Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:15612/24.9BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:06/18/2025
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:JULGAMENTO AMPLIADO DO RECURSO;
NULIDADE;
ERROS DE JULGAMENTO (V.G. LEI N.º 66-B/2007, DE 28 DE DEZEMBRO- SIADAP;
LEI N.º 112/2017, DE 29 DE DEZEMBRO - PREVAP;
DESPACHO NORMATIVO N.º 4-A/2010, DE 8 DE FEVEREIRO, ETC).
Sumário:1.A factualidade assente, enquadrada pelo direito ao caso concreto aplicável rechaça a fundamentação em que se alicerçou o despacho recorrido, mostrando-se, pois, manifesto o erro de julgamento em matéria de direito da decisão recorrida ao ter determinado, como determinou, a produção de prova pericial pelo INML para aferir sobre a incapacidade da recorrida em virtude do acidente de trabalho por si sofrido: cfr. pontos 1 a 6 da matéria assente e art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.
2.Na verdade, o procedimento procedimental e substantivo legalmente previsto, tendente à sujeição da recorrida às Juntas Médicas da CGA é o regime contido no art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.

3.Ademais, quando dos autos, resulta, à evidência, que: “… do acidente em serviço não resultaram sequelas passíveis de desvalorização…”, ou seja, que nas 3 Juntas Médicas realizadas (de forma colegial e com um médico representante da recorrida) não foi encontrada qualquer relação direta (nexo de causalidade) entre o acidente sofrido em 2019 entre as queixas presentemente apresentadas: cfr. pontos 1 a 6 da matéria assente e art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.

4.Donde, não tendo sido, como não foi, em sede própria, identificado o nexo de causalidade entre o acidente e as queixas, e não havendo notícia de ter sido utilizada, como se impunha e para tanto foi notificada a recorrida, da possibilidade de acionar a Junta Médica de recurso da CGA para colocar em causa tal conclusão, não há como, em sede probatória, avaliar e graduar a taxa de incapacidade para o trabalho através de perícia solicitada ao INML, ao abrigo do 467.º e segs. do CPC: cfr. pontos 1 a 6 da matéria assente e art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:
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I. RELATÓRIO:
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES – CGA, ré, ora recorrente, nos autos que correm termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – TAC de Lisboa, sob o nº 15612/24.9BELSB, e em que é autora a ora recorrida, I ………………………, inconformada com o despacho de 2024-02-12, proferido pelo tribunal a quo e que ordenou a requisição da perícia médico-legal requerida pela A. “…nos termos do artigos 467.º, n.º 3, 478.º, n.º 2, do CPC, conjugado com a Lei n.º 45/2004, de 19/08…”, veio dele interpor recurso, em separado, para este Tribunal Central Administrativo do Sul -TCA Sul, apresentando para tanto, as conclusões que se transcrevem:« …A. A CGA vem recorrer da decisão proferida pelo TAC de Lisboa, de 2024-12-02 que deferiu a produção de prova pericial requerida pela A.
B. É entendimento da CGA que a perícia médica requerida ao Tribunal, e agora admitida na decisão de que ora se recorre, não é legalmente admissível, por duas ordens de razões: 1) No contexto das responsabilidades da CGA em aplicação do DL n.º 503/99, de 20 de novembro (Capítulo IV), “A composição e funcionamento das juntas médicas é da responsabilidade da CGA , que requisitará o perito médico-legal ao respetivo instituto de medicina legal ou o médico ao Centro Nacional e suportará os inerentes encargos, incluindo os relativos à eventual participação do médico indicado pelo sinistrado ou doente.” 2) Por outro lado, porque, só em casos extremos é que o juiz poderá imiscuir-se no exercício da discricionariedade técnica da Administração, anulando os correspondentes atos administrativos com fundamento em "erro manifesto de apreciação”.
C. Portanto, é à junta médica prevista no art. 38.º do DL n.º 503/99 (de composição colegial) que está legalmente atribuída a tarefa de avaliar e graduar a incapacidade decorrente de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
D. O objeto das juntas de acidentes de trabalho previstas no DL n.º 503/99, de 20 de novembro, consiste na avaliação do grau de IPP resultante do evento danoso, e não numa avaliação genérica (que, note-se, inclui pedidos de avaliação de incapacidades temporárias, o que não se enquadra sequer no objeto das juntas médicas prevista no art. 38.º do DL n.º 503/99) sendo a composição e funcionamento da responsabilidade da CGA “que requisita um perito médico- legal ao respetivo Instituto de medicina legal” (cfr. previsto no n.º 3 do art. 38.º)
E. E que não se pode confundir com o contexto das perícias médico-legais efetuadas no âmbito do direito civil ou criminal onde a prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo fixada livremente pelo Tribunal – nos termos dos art. 389.º do Código Civil - CC e 489.º do Código de Processo Civil – CPC.
F. Nesse sentido, cumpre realçar o entendimento jurisprudencial quanto a situações conexas (vejam-se o Acórdão do STA de 2022-01-27, proc. 01665/19.5 BEBRG-S2, o Acórdão do TCA Sul de 2008-02-28, proc. n.º 3486/08, ou o Acórdão do TCA Norte de 2022-09-30, proc.º 755/21.9BEPNF-S1): «A averiguação da capacidade ou incapacidade da ora recorrente para se manter ao serviço (...) compete àquela junta médica da CGA, não aos juízes, nem a quaisquer peritos médicos nomeados “ad hoc” para o efeito») que é a junta médica da CGA que tem competência legal para avaliar e fixar o grau de incapacidade decorrente de um acidente de trabalho, nos termos do disposto nos art.s 34.º, nº 2, e 38.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.
G. Pelo que, como conclui a referida jurisprudência, a realização da perícia médico-legal determinada neste processo pelo despacho de que se recorre consubstanciará, salvo o devido respeito, na realização de um ato inútil, e por isso proibido pelo art. 130.º do CPC.
H. Além de que a perícia médico-legal determinada pelo douto Tribunal é realizada por um perito do INML, e foi assim determinada, aparentemente, com o intuito de confrontar o seu resultado com aquele que foi já alcançado em três avaliações pela junta médica da CGA - de composição colegial e que incluiu um médico do INML – nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 38.º do DL n.º 503/99, de 20 de novembro – o que, em todo o caso, não deixa de ser surpreendente.
I. Face ao exposto, o pedido de perícia formulado pela A., e agora admitido pelo douto Tribunal «a quo» carece de suporte legal face ao regime previsto no DL n.º 503/99, de 20 de novembro, não devendo ser admitida pelos motivos acima descritos.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.ªs deverá ser revogada a decisão proferida em 2024-12-02, que ordenou a produção de prova pericial, com as legais consequências.».: cfr. fls. 15 a 21 destes autos.
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Por seu turno a A., ora recorrida, contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida, para tanto, apresentando nas respetivas contra-alegações as conclusões que se transcrevem: “…B. Embora a recorrente tenha impugnado o deferimento da realização de perícia médico legal porque considera ser sua competência, mediante juntas médias, a atribuição/fixação de incapacidade, o objeto da perícia deferida não é a fixação de incapacidade.
C. O objeto da perícia médico legal deferida à A. não abrange sequer a fixação de incapacidade.
D. Sem retirar à CGA a competência para a atribuição e graduação da incapacidade, a submissão da A. a perícia médico-legal, a realizar pelo Instituto de Medicina Legal e que avalie o efetivo estado de saúde dos seus membros inferiores, destina-se a determinar e esclarecer a efetividade do seu estado de cura clínica, a viabilidade de mais tratamentos e terapêuticas que lhe proporcionem melhoria e bem-estar físico e a retoma do trabalho, e, em sentido oposto a existência ou não, e em caso afirmativo quais, as perdas de capacidade para o trabalho.
E. A perícia médico legal visa também, e ainda, esclarecer o Tribunal “a quo” se existe nexo de causalidade entre o acidente sofrido pela A. e referido nos presentes autos, e o seu eventual estado de incapacidade.”
F. A perícia médico legal constitui um meio de prova.
G. A A. continua a sofrer de inchaço e dores, entrando em sofrimento a cada regresso ao trabalho, por isso permanecendo com baixa médica há vários meses.
H. Constam dos autos diversos documentos médicos, v.g. pareceres e relatórios de consultas médicas realizadas em serviços públicos de saúde que atestam a situação da A., recomendando, inclusivamente exames complementares específicos para avaliação e estabelecimento de terapêutica.
I. É obrigação direta do estado proporcionar à A. reparação/proteção efetiva e digna.J. É competência do tribunal, averiguar e decidir com independência de qualquer instituto público sobre as questões e causas que lhe são colocadas (art.s 202.º e 203.º da CRP).
K. Não é aceitável que a A. seja abandonada à sua sorte sem que lhe seja assegurada uma solução médica para as lesões adquiridas em função do acidente em serviço nem a pertinente e adequada proteção quanto à incapacidade para o trabalho.
L. Sendo a CGA, simultaneamente, parte e árbitro na decisão, constitui uma solução algo estranha e claramente falaciosa pois é causa do referido abandono da A. à sua sorte, e é suscetível de, por via da violação de tal obrigação direta do estado, constituir grave inconstitucionalidade, impedir o órgão de soberania Tribunal de ordenar e apreciar todos os meios de prova legalmente admitidos.
M. O art. 48º, do DL nº 503/99, faculta aos trabalhadores da Administração Pública, vítimas de acidente em serviço, a ação para reconhecimento de direitos ou interesse legalmente protegidos, contra os atos e omissões relativos à aplicação das suas normas.
N. Tal faculdade destina-se a proporcionar-lhes tutela jurisdicional em condições de igualdade com os demais trabalhadores, isto é: com a mesma densidade e amplitude que é assegurada aos trabalhadores das entidades empregadoras privadas, designadamente mediante acesso a um processo justo e equitativo.
O. De outro modo, os trabalhadores em funções públicas teriam uma tutela jurisdicional diminuída em relação aos trabalhadores abrangidos pela Lei Geral dos Acidentes de Trabalho - LGTFP, relativamente aos quais, para combaterem as decisões dos serviços clínicos das seguradoras, na fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público, que se apoia na peritagem médico-legal, têm as juntas médicas dirigidas pelos tribunais na fase contenciosa.P. Aos trabalhadores em funções públicas, incluindo à recorrida, deverá ser garantida a possibilidade de demonstrar o seu efetivo estado de saúde após um acidente de serviço e a eventual viabilidade de maior recuperação, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos princípios da igualdade e da separação de poderes.
Q. Andou por isso bem o, aliás, douto despacho recorrido, ao admitir a perícia médico-legal à A., numa interpretação adequada às circunstâncias, e a melhor e mais consentânea com as normas dos art.s dos 268.º, nº 4, da CRP, 2.º e 3.º do CPTA e, ainda, 2.º, 20.º, n.º 4, da mesma Lei Fundamental, e com a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos da recorrida (art.º 202.º, n.º 2, da CRP).
Termos em que, e nos mais de Direito que doutamente serão supridos, deve o presente recurso improceder in totum, mantendo-se o, aliás, douto despacho a quo, assim se fazendo a costumada e sã justiça! ...: cfr. fls. 24 a 32 destes autos.
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Em 2025-02-25, o recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo: cfr. fls. 41 destes autos.
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A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central, de acordo com o disposto no art. 146º e art. 147º ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA, emitiu Parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, pugnando pela “… procedência do presente recurso, devendo, em consequência, ser revogado o despacho recorrido…”: cfr. fls. 48 e 58.
E, de tal parecer, notificadas, as partes nada disseram: cfr. fls. 59 a 61.
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Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente (cfr. art. 36º nº 2 do CPTA ex vi art. 48.º do DL n.º 503/99, de 20 de novembro in fine), mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.
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II. OBJETO DO RECURSO:
Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pela entidade recorrente e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso incorreu no assacado erro de julgamento.

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III. FUNDAMENTAÇÃO:
Com relevância para a decisão do presente recurso importa ter presente que:
1. Em 2021-10-25 e na sequência de Junta Médica da CGA realizada à recorrida na decorrência do acidente em serviço, a referida Junta Médica da CGA deliberou que: “…. Do acidente/doença em serviço não resultaram sequelas passíveis de desvalorização…”: cfr. PA junto pela CGA (ref. 010012305, aos autos principais a que o presente recurso vem apenso) e parecer da EMMP de fls. 48 e 58;
2. Em 2023.08.23, e por a A. ter solicitado a reabertura do processo por acidente à sua Entidade Empregadora, foi realizada nova Junta Médica da CGA, tendo esta, deliberado que: “… do acidente em serviço não resultaram sequelas passíveis de desvalorização”: cfr. PA junto pela CGA (ref. 010012305, aos autos principais a que o presente recurso vem apenso) e parecer da EMMP de fls. 48 e 58;
3. Em 2024.02.07, e por a A. ter solicitado novamente a reabertura do processo por acidente à sua Entidade Empregadora, foi realizada nova Junta Médica da CGA por agravamento, tendo esta, por unanimidade e com o voto de vencido do médico indicado pela A., deliberado que: “… do acidente/doença em serviço não resultaram sequelas passíveis de desvalorização…”: cfr. PA junto pela CGA (ref. 010012305, aos autos principais a que o presente recurso vem apenso) e parecer da EMMP de fls. 48 e 58;
4. A A. foi notificada do resultado da Junta Médica da CGA e de que poderia requerer, nos termos do art. 39.º do D.L. 503/99, uma Junta de Recurso: cfr. PA junto pela CGA (ref. 010012305, aos autos principais a que o presente recurso vem apenso) e parecer da EMMP de fls. 48 e 58;

5. Em 2024-08-18 A., ora recorrida, instaurou ação administrativa para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido peticionando a condenação da recorrente a avaliar e graduar a taxa de incapacidade para o trabalho e, em face da mesma, reparar integralmente dos danos físicos e morais sofridos pela recorrida em consequência do acidente em serviço ocorrido em 2019-02-06 : cfr. Petição Inicial - PI de 2024-08-18, com referência 009924644 que consta dos autos principais a que o presente recurso vem apenso e parecer da EMMP de fls. 48 e 58;
6. Em 2024-02-12, o tribunal a quo proferiu o despacho sob recurso, de que ressalta: “…Requerimento a fls. 371 a 373:
Conforme resulta do art. 1.º do DL 503/99 de 20/11, o mesmo estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais ocorridos ao serviço de entidades empregadoras públicas.
Resulta do art.º 38º do mesmo que: (…)
E, do art.º 39º do mesmo diploma que: (…)
A junta médica a que se reportam os art.s 20º e 21º do DL. n.º 503/99, é a junta médica da ADSE, a qual se destina a verificar e confirmar a incapacidade temporária, bem como a atribuição da alta ou a sua revisão, aferindo se o trabalhador sinistrado está ou não em condições de retomar o serviço, enquanto a junta médica da CGA a que se refere o art. 38º do mesmo Regime se destina a verificar (a graduar) a incapacidade permanente.
É certo que o A. desencadeou o procedimento da Junta de Recurso, a qual concluiu pelo indeferimento.
E é neste contexto que cumpre aferir da possibilidade de prova pericial no sentido de colocar em causa a decisão da Junta Médica proferida ao abrigo do art.º 38º suprarreferido.
Nunca se colocaria a questão de substituir uma prova pericial realizada em Tribunal pela decisão da Junta Médica, mas apenas de através deste meio de prova abalar a sua consistência podendo concluir pelo erro sobre os pressupostos do ato.
Na verdade, a deliberação colegial da Junta Médica constituída nos termos do art. 38º, do DL nº 503/99, de 20 de novembro, ainda que sindicável, não só na presença de ostensivo erro grosseiro, mas nos termos mais abrangentes aceites na doutrina e jurisprudência, só pode ser posta em causa e, eventualmente, removida, nas condições previstas no art. 39º, do mesmo diploma legal, ou seja, por deliberação colegial de outra Junta Médica, a Junta de Recurso, composta nos termos do nº 2 do mesmo preceito.
Pelo que, tendo o A. impugnado aquelas decisões de juntas médicas nos presentes autos, entende este Tribunal que, atenta a matéria alegada pelas partes, considero não ser impertinente nem dilatória a diligência de perícia médica, à pessoa do A..Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, ordeno a realização da perícia requerida nos autos, a realizar pelo Instituto de Medicina Legal, e que avalie o efetivo estado de saúde dos membros inferiores do A.1]minando e esclarecendo a efetividade do seu estado de cura clínica, a viabilidade de mais tratamentos e terapêuticas que lhe proporcionem melhoria e bem-estar físico e a retoma do trabalho, e, em sentido oposto a existência ou não, e em caso afirmativo quais, as perdas de capacidade para o trabalho (art.º 467.º e sgs. do CPC), e ainda, para esclarecer este Tribunal, se existe nexo de causalidade entre o acidente sofrido pelo A. e referido nos presentes autos, e o seu eventual estado de incapacidade.
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Requisite-se a perícia aos serviços médico-legais, nos termos dos art.s 467.º, n.º 3, 478.º, n.º 2, do CPC, conjugado com a Lei n.º 45/2004, de 19/08, juntando, para o efeito, cópia dos articulados, e dos documentos anexos para melhor compreensão/esclarecimento, e ainda do Despacho Saneador.
Tendo em conta que se trata de um processo urgente, o prazo para apresentação do relatório é de 30 (trinta) dias – cf. art. 478.º, n.º 2, do novo CPC.
Com o relatório pericial deve o perito prestar compromisso de honra, nos termos dos art.s 479.º, n.ºs 1 e 3, do CPC…” : cfr. fls. 12 a 14 destes autos.
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B – DE DIREITO:
Não desconhecemos que, pese embora tendo sido interposto recurso antes da realização da perícia solicitada ao INML, na data em que os presentes autos de recurso foram autuados já havia sido realizada a perícia solicitada ao INML.

Entendemos que tal não coloca, atenta a natureza da questão probatória, supervenientemente, em causa o objeto do presente recurso, o qual passamos de seguida a conhecer.

Assim:

DO ERRO DE JULGMENTO DE DIREITO (v.g. art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro):
Importa recordar o essencial do discurso fundamentador do despacho recorrido: “… Na verdade, a deliberação colegial da Junta Médica constituída nos termos do art. 38º, do DL nº 503/99, de 20 de novembro, ainda que sindicável, não só na presença de ostensivo erro grosseiro, mas nos termos mais abrangentes aceites na doutrina e jurisprudência, só pode ser posta em causa e, eventualmente, removida, nas condições previstas no art. 39º, do mesmo diploma legal, ou seja, por deliberação colegial de outra Junta Médica, a Junta de Recurso, composta nos termos do nº 2 do mesmo preceito.
Pelo que, tendo o A. impugnado aquelas decisões de juntas médicas nos presentes autos, entende este Tribunal que, atenta a matéria alegada pelas partes, considero não ser impertinente nem dilatória a diligência de perícia médica, à pessoa do A..Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, ordeno a realização da perícia requerida nos autos, a realizar pelo Instituto de Medicina Legal, e que avalie o efetivo estado de saúde dos membros inferiores do A.1]minando e esclarecendo a efetividade do seu estado de cura clínica, a viabilidade de mais tratamentos e terapêuticas que lhe proporcionem melhoria e bem-estar físico e a retoma do trabalho, e, em sentido oposto a existência ou não, e em caso afirmativo quais, as perdas de capacidade para o trabalho (art.º 467.º e sgs. do CPC), e ainda, para esclarecer este Tribunal, se existe nexo de causalidade entre o acidente sofrido pelo A. e referido nos presentes autos, e o seu eventual estado de incapacidade…”.

A factualidade assente, enquadrada pelo direito ao caso concreto aplicável rechaça a fundamentação em que se alicerçou o despacho recorrido, mostrando-se, pois, manifesto o erro de julgamento em matéria de direito da decisão recorrida ao ter determinado, como determinou, a produção de prova pericial pelo INML para aferir sobre a incapacidade da recorrida em virtude do acidente de trabalho por si sofrido: cfr. pontos 1 a 6 da matéria assente e art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.

Na verdade, o procedimento procedimental e substantivo legalmente previsto, tendente à sujeição da recorrida às Juntas Médicas da CGA é o regime contido no art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.

Donde, as conclusões das juntas médicas realizadas à recorrida só podem ser colocadas em causa por Junta Médica da CGA de recurso e não por perícia a realizar pelo INML, para avaliar o efetivo estado de saúde dos membros inferiores da recorrida, determinando e esclarecendo a efetividade do seu estado de cura clínica, a viabilidade de mais tratamentos e terapêuticas que lhe proporcionem melhoria e bem-estar físico e a retoma do trabalho, e, em sentido oposto a existência ou não, e em caso afirmativo quais, as perdas de capacidade para o trabalho e ainda, se existe nexo de causalidade entre o acidente sofrido pela recorrida e o seu eventual estado de incapacidade, como acabou decidindo o tribunal a quo na decisão recorrida: cfr. art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro versus art. 467.º e ss. do CPC.

A fundamentação utilizada no despacho recorrido mostra-se singular e contraditória nos seus termos, misturando realidades distintas e afirmando primeiramente o direito corretamente aplicável ao caso concreto (art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro), para logo de seguida, concluir também – e erradamente - pela aplicação de uma perícia que nada tem que ver com a realidade dos autos (art. 467.º e ss. do CPC).

Ademais, quando dos autos, resulta, à evidência, que: “… do acidente em serviço não resultaram sequelas passíveis de desvalorização…”, ou seja, que nas 3 Juntas Médicas realizadas (de forma colegial e com um médico representante da recorrida) não foi encontrada qualquer relação direta (nexo de causalidade) entre o acidente sofrido em 2019 entre as queixas presentemente apresentadas: cfr. pontos 1 a 6 da matéria assente e art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.

Donde, não tendo sido, como não foi, em sede própria, identificado o nexo de causalidade entre o acidente e as queixas, e não havendo notícia de ter sido utilizada, como se impunha e para tanto foi notificada a recorrida, da possibilidade de acionar a Junta Médica de recurso da CGA para colocar em causa tal conclusão, não há como, em sede probatória, avaliar e graduar a taxa de incapacidade para o trabalho através de pericial solicitada ao INML, ao abrigo do 467.º e ss. do CPC: cfr. pontos 1 a 6 da matéria assente e art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro.

O despacho recorrido julgou com desacerto ao considerar “… não ser impertinente nem dilatória a diligência de perícia médica, à pessoa do A…”, bem como ao determinar a realização da perícia requerida nos autos pelo INML, fixando, além do mais, como objeto de tal pericial a identificação das perdas de capacidade para o trabalho, a existência de nexo de causalidade entre o acidente sofrido pela recorrida e o seu eventual estado de incapacidade: cfr. pontos 1 a 6 da matéria assente e art. 38º e art. 39º ambos do DL n.º 503/99, de 20 de novembro; art. 467.º e segs. do CPC.

Tal entendimento é ainda reforçado pelo Parecer da EMMP, proferido nos presentes autos, com o qual inteiramente concordamos e que, por isso, transcrevemos: “… constitui jurisprudência pacífica dos tribunas superiores que é a Junta Médica da CGA que tem competência legal para avaliar e fixar o grau de incapacidade decorrente de um acidente de trabalho, nos termos do disposto nos art.s 34.º, nº 2, e 38.º, n.º 1, al. a), do DL n.º503/99, de 20 de novembro (Cfr. Acórdãos do STA, de 27.01.22, Proc. 01665/19.5 BEBRG-S2 e de 24.11.2022, Proc. 0936/16.7BEPNF e Acórdão TCA Norte, de 30.09.2022, Proc. 755/21.9BEPNF-S1 (este não publicado) considerando-se que “… a deliberação colegial da Junta Médica constituída nos termos do art. 38º do DL nº 503/99, de 20/11, só pode ser posta em causa e, eventualmente, removida, nas condições previstas no art. 39º do mesmo diploma legal, ou seja, por deliberação colegial de outra Junta Médica, a Junta de Recurso, composta nos termos do nº 2 do mesmo preceito…”.

E como decidiu o muito recente Acórdão do TCAN, de 11.10.2024, Proc. 902/19.0BEPNFS2: “… em conformidade com o que assim tem sido reiteradamente julgado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores desta jurisdição administrativa, não pode ser deferida a realização de uma perícia médica [que sempre será realizada por perito singular - Cfr. art 467.º, n.º 1 do CPC] a realizar por perito designado pelo INMLCP, que tenha por objeto a emissão de uma pronúncia nos termos e para efeitos da fixação de indemnização decorrente de uma IPP na decorrência de um acidente em serviço, quando de resto, atento o regime jurídico convocável [o DL n.º 503/99, de 20 de novembro], já foi proferida decisão por junta médica, a qual não objeto de impugnação judicial [porque assim não o patenteia o A. nos autos].

Com efeito, o procedimento adequado onde deve ser realizada essa fixação de IPP, e por via de junta médica, vindo legalmente regulado no DL n.º 503/99, de 20 de novembro, não pode ser subvertido pela introdução de um novo decisor nesse domínio, em sede do regime geral de produção de prova, por assim não o admitir o legislador…”.

Termos em que, sem necessidade de mais amplas considerações, se conclui que o despacho recorrido padece do assacado erro de julgamento de direito.
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IV. DECISÃO:
Nestes termos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em julgar procedente o presente recurso, revogando, em consequência, o despacho recorrido.
Custas a cargo da recorrida.
18 de junho de 2025
(Teresa Caiado – relatora)
(Maria Helena Filipe – 1ª adjunta)
(Rui Pereira –2º adjunto)