| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 601/11.1BELRS | 
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| Secção: | CT | 
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| Data do Acordão: | 10/16/2025 | 
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| Relator: | TERESA COSTA ALEMÃO | 
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| Descritores: | IVA QUEBRAS EM SUPERFÍCIES COMERCAIS; ILISÃO DA PRESUNÇÃO DE TRANSMISSÃO PREVISTA NO ART. 80.º DO CIVA, VIGENTE À DATA (ACTUAL 86.º). | 
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| Sumário: | I - A norma do art. 80.º do CIVA (actual 86.º) não contém quaisquer restrições probatórias à ilisão da presunção, nomeadamente, as especificadas pela AT no ofício n° 12937, de 22-06-2009, da DSIRC; II – Se ficou demonstrado nos autos que a Recorrida contabiliza mensalmente, numa perspetiva prudente, uma estimativa do valor das diferenças de inventário (associadas a quebras de origem desconhecida), correspondente a uma percentagem, obtida por secção, do valor de vendas operacionais dessa mesma secção”; que procede à contagem física dos bens, numa base semestral, no âmbito das quais deteta as diferenças entre o inventário a nível físico e a nível contabilístico, correspondentes a quebras de existências cuja origem é desconhecida, neste momento corrigindo os valores de quebras de origem desconhecida estimadas mensalmente, e que o valor respeitante à variação de stocks (obtido por comparação entre o stock final e o inicial) é registado na "#612220000 - CMV - variação de stocks Sirius Com", correspondendo o saldo desta conta à soma das diversas variações de stocks, positivas e negativas, apuradas ao longo dos diversos períodos mensais, que a taxa média de perdas desconhecidas por si declarada se situa abaixo da declarada por estabelecimentos congéneres europeus e mundiais e que possui nas suas lojas sistemas de controlo implementados, como sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida, tem de se considerar que o procedimento por si levado a cabo se revela adequado a um controlo suficientemente rigoroso das quebras desconhecidas, pelo que logrou ilidir a presunção de transmissão a que se refere o art. 80.º do CIVA (actual 86.º). | 
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| Votação: | Unanimidade | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum | 
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| Aditamento: |  | 
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença, proferida em 25 de Setembro de 2020, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial interposta pela C......., S.A., e, consequentemente, anulou parcialmente as liquidações adicionais de IVA do ano de 2004 com os n°s .......504, .......688, .......486, .......488, .......494, .......690, .......496, .......498, .......692, .......500, .......502, .......694, na parte correspondente ao valor global de € 755.066,97 liquidado com referência às quebras de origem desconhecida, e das correspondentes liquidações de juros compensatórios. A Recorrente FP termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: «A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga procedente a impugnação deduzida pela impugnante C....... S.A. das liquidações adicionais de IVA, devidamente identificadas nos autos, referentes ao ano de 2004, e correspondentes liquidações de juros compensatórios, da mesma discordando a Fazenda Pública, com o devido respeito, porquanto procede a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com consequente inadequado enquadramento jurídico. B. Em causa nos presentes autos está a liquidação de IVA decorrente da aplicação do disposto no artigo 86.°do CIVA (artigo 80.°do CIVA à data dos factos), em face da falta de fundamentação/justificação pela impugnante para as registadas/contabilizadas quebras de existências desconhecidas constatadas e analisadas em sede de procedimento inspectivo decorrido à impugnante, e do qual vieram a resultar as liquidações adicionais de IVA em apreciação nos presentes autos. C. A douta sentença fundamenta a decisão procedente nas Informações da AT constantes do probatório, a alíneas K) e L), de acordo com as quais «(...) será de aceitar como elidida a presunção do artigo 86.° do CIVA quando os bens considerados perdidos, por razões desconhecidas, preencham os critérios adoptados para efeitos de IRC, através, nomeadamente de uma análise casuística e circunstancial de cada empresa, dentro de limites razoáveis para o sector de actividade, como é referido no ponto 16 da presente informação. Reforça-se, no entanto, a elaboração de um “documento de inventário com as diferenças de stock”, corroborando a informação da DSIRC.». D. De tais Informações mais decorre que a aceitação das quebras de existências (desconhecidas) ocorridas nas grandes superfícies de venda a retalho, sendo inerentes à actividade normal das empresas enquadradas em tal sector, depende: i) da análise das situações concretas em que ocorreram - com verificação da existência de sistemas de controlo implementados, como sejam, sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida, para assegurar a minimização dos furtos; e da ii) da existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, que abranja não só as quebras identificadas como as quebras não identificadas. E. Mais se impondo que seja demonstrado que as quebras de existências evidenciadas e registadas pelo sujeito passivo se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade, o que assenta numa análise das situações concretas de cada empresa, dentro do particular sector da venda a retalho, não sendo de considerar uma qualquer percentagem previamente definida sobre a facturação. F. Entende, contudo, e respeitosamente, a Fazenda Pública que, conforme resulta do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), constante do probatório, tal sistema de registo informático de quebras de existências foi constatado no referente às quebras de existências conhecidas, mas configura-se inexistente para as quebras desconhecidas, cuja determinação é efectuada semestralmente tomando por base a diferença resultante entre o stock físico e o stock registado contabilisticamente (vide alínea D) dos factos provados), não resultando do RIT qualquer procedimento adicional de registo informático das quebras de existências desconhecidas que extravase a mera e automática identificação dos valores obtidos em sede de contagem física, subtraídos aos valores constantes do stock contabilístico, como quebras de existência não controladas pelo sujeito passivo (o que é confirmado pelos factos M), N) e O) dos factos assentes da douta sentença). G. Por outro lado, mais não foi demonstrado de que forma é atestada a referida diferença de valores entre stock físico e stock contabilístico, apelando à identificação e concreta participação dos vários intervenientes no procedimento de recolha dos valores, validação, inserção informática, bem como não decorre do probatório a elaboração “de documento de inventário com as diferenças de stock”, sendo que aqui apelamos ao facto constante da alínea K) do probatório da douta sentença, do qual resulta tal exigência. H. Acresce que o requisito suplementar, para efeitos de aceitação dos valores como efectivas quebras de existências desconhecidas, no referente à demonstração de que as quebras de existências desconhecidas evidenciadas contabilisticamente pelo sujeito passivo se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade, não se mostra do mesmo cumprido nos presentes autos, na medida em que apela o Tribunal a quo ao facto assente da alínea S), e verificamos não se mostrar tal facto de molde a sustentar as conclusões do Tribunal a quo. I. Ora, o facto constante da alínea S) constitui-se em si próprio como uma mera conclusão, a que se mostram ausentes as competentes premissas factuais em que assenta o juízo conclusivo da testemunha, e consequentemente, do Tribunal a quo, sendo que, tal conclusão teria de assentar em efectivos factos patentes em documentos de suporte ao sistema informático de facturação e contabilístico, bem como registos informáticos e contabilísticos, que não constam dos autos - nem do RIT, nem de informações subsequentes constantes dos autos, nem de prova produzida, conforme lhe incumbia, pela impugnante. J. Por outro lado, considera a douta sentença o facto provado apelando ao artigo 171.° da p.i. não impugnado, mais se referindo a suposto acordo, cujo fundamento factual e jurídico se desconhece, pois que, se por um lado, não consta dos autos qualquer acordo em relação ao facto trazido ao probatório, por outro lado, resulta do disposto no artigo 110.° do CPPT que “A falta de contestação não representa a confissão dos factos articulados pelo impugnante.", pelo que, de acordo com o n.° 7 do citado artigo 110.° do CPPT, sempre o Tribunal se deverá considerar vinculado na fixação da matéria de facto em sede de sentença a especificar o concreto meio de prova pelo qual adquire a convicção de que o facto a que apela deverá ser eleito à categoria de facto provado, e de que forma adquire tal convicção. K. Ainda, dever-se-á considerar que não estamos perante facto meramente instrumental, mas sim perante facto principal a que alude a douta sentença para efeitos de verificação dos pressupostos contidos nas Informações da AT, com o fim de admitir os valores contabilizados como quebras de existências desconhecidas, e subsequente afirmação de ter sido ilidida a presunção contida no artigo 80.°, à data dos factos, do Código do IVA, mas sim perante facto em relação ao qual a Impugnante deveria ter produzido prova, na medida em que é facto por si alegado, e, tendo-se demitido de tal ónus, contra si deverão correr as consequências da falta de prova nos termos do disposto no artigo 74.° da LGT. L. Atento o exposto, não se mostram preenchidos os requisitos para que em sede de IVA se considere ilidida a presunção do artigo 80.° do Código do IVA, quando os bens são considerados perdidos por razões desconhecidas, por ser necessária: i) a verificação da existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, que abranja não só as quebras identificadas como as quebras não identificadas; e, ii) a verificação, mediante uma análise casuística e circunstancia de cada empresa, de que os valores das quebras de existências se situem dentro de limites razoáveis para o sector de actividade, com elaboração de um documento de inventário com as diferenças de stock; o que não foi demonstrado nos presentes autos. M. Sendo que, tal ausência de requisitos não permite à douta sentença concluir no sentido de ter sido ilidida a presunção de transmissão de bens para efeitos de IVA constante do artigo 80.° do CIVA (actual artigo 86.° do CIVA), tendo incorrido em erro de julgamento de facto, atenta a errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão, e em erro de julgamento de direito, porquanto procede, sem fundamento, a uma inversão do ónus da prova a cargo da impugnante e decorrente do prescrito no artigo 86.° do CIVA. N. Mais se requer, por verificados os requisitos vertidos no n.° 7 do artigo 6.° do RCP, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor que excede o montante de € 275.000,00. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, com as legais consequências. Mais se requer, ao abrigo do disposto no n.° 7 do artigo 6.° do RCP, e nos mais de Direito aplicáveis, a dispensa, nos presentes autos, do pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor superior a € 275.000,00. Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça.» ****A Recorrida, notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, nas quais conclui da seguinte forma: “A) O presente recurso vem interposto Fazenda Pública, contra a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no processo de impugnação judicial n.° 601/11.1.3BELRS, no âmbito do qual se encontravam em discussão a legalidade dos atos de liquidação adicional de IVA e Juros Compensatórios do ano de 2004 acima identificados; B) A Recorrente considera que tal decisão incorreu "em erro de julgamento de facto, atenta a errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão", alegando que os factos dados como assentes no probatório não se encontram devidamente suportados pelo Tribunal, nem da prova produzida nos autos - cfr., a título meramente exemplificativo, os pontos 11., 15., 18., 19. ou 26. das alegações de recurso; C) No entanto, o Tribunal Recorrido foi extremamente minucioso ao elencar os meios probatórios que permitiram sustentar a sua decisão, e os factos dados como assentes, justificando quanto a cada um desses factos, e após a devida análise dos mesmos à luz das normas aplicáveis, o sentido da decisão proferida; D) Pelo contrário, a ora Recorrente limita-se a alegar que não foi feita prova suficiente para dar como provados determinados factos assentes, mas em momento algum identifica alguma insuficiência dos meios probatórios que foram considerados como válidos pelo Tribunal Recorrido; E) Nos termos do disposto no artigo 640.° n.° 1 do Código do Processo Civil e da jurisprudência constante nesta matéria (veja-se, entre outros, o Ac. do TCAS, de 10/07/2015, proferido no processo n.° 08473/15), deveriam ter sido indicados os factos que, em concreto, deveriam ter sido incluídos, ou retirados, da factualidade assente; F) De resto, sabendo que o Tribunal Recorrido alicerçou a sua decisão nas regras da experiência, da "normalidade" das quebras, considerada aceitável neste tipo de situações e em relação a empresas concorrentes, mas também nos depoimentos testemunhais prestados, a Recorrente deveria ter assinalado esses depoimentos, transcrevendo os que, no seu entendimento, não lograram provar a verificação dos factos controvertidos ou que eventualmente lograram demonstrar o seu contrário (veja-se entre outros o Ac. do TCAS, de 21/05/2015, proferido no processo n.° 08104/14 ou o Ac. do TCAS, de 08/10/2020, proferido no processo n.° 128/13.7BEPDL); G) A Recorrente tinha ainda a obrigação de indicar com exatidão as passagens da gravação relativas aos depoimentos por si contestados, o que não fez; H) A Recorrente limita-se, quanto à valoração da prova produzida, a discordar da convicção formulada pelo Tribunal a quo, "sem indicar, em concreto, qualquer contradição, deficiência ou obscuridade, dito por outras palavras, não concretiza o vício lógico em que o julgado terá incorrido", pois o que na verdade pretende é colocar em crise a convicção que o Tribunal Recorrido formou perante as provas produzidas nos autos, documental e testemunhal, substituindo essa convicção pela sua própria convicção; I) Relativamente ao facto dado por assente na alínea S) - a percentagem do valor das quebras -, o artigo 110.° do CPPT permite ao juiz, em última instância, apreciar livremente a falta de contestação especificada dos factos, o que sucedeu no caso vertente, porquanto o Tribunal Recorrido considerou que a AT teve oportunidade de contraditar tais números, em sede inspetiva, e nunca o fez; J) Pelo que, desde logo, não merece provimento a pretensão da Fazenda Pública, relativamente ao invocado erro de julgamento, por não ter cumprido o ónus de alegação imposto pelo artigo 640.° do Código de Processo Civil e por manifesta falta de fundamento; K) Acresce que as alegações produzidas pela Recorrente carecem de qualquer aderência aos factos, à realidade desses mesmos factos, aos dados que nos são transmitidos pela experiência e, por fim, às normas legais aplicáveis ao caso vertente; L) A Recorrente pretende presumir como transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos, pela mera circunstância de os mesmos não se encontrem em qualquer um dos locais nos quais a Recorrida exerce a sua atividade - o que demonstra uma absoluta abstração em relação a tal atividade; M) Conforme o próprio Tribunal Recorrido reconhece, existem certamente situações em que o registo de perdas indicia - ou, acrescenta a Recorrida, em que representa mesmo - uma situação de evasão ou de fraude e que nada impede que alguns sujeitos passivos "lancem mão de registos falsos de modo a abater bens e lograr a dedução dos respetivos custos, apagando o rasto de anteriores vendas (não declaradas e registadas) desses mesmos bens"; N) Mas, tal como bem constatou o Tribunal, nada indicia a ocorrência destes factos nos presentes autos, "designadamente porque o Relatório de Inspeção não alega ou identifica factos suscetíveis de indiciar a prática de factos evasivos ou fraudulentos"; O) A Recorrente pretende desconstruir a convicção formada pelo Tribunal Recorrido, legitimamente assente na prova documental e testemunhal produzida nos autos, através da criação de níveis adicionais de controlo das quebras de existência, que nem a lei, nem sequer as próprias instruções da AT, preveem; P) De facto, apela a Recorrente, no ponto 17. à existência de procedimentos acicionais de registo contabilístico, não se bastando com uma contagem física dos bens, porque realizada semestralmente, bem como, "à identificação dos vários intervenientes no procedimento de recolha dos valores, validação, inserção informática, e à elaboração dos competentes documentos de suporte ao registo contabilístico", alegando que não decorre do probatório a "elaboração de documentos de inventário com as diferenças de stock"; Q) O que, como se viu, foi absolutamente contrariado pelo Tribunal Recorrido, que não apenas identificou a existência dessa prova, como logrou compreender, pela explicação que lhe foi dada pelas testemunhas, os métodos e formas de controlo dessas diferenças ou quebras de existências; R) A presunção da qual parte a Recorrente - de que ocorreram vendas sujeitas a imposto - é ilidível, nos termos do disposto no artigo 73.° da LGT, e foi efetivamente ilididade pela Recorrida, quer pela explicação e demonstração dos procedimentos por si adotados, na supervisão dos estabelecimentos e no próprio registo contabilístico das perdas, quer através do apelo às regras da experiência e do senso-comum; S) Conforme o próprio Tribunal a quo reconhece: "É do conhecimento comum e decorre das regras da experiência que a ocorrência de quebras de inventário nos estabelecimentos de comércio a retalho constitui um fenómeno frequente e inerente à atividade normal das empresas desse setor. Assim, as quebras físicas podem ficar a dever-se a danos provenientes do manuseamento dos artigos por parte dos clientes e/ou dos colaboradores, ou receção de artigos defeituosos, impossibilitando num momento posterior a sua venda ao consumidor final, sendo estas as denominadas quebras de origem conhecida, enquanto que poderão também existir furtos/quebras de origem desconhecida, quebras estas que são, habitualmente, detetadas na sequência dos procedimentos de contagem e verificação dos inventários" (destacado da Recorrida); T) E o Tribunal Recorrido considerou também que este é um risco associado ao próprio negócio do setor da distribuição e das grandes superfícies, "e que, como também é perceção comum, não se conseguem eliminar totalmente através da implementação de procedimentos de segurança, os quais apenas permitem mitigar tais quebras" (destacado da Recorrida); U) A própria AT, através do Ofício n.° 12937 da Direção de Serviços do IRC, considerou que as quebras de mercadorias nas grandes superfícies de venda a retalho "são inerentes à actividade normal das empresas desse sector pelo que se enquadram, em regra, no princípio da indispensabilidade previsto no corpo do n° 1 do artigo 23° do CIRC", dando conta de que deverá existir um "documento de inventário com as diferenças de stock", que servirá de base "à regularização do sistema de gestão de stocks" e de "documento de suporte aos lançamentos contabilísticos de quebra de existências"; V) Referiu também não ser necessária "a elaboração de autos de destrução e de abate" ou de "participações à polícia por furto contra desconhecidos nem a exigência de apólices de seguro, uma vez que as quebras não identificadas resultam do exercício normal da actividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível" (destacado da Recorrida); W) Não é verdade que a Recorrida apenas proceda a uma avaliação semestral das quebras de origem desconhecida, tal como refere a Recorrente no ponto 17. das suas alegações de recurso, conforme foi atestado pelo Tribunal Recorrido na alínea N) do probatório: «N) A Impugnante contabiliza mensalmente, numa perspetiva prudente, uma estimativa do valor das diferenças de inventário (associadas a quebras de origem desconhecida), correspondente a uma percentagem, obtida por secção, do valor de vendas operacionais dessa mesma secção (a qual deriva do Impugnante tem do seu sector de atividade, bem como da experiência passada) (artigo 120° da p.i. não impugnado, fls. 177 a 182 e 381 dos autos e prova testemunhal)» (destacado da Recorrida); X) Perante a prova mais do que cabal da legalidade e adequação dos procedimentos adotados pela Recorrida, a Recorrente preferiu insistir, sem o justificar, que os autos não contêm prova suficiente para anular a liquidação do IVA sobre as perdas/quebras; Y) A argumentação da Recorrente assenta, na verdade, na inexistência de elementos que permitam aferir do destino dos bens considerados pela Recorrida como quebras desconhecidas, pois é mais do que pacífico que estão apenas em causa meras quebras de existências, em decorrência de fatores inerentes ao risco do seu negócio, como furtos, considerados normais neste setor; Z) Pelo que até acabaria por se tornar irrelevante, para efeitos da eventual tributação em sede de IVA, a inexistência de documentos de vinculação externa elaborados da forma ou com a frequência que a Fazenda Pública considerada adequada; AA) Não está, nem nunca esteve, em causa a idoneidade dos registos contabilísticos da Recorrida ou dos procedimentos de controlo intemo (vigilância, por exemplo) por si implementados; BB) E quanto à questão das quebras se encontrarem ou não dentro dos parâmetros normais do setor em causa, ficou também evidenciado que se encontram até abaixo dos valores normais e que é inexequível proceder, do ponto de vista operacional e em face da dimensão da empresa e dos produtos que comercializa, a um registo contabilístico das quebras por unidade; CC) Todas as testemunhas foram unânimes - e o Tribunal Recorrido tomou disso o devido conhecimento - em afirmar que, para além de ser uma prática enraizada e devidamente suportada nos aludidos manuais, instruções e atualizações com objectivos preventivos, a Recorrida adopta uma política tendencialmente destinada à obtenção de quebras de valor zero. DD) Tudo isto foi também secundado pelo Tribunal a quo: "Ora, como resulta do probatório, e é até do conhecimento comum e público, a Impugnante possui nas suas lojas sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti roubo, CCTV e segurança privada), para assegurar a minimização dos furtos que possam ocorrer dentro das suas lojas, possuindo também um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, tal como verificado e evidenciado pela AT no âmbito da ação de inspeção; EE) Bem como, que "Na verdade, em qualquer setor de atividade económica, o registo de uma quebra de existências - com origem conhecida ou não - é demonstrativo da existência de mecanismos de controlo, aferição e contagem dos bens perecidos sob pena de o nível de existências ser anormalmente elevado, traduzindo uma situação não suportada pela realidade (stock inexistente) por manifesta ausência de controlo por parte dos sujeitos passivos"; FF) Em face do exposto e ao contrário do que sustenta a Recorrente, ficou inequivocamente demonstrado que o deperecimento, extravio e desaparecimento dos bens em causa, decorrentes de quebras de existências, foram perfeitamente justificados e, dessa forma, elidida a presunção da sua transmissão para efeitos de IVA, em função do disposto no artigo 80.° do Código do IVA (atual artigo 86.°); GG) Razão pela qual deverá ser julgado improcedente o recurso agora apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa. TERMOS EM QUE deverá ser julgado improcedente, por manifesta falta de fundamento, o recurso apresentado pela Fazenda Pública nos termos acima melhor explanados, devendo, em consequência, manter-se a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, nos autos de impugnação judicial em causa e na parte ora recorrida.” **** ****Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal. Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento, de facto e de direito, quando decidiu serem ilegais as liquidações adicionais de IVA com referência às quebras de origem desconhecida. **** Colhidos vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. **** II.1. De facto A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade: “A) A Impugnante é uma sociedade anónima de direito português, que integra o universo empresarial do G........., operador no setor da distribuição a nível internacional, e que opera em Portugal, a título principal, na área do retalho, utilizando no ano de 2004 as insígnias "J.........", "P........." e "B........." (acordo). B) A impugnante tem por objeto social o comércio de géneros alimentícios e não alimentícios e de todo o tipo de artigos compreendidos no ramo de hipermercado e supermercado, incluindo a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica, a exploração e gestão de outros centros comerciais, a comercialização de combustíveis e exploração de postos de abastecimento de combustíveis, a compra, venda, compra para revenda, construção, locação, exploração e administração de imóveis destinados à instalação de hipermercados, supermercados, centros comerciais, postos de abastecimento de combustíveis, bem como de imóveis destinados a escritórios e habitação (acordo). C) Em cumprimento da Ordem de Serviço n° .........167, de 29.03.2007, a Divisão de Inspeção a Empresas Não Financeiras I, da DSIT, desencadeou uma ação de inspeção à Impugnante, com referência ao exercício de 2004 e de âmbito geral (cfr. fls. 105 dos autos). D) Em 09.11.2007 foi elaborado o Relatório Final da Ação Inspetiva, constando do mesmo designadamente o seguinte: "I - 3. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO I - 3.1.1 CORRECÇÕES AO NÍVEL DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS As correcções efectuadas ao Lucro Tributável, ascendem ao valor total de € 6.810.151,98 (seis milhões, oitocentos e dez mil, cento e cinquenta e um euros e noventa e oito cêntimos), conforme se discrimina: I - 3.1.1.1 REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES NÃO ACEITES COMO CUSTO (...) I - 3.1.13 QUEBRAS DE EXISTÊNCIAS A empresa considerou a débito da conta de 61…… - "CMV - Variação de stocks Sirius Com", o valor de € 5.949.498,70 (conforme mapa em anexo n.° 3, fls. 12 a 14), correspondente a quebras de existências ocorridas no exercício de 2004, resultantes de diferenças constatadas em contagens físicas de origem desconhecida. Este valor, pela sua natureza, não pode relevar para efeitos fiscais, na medida em que a contabilização do custo visa justificar uma diferença entre o stock físico e o contabilístico, para a qual a empresa deveria ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que visassem a sua minimização ou prevenção: Os bens em causa foram adquiridos com o fim de serem vendidos, e dado que já não se encontram nas instalações da empresa, não cumpriram o fim a que eram destinados. Por outro lado, desconhecendo-se o destino dado a esses bens, torna inviável a sua comprovação e, consequentemente, a sua aceitação como custo fiscal, na medida em que esta depende da prova do abate dos bens e da causa que conduziu à sua inutilização ou obsolescência. Ora neste caso, os motivos ou razões subjacentes às diferenças de inventário apuradas pela empresa traduzem-se em meras presunções ou suspeitas. Não tendo, igualmente, a empresa comprovado a indispensabilidade destes custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, não são aceites como custos fiscais, nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC, as quebras de existências de origem desconhecida no referido montante (ver ponto III - 1.1.3 do presente documento). (…) I - 3.2 CORRECÇÃO AO NÍVEL DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (IVA) As correcções efectuadas ao nível do IVA, ascendem ao valor total de € 771.331,59 (setecentos e setenta e um mil, trezentos e trinta e um euros e cinquenta e nove cêntimos), conforme se discrimina: (…) I - 3.2.2 PRESUNÇÃO DE TRANSMISSÃO DE BENS De conformidade com o disposto no art. 80.° do CIVA, os bens adquiridos e não encontrados em qualquer dos locais em que o Sujeito Passivo exerce a sua actividade, presumem-se transmitidos, e como tal sujeitos a imposto, caso não seja efectuada prova do destino que lhes foi dado. Assim, dada a inexistência de elementos justificativos do destino dos bens considerados pelo Sujeito Passivo como quebras de origem desconhecida (diferenças de Inventário), procede-se, nos termos daquele artigo, à respectiva liquidação do IVA dos bens objecto de contabilização como quebra cujo custo foi corrigido, resultando assim, imposto em falta no valor de € 755.066,97 (ver anexo n.° 3, fls. 12 a 14) (conforme ponto III - 2.2 do presente documento). II-OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO (…) III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL Na sequência da acção de Inspecção às áreas contabilístico-fiscais selecionadas e analisadas de acordo com os métodos e procedimentos adoptados por esta Direcção de Serviços, com a profundidade considerada adequada em cada situação, resultaram as seguintes correcções fiscais. III -1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS III - 1.1 AO LUCRO TRIBUTÁVEL (...) III -1.1.3 QUEBRAS DE EXISTÊNCIAS Com vista á análise da metodologia e tratamento contabilístico-fiscal utilizado nas quebras de existências, foram efectuados diversos pedidos de esclarecimento ao Sujeito Passivo, sobre a forma de apuramento dos valores registados como quebras de existências, a sua repartição por secções, a justificação dos motivos que as originaram e o tratamento documental e físico que lhes é dado. A empresa informou então que: 1. O valor do saldo de quebras e sobras de existências ocorridas no exercício de 2004, ascende a € 13.223.521,04, sendo € 8.380.322,78, referente a artigos deteriorados e € 4.843.198,26, decorrente de diferenças verificadas na elaboração de inventários físicos. 2. As quebras são motivadas por diversas situações, designadamente, deficiente manuseio, danificação ou roubo por parte de clientes, fornecedores ou funcionários da empresa, erros de contagem, etc. 3. A forma do seu tratamento varia consoante a natureza da quebra, ou seja, conforme se trate de causa conhecida ou desconhecida, a saber: 3.1 Tratando-se de artigos deteriorados (causa conhecida) o procedimento tem início numa ronda diária efectuada pelo chefe de secção, que, através de uma pistola de leitura óptica (PDT) efectua a leitura das referências dos artigos a registar como quebras, elaborando uma nota de quebra para efeitos de aprovação, que nesta fase assume a natureza de provisória. A mercadoria inutilizada é entregue à empresa contratada para remoção de resíduos sólidos e definitivamente destruída, ou tratando-se de bens com algum aproveitamento, é levantada por Instituições de Solidariedade Social. Após estas operações testemunhadas pelo encarregado de portaria, este, passa a nota de quebra à situação de definitiva, sendo tais produtos, através de uma rotina informática que corre após o fecho diário do sistema (durante a noite), valorizados ao preço constante do catálogo, isto é, o preço da última entrada, o qual contém, à excepção do "rappel" , todos os descontos negociados com o fornecedor, e no caso dos artigos adquiridos fora do País, inclui os eventuais encargos aduaneiros, transporte e seguro. De seguida é emitida uma listagem por secção com todos os artigos, designada por documento de quebra, a qual é assinada pelo responsável da secção e pelo encarregado da portaria. Desta listagem constam as suas assinaturas (chefe de secção e encarregado da portaria, a referência, designação e quantidade dos produtos danificados, bem como, os respectivos valores, se a mesma for impressa no dia seguinte, caso o seja no próprio dia o valor do produto encontra-se a zeros (ver alguns exemplos que se juntam em anexo n.° 5 fls. 27 a 40). As razões apontadas para a sua deterioração, são de diversa origem, nomeadamente, a danificação dos artigos devida ao processo de manuseamento, a sujeição à deterioração através do tempo (prazos de validade e fragilidade), as perdas de peso por evaporação de água (frutas vegetais, carne e peixe), etc. 3.2. Quando a quebra se encontra relacionada com factores que a empresa não controla, e só constata aquando da elaboração de contagens físicas (causa desconhecida), a empresa designa a quebra como diferenças de inventário. Contudo, dada a impossibilidade de realização de inventários físicos com a frequência desejada, isto é, todos os fechos de mês, o Sujeito Passivo considera como valor de quebras resultantes de diferenças de inventário, o produto de uma percentagem, obtida por secção, sobre o valor de Vendas Operacionais dessa mesma secção. Esta percentagem é calculada pelo sistema automático de gestão, através do quociente do valor do Custo das Mercadorias Vendidas - Diferenças de inventário referente ao período em que ocorreu o último inventário físico, pelo valor de Vendas Operacional do mesmo período (ver anexo n.° 6 fls. 41 a 45). Este valor é posteriormente corrigido (secção a secção) em função dos valores apurados aquando das contagens físicas realizadas no próximo inventário físico. 4. Quanto à metodologia utilizada para a contabilização dos valores date mesmas, refere-se que, qualquer das quebras (artigos deteriorados e diferenças de inventário), foram registados na conta 61......... - "CMV - Variação de stocks Sirius Com", tendo, no exercício de 2004, influenciado, negativamente, os "stocks" em armazém e, por conseguinte, aumentado os custos dos produtos vendidos. Embora não exista, relevado nesta mesma conta, um registo contabilístico individualizado para o valor das quebras, este encontra-se implícito no valor referente às variações de stocks ocorridas no exercício, as quais decorrem da comparação entre o stock do início e do fim do mês. Dada a impossibilidade de elaboração de inventários físicos no último dia de cada mês, por razões, conforme o referido, associadas à natureza do negócio, torna-se necessário proceder ao cálculo de forma estimativa do valor do stock no final de cada período. Este, é efectuado através do recurso a dados apurados e recolhidos no controlo de gestão de stocks, por loja e por secção, da seguinte forma (ver anexo n.° 6, fls. 41 a 45): Stock Final = Stock do último inventário físico + Compras do período - CMV Período Artigos Vendidos - CMV Período Artigos Deteriorados - CMV Período Diferenças de Inventário. Sendo que: • As compras do período são contabilizadas pelas entradas de mercadoria na conta - 61. • O CMV Período - Artigos Vendidos corresponde ao valor de saída da mercadoria através das máquinas registadoras (frente loja) valorizada ao último preço acordado com o fornecedor (última entrada). • O CMV Período - Artigos Deteriorados, corresponde aos valores constantes dos documentos de quebra, emitidos e valorizados ao preço de custo da última entrada, conforme se referiu, anteriormente, no caso da quebra conhecida (calculado pelo sistema informático). • O CMV Período - Diferenças de Inventário, corresponde à aplicação de uma percentagem apurada no último inventário físico, à Venda Operacional do Período, conforme se referiu no ponto anterior, no caso da quebra desconhecida. Após o apuramento do valor do stock final, é efectuada a actualização da conta 32, sendo transferida para a mesma o valor da variação de stocks, (obtida por comparação entre o stock final e o do início do período), tendo esta, o seguinte tratamento contabilístico: • Se aquela variação se traduzir num aumento dos stocks (sobra), é debitada a conta 32911- variação de stock de mercadoria, por contrapartida da conta 61......... - CMV - Variação de Stocks Sirius Com. • Se, pelo contrário, reflectir uma diminuição dos stocks (quebra), é efectuado o lançamento contabilístico diverso, ou seja, é creditada a conta 32911- variação de stock de mercadoria por débito da conta 61......... - CMV - Variação de Stocks Sirius Com Assim, no final do exercício, o saldo da conta 61……, representa a soma algébrica das diversas variações de stocks, positivas e negativas, apuradas ao longo dos diversos períodos mensais, sendo que para o exercício em análise o saldo final desta conta é devedor em € 828.222,31 (variação negativa de existências). Este saldo reflecte igualmente as variações de stocks originadas pelas quebras ocorridas no período, como se explicitou anteriormente. Relativamente às quebras que podem ser identificadas como furto (assaltos às lojas) as mesmas são objecto de comunicação às autoridades policiais. Nos casos em que as quebras são cobertas por seguro em que é feita a necessária comunicação às entidades competentes, as contas movimentadas são as contas 38 - regularizações de existências por contrapartida da conta 693 - perdas em existências - sinistros, não envolvendo assim a conta 61.......... Solicitada informação sobre a decomposição do valor contabilizado relativo às quebras, por secção e por mês, para o exercício de 2004, que influenciaram negativamente o valor das existências, foram apresentados pelo Sujeito Passivo, os valores em suporte electrónico, os quais serviram de base à elaboração de um mapa que traduz os valores mensais por secção referentes às quebras decorrentes de origem desconhecida, bem como o imposto sobre o valor o acrescentado em falta por mês e por taxa (ver anexo n.° 3, fls. 12 a 14). Decorre do n.° 1 do art. 23° do CIRC, que subjacente ao conceito de custos e perdas se encontra definida a necessidade do cumprimento de dois requisitos fundamental para que esses mesmos custos e perdas sejam considerados como um elemento negativo da conta de resultados, isto é, sejam, simultaneamente, comprovados e indispensáveis à realização de proveitos. A ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como custo fiscal. Assim sendo, quanto aos valores registados como quebras conhecidas, e partindo do pressuposto que os procedimentos analisados foram aplicados de forma generalizada e contínua ao nível de todas as lojas da empresa, considera-se que os montantes que influenciaram, negativamente, os resultados da empresa através do aumento do custo da mercadoria vendida, se encontram, minimamente, controlados e documentados através dos procedimentos internos implementados pela empresa. Embora, cada documento de quebra não constitua um documento de suporte directo da contabilidade, o mesmo serve de suporte à obtenção de valores lançados de uma forma agregada na contabilidade, sendo possível estabelecer uma relação objectivamente o montante das quebras conhecidas apurado periodicamente e o conjunto dos diversos registos de documentos internos de quebra das diversas secções de cada loja, porque cada situação de quebra contribui directamente para a actualização do valor dos stocks, e assim influencia o custo das mercadorias vendidas. Face aos valores registados como quebras desconhecidas (diferenças de inventário), dada a sua natureza não podem os mesmos relevar para efeitos fiscais, na medida em que a contabilização do custo visa justificar uma diferença entre o stock físico e o contabilístico para a qual a empresa deveria ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que prevenissem e minimizassem este tipo de divergências. A aceitação como custo fiscal depende da prova do abate dos bens e da causa que conduziu à sua inutilização ou obsolescência. Ora neste caso, os motivos ou razões subjacentes às diferenças de inventário apuradas pela empresa são meras presunções ou suspeitas. Os bens em causa foram adquiridos com o fim de serem vendidos e dado que já não se encontram nas instalações da empresa, não cumpriram o fim a que eram destinados. Se relativamente às situações identificadas como quebra conhecida é possível, minimamente, estabelecer um nexo de causalidade para a sua inutilização, já neste caso, tal não acontece, por se desconhecer o destino dado a esses bens o que torna inviável a comprovação e, consequentemente, a sua aceitação como custo fiscal. Assim, tendo em conta o anteriormente exposto, conclui-se pela não aceitação como custo fiscal, dos valores considerados pelo Sujeito Passivo como quebras de origem desconhecida, no montante de € 5.949.498,70 (cinco milhões, novecentos e quarenta e nove mil, quatrocentos e noventa e oito euros e setenta cêntimos), valor esse que afectou, negativamente, o valor das existências e por conseguinte positivamente o custo das mercadorias vendidas do período, dada a inexistência de elementos justificativos do destino desses bens, e de assim o Sujeito Passivo não ter comprovado a indispensabilidade destes custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23° do CIRC, conjugado com o art. 17.° n.° 3 e art. 115.° n.° 3, ambos do CIRC. (…) III - 2 IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (IVA) (...) III - 2.2 PRESUNÇÃO DE TRANSMISSÃO DE BENS - QUEBRAS DE EXISTÊNCIAS Dispõe o artigo 80.° do CIVA, que "Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais", sublinhado nosso. Resulta assim, daquela disposição legal, que se presumem transmitidos e como tal sujeitos a imposto, os bens não encontrados em qualquer dos locais em que o Sujeito Passivo exerce a sua actividade, caso não seja efectuada prova do destino dado aos mesmos. Assim, e conforme a fundamentação constante do ponto III-1.1.3, dada a inexistência de elementos justificativos do destino dos bens considerados pelo Sujeito Passivo como quebras de origem desconhecida, procede-se, nos termos do art. 80.° do CIVA, à respectiva liquidação do IVA, sobre os bens objecto de contabilização como quebra e cujo custo foi corrigido, por os mesmos se considerarem transmitidos, resultando assim, imposto em falta, no total de € 755.066,97 (setecentos e cinquenta e cinco mil, sessenta e seis euros e noventa e sete cêntimos). O imposto em falta resultou da aplicação das taxas de IVA aos valores mensais das secções da ocorrência dos factos, conforme o explicitado no mapa em anexo n.° 3 fls. 12 a 14. (…) IX DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO Através do ofício n.° 03318 de 07.10.23, foi o sujeito passivo notificado nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, para exercer o direito de audição, sobre o projecto de conclusões de relatório de inspecção, no qual se propôs, correcções ao lucro tributável em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) e correcções em sede de imposto sobre o valor acrescentado (IVA). Em 2007.11.05 (data de registo no CTT), veio o sujeito passivo exercer, por escrito, o direito de audição, que se traduziu na contestação das seguintes situações: (…) 2 - QUEBRAS DE EXISTÊNCIAS O sujeito passivo discorda da proposta de correcção em epígrafe, à luz entre outros factores, de jurisprudência produzida pelo Tribunal Central Administrativo, em algumas situações específicas e, de um parecer proferido, a seu pedido, em 02.07.2007, sob a aceitação do custo decorrente de quebras de existências no sector não alimentar, objecto de correcção ao lucro tributável no exercício de 2003. Começa por referir que a correcção em análise assenta numa errónea quantificação do respectivo valor, uma vez que, no cálculo das diferenças de inventário não aceites como custo, apenas foram considerados os valores devedores contabilizados mensalmente no custo de existências de cada secção, em vez do valor correspondente ao saldo de quebras e sobras de existências. Acrescenta que o crédito verificado na conta de existências, não configura uma diferença de inventário para mais (sobra), mas apenas uma correcção das estimativas utilizadas nos meses em que não foram realizados inventários físicos. Para além deste aspecto, refere nos artigos 56° e 57° da sua exposição que "as notas de quebra constituem documento justificativo suficiente tendo em vista a prova das quebras ocorridas na medida em que comprovam a natureza e quantidade dos bens objecto de quebra" tratando-se assim de "elementos mais que suficientes para que o custo incorrido com as quebras de existências se tenham como provado". Ainda sobre esta questão, acresce que "a demonstração da ocorrência do custo não tem de ser feita obrigatoriamente, através de documentos, podendo o sujeito passivo socorrer-se, nesta matéria, de qualquer um dos meios de prova admitidos em direito (cfr. artigo 115° do Código do Procedimento e de Processo Tributário), posição que vem sendo sufragada, por unanimidade, pela Doutrina e Jurisprudência". Para sustentar tais afirmações o sujeito passivo reproduziu, no artigo 60.° e seguintes da sua exposição, extractos de algumas decisões tomadas pelo Tribunal Central Administrativo, e de um parecer - Centro dos Estudos Fiscais n.° 3/92, no sentido de no caso de inexistência de documento de origem externa, a prova dos custos poderá ser feita por documento interno, desde que a veracidade da operação subjacente seja, inequivocamente, assegurada por outros meios de prova. Por último, veio a apresentar um extracto da conclusão de um parecer de Xavier de Basto e de António Martins, efectuado em Julho pp,, na sequência de uma consulta, a seu pedido, no qual é entendido que "Em conclusão, julga-se que a comprovação das quebras desconhecidas, não podendo assentar numa base documental - como documentar o roubo que não se observou (...) nem sendo possível, pela própria natureza das coisas, conhecer o destino dos bens, terá de assentar numa base de cálculo o mais possível segura, já que radica na efectiva realização de dois inventários anuais que permitem quantificar, tais perdas de forma precisa " . E, prossegue, "Julgamos que a Companhia dispõe de meios de prova complementares bastantes para comprovar tais custos, assegurando a sua dedutibilidade nos termos legais". Analisados os argumentos apresentados pelo sujeito passivo concluímos, que os mesmos não devem proceder para efeitos de justificação da dedutibilidade fiscal dos encargos associados ás quebras de existências com origem desconhecida, porquanto: No que diz respeito ao facto do valor proposto para correcção, não corresponder ao valor do saldo dos lançamentos efectuados a débito e a crédito da conta 61......... - "CMV - Variação de stocks Sirius Com", refere-se que efectivamente, a quebra dependendo do seu suporte documental, poderá ser custo fiscal, enquanto que a sobra será sempre considerada um proveito tributável. Não se compreende a alegação do sujeito passivo ao referir, de forma explícita, a inexistência de sobras decorrentes da contagem física em qualquer secção. Por outro lado, não foram demonstrados, quer no decurso da acção ou, quer em sede de direito de audição, quais os valores registados a crédito da conta 61......... - "CMV - Variação de stocks Sirius Com", que constituem regularizações das previsões excessivas utilizadas nos períodos em que não foram realizados inventários. Face ao argumento apresentado pela empresa de que, nenhuma razão subsiste para que as notas de quebra não possam ser consideradas como custo para efeitos fiscais, recorda-se que, conforme fundamentação expressa no projecto de relatório, os encargos suportados através das notas de quebra (emitidas no caso de quebra conhecida), não foram objecto de correcção, por se considerar, após a análise dos procedimentos internos implementadas na sua emissão, como elemento de prova para a veracidade das operações subjacentes, sendo, como tal, aceite para efeitos fiscais, entendimento este, reforçado nos acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo e no parecer do Centro dos Estudos Fiscais, invocados pelo sujeito passivo na sua exposição. Apenas o valor registado em diferenças de inventário (quebra desconhecida), não relevou para efeitos fiscais, sendo consequentemente objecto de proposta de correcção, na medida em que a contabilização do custo visa justificar uma diferença entre o stock físico e o contabilístico, para a qual a empresa deveria ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que a prevenisse ou minimizasse, permitindo assim a salvaguarda dos seus activos. É pois esta situação que está em causa e que cabe aqui ajuizar. O argumento defendido pela exponente, baseado na opinião de Xavier de Basto e de António Martins, que a comprovação das quebras desconhecidas não poderiam assentar numa base documental, dada a impossibilidade de se documentar um roubo que não se observou, e por isso a sua justificação teria de assentar numa base de cálculo, não colhe aceitação, porquanto: Desde logo, tratando-se de uma quebra de origem desconhecida, como o seu próprio nome indica, apenas por mera presunção baseada em suposições lógicas é que se poderá atribuir a um roubo, dado que não se encontra minimamente sustentada a efectivação da perda sobre a forma de furto. Admitindo, ainda que por hipótese tratar-se de roubo, é sempre possível a fim de suportar o custo, a existência de qualquer elemento de prova documental, como seja, a participação do furto às autoridades policiais. Pelo menos, para os bens de valor unitário elevado, a empresa teria todo o interesse em reportar o roubo àquela entidade, dado que no decurso das acções por ela desenvolvidas, poderia vir a recuperar os referidos bens. Não efectuar qualquer participação, tal recuperação torna-se desde logo inviável. Por outro lado, a exponente não veio demonstrar que os bens objecto dos roubos não são passíveis de serem seguráveis. De facto, o sujeito passivo limitou-se a apresentar extractos de conclusões retiradas de um parecer, como por exemplo " Julgamos que a Companhia dispõe de meios de prova complementares bastantes para comprovar tais custos, assegurando a sua dedutibilidade, nos termos legais sem ter apresentado qualquer documentação concreta, designadamente, ofícios de Companhias de Seguros para este tipo de ocorrências ou sua inviabilidade face a uma análise custo/benefício, no caso das seguradoras os realizarem. Não basta um motivo ou uma justificação para que o correspondente custo se torne, desde logo relevante para efeitos fiscais. Cabe ao sujeito passivo diligenciar no sentido de demonstrar fundamentar a indispensabilidade do custo, designadamente, nos aspectos referidos no artigo 23.° do CIRC. Em conclusão, nem os princípios contabilísticos preconizam o registo de custos para os quais não exista suporte documental que comprove a sua natureza, impossibilitando assim o registo de custos meramente eventuais, abstractamente mantidos na contabilidade, nem o legislador, através do artigo 23° do CIRC, permite a relevância fiscal de encargos contabilizados que não cumpram os requisitos definidores da sua dedutibilidade consagrados naquele artigo. Assim, tendo em conta o anteriormente referido, mantém-se a proposta de correcção ao lucro tributável, no montante de € 5.949.498,70. (...) 4 - CORRECÇÕES EM SEDE DE IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO - PRESUNÇÃO DE TRANSMISSÃO DE BENS Face a esta questão, o sujeito passivo para fundamentar a sua discordância, reafirma os mesmos argumentos já referidos na sequência da não aceitação, para efeitos fiscais, do valor contabilizado em custos decorrente de quebras de existências (com origem desconhecida), pelo que, considerando os motivos aí apresentados, não se procede à alteração do teor da correcção em sede de IVA, no montante de € 755.066,97." (cfr. fls. 99 a 131 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). E) Em concretização das correções efetuadas no âmbito da ação inspetiva, e vertidas no Relatório respetivo, foram emitidas em 13.12.2007 as liquidações adicionais de IVA do ano de 2004 com os n°s .......504, .......688, .......486, .......488, .......494, .......690, .......496, .......498, .......692, .......500, .......502, .......694, no montante total de 770.753,94€, e as correspondentes liquidações de juros compensatórios emitidas sob os números .........505, .........689, .........487, .........489, .........495, ……691, ……497, ……499, ……693,……501, ……503 e ……695, no montante total de 98.183,85€ (cfr. fls. 60 a 96 dos autos). F) Notificada das liquidações identificadas na alínea antecedente, a Impugnante apresentou em 29.05.2008 reclamação graciosa contra a mesmas, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 6 sob o n° .........80.3(cfr. fls. 221 e ss. dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). G) Por despacho do Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, foi a reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente indeferida em 23.12.2009 (cfr. fls. 275 a 292 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). H) Notificada da decisão referida na alínea antecedente, a Impugnante deduziu em 01.02.2010 recurso hierárquico da mesma (cfr. fls. 294 a 337 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). I) Por despacho de 29.11.2010, proferido pelo Subdiretor-Geral dos Impostos para o IVA, foi indeferido o recurso hierárquico apresentado pela Impugnante, de onde resulta, designadamente, o seguinte: "(…) 36. Sobre a matéria em apreciação as posições assumidas pela Administração Tributária têm incidido objectivamente no âmbito do IRC (Entendimento sancionado por despacho do Director- Geral dos Impostos, de 2003.07.02, exarado na intimação n° 986/2008 da Direcção de Serviços do IRC), em que as quebras de existências identificadas e não identificadas (pequenos furtos) nas grandes superfícies de venda a retalho, são tidas como ocorrências inerentes à própria actividade das empresas, tal como se refere no citado parecer n° 63/92 do CEF, pelo que se enquadram, em regra, no princípio da indispensabilidade, tendo em conta as circunstâncias de cada situação em concreto. 37. No entanto, a análise das circunstâncias concretas deve englobar um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências (identificadas e não identificadas) e para as quebras não identificadas deve, ainda, ser elaborado documento de inventário com as diferenças de stock, assinado pelos analistas de inventário e pelo gerente de loja, documento que servirá de suporte à regularização do sistema de stocks, bem como de suporte aos lançamentos contabilísticos de quebras de existências. 38. Deste modo, desde que implementados sistemas para assegurar a minimização de furtos, bem como a existência de registos de quebras de existências e de controlo interno, pressupostos estabelecidos para que as perdas por quebras de existências não identificadas (pequenos furtos) sejam consideradas um custo elegível para efeitos de IRC, afigura-se-nos que, neste caso, os mesmos poderão ser tomado em consideração, em sede de IVA, por forma a ilidir a presunção da transmissão de bens a que se refere o art° 86° do CIVA. 39. Contudo, sendo facto irrefutável que os dois impostos actuam em sedes distintas, o IVA tributa o consumo mediante operações efectuadas a título oneroso, como sejam as transmissões de bens e as prestações de serviço, enquanto que o IRC tributa o lucro, foi entendido, por despacho do Director-Geral dos Impostos, de 2009.06.02, exarado na informação n° 1793, de 2009.05.15, desta Direcção de Serviços (DSIVA) que: ”será de aceitar como ilidida a presunção do artigo 86° do CIVA quando os bens considerados perdidos, por razões desconhecidas, preencham os critérios adoptados para efeitos de IRC, através, nomeadamente, de uma análise casuística e circunstancial de cada empresa, dentro de limites razoáveis para o sector de actividade (...). Reforça-se, no entanto, a necessidade de elaboração de um «documento de inventário com as diferenças de stock», corroborando a informação da DSIRC”. 40. Acresce ainda referir que, embora o Código do IVA não aponte meios de prova para ilidir a presunção a que se refere o art° 86° do CIVA, é entendimento desta Direcção de Serviços, veiculado pelo Ofício Circulado n° 35264/1996, de 24 de Outubro, que, ainda que não exista obrigação legal de proceder a qualquer prévia diligência ou participação junto da Administração Tributária no sentido de subtrair à tributação os bens inutilizados, deteriorados ou obsoletos não encontrados nas existências dos sujeitos passivos, é recomendável que, por cautela e no seu próprio interesse, os (sujeitos passivos, em qualquer caso, elaborem e conservem autos de destruição ou inutilização de bens, tendo vantagens em ter na sua posse elementos justificativos das faltas nas suas existências dos bens destruídos, roubados ou inutilizados. 41. Não obstante, considerando-se que a presunção poderá ficar ilidida com base nos pressupostos acima identificados, o enquadramento definitivo caberá, em cada período de tributação, à Administração Tributária, nomeadamente aos serviços de inspecção tributária, os quais verificarão a relevância daqueles elementos, nomeadamente, se os mesmos constituem ou não prova suficiente para ilidir a presunção. 42. Quanto à parametrização do montante das quebras não identificadas, mediante a definição à priori de uma percentagem da facturação, o entendimento supra sancionado não reconhece este critério, remetendo a sua aceitação para análise casuística e circunstanciada da situação em concreto, pelo que, em nosso entender, deverá subsistir o mesmo entendimento em sede de IVA. 43. Face ao exposto, atendendo aos elementos probatórios apresentados; atendendo a que aceitação para fins tributários das perdas por quebras desconhecidas depende de análise casuística e circunstanciada da situação em concreto e suportadas por documentação interna, nomeadamente, documento de inventário com as diferenças de stocks assinado pelos analistas de inventário e pelo gerente de loja; atendendo, ainda, ao constante do relatório dos serviços de inspecção em que, relativamente aos valores registados na contabilidade como quebras desconhecidas, não existe qualquer suporte documental que comprove a sua natureza e que os motivos ou razões subjacentes às diferenças de inventário apuradas pelo recorrente são meras presunções ou suspeitas, não será de aceitar como ilidida a presunção a que se refere o art° 86° do Código do IVA. 44. No que concerne ao invocado pela requerente de que "(...) a haver liquidação de IVA sobre o valor das quebras de origem desconhecida (...), teria necessariamente que se atender aos valores registados a crédito da conta «#61......... CMV - variação de stocks Sirius Com» refere-se que, de facto, os movimentos considerados a crédito daquela conta incluem, para além das sobras reais apuradas nas contagens físicas, as regularizações internas destinadas apenas a corrigir os excessos de estimativa para as quebras desconhecidas. 45. Contudo, não tendo a ora recorrente vindo demonstrar, clara e inequivocamente, o valor das regularizações internas, seja em sede do procedimento de reclamação graciosa ou no presente recurso hierárquico, limitando-se apenas a reiterar as alegações já proferidas aquando do direito de audição, quando estas já haviam sido questionadas no âmbito do relatório de inspecção tributaria, não podemos deixar de afirmar que, em tais circunstâncias, não nos resta outra alternativa que não seja a de considerar a liquidação do imposto sobre os valores devedores registados mensalmente na citada conta. 46. Assim, perante os elementos de prova disponíveis não se mostra fundado o deferimento do pedido apresentado pelo recorrente hierárquico, pois em nada alteram os fundamentos que conduziram ao indeferimento da reclamação graciosa, não se verificando, nas liquidações em crise, qualquer ilegalidade ou desconformidade com o ordenamento jurídico. 47. A recorrente pronuncia-se, ainda, no sentido da ilegalidade das liquidações dos juros compensatórios. (...) 59. Tendo em consideração o exposto, não se verificando qualquer desconformidade com o ordenamento jurídico, justificando e comprovando os elementos que constam do relatório da inspecção as irregularidades detectadas, os elementos de prova apresentados não se reputam suficientes para lograr a prova dos factos entretanto alegados e levar à revogação anulatória das liquidações recorridas conclui-se, que se deve desatender a pretensão invocada pelo recorrente, propondo-se que seja negado provimento ao presente recursos hierárquico, devendo ser mantido o acto de indeferimento da reclamação graciosa. 60. Propõe-se a dispensa de audição prévia, pelos motivos referidos no capítulo VII da presente informação." (cfr. fls. 341 a 355 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido). J) Notificada da decisão referida na alínea antecedente, a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial em 21.03.2011 (cfr. fls. 2 dos autos). K) Em 15.05.2009 foi emitida, pela AT, a informação n° 1793, com o seguinte teor: "Por determinação do Sr. Subdirector-Geral para a Área da Gestão - IVA, recebeu esta Direcção de Serviços o processo n.° 2008 001 735 da Direcção de Serviços do IRC, em nome do sujeito passivo APED - ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE EMPRESAS DE DISTRIBUIÇÃO, NIF 501 313 974, para informar, de harmonia com o despacho do substituto legal do Sr. Director- Geral, exarado na informação n.° 986/2008, constante do processo mencionado. A questão em análise prende-se com um pedido de informação vinculativa colocado pela referida entidade à DSIRC, acerca do enquadramento fiscal a dar às quebras de existências verificadas no sector de actividade que representa. EXPOSIÇÃO DO SUJEITO PASSIVO 1. A consulente apresenta-se como representante de 96 empresas suas associadas, que desenvolvem uma actividade retalhista de venda de produtos alimentares e não alimentares, através de mais de 2200 pontos de venda no país. 2. Dada a natureza da actividade que exercem, a ocorrência de quebras é um fenómeno frequente e inerente ao negócio, podendo distinguir-se, na gíria, entre "quebras conhecidas" e "quebras desconhecidas". 3. Considera que a desconsideração fiscal dos custos com as "quebras desconhecidas" afigura-se totalmente à revelia da verdadeira natureza do negócio" e que a "administração fiscal não pode, sem grave ilegalidade e violação dos princípios económicos e técnicos da fiscalidade das empresas, persistir na desconsideração de tais custos com base na sua indispensabilidade ou na ausência de comprovação", sem que provoque uma "fonte interminável de litígios" com o sector. 4. Considera também que a constância, no tempo, dos valores das perdas desconhecidas, em Portugal como noutros países, constitui uma base válida para aceitação como custo fiscal, de uma determinada percentagem de quebra desconhecida, entendendo que tal valor não deve ser inferior a 0,60% da facturação. 5. Solicita assim uma "informação de carácter vinculativo sobre a possibilidade de admitir sempre como custo dedutível, a título de perda desconhecida, um valor não inferior a 0,60% da facturação. 6. Não formula, em matéria de exclusão da incidência de IVA, qualquer proposta ou questão em concreto. O PARECER JURÍDICO APRESENTADO 7. O parecer jurídico que junta, elaborado por José Guilherme Xavier de Basto e António Martins e intitulado de "O tratamento fiscal das "quebras desconhecidas" em existências, em sede de IRC, no sector da grande distribuição", faz uma análise, extensa, da questão, nas vertentes económica, jurídica e fiscal. Nesta última, debruça-se sobre as origens e impacto deste tipo de quebras no lucro contabilístico das empresas e o seu reflexo no lucro tributável em para efeitos de IRC. 8. Faz também uma abordagem do que entende ser a posição da Administração Fiscal sobre a aceitação de tais perdas como custos dedutíveis em IRC, relatando, designadamente, a contradição encontrada na posição assumida em duas acções de inspecção ao mesmo sujeito passivo, relativas a exercícios diferentes, em que, numa, foram aceites como custo dedutível as perdas desconhecidas e, noutra, não foram. Suporta, em conclusão, a pretensão enunciada pela consulente. 9. Os autores do parecer incluem no mesmo uma secção, intitulada "6. O tratamento das perdas desconhecidas em IVA", onde defendem que o modelo "estatístico" a ser aceite, em sede de IRC deve valer também para o IVA, apesar de se reconhecer que este imposto assenta, como referem, no método indirecto subtractivo ou do crédito de imposto, o qual é especialmente exigente na documentação das operações tributáveis, nomeadamente a facturação das operações, 10. Não obstante, é enfatizado que a "exigência de factura ou documento equivalente em IVA vale sobretudo para efeitos de estabelecer a regularidade do exercicio do direito á dedução", não podendo, da mesma, "extrapolar-se pretendendo que o que não foi documentado como vendas da empresa, mas existiu no stock destinado à venda, cai necessariamente sob a alçada da presunção estabelecida no artigo 80° do CIVA". 11. Consideram que esta é uma norma geral de cautela destinada a evitar a evasão fiscal; que estabelece a presunção de venda dos bens em falta, a par da presunção de compra dos bens existentes, mas que, de acordo com o art.° 73° da LGT, admite prova em contrário. 12. Refere que o Ofício-circulado n.° 35 264, de 1986.10.24, reconhece não existir obrigação legal de proceder a prévia diligência junto da administração fiscal, limitando-se a recomendar que, por cautela, se elaborem autos de destruição ou inutilização de bens. No entanto, considera que a aplicação sistemática deste método é impraticável relativamente à generalidade das perdas desconhecidas. 13. Argumenta, no entanto, no sentido de que não é necessário sequer elidir a presunção estabelecida no artigo 80.°, uma vez que "as perdas, conhecidas e desconhecidas, (...) acabam de ser identificadas e quantificadas", sabendo-se bem "qual foi o seu destino, comprovada que está a sua perda através de um método estatístico comprovadamente fiável 14. Conclui assim o referido parecer, no que concerne ao IVA, que não deve ser aplicada a presunção do artigo 86.° do CIVA às perdas desconhecidas que se contiverem dentro do limite de 0,60% da facturação, devendo presumir-se que "correspondem a perdas desconhecidas comprovadas e não a faltas injustificadas de bens nos stocks das empresas A POSIÇÃO DA DSIRC, ESPELHADA NA INFORMAÇÃO 986/2008. 15. Faz-se breve menção à informação da DSIRC, na medida em que esta direcciona a questão colocada pela consulente para a área da tributação do consumo. 16. Da sua leitura conclui-se, pese embora a mesma não se encontrar ainda sancionada por decisão superior final, que a DSIRC se mostra sensível aos argumentos esgrimidos pela consulente. Todavia, a solução proposta, reconhecendo que as quebras de mercadorias nas grandes superfícies de venda a retalho são aceites como custo nos termos do art.° 23.° do CIRC, desde que indispensáveis à obtenção de proveitos, aponta para uma análise casuística e circunstancial de cada empresa, acompanhada da verificação de que as quebras se situam dentro de limites razoáveis para o sector de actividade, constantes de publicações internacionais, nacionais e da própria APED, em detrimento, assim, do reconhecimento apriorista de uma determinada percentagem. A QUESTÃO EM SEDE DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO 17. Importa reconhecer, em face dos argumentos apresentados, mas tendo também presente que o IVA é um imposto de matriz comunitária, cuja incidência tem contornos objectivos precisos e inilidíveis, que os bens que, comprovadamente, tenham sido suprimidos do circuito comercial sem chegar à fase de consumo, não devem ser objecto de tributação. 
 
 
 - 78 - Processo n.º 601/11.1BELRS (cfr fls. 257 a 268 dos autos). L) Através do ofício n° 12937, de 22.06.2009, a DSIRC comunicou à APED - Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, o seu entendimento tributário quanto às quebras nas grandes superfícies, nos seguintes termos: "Em resposta ao requerimento apresentado sobre o assunto em referência, informo que por despacho de 15 de Junho p.p., do substituto legal do Director-Geral dos Impostos, foi sancionado o seguinte entendimento: 1.1 As quebras de mercadorias nas grandes superfícies de venda a retalho são inerentes à actividade normal das empresas desse sector pelo que se enquadram, em regra, no princípio da indispensabilidade previsto no corpo do n° 1 do artigo 23° do CIRC, segundo o qual são aceites para efeitos fiscais os custos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. 1.2 A aceitação como custo destas quebras depende da análise das situações concretas em que ocorreram e da demonstração que se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de actividade. 1.3 A análise das circunstâncias concretas englobará a verificação existência de sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida), para assegurar a minimização dos furtos, bem como a existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno. 1.4 Este sistema organizativo de quebras de existências deve englobar não só as quebras identificadas bem como as quebras não identificadas (furtos de existências). Para as quebras identificadas deve ser elaborado documento interno donde conste todos os elementos identificativos do produto (descrição, código, quantidade, motivo da quebra e destino do produto), assinado, para além dos intervenientes no processo, pelo responsável da secção e peio gerente da loja. Este documento interno deve servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks, devendo ser emitida por este sistema uma listagem de regularização de stocks que suportará os lançamentos contabilísticos de quebras de existências. Para as quebras não identificadas deve ser elaborado documento de inventário com as diferenças de stock, devendo ser assinado pelos analistas de inventário e pelo gerente de loja. Este documento deverá servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks bem como deve servir como documento de suporte aos lançamentos contabilísticos de quebras de existências. Um sistema organizativo com os elementos indicados dispensará a elaboração de autos de destruição e de abate. 1.5 Para a aceitação como custo das quebras não é de exigir participações à polícia por furto contra desconhecidos nem a exigência de apólices de seguro uma vez que as quebras não identificadas resultam do exercício normal da actividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível. 1.6 A demonstração que as quebras se situam dentro dos limites razoáreis para o sector de actividade (publicações internacionais e/ou nacionais) assentará numa análise das circunstâncias concretas de cada empresa e não com base numa percentagem previamente definida sobre a facturação. 2. Em sede de IVA 2.1 Aceita-se como elidida a presunção do artigo 86° do CIVA quando os bens considerados perdidos, por razões desconhecidas, preencham os critérios adoptados para efeitos de IRC, através, nomeadamente, de uma análise casuística e circunstancial de cada empresa, dentro de limites razoáveis para o sector de actividade e desde que seja elaborado um "documento de inventário com as diferenças de stock". (cfr. doc. n° 7 junto com a p.i.). M) No âmbito da atividade em que opera a impugnante e relativamente às quebras de origem conhecida (com motivo da quebra) leva a cabo os seguintes procedimentos: - O chefe de secção, aquando da recolha dos bens para sua destruição e/ou aproveitamento por parte de instituições de solidariedade social efetua, numa base diária, a leitura, através de uma pistola de leitura ótica, das referências dos artigos a registar como quebras (por exemplo, artigos deteriorados), elaborando uma nota de quebra que assume carácter definitivo. - Seguidamente, é emitida uma listagem por secção com todos os artigos (documento de quebra), a qual é assinada pelo chefe de secção e pelo encarregado da portaria, sendo tal informação transferida para o sistema informático da Impugnante com vista à atualização dos stocks. - As quebras de existências identificadas nesta sede são referenciadas como quebras de origem conhecida, dado ter sido identificado o motivo da quebra (na maioria das vezes, associado à deterioração dos produtos); - As notas de quebra são registadas no sistema Sirius Com (Sistema Informático de Gestão de Stocks, da Impugnante (artigos 113° a 115 da p.i., não impugnados, docs. de fls. 163 a 176 dos autos e prova testemunhal). N) A Impugnante contabiliza mensalmente, numa perspetiva prudente, uma estimativa do valor das diferenças de inventário (associadas a quebras de origem desconhecida), correspondente a uma percentagem, obtida por secção, do valor de vendas operacionais dessa mesma secção (a qual deriva do Impugnante tem do seu sector de atividade, bem como da experiência passada) (artigo 120° da p.i. não impugnado, fls. 177 a 182 e 381 dos autos e prova testemunhal). O) A Impugnante procede à contagem física dos bens, numa base semestral, no âmbito das quais deteta as diferenças entre o inventário a nível físico e a nível contabilístico, correspondentes a quebras de existências cuja origem é desconhecida por não ter sido identificado o motivo da origem da quebra, neste momento corrigindo os valores de quebras de origem desconhecida estimadas mensalmente, conforme referido na alínea antecedente (artigos 116° e 118° da p.i. não impugnados e prova testemunhal). P) O valor respeitante à variação de stocks (obtido por comparação entre o stock final e o inicial) é registado na "#612220000 - CMV - variação de stocks Sirius Com", correspondendo o saldo desta conta à soma das diversas variações de stocks, positivas e negativas, apuradas ao longo dos diversos períodos mensais (artigo 122° da p.i. não impugnado e prova testemunhal). Q) No âmbito de um estudo elaborado pelo "Centre for Retail Research" (Centro Europeu de Investigação no Setor da Distribuição), considerando a informação enviada por 466 empresas europeias, que operam 28.297 estabelecimentos com volume de negócios conjunto de 422.190 milhões de euros, foi apurado que, com referência a um período de 12 meses, terminados em junho de 2006 a taxa de perdas desconhecidas (essencialmente por furto ou deterioração de stocks) decresceu nesse ano para 1,24% do volume de negócios, quando em 2002 ascendia a 1,45% (cfr. doc. n° 19 junto com a p.i.). R) Um estudo preparado em 2007 pelo "Centre for Retail Research" efetuado à escala mundial, cobrindo 32 países e 820 empresas, tendo subjacente um total de vendas de £ 447.000 milhões, representa o 16% do universo europeu do retalho, no qual se conclui que a percentagem das quebras de origem desconhecida em relação ao volume de vendas ascende, em média, a 1,36%, em termos mundiais, a 1,25% quando estão em causa países da Europa Ocidental e a 1,31%, no caso concreto de Portugal (cfr. doc. n° 18 junto com a p.i.). S) O valor das quebras desconhecidas declarado pela Impugnante no ano de 2004 corresponde a uma percentagem entre 0,5% e 0,6% quer do valor dos bens adquiridos, quer dos bens vendidos (acordo - artigo 171° da p.i. não impugnado, fls. 381 dos autos e prova testemunhal). T) A Impugnante possui nas suas lojas sistemas de controlo implementados, como sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida (prova testemunhal) U) Por sentença transitada em julgado por não interposição de recurso pela Fazenda Pública, proferida no processo de impugnação judicial n° 1135/08.7BELRS, apresentada pela Impugnante contra as correções resultantes da ação inspetiva referida em C), mas referentes a IRC, nas quais se incluía a não aceitação do custo de 5.949.498,70€ relacionado com as quebras de origem desconhecida do exercício de 2004, foi esta julgada procedente nesta parte e determinada a anulação da referida correção (informação retirada do SITAF e concomitantemente do conhecimento das partes).” **** « Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.» **** «A decisão da matéria de facto fundou-se na prova documental junta aos autos, bem como na posição factual expressa pelas partes nos seus respetivos articulados. No que respeita às alíneas M), N), O), P), S) e T) do probatório, foi também relevante a prova testemunhal produzida nos autos por A........., F........., C......... e L........., cujos depoimentos se mostraram perfeitamente claros, coerentes e esclarecedores, demonstrando o conhecimento que as referidas testemunhas detêm sobre a matéria em causa nos autos atentas as suas funções profissionais desenvolvidas na empresa Impugnante. Assim, A........., contabilista certificado, referiu que a empresa trabalha com um sistema de inventário permanente, sendo que no que respeita à quebra conhecida (quando está evidenciado que tenha havido quebra) há um registo que é logo efetuado e no que respeita à quebra desconhecida só através da elaboração de inventários é possível ser a mesma conhecida. Explicitou que a quebra conhecida tem tratamento informático e no caso da quebra desconhecida só é possível em sede de inventário apurar se o que está no sistema é o que existe na realidade, daí que se apure uma percentagem da quebra desconhecida até à realização de novo inventário. F........., responsável de contabilidade, explicitou que quanto á quebra conhecida, aquela em que, em casa dia, se encontrava como violada a embalagem, artigo partido, por exemplo, é feito um registo e no que respeita à quebra desconhecida só pode ser apurada por contagem periódica do stock. Salienta que o objetivo da empresa é comprar para vender e gerar um proveito e a mercadoria que desaparece ou se estraga gera despesa que é espelhada no custo dessa mercadoria, tratando-se duma perda total. Referiu ainda que a empresa é permanentemente alvo de auditorias interna e externas. C........., chefe da secção de contabilidade na Impugnante em Setúbal, referiu que, no que respeita á quebra conhecida tem o mesmo tratamento que a devolução do produto. Por outro lado, relativamente à quebra desconhecida é definida uma percentagem estimada mensal, e quando é feito o inventário físico dos bens é registada a quebra real. L........., auditor interno da Impugnante, tendo ao seu cargo o controlo de inventários, disse que quando a quebra é conhecida é feito um registo, nesse registo consta um código. Referiu que a responsabilidade de avaliar a quebra é do comercial, o registo é da portaria e o segurança faz a auditoria (ou seja verifica se é aquele artigo que vai para o lixo); no que respeita à quebra desconhecida é apurada segundo o inventário. Referiu ainda que havendo quebras há um prejuízo, daí que a empresa invista em vídeo vigilância, sistema informático, formação.» ***** A sentença recorrida julgou a presente impugnação procedente e, consequentemente, e no que ora importa, anulou parcialmente as liquidações de IVA na parte relativa às correcções relativas a quebras desconhecidas. O recurso incide, precisamente, sobre tal decisão. A FP, alega esta, em suma, que as liquidações de IVA devem manter-se por não padecerem de qualquer ilegalidade e considera que o tribunal de primeira instância errou na apreciação dos factos e no enquadramento jurídico, quando entendeu indevidamente ter a Recorrida ilidido a presunção de transmissão de bens prevista no artigo 80.º do Código do IVA (atual artigo 86.º), com base no seguinte percurso argumentativo: - Há um deficiente sistema de controlo, já que o sistema informático da Recorrida apenas regista quebras conhecidas (furtos identificados, danos, etc.), não abrangendo as desconhecidas; - As “quebras desconhecidas” são apuradas automaticamente pela diferença entre stock físico e contabilístico, sem registo documental detalhado; - Não há prova da existência de procedimentos de validação, inventários assinados ou participação de responsáveis nesse apuramento; - Existe falta de um documento de inventário que contenha as diferenças de stock; - O tribunal baseou-se em factos não devidamente demonstrados documentalmente, havendo ausência de prova quanto à razoabilidade das quebras; não foi demonstrado que as quebras apuradas se situem dentro de limites razoáveis para o sector; o facto provado (alínea S) da sentença) é uma mera conclusão sem suporte factual ou documental; - Houve erro na valoração da prova, já que o tribunal considerou provado um suposto acordo ou facto (artigo 171.º da petição inicial) sem fundamento ou prova nos autos, sendo que a falta de contestação da Fazenda Pública não equivale a confissão dos factos (artigo 110.º do CPPT); - Existe erro de julgamento de facto e de direito, tendo o tribunal invertido indevidamente o ónus da prova, que recai sobre o sujeito passivo, não tendo a Recorrida provado ter os sistemas e registos exigidos para afastar a presunção de transmissão de bens. Em suma, a Fazenda Pública defende que a sentença incorreu em erro de julgamento, ao aceitar como provadas as condições para afastar a presunção do artigo 80.º (atual 86.º) do CIVA sem prova suficiente, por faltarem registos formais, inventários e provas documentais que sustentem a justificação das quebras de stock, tendo o tribunal transferido indevidamente o ónus da prova da Recorrida para a Administração Tributária. A Recorrida, por seu turno, não concorda, defendendo que a Fazenda Pública não cumpriu o ónus de impugnação da matéria de facto (art. 640.º CPC); que a decisão recorrida está devidamente fundamentada na prova e nas regras da experiência comum; que a AT não demonstrou qualquer fraude ou irregularidade nos procedimentos da Recorrida; que as quebras de existências estão documentadas, controladas e justificadas e que a presunção do art. 80.º do CIVA foi legitimamente ilidida, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa. O Relatório de Inspecção, quanto às correcções aqui em recurso, tem o seguinte percurso fundamentador: “Decorre do n.° 1 do art. 23° do CIRC, que subjacente ao conceito de custos e perdas se encontra definida a necessidade do cumprimento de dois requisitos fundamental para que esses mesmos custos e perdas sejam considerados como um elemento negativo da conta de resultados, isto é, sejam, simultaneamente, comprovados e indispensáveis à realização de proveitos. A ausência de qualquer um destes requisitos implica a sua não consideração como custo fiscal. Assim sendo, quanto aos valores registados como quebras conhecidas, e partindo do pressuposto que os procedimentos analisados foram aplicados de forma generalizada e contínua ao nível de todas as lojas da empresa, considera-se que os montantes que influenciaram, negativamente, os resultados da empresa através do aumento do custo da mercadoria vendida, se encontram, minimamente, controlados e documentados através dos procedimentos internos implementados pela empresa. Embora, cada documento de quebra não constitua um documento de suporte directo da contabilidade, o mesmo serve de suporte à obtenção de valores lançados de uma forma agregada na contabilidade, sendo possível estabelecer uma relação objectivamente o montante das quebras conhecidas apurado periodicamente e o conjunto dos diversos registos de documentos internos de quebra das diversas secções de cada loja, porque cada situação de quebra contribui directamente para a actualização do valor dos stocks, e assim influencia o custo das mercadorias vendidas. Face aos valores registados como quebras desconhecidas (diferenças de inventário), dada a sua natureza não podem os mesmos relevar para efeitos fiscais, na medida em que a contabilização do custo visa justificar uma diferença entre o stock físico e o contabilístico para a qual a empresa deveria ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que prevenissem e minimizassem este tipo de divergências. A aceitação como custo fiscal depende da prova do abate dos bens e da causa que conduziu à sua inutilização ou obsolescência. Ora neste caso, os motivos ou razões subjacentes às diferenças de inventário apuradas pela empresa são meras presunções ou suspeitas. Os bens em causa foram adquiridos com o fim de serem vendidos e dado que já não se encontram nas instalações da empresa, não cumpriram o fim a que eram destinados. Se relativamente às situações identificadas como quebra conhecida é possível, minimamente, estabelecer um nexo de causalidade para a sua inutilização, já neste caso, tal não acontece, por se desconhecer o destino dado a esses bens o que torna inviável a comprovação e, consequentemente, a sua aceitação como custo fiscal. Assim, tendo em conta o anteriormente exposto, conclui-se pela não aceitação como custo fiscal, dos valores considerados pelo Sujeito Passivo como quebras de origem desconhecida, no montante de € 5.949.498,70 (cinco milhões, novecentos e quarenta e nove mil, quatrocentos e noventa e oito euros e setenta cêntimos), valor esse que afectou, negativamente, o valor das existências e por conseguinte positivamente o custo das mercadorias vendidas do período, dada a inexistência de elementos justificativos do destino desses bens, e de assim o Sujeito Passivo não ter comprovado a indispensabilidade destes custos para a realização dos seus proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do art. 23° do CIRC, conjugado com o art. 17.° n.° 3 e art. 115.° n.° 3, ambos do CIRC. III - 2 IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (IVA) (...) III - 2.2 PRESUNÇÃO DE TRANSMISSÃO DE BENS - QUEBRAS DE EXISTÊNCIAS Dispõe o artigo 80.° do CIVA, que "Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua actividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais", sublinhado nosso. Resulta assim, daquela disposição legal, que se presumem transmitidos e como tal sujeitos a imposto, os bens não encontrados em qualquer dos locais em que o Sujeito Passivo exerce a sua actividade, caso não seja efectuada prova do destino dado aos mesmos. Assim, e conforme a fundamentação constante do ponto III-1.1.3, dada a inexistência de elementos justificativos do destino dos bens considerados pelo Sujeito Passivo como quebras de origem desconhecida, procede-se, nos termos do art. 80.° do CIVA, à respectiva liquidação do IVA, sobre os bens objecto de contabilização como quebra e cujo custo foi corrigido, por os mesmos se considerarem transmitidos, resultando assim, imposto em falta, no total de €755.066,97 (setecentos e cinquenta e cinco mil, sessenta e seis euros e noventa e sete cêntimos).” A sentença recorrida, após exposição do respectivo regime legal, bem como do entendimento jurisprudencial e doutrinal quanto à densificação dos conceitos atinentes à dedutibilidade do IVA e à presunção contida no art. 80.º (actual 86.º) e confrontação com os factos provados nos autos, teve o seguinte percurso argumentativo: “É do conhecimento comum e decorre das regras da experiência que a ocorrência de quebras de inventário nos estabelecimentos de comércio a retalho constitui um fenómeno frequente e inerente à atividade normal das empresas desse setor. Assim, as quebras físicas podem ficar a dever-se a danos provenientes do manuseamento dos artigos por parte dos clientes e/ou dos colaboradores, ou receção de artigos defeituosos, impossibilitando num momento posterior a sua venda ao consumidor final, sendo estas as denominadas quebras de origem conhecida, enquanto que poderão também existir furtos/quebras de origem desconhecida, quebras estas que são, habitualmente, detetadas na sequência dos procedimentos de contagem e verificação dos inventários. Este é um risco associado ao próprio negócio do setor da distribuição e das grandes superfícies, em que a Impugnante se insere, e que, como também é perceção comum, não se conseguem eliminar totalmente através da implementação de procedimentos de segurança, os quais apenas permitem mitigar tais quebras. Aliás, como resulta do ofício transcrito na alínea L) dos factos assentes, é a própria AT que reconhece que "As quebras de mercadorias nas grandes superfícies de venda a retalho são inerentes à actividade normal das empresas desse sector pelo que se enquadram, em regra, no princípio da indispensabilidade previsto no corpo do n° 1 do artigo 23° do CIRC, segundo o qual são aceites para efeitos fiscais os custos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora". A mesma informação, sancionada pelo Diretor Geral dos Impostos, vem estabelecer que a aceitação como custo destas quebras depende da análise das situações concretas em que ocorreram e da demonstração que se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de atividade, passando tal análise pela verificação da existência de sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida), para assegurar a minimização dos furtos, bem como a existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, devendo para o caso das quebras não identificadas, ser elaborado documento de inventário com as diferenças de stock, devendo ser assinado pelos analistas de inventário e pelo gerente de loja. Este documento deverá servir de suporte à regularização do sistema de gestão de stocks bem como deve servir como documento de suporte aos lançamentos contabilísticos de quebras de existências. Para além disso, aquele entendimento vinculativo estabelece que para a aceitação como custo das quebras não é de exigir participações à polícia por furto contra desconhecidos nem a exigência de apólices de seguro uma vez que as quebras não identificadas resultam do exercício normal da atividade, não revestindo uma natureza extraordinária e imprevisível. Adicionalmente, deve o caso concreto evidenciar que as quebras se situam dentro dos limites razoáveis para o sector de atividade (publicações internacionais e/ou nacionais) assentará numa análise das circunstâncias concretas de cada empresa e não com base numa percentagem previamente definida sobre a faturaçao. Diga-se a final, que, como resulta daquela informação vinculativa, a AT aceita como elidida a presunção do artigo 86° do CIVA (anterior artigo 80°) quando os bens considerados perdidos, por razões desconhecidas, preencham os critérios adotados para efeitos de IRC, através, nomeadamente, de uma análise casuística e circunstancial de cada empresa, dentro de limites razoáveis para o setor de atividade e desde que seja elaborado um "documento de inventário com as diferenças de stock". Importa chamar agora à colação a verdadeira e única razão que esteve na génese da não aceitação do montante contabilizado como quebras de origem desconhecida, e que foi tão simplesmente "Apenas o valor registado em diferenças de inventário (quebra desconhecida), não relevou para efeitos fiscais, sendo consequentemente objecto de proposta de correcção, na medida em que a contabilização do custo visa justificar uma diferença entre o stock físico e o contabilístico, para a qual a empresa deveria ter desenvolvido procedimentos de controlo interno que a prevenisse ou minimizasse, permitindo assim a salvaguarda dos seus activos". Acrescentando que "Desde logo, tratando-se de uma quebra de origem desconhecida, como o seu próprio nome indica, apenas por mera presunção baseada em suposições lógicas é que se poderá atribuir a um roubo, dado que não se encontra minimamente sustentada a efectivação da perda sobre a forma de furto. Admitindo, ainda que por hipótese tratar-se de roubo, é sempre possível a fim de suportar o custo, a existência de qualquer elemento de prova documental, como seja, a participação do furto às autoridades policiais. Pelo menos, para os bens de valor unitário elevado, a empresa teria todo o interesse em reportar o roubo àquela entidade, dado que no decurso das acções por ela desenvolvidas, poderia vir a recuperar os referidos bens. Não efectuando qualquer participação, tal recuperação torna-se desde logo inviável. Por outro lado, a exponente não veio demonstrar que os bens objecto dos roubos não são passíveis de serem seguráveis. De facto, o sujeito passivo limitou-se a apresentar extractos de conclusões retiradas de um parecer, como por exemplo " Julgamos que a Companhia dispõe de meios de prova complementares bastantes para comprovar tais custos, assegurando a sua dedutibilidade, nos termos legais sem ter apresentado qualquer documentação concreta, designadamente, ofícios de Companhias de Seguros para este tipo de ocorrências ou sua inviabilidade face a uma análise custo/benefício, no caso das seguradoras os realizarem. Não basta um motivo ou uma justificação para que o correspondente custo se torne, desde logo relevante para efeitos fiscais. Cabe ao sujeito passivo diligenciar no sentido de demonstrar fundamentar a indispensabilidade do custo, designadamente, nos aspectos referidos no artigo 23.° do CIRC.". Ora, como resulta do probatório, e é até do conhecimento comum e público, a Impugnante possui nas suas lojas sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti roubo, CCTV e segurança privada), para assegurar a minimização dos furtos que possam ocorrer dentro das suas lojas, possuindo também um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, tal como verificado e evidenciado pela AT no âmbito da ação de inspeção. Na verdade, em qualquer setor de atividade económica, o registo de uma quebra de existências - com origem conhecida ou não - é demonstrativo da existência de mecanismos de controlo, aferição e contagem dos bens perecidos sob pena de o nível de existências ser anormalmente elevado, traduzindo uma situação não suportada pela realidade (stock inexistente) por manifesta ausência de controlo por parte dos sujeitos passivos. É claro que o simples registo de perdas pode indiciar situações de evasão ou fraude, nada impedindo que alguns sujeitos passivos lancem mão de registos falsos de modo a abater bens e lograr a dedução dos respetivos custos, apagando o rasto de anteriores vendas (não declaradas e registadas) desses mesmos bens. Todavia, nada indicia a ocorrência destes factos nos presentes autos, designadamente porque o Relatório de Inspeção não alega ou identifica factos suscetíveis de indiciar a prática de factos evasivos ou fraudulentos. Por outro lado, como resulta da leitura do Relatório Inspetivo, bem como das próprias decisões de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, as quebras não identificadas encontram-se devidamente evidenciadas na contabilidade através de documentos de inventário com as diferenças de stock, não tendo em momento algum a AT questionado os procedimentos contabilísticos adotados ou a fiabilidade da sua contabilidade. Verifica-se também que a Impugnante demonstrou, de forma objetiva e concreta, que as quebras constituem uma consequência normal, inevitável e inerente à sua atividade produtiva, e que, não só se encontram dentro dos limites razoáveis para o sector de atividade (publicações internacionais e/ou nacionais) (cfr. alíneas Q) e R) dos factos assentes), como até demonstrou que o valor de quebras de origem desconhecida por si considerado se situa numa percentagem muito abaixo da média considerada no seu setor de atividade, quer a nível europeu, quer a nível internacional. Deste modo, poder-se-á concluir que estão implementados na Impugnante sistemas para assegurar a minimização dos furtos bem como sistemas de registo informático de quebras de existências e de controlo interno, pressupostos estabelecidos para que as perdas por quebras não identificadas sejam consideradas um custo elegível, para efeitos de IRC, e por conseguinte, os mesmos poderão ser tomados em consideração em sede do IVA, por forma a ficar prejudicada a presunção de transmissão de bens estabelecida pelo artigo 86° do CIVA (anterior artigo 80° do CIVA). Consequentemente, tendo a Inspeção Tributária baseado a sua correção precisamente em fundamentos não suscetíveis de acordo com a própria AT de poderem conduzir àquela correção (participação dos furtos às autoridades policiais e contratação de seguro com cobertura de quebras por roubo), e tendo a Impugnante logrado ilidir a presunção de transmissibilidade dos bens considerados como quebras de origem desconhecida, verifica-se erro sobre os pressupostos de facto e de direito das liquidações de IVA impugnadas e das correspondentes liquidações de juros compensatórios, o que conduz à sua anulação, o que se decidirá de seguida.” Diga-se, desde já, que o assim decidido não merece qualquer censura, devendo ser inteiramente confirmado. Em primeiro lugar, há que referir que, apesar da Recorrente ter impugnado a matéria de facto, ainda assim, com excepção de um facto, como se verá, não cumpriu as regras previstas no art. 640.º do CPC. Com efeito, dispõe tal norma que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Analisadas as conclusões acima transcritas, concatenadas com o corpo das alegações, verifica-se que a Recorrente defende, genericamente, existir erro de julgamento da sentença quanto às ilações e convicção que o Tribunal a quo retirou dos depoimentos e dos documentos. Mas, com excepção do facto S), do qual abaixo trataremos, não concretiza os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, nem a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas. Não cumpre, assim, de todo, o disposto na norma transcrita, razão pela qual improcede o recurso com este fundamento. Quanto ao facto S), tem de se entender que foi minimamente cumprida a regra impugnatória, na medida em que a Recorrente se insurge contra a fundamentação de tal facto, referindo que a falta de contestação não implica a confissão dos factos, alegando tratar-se de um facto conclusivo, sem qualquer apoio documental. Tal facto tem o seguinte teor: “S) O valor das quebras desconhecidas declarado pela Impugnante no ano de 2004 corresponde a uma percentagem entre 0,5% e 0,6% quer do valor dos bens adquiridos, quer dos bens vendidos (acordo - artigo 171° da p.i. não impugnado, fls. 381 dos autos e prova testemunhal).” Defende a Recorrente que se desconhece quais são os factos, devidamente documentados, de onde se inferem tais conclusões, que o Tribunal a quo admite como factos provados, configurando-se o depoimento como meramente conclusivo, sendo que, tal conclusão teria de retirar-se de efectivos factos patentes em documentos de suporte ao sistema informático de facturação e contabilístico, bem como registos informáticos e contabilísticos, que não constam dos autos - nem do RIT, nem de informações subsequentes constantes dos autos, nem de prova produzida, conforme lhe incumbia, pela impugnante. Em primeiro lugar, muito se estranha que, entendendo a Recorrente ser este um facto essencial, na contestação nada tenha dito sobre o mesmo. Com efeito, tem razão a Recorrente quando refere que a falta de contestação não implica a confissão dos factos, mas a verdade é que os mesmos ficam sujeitos à livre convicção do julgador. E este entendeu, com base na prova testemunhal, no doc. de fls. 371 e na circunstância de não ter sido impugnado, que o mesmo se devia considerar provado. Se tal facto era, para a Recorrente, um facto essencial, então teria sido natural e, até, avisado, tê-lo impugnado, já que apresentou contestação, na qual pôde expor todos os argumentos e fundamentos que contrariassem os factos alegados na p.i.. Coisa diferente, era se não tivesse havido, de todo, contestação. Aí sim, não tendo o Tribunal a posição da FP sobre os factos alegados, competir-lhe-ia, ab initio, a sua análise e confirmação. Por outro lado, a verdade é a Recorrente não contesta a veracidade do mesmo, não diz que a percentagem indicada não é aquela ou está errada. Tendo este Tribunal consultado os documentos do processo, nomeadamente, o de fls. 371, verificou que o Juiz a quo apenas se poderia estar a referir ao documento 15 da p.i. – “Contabilização das quebras de inventário apuradas em 2004…”, que está contido no doc. 004057029 do SITAF, a fls. 381, e que contém as percentagens em causa. Assim sendo, altera-se a fundamentação do facto quanto às fls. para que remete, passando a constar “fls. 381 do SITAF – Doc. 004057029”, mantendo-se a restante fundamentação. Tendo o Tribunal, de acordo com a sua livre convicção, com base nos fundamentos indicados (prova testemunhal, doc. indicado e não ter sido impugnado), assentado na citada percentagem de quebras desconhecidas, tal facto manter-se-á. Assente que está a matéria de facto, vejamos pois, se se verifica o invocado erro de julgamento, adiantando, desde já, que não foi posto em causa pela Recorrida, nem foi apreciado pelo Tribunal a quo se estavam verificados os pressupostos legais para que a AT pudesse ter lançado mão da presunção do, então, art. 80.º do CIVA, sendo que tal questão seria sempre uma questão prévia à da ilisão dessa presunção por parte do sujeito passivo. Não tendo sido abordada pela sentença recorrida, também este Tribunal não o poderá fazer. Ora, como acima já se tinha adiantado, entende o Tribunal que a sentença recorrida não sofre dos erros de julgamento que lhe são imputados. Com efeito, tal sentença, com base nos factos que julgou demonstrados, considerou, e bem, que a Impugnante, ora Recorrida, tinha logrado ilidir a presunção de transmissão dos bens constante do, então, art. 80.º do CIVA. E, na verdade, analisados os mesmos, verifica-se que assim foi. Em primeiro lugar, há que começar por referir que a norma não impõe quaisquer restrições probatórias à ilisão da presunção, nomeadamente, as especificadas pela AT no ofício n° 12937, de 22-06-2009, da DSIRC dirigido à APED, constante do ponto L) do probatório. Por outro lado, resultou demonstrado que “A Impugnante contabiliza mensalmente, numa perspetiva prudente, uma estimativa do valor das diferenças de inventário (associadas a quebras de origem desconhecida), correspondente a uma percentagem, obtida por secção, do valor de vendas operacionais dessa mesma secção” (ponto N)). Ficou, também, demonstrado que a “Impugnante procede à contagem física dos bens, numa base semestral, no âmbito das quais deteta as diferenças entre o inventário a nível físico e a nível contabilístico, correspondentes a quebras de existências cuja origem é desconhecida por não ter sido identificado o motivo da origem da quebra, neste momento corrigindo os valores de quebras de origem desconhecida estimadas mensalmente, conforme referido na alínea antecedente” (ponto O)), e que “O valor respeitante à variação de stocks (obtido por comparação entre o stock final e o inicial) é registado na "#612220000 - CMV - variação de stocks Sirius Com", correspondendo o saldo desta conta à soma das diversas variações de stocks, positivas e negativas, apuradas ao longo dos diversos períodos mensais” (P)). Ou seja, parece claro, atendendo ao tipo e dimensão da actividade da Recorrida, e à natureza muito incerta deste tipo de despesa, que este procedimento se revela adequado a um controlo suficientemente rigoroso das quebras desconhecidas. Por outro lado, ficou também demonstrado que “No âmbito de um estudo elaborado pelo "Centre for Retail Research" (Centro Europeu de Investigação no Setor da Distribuição), considerando a informação enviada por 466 empresas europeias, que operam 28.297 estabelecimentos com volume de negócios conjunto de 422.190 milhões de euros, foi apurado que, com referência a um período de 12 meses, terminados em junho de 2006 a taxa de perdas desconhecidas (essencialmente por furto ou deterioração de stocks) decresceu nesse ano para 1,24% do volume de negócios, quando em 2002 ascendia a 1,45%” (ponto Q)) e que “Um estudo preparado em 2007 pelo "Centre for Retail Research" efetuado à escala mundial, cobrindo 32 países e 820 empresas, tendo subjacente um total de vendas de £ 447.000 milhões, representa o 16% do universo europeu do retalho, no qual se conclui que a percentagem das quebras de origem desconhecida em relação ao volume de vendas ascende, em média, a 1,36%, em termos mundiais, a 1,25% quando estão em causa países da Europa Ocidental e a 1,31%, no caso concreto de Portugal” (ponto R)), sendo que “O valor das quebras desconhecidas declarado pela Impugnante no ano de 2004 corresponde a uma percentagem entre 0,5% e 0,6% quer do valor dos bens adquiridos, quer dos bens vendidos” (ponto S)), o que significa que o valor de tais quebras se situa abaixo da média mundial e, mesmo, da Europa Ocidental. Acresce, finalmente, que ficou provado, também, que “A Impugnante possui nas suas lojas sistemas de controlo implementados, como sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida” (ponto T)), demonstrando a preocupação da Recorrente em evitar este tipo de situações. Ou seja, entende o Tribunal, com tais procedimentos, que a Recorrida logrou ilidir a presunção de transmissão a que se refere o art. 80.º do CIVA (actual 86.º). A questão aqui em apreciação é bem reveladora da relação de dependência entre a contabilidade e a fiscalidade. Tomás Cantista Tavares, in Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, pág. 166 e ss., refere que “O instituto dos custos empresariais constitui um dos sectores mais fulcrais e flagrantes do modelo de dependência parcial entre o lucro contabilístico e o lucro tributário da organização. Desde logo, porque a abrangente assimilação fiscal dos decaimentos económicos das sociedades plasma, com nitidez, a sobredita conexão de dependência face às regras ditadas pela contabilidade. Na verdade, o lucro (económico e fiscal) verte a diferença entre os proveitos ou ganhos e os custos ou perdas percebidos pela empresa no exercício da sua actividade. No plano tributário, por aderência ao vector da capacidade contributiva, o imposto tem, pois, de assimilar as diversas formas de riqueza obtidas pelo sujeito passivo (rendimento-acréscimo), com a inclusão, por outra via, de todas as despesas ou empobrecimentos contraídos pela organização(rendimento-líquido). Bem vistas as coisas, a aderência à riqueza real gerada pelo contribuinte só se promove num modelo com esta estrutura. Assim sendo, a sobredita sustentação contabilística, para além de razões técnicas de oportunidade e eficiência, concretiza um imperativo teórico-constitucional, pois se o imposto tem de incidir sobre manifestações efectivas de riqueza, então será óbvio que o apuramento do lucro fiscal se sustente, em grande escala, nas demonstrações daquele calibre, com a generosa aceitação das perdas contraídas pela organização.” Por outro lado, nunca se pode perder de vista o princípio da consideração da substância económica, já que “o que verdadeiramente importa não é a arrumação contabilística feita pelo contribuinte, mas a real natureza das coisas, porque ao Direito Fiscal interessa antender às situações de facto e não ao artificialismo que as encobre.” (cfr. António Moura Portugal, a Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, pág. 168, citando jurisprudência do STA). No caso concreto nunca foi invocado pela AT que a Recorrida, com o seu modus operandi, tivesse em vista a obter benefícios indevidos ou prejudicar o Estado ou fugir à tributação, pelo que seria flagrantemente injusto considerar como tributável o valor relativo a quebras desconhecidas, nos termos vistos. Trata-se, pois, no caso, também, de dar a devida prevalência ao princípio da justiça que, de resto, tem sido uma linha argumentativa e decisória que, algumas vezes, os Tribunais já têm vindo a lançar mão. Assim sendo, considerando nós, com o Tribunal a quo, que a Recorrida logrou ilidir a presunção de transmissão constante do, então, art. 80.º do CIVA, o recurso da FP tem de improceder na totalidade. ***Resta apenas apreciar o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, feito pela Recorrente. A sentença recorrida considerou que “atendendo igualmente à correta conduta das partes nos autos, abstendo-se da prática de atos ou articulados inúteis, e ao grau de complexidade da matéria em questão, entende-se ser de dispensar o remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6°, n° 7 do RCP.” Ora, mantendo-se os pressupostos que motivaram a dispensa em 1.ª instância, também nós dispensamos a Recorrente do pagamento do remanescente da taxa de justiça. ***** III. DECISÃO Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida. 
 Custas pela Recorrente FP, com dispensa do remanescente da taxa de justiça. 
 
 Lisboa, 16 de Outubro de 2025 --------------------------------                                                                                      |