitam aferir os danos que diz poder vir a sofrer, com vista a concluir que o não decretamento da providência culminará na produção de prejuízos de difícil reparação, antes se limitando a alegações genéricas das consequências ou repercussões.
Mais aduz que, na realidade, se encontra demonstrada a existência de soluções alternativas para colmatar a alegada carência habitacional (conforme pareceres técnicos juntos na oposição), porquanto os seus serviços providenciaram o competente encaminhamento para soluções habitacionais alternativas, que o Requerente sempre recusou, e, bem assim, colocou à disposição do Requerente e da sua companheira, o alojamento provisório junto de unidade hoteleira, solução que também por estes foi recusada.
Acrescenta que se verifica também a existência de uma rede familiar, quer dos pais de cada um dos membros do casal, quer da irmã do requerente.
Discorda, ainda, da decisão de julgar verificada a probabilidade de procedência da pretensão a formular no processo principal porquanto deu a conhecer ao Recorrido os motivos que justificam a necessidade de desocupação da habitação social e as regras que regem a atribuição de arrendamento apoiado, cumprindo o disposto no artigo 121.º do CPA ao dar a conhecer ao Recorrido através da notificação da decisão final presencial, as razões que fundamentam a decisão e concedendo-lhe a oportunidade de se pronunciar sobre tudo o que considerasse relevante.
Aduz que o Recorrente teve oportunidade de expor o que entendesse por necessário nos diversos atendimentos que teve junto do Recorrente requerida e que foi informado que a permanência naquela habitação não iria ser concedida e o contrato de arrendamento apoiado obedecia a regras legalmente estabelecidas, estando, pois, desde o início ciente que o Município não lhe pode reconhecer qualquer direito em permanecer na habitação.
E, ainda, que ao abrigo do artigo 124.º, n.º 1 al. a) do CPA se encontrava preenchido o pressuposto da urgência com vista à dispensa de audição prévia porquanto, em face da ocupação ilegal e da atitude hostil, impunha-se executar o despejo e avançar com o procedimento concursal pendente como forma de obstar a que a situação se repetisse noutras habitações sociais que se encontram desocupadas a aguardar pelo desenvolvimento do concurso de atribuição. Considerando, ainda, que a diligência de audiência prévia era objetivamente suscetível de comprometer a utilidade da decisão.
Mais alega que, ainda que se considere que a audiência prévia não foi validamente efetuada, não constituindo esta fundamento de nulidade, porque o ato sempre teria o mesmo sentido, dado que a Requerida por força da situação de perigo e urgência não poderia ter decidido de outra forma, há que aplicar o princípio do aproveitamento nos termos da al. a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA.
Por último, a respeito da ponderação de interesses considera que, ponderado o interesse público, manter a ocupação ilegal seria permitir a subversão total das regras legais de atribuição de habitação social e aceitar a ilegalidade e a violência, premiando a conduta totalmente ilícita do Recorrido, que consubstancia crime de crime de usurpação de coisa imóvel e introdução em lugar vedado ao público, conforme disposto nos artigos 191. ° e 215. ° do Código Penal, sobrepondo os interesses do Recorrido aos de todas as outras famílias, em situação de grande vulnerabilidade, que apresentaram candidatura ao referido concurso.
A sentença recorrida julgou a ação cautelar procedente considerando verificados os pressupostos a que se reportam os n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA. Em suma, foi o seguinte o seu discurso fundamentador.
A respeito do periculum in mora considerou que,
“No caso dos autos, o agregado familiar do Requerente inclui a sua companheira e um filho então com 11 meses de idade, que residiam, a partir de junho/julho de 2024, na habitação sita na Rua A…, n.° …, em Torres Vedras (cf. informação dos serviços da Entidade Requerida, alíneas F) e I), do probatório).
A execução do ato administrativo que ordena a desocupação da habitação já identificada, onde vive o Requerente e o seu agregado familiar (até à data em que o ato veio a ser executado) implicará que estes deixem de dispor de um local de abrigo (cf. alíneas F) e I), do probatório).
A não disponibilização de uma alternativa habitacional, ainda que provisória, prévia à desocupação da habitação, ainda para mais quando é concedido um prazo de três dias para a sua concretização - ocupada pelo Requerente e pelo seu agregado familiar (nele se incluindo um filho então com 11 meses de idade) - reconduz-se à verificação do fundado receio da constituição de um facto consumado e da produção de prejuízos de difícil reparação, na medida em que cada dia ou frações deste sem local de abrigo não é recuperável (facto consumado) nem suscetível de reparação (prejuízo não reparável), o que tudo significa que se encontra preenchido o requisito de periculum in mora.”
Prosseguindo para o fumus boni iuris entendeu-se na sentença ser provável a procedência da ação principal porquanto,
“No caso dos autos, o Requerente não foi notificado para se pronunciar, em sede de audiência prévia, sobre a intenção de ser proferida decisão de desocupação da habitação por si ocupada (cf. alínea H), do probatório, da qual emerge que a Entidade Requerida entendeu não realizar a audiência dos interessados).
O que está em causa é a desocupação da habitação em que vivem o Requerente e o seu agregado familiar, que inclui 1 filho então com 11 meses de idade, com a consequente perda do local onde habitam, já ocorrida, mas que, como se demonstrou não impede a suspensão de eficácia do ato administrativo em apreço.
Isto significa que se trata da prolação de uma decisão que produz efeitos jurídicos e de facto que afetam de forma irremediável a estabilidade da vida pessoal e familiar do Requerente e do seu agregado familiar, situação que, além de tudo o mais, impõe a observância da disciplina legal que rege a tomada de decisões deste tipo.
O direito de audiência prévia decorre do artigo 121.°, do Código do Procedimento Administrativo, regendo-se pelo disposto nos preceitos seguintes desse mesmo Código.
A deliberação da Câmara Municipal de Torres vedras refere, na sua alínea V., que existe "dispensa de audiência prévia, com fundamento no facto do ato final não poder ser outro senão manter a ordem de desocupação e caso esta não seja cumprida executar a ordem de despejo, qualquer outra ação irá comprometer a utilidade da própria habitação social colocando em causa o fim a que esta se destina." (cf. alínea H), do probatório).
Ora, o fundamento utilizado para dispensar a audiência dos interessados, nos termos em que foi gizado, não constitui fundamento atendível para esse efeito, desde logo, por não se identificar a norma legal que o consentiria e por a alegação aduzida ser redundante.
O que se torna necessário é aferir e justificar, se for o caso, que a audiência prévia comprometeria a execução ou a utilidade da decisão, esta corresponde à desocupação de uma habitação, não à sua atribuição a qualquer outro agregado familiar.
A Entidade Requerida para lograr sustentar a dispensa da audiência prévia, com suporte no artigo 124.°, n.° 1, alínea c), do CPA, que não refere, mas do qual retira alguns segmentos, teria de se alicerçar em factos concretos que preenchessem essa previsão normativa, o que não fez.
Por outro lado, a circunstância de ter mediado mais de um mês entre a data da decisão (10 de dezembro de 2024) e a data da notificação (13 de janeiro de 2025) indicia não existir qualquer impedimento à realização da audiência prévia e assim a permitir que o interessado pudesse influir na decisão a adotar, em qualquer dos seus termos, incluindo o prazo cominado para a desocupação.
Nestes termos, não existe qualquer fundamento para que, no caso dos autos, tenha sido ou seja admissível dispensar a audiência do Requerente, nos termos legais enunciados.
Não é, do mesmo modo, admissível afastar o efeito anulatório, tendo em conta que o conteúdo do ato, não respeita singelamente à ordem de desocupação, mas inclui uma imposição muito significativa relativa ao prazo da respetiva execução e à criação de condições realistas para a sua programação.
A fixação de um prazo de três dias para a desocupação de uma habitação, sem disponibilização concreta de qualquer alternativa habitacional, mesmo que provisória, pública ou privada, não se coaduna com a natureza das coisas e sendo uma componente essencial da decisão a adotar, não se pode entender que se revele conforme com a ideia de Direito (artigo 8.°, do CPA).”
E, por último, realizando a ponderação de interesses, concluiu que os danos que resultam da recusa da providência seriam muito superiores àqueles que decorrem da sua concessão, porquanto,
“Tal como já se deixou enunciado, no caso dos autos, está-se diante de uma situação em que mediante um despacho, relativamente ao qual não foi permitido ao Requerente pronunciar-se em sede de audiência dos interessados, a respetiva execução deixa sem local de abrigo, o Requerente e o seu agregado familiar, em que se inclui um filho então com 11 meses de idade, que se revela indispensável para se protegerem das condições climatéricas e para dormirem e viverem.
Não se verifica, ante o exposto, uma grave lesão do interesse público, por via da qual se imponha a execução imediata do ato, o que decorre da situação de extrema vulnerabilidade e sem qualquer local de abrigo, em que ficaria colocado o Requerente e o seu agregado familiar, e a própria posição assumida pela Entidade Requerida, que entre 10 de dezembro de 2024 (data da tomada de decisão) e o dia 12 de janeiro de 2025 não procedeu à notificação daquela decisão ao Requerente, que apenas se efetivou em 13 de janeiro de 2025.”
Vejamos.
Como se deu nota na sentença recorrida, do art.º 120.º do CPTA, que enuncia os critérios de que a lei faz depender a possibilidade de concessão de providências cautelares, decorre que são pressupostos, de preenchimento cumulativo, para a adoção de medida cautelar (i) a verificação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), (ii) a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris) e (iii) caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Iniciando-se a nossa apreciação pelo periculum in mora, entende-se que este se encontra preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Tem-se considerado que se está perante uma situação de facto consumado sempre que da não adoção da providência cautelar ocorra uma situação de impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforme ao Direito. Assim, haverá uma situação de facto consumado quando, na pendência de qualquer ação principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia (Ac. do TCA Norte de 5.4.2024, proferido no processo 00419/23.9BEPRT).
A providência também deve ser concedida quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.
Refira-se que para aferir da verificação do requisito do periculum in mora, o juiz “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível ou justificada’ a cautela que é solicitada. Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva actualmente o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que sempre em termos provisórios, a solução pretendida ou regule interinamente a situação” [Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 293].
Determina a lei que o receio deve ser fundado, ou seja, “apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”, não bastando “simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” (Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Volume III, Almedina, 2ª edição, pág. 87).
O periculum in mora “pressupõe, assim, um juízo qualificado ou um temor racional, isto é, deve assentar em factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, que permitam evitar o prejuízo. O mesmo é dizer que só a presença de um prejuízo atual, concreto e real, reconhecido como efetivamente grave, iminente e irreparável, resultante da demora da sentença definitiva de mérito, pode justificar o acolhimento do pedido apresentado pela via da urgência. Exige-se, no fundo, um juízo de probabilidade “forte e convincente”, a ser valorado pelo julgador segundo um critério objetivo”, de tal forma que uma providência cautelar “será injustificada se o periculum in mora nela invocado se fundar num juízo hipotético, genérico, abstrato, futuro ou incerto, ou num receio subjetivo, sustentado em meras conjeturas” (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, Almedina, pp. 206-213).
Isto posto, impõe-se recordar que para fundar o preenchimento do requisito do periculum in mora o Recorrido alegou que, juntamente com o seu agregado familiar constituído pela companheira e filho de 11 meses, encontrando-se a habitação social devoluta, e por terem sido despejados da sua habitação em abril de 2024, apenas tendo como alternativa morar ao relento, ocuparam a habitação em desespero e estado de necessidade. Que os seus amigos e familiares não os podem acolher em casa, sobrevivendo apenas com a ajuda destes e o salário mínimo nacional que o Recorrente aufere. Aduz que o mercado livre de arrendamento lhes está vedado face aos valores atualmente praticados e que lhe tem sido, também, vedado o recurso à habitação social. Pelo que, se o ato de despejo não for suspenso, se produzirão prejuízos de difícil reparação para o Requerente e o seu agregado familiar, pois vão passar a dormir ao relento, com as mais nefastas consequências para a vida, bem-estar e dignidade. E que, ainda que venha a obter ganho na causa principal, nunca virá a ser indemnizado pelos danos produzidos, pois não poderão ser compensados o agravamento do estado de saúde e até a perda do direito à vida.
Ora, o que sucede nos autos é que, opostamente ao que entendeu o Tribunal a quo, do probatório não resulta demonstrada a situação de inevitável carência habitacional do Requerente e do seu agregado familiar, no sentido de que, em caso de produção dos efeitos do ato suspendendo que lhes determina a desocupação da habitação social que, como o próprio Requerente não nega, ocupam sem título, se verão obrigados a dormir ao relento, ficando o Requerente, a sua companheira e o seu filho, em situação de sem abrigo.
Com efeito, há que considerar que o que resulta provado é que, em sede de atendimento perante os serviços municipais, o Requerente e a sua companheira informaram que, em agosto de 2024, o Requerente auferiria o salário mínimo nacional (uma remuneração anual em 2023 de € 11.324,61) encontrando-se a sua companheira desempregada, sendo pais de um bebé de 11 meses. Aí deram nota que, anteriormente à ocupação sem título, residiam numa casa que se encontrava arrendada/cedida a uma avó (a qual residia numa estrutura/residência para pessoas idosas), mas que pretendiam ter a sua própria habitação [factos E) e F)]. Mais dando conta que, aquando do nascimento do bebé, a companheira residiu no Barreiro em casa dos pais e que, face à distância ao local de trabalho do Requerente, residiram 2 meses em casa dos pais de A…, verificando-se, todavia, alguns conflitos que impediam a coabitação [facto F)]. Informaram que são saudáveis, sendo que o Requerente apresenta problemas de asma e rinite alérgica, para os quais se encontra medicado em SOS. E, questionados acerca da existência de suporte familiar, referiram os pais da companheira, residentes no Barreiro e, bem assim, os pais e irmão de A… a residir em Torres Vedras.
Além do exposto, nada mais resulta do probatório – com que ambas as partes se conformaram e ao qual este Tribunal ad quem se atém -, que releve à invocada situação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou produção de prejuízos de difícil reparação, designadamente nos termos alegados pelo Requerente.
Assim, retenha-se, por um lado, que este Tribunal verdadeiramente desconhece, porque o Requerente em momento algum o alegou de forma concretizada e provou, qual é afinal a sua situação económico financeira e se esta, efetivamente, corresponde àquela que afirmou perante a entidade administrativa. Isto é, na realidade, não se encontra demonstrado que apenas o Requerente aufira o salário mínimo nacional, encontrando-se a sua companheira desempregada e que, além desses rendimentos, não disponham de quaisquer outros.
Sem prejuízo, ainda que se aceitassem tais declarações como suficientes para a revelação da situação patrimonial daquele agregado familiar, o certo é que se desconhecem – por nem sequer terem sido alegados - os gastos por estes suportados, designadamente com bens essenciais, como alimentação ou medicamentos. Sendo certo que, o que resulta também dos factos provados [ponto F)] é que o Requerente foi informado que poderá beneficiar de apoios monetários a esse arrendamento.
E, por outro lado, vem genericamente alegado que o Requerente não pode recorrer ao mercado de arrendamento privado atentos os preços praticados sem, em momento algum, sequer se concretizar quais são, afinal, para uma tipologia adequada àquele agregado familiar, os valores do arrendamento praticados no município de Torres Vedras.
Ou seja, não é possível concluir – por não se provarem os factos indispensáveis -, à luz dos rendimentos auferidos pelo Requerente e pelo seu agregado familiar, dos gastos por estes suportados, e dos custos do arrendamento de uma habitação na localidade em causa, a alegada impossibilidade de, na pendência da ação principal, arrendarem uma habitação que supra as suas necessidades habitacionais.
Acrescente-se que o que o Recorrido alegou, mas também não demonstrou, foi a inexistência de alternativa habitacional, que permita o seu realojamento provisório no período a decorrer até ao trânsito em julgado da ação principal. Com efeito, é que o Recorrido invocou a impossibilidade de, designadamente junto de familiares (e amigos), obter alojamento, mas não o provou.
E, na realidade, o que decorre das informações que prestou perante a entidade administrativa é que não só, anteriormente à ocupação sem título, residiu, com o seu agregado familiar, junto de familiares - na habitação de uma avó que se encontrava desocupada por esta estar em estrutura residencial para seniores e na casa dos progenitores -, como estes (pais e irmã) teriam disponibilidade para providenciar a ajuda necessária [factos E) e F)]
Importa, ainda, considerar que da informação constante do ponto E) resulta, ainda, a possibilidade do Requerente acionar o realojamento provisório de emergência em unidade hoteleira.
O que resulta do exposto é, na verdade, a ausência de demonstração de que a produção de efeitos do ato suspendendo, impondo a desocupação da habitação social que ocupa sem título no prazo de 3 dias úteis, determinará que, na pendência da ação principal, o Requerente e o seu agregado familiar fiquem em situação de total carência habitacional, em termos tais que se produzam os alegados prejuízos de difícil reparação ou a situação de facto consumado que invocou.
Não se pode, pois, considerar demonstrado o requisito do periculum in mora.
O Tribunal a quo assenta a solução que alcançou - de que a produção de efeitos do ato suspendendo implicará que o Requerente e o seu agregado familiar deixem de dispor de um local de abrigo - em asserções que não encontram qualquer acolhimento na factualidade que deu como provada, presumindo ainda uma insuficiência do prazo concedido para a desocupação para obterem alternativa habitacional, sem sequer esclarecer em que assenta tal presunção, designadamente se o faz à luz regras da experiência e, em caso afirmativo, sem as enunciar.
Incorreu, portanto, em erro de julgamento.
*

Dado que as condições de procedência das providências cautelares definidas no art. 120.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA, são de verificação cumulativa, basta a não verificação de qualquer delas para que a providência seja julgada improcedente, não havendo, pois, que conhecer do erro de julgamento apontado ao preenchimento dos demais requisitos supra enunciados (cf. art. 608.º, n.º 2 do CPC).

5. Da condenação em custas

Vencido, é o Recorrido condenado nas custas do presente recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, julgando-se totalmente improcedente a providência cautelar.
b. Condenar o Recorrido nas custas do presente recurso, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Mara de Magalhães Silveira
Marcelo da Silva Mendonça
Marta Cavaleira