Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2448/09.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:Os juros compensatórios são devidos pelo retardamento do pagamento de parte, ou da totalidade do imposto devido antecipadamente no pagamento por conta do IRC, o que tem eco na LGT (artigo 35º) e nos artigos 94º e 96º nº 5 do CIRC, na versão introduzida pelo DL nº 198/2001, de 3 de julho.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
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I - RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, ora recorrente, deduziu recurso contra a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela recorrida, M……… ………….. Portugal, Sociedade Unipessoal, Lda, contra o ato de liquidação de juros compensatórios e juros de mora, respeitante ao período de tributação de 1 de julho de 2007 a 30 de junho de 2008, no montante de 1.627,01€.


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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


a) Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial em apreço procedente, deduzida pelo Recorrido tendo como objeto o pedido de anulação do ato tributário de liquidação n.º ……………830, no montante de 1.627,01€, identificado pela nota de cobrança n.º …………..375, do período de 1 de julho de 2007 a 30 de junho de 2008;


b) Na sequência da entrega da declaração de rendimento de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), e tendo em conta os valores declarados, foi apurado um quantum a pagar pela Recorrida, no período em apreço, de 131.403,70€;


c) A Recorrida teria de proceder ao pagamento do imposto devido e autoliquidado, no montante de 131.403,70€, até à data da apresentação da declaração periódica de rendimentos, ou seja, até 28 de novembro de 2008;


d) A Recorrida procedeu ao pagamento da autoliquidação em 2 de dezembro de 2008 (guia n.º …………..700), fora do prazo legal para o efeito;


e) Sobre o valor da autoliquidação - 131.403,70€ - foi aplicada a taxa de juros de mora de 1% (decreto-lei n.º 73/99, de 16 de março), em cumprimento do estatuído no artigo 101.º do Código do IRC, em vigor na data dos factos, resultando o montante de 1.314,03€;


f) De acordo com o preceituado no artigo 97.º, n.º 1 do Código do CIRC, em vigor na data dos factos, “Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 83.º relativamente ao exercício imediatamente anterior aquela em que se devam efetuar esses pagamentos, liquido da dedução a que se refere a alínea f) do n.º 2 do mesmo artigo”;


g) Tendo em conta os montantes do período de 2006, o imposto a que se refere o artigo 97.º, n.º 1 do Código do IRC, é de 44.900,28€;


h) A Recorrida, no período de 2006, teve um volume de negócios igual ou inferior a 498.797,90€, pelo que, foi aplicada a percentagem prevista no artigo 97.º, n.º 2 do Código do IRC, em vigor na data dos factos, de “75% do montante do imposto referido no número anterior, repartido por três montantes iguais, arredondados, por excesso, para euros”;


i) A Recorrida deveria ter procedido, em 2007, ao pagamento por conta do montante de 33.675,21€, repartido em três pagamentos iguais no montante de 11.225,07€;


j) Em conformidade com o previsto no artigo 99.º, n.º1 do Código do IRC, em vigor na data dos factos, “Verificando-se, face à declaração periódica de rendimentos do exercício a que respeita o imposto, que, em consequência da suspensão da entrega por conta prevista no número anterior, deixou de pagar-se uma importância superior a 20” da que, em condições normais, teria sido entregue, há lugar a juros compensatórios desde o termo do prazo em que cada entrega deveria ter sido efectuada até ao termo do prazo para apresentação da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior”;


k) A Recorrida, obrigada aos pagamentos por conta nos meses de janeiro, março e junho de 2008, só o logrou concretizar em 2008.02.22, 2008.04.02 e 2008.07.04


l) A Recorrida procedeu ao pagamento de conta no montante de 21.877,44€, quando, na verdade, era devido o pagamento do montante de 33.675,21€;


m) Assim sendo, e tendo em conta o previsto no artigo 99.º, n.º 2 do Código do IRC, em vigor na data dos factos, a Recorrida deixou de pagar o montante de 11.797,77€, ou seja, a diferença entre o montante de 33.675,21€ apurado segundo as regras legais já supra identificadas, e, o montante de 21.877,44€, que efetivamente a Recorrida pagou;


n) Montante 20% superior daquele que deveria ter sido satisfeito, o que exigiu o calculo de juros compensatórios;


o) A liquidação em apreço nos autos resulta da Lei e depende exclusivamente de uma operação aritmética, que não foi tida em consideração, nem pela Recorrida, nem pelo Tribunal a quo;


p) Em conformidade com o artigo 35.º, n.º 8 da LGT, os juros compensatórios integram a própria divida de imposto com a qual são liquidados, têm, portanto, natureza tributária;


q) Os juros de mora são devidos pelo retardamento no pagamento de impostos, e são indissociáveis da obrigação do imposto sobre o qual incidem, sendo, de igual forma, dívida tributária;


r) Não tendo a Recorrida procedido ao pagamento, quer dos juros compensatórios, quer dos juros de mora, pelo atraso no pagamento do imposto, foi extraída a competente certidão de dívida e instaurado o devido processo de execução fiscal (artigo 148.º, n.º 1, alínea a) do CPPT);


s) Em conformidade com o instituído no artigo 1.º, n.ºs 1 e 4 do decreto-lei n.º 73/99, de 16 de março, são sujeitos a juros de mora as dívidas ao Estado, sejam qual for a forma de liquidação e cobrança, incidindo tais juros de mora sobre o montante da dívida;


t) A aplicação de juros de mora ao processo de execução fiscal, ainda que aquele tenha origem no não pagamento de juros compensatórios, ou até moratórios (que têm natureza tributária), decorre do estrito cumprimento da Lei;


u) Não assiste à Recorrida o direito a juros indemnizatórios (vide artigo 43.º, n.º 1 da LGT);


v) Verifica-se por um erro de julgamento de facto e de direito na contraposição da matéria de facto assente pelo Tribunal a quo e na aplicabilidade do normativo jurídico-tributário;


w) O Tribunal a quo não considerou a prova apresentada pela AT, nem a respetiva fundamentação;


x) A sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida;


y) Sendo a impugnação julgada improcedente, será a Recorrida, como parte vencida, que deverá suportar a totalidade do pagamento das custas.


Termos em que, com o mui douto suprimento de Vs. Ex.ªs, e atento a motivação e conclusões supra enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, sendo substituída por Acórdão que julgue improcedente, in totum, por não provada, e, em consequência mantenha vigentes no ordenamento jurídico-tributário, por legais, os atos ora impugnados.


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Notificada, a Recorrida não apresentou contra-alegações.
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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do artigo 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.
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II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT).
Nesta conformidade, cabe apreciar e decidir se, a decisão recorrida padece dos erros de julgamento que lhe vão imputados ao entender que não eram devidos juros compensatórios e moratórios.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Consultando a decisão recorrida, reza assim, a enunciação da matéria de facto provada:

A. A Impugnante desenvolve a actividade de “consultadoria em informática”, a que corresponde o CAE 62020 (cf. fl. 28 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Em sede de IRC, a Impugnante enquadra-se no regime geral de tributação e em sede de IVA, no regime normal de tributação, com periodicidade mensal (cf. fls. 29 e 30 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);


C. A actividade da Impugnante encontra-se cessada, para efeitos de IRC e IVA, desde 30 de Dezembro de 2014, por motivo de fusão/cisão (Idem);

D. Em 20 de Fevereiro de 2008, 28 de Março de 2008 e 1 de Julho de 2008, a Impugnante procedeu a três pagamentos por conta do exercício de 2007, modelo P1, no valor de € 7.292,48 cada (cf. docs. 3 a 7, juntos com a p. i. a fls. 26 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

E. Relativamente ao período de tributação que decorreu entre 1 de Julho de 2007 a 30 de Junho de 2008, a Impugnante procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC, modelo 22, em 28 de Novembro de 2008 (cf. fls. 31 e segs. do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Em 2 de Dezembro de 2008, a Impugnante procedeu ao pagamento do imposto auto-liquidado, no valor de € 131.403,70, através da guia n.° ……………70 0 (cf. fl. 8 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. Em 6 de Janeiro de 2009, foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação n.º …………..830, identificada pela nota de cobrança n.º …………..375, referente a juros moratórios e a juros compensatórios do período de tributação de 1 de Julho de 2007 a 30 de Junho de 2008, no valor total de € 1.627,01, com pagamento voluntário até 11 de Fevereiro de 2009 (cf. fls. 43 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, anexo 2, a fls. 148 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 7 e segs. do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. O documento de cobrança relativo à liquidação de juros referida na letra anterior foi enviado à Impugnante por correio postal registado em 12 de Janeiro de 2009, tendo o seguinte teor essencial (cf. doc. 2, junto com a p. i., a fl. 25, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e anexo 3, a fl. 151, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

« Quadro no original»

I. A dívida relativa à mesma liquidação de juros deu lugar à instauração, em 5 de Março de 2009, no Serviço de Finanças de Lisboa 9, do processo de execução fiscal n.º ……………..193 (cf. fls. 38 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fl. 11 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J. O processo de execução fiscal referido na letra anterior encontra-se extinto por pagamento voluntário em 8 de Abril de 2009 (cf. doc. 9, junto com a p. i., a fl. 32, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 40 e 41, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K. A p. i. da oposição convolada na presente impugnação judicial foi enviada ao Serviço de Finanças de Lisboa 9, via correio postal registado em 15 de Abril de 2009 (cf. fl. 69, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L. A Impugnante apresentou pedido de informação “de 2009//06/15” “sobre a divergência entre os pagamentos por conta efectuados em 2007 e os pagamentos por conta constantes da demonstração de liquidação de juros compensatórios, nos termos do artigo 99.º do CIRC”, que foi decidido por despacho da Chefe do Serviço de Finanças e Lisboa 9 Adjunta de 22 de Junho de 2009, concordante com informação dos serviços com o seguinte teor essencial (cf. doc. 1, junto a fls. 100 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

« Texto no original»
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A decisão recorrida consignou ainda que:
“Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados, tal como referido em cada letra do probatório”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

Nos presentes autos está em causa o montante alegadamente devido por juros compensatórios e moratórios, devidos pela falta de pagamento na sua totalidade e dentro do prazo, dos (3) pagamentos por conta de IRC, que a decisão recorrida entendeu serem ilegais na medida em que o então vigente artigo 97º do CIRC, no seu artigo 5, estabelecia que os juros compensatórios seriam devidos pela falta de entrega no prazo legal dos pagamentos por conta.
A recorrente discorda com o assim decidido, entendendo que o Tribunal fez uma errada interpretação do quadro legal aplicado face aos factos apurados.
Para a recorrente, considerando os montantes do período anterior, o valor do IRC, atento o artigo 97.º, n.º 1 do CIRC era de 44.900,28€, pelo que deveria a recorrida ter efetuado um pagamento por conta, em 2007, de 33.675,21€, repartido em três pagamentos iguais no montante de 11. 225,07€, nos termos do artigo 97º do CIRC. Porém, apenas pagou 21.877,44€ (em vez de 33.675,21€), em fevereiro, abril e junho e não já em janeiro, março e junho de 2008, deixando de pagar 11.797,77€ (33.675,21€ - 21.877,44€).
Deste modo, entende que além de ter feito três pagamentos por conta fora dos prazos, o valor que pagou era inferior ao devido (os três pagamentos deviam totalizar 33.675,21€ e só foi paga a quantia de 21.877,44€), por isso eram devidos os juros controvertidos, e, ao concluir de modo diferente, a decisão recorrida errou no ajuizado.
Vejamos.
Como sabemos, à semelhança com a retenção na fonte, o pagamento por conta é o adiantamento ao Estado do imposto sobre os rendimentos obtidos, ou seja, do IRC, no caso das empresas, ou do IRS, no caso dos trabalhadores independentes.
Na prática, os pagamentos por conta, são uma espécie de retenção na fonte, adiantando os pagamentos destes impostos ao Estado. No momento da entrega da declaração anual de rendimentos, é feito o acerto e a empresa ou trabalhador independente terão apenas de pagar a diferença entre o imposto total apurado e o valor que adiantou nos pagamentos por conta ao longo do ano (cf. artigo 96º e 97º do CIRC na redação então vigente).

Estabelecia o artigo 97º do CIRC vigente à data dos factos (na redação do Decreto-Lei n.º198/2001, de 3 de Julho), o seguinte:

“1 - Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 83.º relativamente ao exercício imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea f) do n.º 2 do mesmo artigo.

2 - Os pagamentos por conta dos contribuintes cujo volume de negócios seja igual ou inferior a 100000000$00 ((euro) 498797,90) correspondem a 75% do montante do imposto referido no número anterior, repartido por três montantes iguais, arredondados, por excesso, para o milhar de escudos.

(…) “

Por turno, o então art. 96º (Regras de Pagamento) nº 1 al. a) do CIRC dispunha o seguinte:

1 - As entidades que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:

a) Em três pagamentos por conta, com vencimento nos meses de Julho, Setembro e Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos n.os 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º, 9.º e 12.º meses do respectivo período de tributação;

b) Até ao último dia útil do prazo fixado para o envio ou apresentação da declaração periódica de rendimentos, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias entregues por conta;

c) Até ao dia da apresentação da declaração de substituição a que se refere o artigo 114.º, pela diferença que existir entre o imposto total aí calculado e as importâncias já pagas.

(…)

5 - Se o pagamento a que se refere a alínea a) do n.º 1 não for efectuado nos prazos aí mencionados, começam a correr imediatamente juros compensatórios, que são contados até ao termo do prazo para apresentação da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente.

(…)”

A outro passo, decorria do artigo 94º (Juros compensatórios) do mesmo CIRC que:

1 — Sempre que, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega do imposto a pagar antecipadamente ou a reter no âmbito da substituição tributária ou obtido reembolso indevido, acrescem ao montante do imposto juros compensatórios à taxa e nos termos previstos no artigo 35.º da Lei Geral Tributária.

2 — São igualmente devidos juros compensatórios nos termos do número anterior pela entrega fora do prazo ou pela falta de entrega, total ou parcial, do pagamento especial por conta.

3 — Os juros compensatórios contam-se dia a dia nos seguintes termos:

a) Desde o termo do prazo para a apresentação da declaração até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação;

(…)

4 — Entende-se haver retardamento da liquidação sempre que a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º seja apresentada ou enviada fora do prazo estabelecido sem que o imposto devido se encontre totalmente pago no prazo legal”.

Ao mesmo passo, estabelece o artigo 35º (Juros compensatórios) da LGT, o seguinte:

“1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

(…)

3 - Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação.

(…)

6 - Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais.

(…)

8 - Os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.

9 - A liquidação deve sempre evidenciar claramente o montante principal da prestação e os juros compensatórios, explicando com clareza o respectivo cálculo e distinguindo-os de outras prestações devidas.

10 - A taxa dos juros compensatórios é equivalente à taxa dos juros legais fixados nos termos do n.º 1 do artigo 559.º do Código Civil”.

Na situação trazida, a decisão recorrida entendeu que não eram devidos juros compensatórios, sublinhando que, apenas para as situações em que os pagamentos por conta não são efetuados nos prazos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º do Código do IRC - “em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável”, é que são devidos juros compensatórios tendo em conta o seu nº 5.

Reza assim a decisão recorrida:

No caso vertente, a liquidação de juros compensatórios teve origem no entendimento da Administração Tributária (em conformidade com o despacho da Chefe do Serviço de Finanças e Lisboa 9 Adjunta de 22 de Junho de 2009, concordante com informação dos serviços, referidos na letra L do probatório) de que são devidos juros compensatórios relativamente à diferença entre o montante dos pagamentos por conta efectuados e o que se tornou devido em virtude da consideração de novos valores para o seu cálculo (“atendendo ao facto de não terem sido efectuados os pagamentos na totalidade, foram calculados juros compensatórios”, lê-se na referida informação).

Sucede que, apenas para as situações em que os pagamentos por conta não são efectuados nos prazos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 96.º do Código do IRC - “em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável” - se prevê, no seu n.º 5, que “começam a correr imediatamente juros compensatórios, que são contados até ao termo do prazo para apresentação da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior, ou, em caso de mero atraso, até à data da entrega por conta, devendo, neste caso, ser pagos simultaneamente”. Ou seja, não existe um regime legal de que resulte a responsabilidade por juros compensatórios derivada do cálculo retroactivo dos pagamentos por conta efectuado pela Autoridade Tributária com base em alteração da liquidação relativa ao período anterior (cf. artigo 97.º, n.º 1, do Código do IRC – “os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 83.º relativamente ao exercício imediatamente anterior àquele em que se devam efectuar esses pagamentos, líquido da dedução a que se refere a alínea f) do n.º 2 do mesmo artigo). Donde, não se pode considerar preenchido, desde logo, o requisito do retardamento da liquidação ou da entrega do imposto a pagar antecipadamente mercê de acto ou omissão do contribuinte, padecendo a liquidação de juros compensatórios impugnada de vício de violação de lei, determinante da sua anulação (cf. artigo 135.º do CPA de 91). Não sendo devidos juros compensatórios, também não são, por ilegalidade derivada ou consequente, devidos juros moratórios, que são um meio de compelir o contribuinte ao pagamento pontual da obrigação tributária (cf. artigos 35.º, n.º 8 e 44.º da LGT e artigo 133.º, n.º 2, alínea i) do CPA de 91). Fica prejudicado o conhecimento do demais invocado na p. i. a respeito da liquidação de juros impugnada (cf. artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT)”.

Portanto, para a decisão recorrida, uma vez que a AT apenas contabilizou juros mercê do valor ser insuficiente e não já devido ao atraso nos pagamentos por conta, são os mesmos ilegais, bem como os juros de mora.

É incontroverso que os pagamentos por conta foram entregues fora das datas em que deveriam ser, assim como é incontroverso que o valor dos três pagamentos por conta foi feito em montante inferior ao devido por referência ao exercício anterior (cada um dos três pagamentos foi efetuado pelo valor de 7.292,48EUR em vez de 11.225,07EUR – cf. ponto L) dos factos provados), como acima se disse e decorre desde logo do ponto L) do probatório, sendo que para o Tribunal recorrido este último fator (pagamento dos três valores relativos aos (3) pagamentos por conta em montante inferior ao devido), não tem acolhimento legal para conferir direito a juros compensatórios, por não se enquadrar no conceito de retardamento da prestação a que aludia o nº 5 do artigo 96º do CIRC.

Não podemos acompanhar o assim decidido.

Na verdade, os juros compensatórios, tal qual decorre quer do artigo 35º da LGT, quer do então artigo 94º e 96º do CIRC, são devidos quer quando haja atraso no pagamento dos pagamentos por conta do IRC, quer quando esse pagamento não seja feito, ou seja feito parcialmente, isto é, em montante inferior ao valor devido por referência ao exercício anterior, o que configura o retardamento da entrega da prestação por ser a mesma inferior ao valor devido.

Ademais, o próprio artigo 94º do CIRC fazia referência ao retardamento do pagamento de parte ou da totalidade do imposto, enquanto pressuposto de pagamento dos juros compensatórios, o que tem eco na própria LGT (artigo 35º) que a mesma terminologia utiliza, como se viu supra.

Foi o que sucedeu in casu em que a AT entendeu que além dos pagamentos terem sido feitos fora do prazo, foram feitos em valor inferior ao devido, na medida em que deveriam ser feitos pagamentos por conta no montante global de 33.675,21€, repartido em três pagamentos iguais no montante de 11. 225,07€ (3x 11.225,48EUR= 33.675,25), nos termos do artigo 97º do CIRC, tendo apenas sido pago àquele título (PPC) apenas 21.877,44€ (3x 7.292,48EUR), ficando por pagar 11.797,77€ (33.675,21€ - 21.877,44€).

Portanto, havendo lugar a pagamento de imposto no final, como houve e o informa o probatório (no valor de 131.403,70€), o pagamento por conta era devido nos montantes que a AT considerou (75% sobre o valor dos rendimentos do período anterior), o que não foi feito pela recorrida, razão pela qual seriam, como são, devidos os juros compensatórios e moratórios nos termos fixados pela AT.

Ora, seja por ter sido feito o pagamento fora de prazo seja por ter sido feito o pagamento em valor inferior ao devido, essa conduta retardadora é de imputar ao contribuinte, o que justifica o pagamento dos juros compensatórios e moratórios fixados, contrariamente ao preconizado pela decisão recorrida que assim não se poderá manter.

Na verdade, relativamente aos juros de mora a decisão recorrida bastou-se em referir que não havendo lugar a juros compensatórios não havia, consequentemente, lugar a juros de mora.

Não é assim.

Conforme informa o probatório, os juros de mora foram calculados, a par dos juros compensatórios (estes no montante 312,99EUR e aqueles no montante de 1.314,03EUR)Cf. pontos L) e H) dos factos provados.

Ambos juros tiveram pressupostos de base (factuais e legais) distintos (ou bases de incidência diferentes), como se diz mais adiante.

Com efeito, os juros compensatórios foram calculados por referência ao retardamento do pagamento por conta de IRC, feito tardiamente e em valor diferente do devido, enquanto os juros moratórios foram contabilizados, à taxa de 1%, mercê do pagamento do imposto autoliquidado (131.403,70EUR) tardiamente, ou seja em 02.12.2008, respeitando ao período que decorre entre 01.07.2007 e 30.06.2008, errando o ajuizado ao entender que a ilegalidade destes era consequente daqueles.

Como refere a recorrente e decorre da demonstração da liquidação, os juros de mora foram contabilizados em conformidade com o instituído no Decreto-lei n.º 73/99, de 16 de março, donde decorre que são sujeitos a juros de mora as dívidas ao Estado, seja qual for a forma de liquidação e cobrança, incidindo tais juros de mora sobre o montante da dívida (artigo 1.º, n.ºs 1 e 4 do citado DL).

No artigo 101º nº 1 do CIRC, enunciado na nota de liquidação a que alude o probatório, decorria, na redação dada pelo DL nº 198/2001, de 3 de julho, efetivamente que: “1-Havendo lugar a autoliquidação de imposto e não sendo efectuado o pagamento deste até ao termo do respectivo prazo, começam a correr imediatamente juros de mora e a cobrança da dívida é promovida pela Direcção-Geral dos Impostos nos termos previstos no artigo seguinte”.

Diante de todo o exposto, assuma a conclusão de que andou mal a decisão recorrida ao entender que eram ilegais os juros compensatórios e moratórios, com apoio no artigo 96º nº 5 do CIRC na redação aplicável.

Nesta conformidade, terá de proceder o recurso.


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Tendo julgado procedente a impugnação com base em erro nos pressupostos quanto aos juros, a decisão recorrida julgou prejudicado o vício de forma por falta de fundamentação que importa agora conhecer.

Alega a impugnante/recorrida que a liquidação padece de falta de fundamentação formal.

Sabemos que tem assento na lei fundamental os atos, como os de liquidação (artigo 268º nº 3 da CRP), assim como na LGT (artigo 77º), permitindo ao interessado compreender o iter percorrido pela Administração na sua prática para assim se poder conformar ou defender.

Também a liquidação de juros compensatórios deve ser fundamentada (artigo 35º nº 8 e 9 da LGT). Na liquidação dos juros compensatórios devem ser indicados os montantes da dívida de imposto e juros, explicando os seus cálculos, distinguindo-os de outras prestações devidas.

Esta exigência de demonstração do cálculo dos juros integra-se no dever geral de fundamentação expressa e acessível dos atos lesivos imposta pelo artigo 268º da CRP.

A fundamentação deve, assim, permitir conhecer integralmente o itinerário seguido pela entidade que liquida o tributo, para calcular os juros, devendo evidenciar o comportamento do contribuinte justificativo do pagamento dos juros.

Consultando os factos provados, dali se extrai que os juros foram calculados pelo retardamento e insuficiência nos pagamentos por conta, e bem assim pela declaração e entrega do valor autoliquidado em 02.12.2008 (em vez de o ser até 30.12.2008), tendo sido calculado o valor de € 1.627,01, sendo 319,99EUR referente a juros compensatórios e 1.314,12EUR referente a juros moratórios, estes últimos respeitantes ao período que vai desde 1 de julho de 2007 a 30 de junho de 2008 (Cf. ponto H) dos factos provados).

Naquele montante global de 1.227,01 EUR são contabilizados juros de mora relativos à autoliquidação e seu retardamento (à taxa de 1%), incidindo sobre o valor do imposto pago e autoliquidado (131.403,70EUR), constando da nota de liquidação que aquela contabilização se esteia no artigo 101º do CIRC e DL 73/99 de 16.03 – Cf. pontos H) e L) do probatório.

Ao mesmo passo, estão contabilizados juros compensatórios devidos pelo não pagamento integral do pagamento por conta em prazo legal (sobretudo o 1º e último), decorrendo da nota de liquidação os períodos de início e termo e o montante sobre o qual incidiram (tendo por pressuposto o valor pago e aquele que deveria ser pago a que supra se alude), tendo sido enunciadas as normas legais para a sua contabilização - artigos 8º nº 2, 83º e 96º, 97º e 99º do CIRC – Cf. ponto H) e L) dos factos provados.

Sendo assim, improcede a falta de fundamentação anotada pela recorrida/impugnante, o que determina, ante todo o exposto, a improcedência da impugnação e a manutenção na ordem jurídica das liquidações impugnadas.


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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente.

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V- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:

- Conceder Provimento ao recurso;

- Revogar a decisão recorrida;

- Julgar a impugnação improcedente, mantendo-se as liquidações impugnadas.

Custas a cargo da recorrente.


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Lisboa, 03 de abril de 2025

Isabel Silva
(Relatora)

Margarida Reis
(1ª adjunta)

Maria da Luz Cardoso
(2ª adjunta)