Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:353/11.5BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:QUESTÃO NOVA
SUBSÍDIO DE TURNO
Sumário:I - O Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, respeitava a todo o pessoal hospitalar.
II - Nesse todo não se integravam relações jurídicas de natureza privada.
III - O referido diploma teve como único objetivo estabelecer as especificidades do regime de trabalho do pessoal hospitalar, num momento em que este estava submetido ao regime da função pública.
IV - O problema da delimitação do âmbito subjetivo do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, coloca-se no momento em que o pessoal hospitalar passa a integrar trabalhadores com vínculo laboral de natureza privada.
V - O pessoal hospitalar com contrato individual de trabalho, ou seja, vínculo de natureza privada, ficou submetido ao regime do Código do Trabalho e não ao do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
E....... intentou, em 21.4.2011, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, ação administrativa especial contra o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E., formulando o seguinte pedido:


«a) DEVE ser declarado nulo ou anulado o despacho, de 19/0utubro/2010, do Vogal Executivo do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE
b) DEVE o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. ser condenado a restituir à Autora as quantias que lhe descontou nos vencimentos - incluindo os legais Juros moratórios.
c) DEVE o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, ser condenado a proceder ao pagamento do trabalho extraordinário e do trabalho nocturno da A. nos termos do Decreto-Lei n° 62/79 de 30 de Março».

*

Por sentença de 19.1.2016 o tribunal a quo julgou a ação improcedente.
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Inconformada, a Autora interpôs recurso dessa decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1ª e PRÉVIA — Atentas as inevitáveis perplexidades geradas pela coexistência de "dois CPTA"— um para os processos antigos e outro para os processos novos — a vigorarem em simultâneo sob a égide de um novo ETAF, a Autora, por cautela do patrocínio, apresenta Reclamação para a Conferência mas, subsidiariamente, quando se entenda não caber reclamação, requer a sua convolação em Recurso Jurisdicional para o Colando Tribunal Central Administrativo Sul.
2ª — Salvo o merecido respeito, contrariamente ao declarado na douta sentença impugnada, quando diz «Não ficaram por provar factos com relevo para a decisão», ficaram por provar factos invocados pela Autora que são absolutamente essenciais para a boa e justa decisão da causa.
3ª — Dando cumprimento ao disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, os concretos pontos de facto omitidos — e, por isso, incorrectamente julgados — vão elencados no artigo 5º supra que aqui se dá por reproduzido por razões de concisão e de economia processual.
4ª — Os factos ali elencados encontram-se invocados, respectivamente, nos artigos 1º, 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 26º, 27º, 28º, 29º e 30º da Pl.
5ª — Dando cumprimento ao disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 640º do CPC, cumpre referir que tais factos não só não foram objecto de impugnação especificada por parte do Réu — e, por isso, devem ter-se como admitidos por acordo — como, além disso, ou se extraem directamente da lei ou estão provados por documentos juntos à PI para os quais esta remete.
6ª — Em relação aos factos extraídos directamente de dispositivos legais, importa ter presente que essa circunstância não lhes retira a natureza de "factos", pois, "facto", no sentido defeito, acontecido; ou de sucesso; acontecimento real, obra, acto; abarca também o que se encontra inscrito (feito) em dispositivos legais. No caso, estamos perante factos jurídicos recondutíveis ou resultantes da vontade e de obra e actos humanos.
7ª — Factos estes que, na vertente situação, se apresentam ao julgador como incontornáveis atenta a sua importância nuclear para a dirimição do pleito. Pois,
8ª — Dando cumprimento ao disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC e como adiante se demonstrará, saber como aconteceu e o que aconteceu (ou com foi feita) a criação do Réu e, bem assim, saber como aconteceu e o que aconteceu (ou com foi feita) a inserção da Autora na sua actividade profissional, que o mesmo é dizer, a que normação se encontrava sujeita, são aspectos fundamentais para a decisão do feito submetido a julgamento. Visto que,
9ª — Tais factos, conjugados com os que ficaram provados na douta Sentença impugnada, são necessários e bastantes para imporem decisão oposta à proferida ao através deles se provar que a actividade profissional da Autora se encontrava, e encontra, submetida a normas de direito público e que o Réu é um instituto público na acepção e concepção constantes do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n. º 5/2010 de Uniformização de Jurisprudência, Processo n.º 1113/09, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 135, 14 de Julho de 2010, como adiante melhor se concluirá.
10ª — Porque assim não foi entendido pelo Mmo(a). Juiz a quo, verifica-se erro de julgamento da matéria de facto em virtude de não ter fixado todos os factos necessários à boa e justa decisão da causa, designada e especialmente aqueles por via dos quais se demonstra a ocorrência de decisão que vai contra jurisprudência uniformizada pelo Pleno do STA (situação em que, nos termos da al. c) do n.º 3 do art.º 142º do CPTA, é sempre admissível recurso).
11ª — No tocante aos erros de julgamento em matéria de direito, cabe começar, por razões de precedência lógica, pela análise às questões da necessidade da menção de existência de delegação de competências e da necessidade da fase de audiência prévia.
12ªE aqui ter em conta que a Lei de Bases da Saúde (Lei nº 48/90, de 24 de Agosto, com as alterações da Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro) é lei de valor reforçado: artºs 64, 112º e 165, nº 1, f), da Constituição. E que
13ª — Uma das figuras jurídicas que os hospitais integrados na rede de prestações de unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde podem revestir é a de estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e gestão empresarial: art.º 2, nº 1, b), do "Regime Jurídico da Gestão Hospitalar". Ora,
14ª — Os estabelecimentos públicos são espécie dos institutos públicos (cfr. Prof. Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, 1987, Vol. 1, págs. 324 e segs.). Assim,
15ª — A natureza jurídica do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E.: é instituto público (isto é, estabelecimento público de carácter social e gestão empresarial).
Pois,
16ª — O Regime Jurídico da Gestão Hospitalar (que é parte integrante da Lei de Bases da Saúde — e esta é lei de valor reforçado) prevê, como figura jurídica integrada na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde, os estabelecimentos públicos, dotados de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e gestão empresarial. E,
17ª — Conforme o Prof. Freitas do Amaral, os estabelecimentos públicos são espécie dos institutos públicos. Ainda,
18ª — Nas palavras do Autor citado, os estabelecimentos públicos são institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam ("Curso de Direito Administrativo", Almedina, 1987, Vol. 1, pág. 324). E,
19ª — Para o mesmo Autor, os hospitais do Estado são categoria de estabelecimentos públicos, de carácter social: têm personalidade jurídica e autonomia, são serviços abertos ao público, e efectuam prestações a quem delas careça, isto é, prestam cuidados médicos aos doentes ou acidentados (ob. e loc. cit.).
20ª — Arrimando-se expressamente no artº 18º do "Regime Jurídico da Gestão Hospitalar", o Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro, criou o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. (cfr. alínea a) do nº 2 do artº 1º ). E,
21ª — O Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE:
a) Tem capital estatutário detido pelo Estado (cfr. Artº 3º , nº 1, do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro;
b) É financiado pelo Orçamento do Estado (cfr. art 12, nº 1, do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro, e Base XXXIII da "Lei de Bases da Saúde" — na redacção do artº 1º da Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro);
c) É uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (cfr. Artº 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro);
d) Tem por objecto principal a prestação de cuidados de saúde à população, designadamente aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde e aos beneficiários dos subsistemas de saúde, ou de entidade externas que com ele contratualizem a prestação de cuidados de saúde, e a todos os cidadãos em geral (cfr. Artº 2, nº 1, dos "Estatutos" anexos ao Decreto-Lei n 2 233/2005, de 29 de Dezembro).
Assim,
22ª — O Centro Hospitalar de Lisboa, EPE, não se dedica à produção de bens ou serviços, destinados a ser vendidos no mercado mediante um preço — isto é, não tem por finalidade institucional, intrínseca, dar lucro (seguindo as palavras do Prof. Freitas do Amaral, ob., cit págs. 340/341). E,
23ª — Conforme o Prof. Castro Mendes, o fim primário da pessoa colectiva de direito público é a prossecução do interesse público — pelo que o intuito lucrativo como fim primário da pessoa colectiva conduz à sua exclusão das pessoas colectivas de direito público (in "Teoria Geral do Direito Civil",Vol. 1, pág. 178). Deste modo,
24ª — A índole empresarial da gestão do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, não modifica a sua natureza jurídica: estabelecimento público, de carácter social. E,
25ª — Tal índole empresarial da gestão também não contende com as finalidades de interesse público cuja prossecução é posta por lei a seu cargo: a prestação de cuidados de saúde, sem fins lucrativos, a todos os cidadãos que deles careçam.
Sendo que,
26ª — No seu acórdão, de Uniformização de Jurisprudência, nº 5/2010 o Supremo Tribunal Administrativo fixa entendimento do que seja instituto público, para os efeitos do artº 2, nº 2, b), do Código do Procedimento Administrativo (in D.R., 1 2 Série, nº 135, de 14/Julho/2010, págs. 2621 e segs.).
27ª — Tal jurisprudência uniformizada aplica-se integralmente — até por maioria de razão — ao vertente caso, tal como resulta das seguintes passagens:
i. «(...) mediante essa noção lata de instituto público, o legislador do CPA quis submeter ao regime do diploma os chamados actos de gestão pública, isto é, a generalidade da actuação autoritária de entes ligados ao Estado (...) essa ideia matriz continua viva e subsistente, não sendo negada, mas antes confirmada, por todas as mudanças entretanto ocorridas ao nível do regime jurídico das empresas públicas e do sector empresarial do Estado;
ii. . Generalizou-se a utilização, pelo Estado, de sociedades anónimas de capitais exclusiva ou predominantemente públicos; mas, em contraponto a esta tendência centrífuga, atribuiu-se a tais entidades o qualificativo de empresas públicas, assim se realçando a ligação indefectível delas aos fins estaduais. Assim, o Decreto-Lei n.° 558/99, de 17 de Dezembro, veio redefinir o conceito de empresa pública: por um lado, reservou a anterior noção delas para as agora chamadas «entidades públicas empresariais», por outro, e segundo o artigo 3.°, n.° 1, as sociedades anónimas de capitais públicos passaram a ser consideradas empresas públicas, ao invés do que anteriormente sucedia;
iii. (...) o legislador do CPA pretendeu submeter ao seu regime o exercício dos poderes de autoridade devolvidos pelo Estado aos entes de que pontualmente se servisse para a prossecução dos seus fins;
iv. (...) o artigo 2.°, n.° 2, alínea b), do CPA tem um alcance maior do que uma interpretação restritiva do conceito de «instituto público» imediatamente sugere - pelo que abarca os actos de autoridade excepcionalmente praticados por órgãos de sociedades anónimas do sector empresarial do Estado, hoje qualificadas, aliás, como empresas públicas;
v. , (...) nem o Decreto-Lei n.° 338/98 nem os Estatutos da APSS, aprovados por aquele diploma, impunham que os órgãos do ente, ao usarem poderes de autoridade, se pautassem por regras diferentes das do CPA. Sendo assim, o conselho de administração da APSS, ao emitir actos administrativos, assumia-se como um órgão da Administração enquadrável no artigo 2.°, n.° 2, alínea b), do CPA, devendo actuar sob o respectivo regime;
vi. In casu, não oferece dúvidas que a deliberação impugnada é um acto administrativo proprio sensu;
vii. Sendo assim, e como acima vimos, o conselho de administração da APSS, ao praticar o acto, devia obediência ao regime do CPA, designadamente no tocante ao modo de formação da vontade do órgão, explicitado no artigo 24.°, n.° 2, do mesmo diploma. E, porque essa regra não foi observada, segue-se que o acto enferma do correspondente vício procedimental, como o recorrente clama;
viii. E podemos enunciar a resolução da quaestio juris fundamental nestes termos: salvo disposição legal em contrário, os órgãos das sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos - hoje empresas públicas, ex vi do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 558/99, de 17 de Dezembro - são órgãos da Administração Pública nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.°, n.° 2, do CPA quando exerçam poderes de autoridade (...)».
28ª — Face a estes Acórdão de Uniformização de Jurisprudência e à doutrina citada, dúvidas não podem subsistir que as entidades públicas empresariais são institutos públicos e que «são órgãos da Administração Pública nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2º, n.° 2, do CPA quando exerçam poderes de autoridade».
Logo
29ª — É inquestionável que o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, é um instituto público e é órgão da Administração Pública nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2.º, n.º 2, do CPA quando exerça poderes de autoridade. Ora,
30ª — No vertente caso, verifica-se que o acto impugnado nos autos autorizou a que se procedesse «ao reembolso dos valores em prestações, nos termos do Dec. Lei n.° 155/92». E
31ª — Parece absolutamente seguro afirmar que o DL n.º 155/92, ao abrigo do qual o Réu exigiu o «reembolso (leia-se, reposição) dos valores em prestações» é um diploma que apenas contém normas de direito público. Pois,
32ª — Também não se podem suscitar dúvidas razoáveis de que, quando no despacho transcrito na alínea E dos factos provados se autorizou que se procedesse «ao reembolso dos valores em prestações, nos termos do Dec. Lei n.° 155/92 (...)», se estava a remeter para o regime de «Reposição de dinheiros públicos», previsto e regulado na SECÇÃO VI do «CAPÍTULO I, Regime financeiro dos serviços e organismos da Administração Pública» do referido diploma, concretamente para o disposto no seu art.º 38. Sucede que,
33ª — A determinação da obrigação de repor dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado é um acto unilateral típico de autoridade, um acto administrativo, tal como entendido pela doutrina mais abalizada, enquanto «conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto». Assim sendo,
34ª — É possível afirmar com toda a segurança que o despacho de 19/10/2010 do Vogal Executivo do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, impugnado nos autos, por via do qual foi ordenado que a Autora procedesse à reposição de dinheiros públicos em prestações, é um acto administrativo quer na concepção doutrinária quer na acepção legal (do art.º 120º do CPA/1991 e do art.º 148º do CPA/2015. Pelo que,
35ª — Contrariamente ao decidido na douta Sentença impugnada, é indubitável que, sendo o Réu um instituto público para efeitos do artigo 2, n.º 2, alínea b) do Código de Procedimento Administrativo, na acepção e concepção que resulta do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2010, do Supremo Tribunal Administrativo, sendo o despacho de 19/10/2010 do Vogal Executivo do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, um acto administrativo por via do qual foram exercidos poderes de autoridade de determinação, ao abrigo do DL n.º 155/92, de reposição de dinheiros públicos em prestações, necessária seria «a menção da existência de delegação de competências» e, bem assim, «a fase de audiência prévia».
Nesta conformidade,
36ª — No tocante à questão da delegação de competências, rectius, à falta de competência da Vogal Executivo do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, para a prática do acto administrativo impugnado nos autos, verifica-se que o autor do acto agiu sem poderes pois, face à pela excepção contida na parte final do n.º 3 do art.º 7º dos Estatutos do hospital E.P.E., tais poderes eram indelegáveis. No que
37ª — O despacho em causa está afectado de invalidade, sendo nulo nos termos do disposto no nº 1 do artº 133º do CPA/1991.
Por outro lado,
38ª — No que tange à violação do direito de audiência prévia:
a) Como antes já demonstrado (com respaldo doutrinário e em jurisprudência uniformizada), o Centro Hospitalar de Lisboa, EPE, é um órgão da Administração Pública, nos termos e para os efeitos do artº 2º, b), primeiro segmento, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, quando exerça poderes de autoridade. E,
b) De acordo com o nº 5 do mesmo artº, "os princípios gerais da actividade administrativa constante do presente Código e as normas que concretizam preceitos constitucionais são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada" (os destacados são nossos). E,
c) Esse é o caso do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito artº 267, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, e artº 100º e segs. do Código do Procedimento Administrativo de 1991. Ora,
d) O despacho do Vogal Executivo do Conselho de Administração foi proferido sem prévia audiência da A., sua destinatária. Sendo certo que,
e) O despacho foi precedido de instrução — como resulta do Doc. nº 1 junto à PI — e sendo certo também que «o conceito de instrução integra toda a actividade administrativa destinada a captar os factos e interesses relevantes para a decisão final, nela se incluindo informações, pareceres e realizações de diligências, necessárias à prolação de tal decisão» (acórdão do STA, de 16/02/2006, Procº nº 0684/05 — disponível em www.dgsi.pt).
f) Por essa via ficou a Reclamante impedida de, se fosse essa a sua vontade, poder prevalecer-se do disposto no n.º 1 do art.º 39 do DL n.º 155/92 na parte em prevê a possibilidade de ser requerida a relevação da reposição das quantias em causa.
Assim,
g) O despacho do referido Vogal Executivo é, por vício in procedendo, inválido: artº 267, nº 5, da CRP, e artºs 2, nºs 1, 2 b) e 5, 7º, 8º e 100º e segs. do CPA/1991, em leitura conjugada.
Nesta conformidade,
39ª — Na douta Sentença impugnada foi feita errónea interpretação e aplicação do direito ao caso dos autos quando declarou, citando, «a notificação expedida por via eletrónica, revelou-se o meio adequado para o conhecimento da situação em apreço, não sendo necessária a menção à existência de delegação de competências, nem a fase de audiência prévia».
40ª — No que, ao assim decidir, a douta Sentença impugnada viola os dispositivos constitucionais e legais supra referidos em arrimo da posição da Reclamante, designada e especialmente: o art.º 2, nº 2, b), do CPA/1991 na interpretação que lhe foi conferida pelo Acórdão do STA de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2010; o n.º 3 do art.º 7º dos Estatutos do Réu constantes do Anexo II ao DL n.º 233/2005; o nº 1 do artº 133º do CPA/1991; o nº 5 do mesmo artº 2º do CPA/1991; o artº 267, nº 5, da CRP na concretização que dele é feita nos artº 100º e segs. do CPA/1991; o n.º 1 do art.º 39º do DL 155/92 na medida em que, ao considerar desnecessária a audiência prévia, subjacente a tal decisão se encontra a validação da decisão do Vogal Réu na parte em impediu a Reclamante de, nessa fase, se prevalecer da faculdade legal ali concedida.
Por último,
41ª — No tocante à aplicabilidade Ilegalidade do regime legal do Decreto-Lei nº 62/79, de 30/03, verifica-se também que a douta Sentença impugnada sofre de erro na interpretação e aplicação do direito como de seguida se demonstra.
Efectivamente,
42ª — O Capítulo IV do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro, é dedicado aos "recursos humanos" das denominadas Entidades Públicas Empresariais da Saúde (as quais, como já mostrado, são estabelecimentos públicos - e, pois, espécie dos institutos públicos). E,
43ª — E consoante o artº 14, nº 1, do mesmo Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro (na redacção do artº 19º do Decreto-Lei nº 176/2009, de 4 de Agosto), o regime aplicável à A. no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, é, cumulativamente, o seguinte:
a) Contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho;
b) O disposto nos diplomas que definem o regime legal da carreira de auxiliar de acção médica (hoje, assistente operacional) — DL 231/92, de 21/10, e DL 413/99, de 15/10;
c) Demais legislação laboral;
d) Normas imperativas sobre títulos profissionais;
e) Instrumentos de regulamentação colectiva;
f) Regulamentos internos.
Ou seja,
44ª — É desta harmoniosa simbiose que se apura o verdadeiro conteúdo da relação contratual da A. com o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE. Assim sendo,
45ª — Naturalmente, e em boa hermenêutica, trata-se da demais legislação laboral aplicável no mesmo sector de actividade e ao serviço da mesma entidade empregadora pública. O que,
46ª — Desde logo convoca (seja em interpretação extraída da norma em economia global e coerência interna do sistema em que está inserida seja por força do constitucional princípio de igualdade de tratamento das situações comparáveis) a aplicação do regime do Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de Março (enquanto diploma que disciplina o regime de trabalho e sua remuneração nos estabelecimentos hospitalares). E,
47ª — Pois, daqui decorre o erro na interpretação e aplicação do direito em que a douta Sentença impugnada laborou — e que gera o vício de violação de lei da mesma.
Visto que,
48ª — Nas denominadas Entidades Públicas Empresariais da Saúde (elas, como demonstrado, são estabelecimentos públicos de carácter social e gestão empresarial — e estão integradas no Serviço Nacional de Saúde) a relação do pessoal auxiliar de acção médica por elas contratado tem, por imposição legal, os contornos e conteúdo resultantes da obrigatória e harmoniosa simbiose da normação convocada pelo artº 14º do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro. Por isso
49ª — E com propriedade e rigor, a sua sede é a função pública. É que,
50ª — No conceito de função pública está incluída qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva pública, qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego — desde que distinto do regime comum do contrato individual de trabalho - , e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório (cfr., como assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14/10/93, Proc. n.º 031135 — sumariado em http://www.dgsi.pt ).
O que,
51ª — Tudo impõe a observância do "padrão" da Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro (bem como da sua sucessora, da Lei n.Q 35/2014), as quais, e no que para aqui interessa, mantiveram em vigor, o Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de Março (cfr. 5º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro). Assim,
52ª — E quanto ao fundo, nenhuma incorrecção ou ilegalidade existe quanto ao recebimento, nos termos em que o foi, do trabalho nocturno prestado por parte da A. De resto,
53ª — E corroborativamente ao discurso jurídico que a Reclamante tem vindo a fazer, a igualdade de tratamento das situações comparáveis é agora expressamente tradutível da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro ("Orçamento do Estado para 2011"). Na verdade,
54ª — A Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro ("Orçamento do Estado para 2011"), aditou ao Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro (o qual tem as alterações do Decreto-Lei 300/2007, de 23 de Agosto, e da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro), o artº 39-A, dedicado ao "regime remuneratório" praticável nas "entidades públicas empresariais, empresas públicas de capital exclusiva e maioritariamente público e entidades do sector empresarial local ou regional"— o que fez no seu artº 31. E,
55ª — Claro, aqui estão as denominadas Entidades Públicas Empresariais da Saúde. Ora,
56ª — Deste regime remuneratório assim fixado (e que envolve o "trabalho suplementar" e o "trabalho nocturno") foram EXCEPCIONADAS as "disposições sobre trabalho suplementar e nocturno constantes de legislação especial ... aplicáveis aos profissionais da saúde" (cfr. Nº 4 deste aditado artº 39º-A). E,
57ª — O artº 32º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro ("Orçamento do Estado para 2011"), disciplina "os regimes do trabalho extraordinário e do trabalho nocturno" nos "estabelecimentos públicos" (isto é, no contexto, os não abrangidos pelo seu artº 31º ). E,
58ª — Também aí foram EXCEPCIONADAS as "disposições sobre trabalho suplementar e nocturno constantes de legislação especial ... aplicáveis aos profissionais de saúde" (artº 32, nº 3, da Lei nº 55-A/2001, de 31 de Dezembro). Ou seja,
59ª — Quer nos estabelecimentos públicos de carácter social E gestão empresarial (que são as denominadas Entidades Públicas Empresariais da Saúde) quer nos estabelecimentos públicos de carácter social SEM gestão empresarial as disposições sobre trabalho suplementar e nocturno são AS MESMAS — isto é, as constantes de legislação especial. O que,
60ª — No caso do pessoal auxiliar de acção médica (actualmente, assistente operacional), nos reconduz ao Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de Março. Ou seja,
61ª — Bem sintonizadamente com o comando do artº 13º da Constituição da República Portuguesa, os artºs 31º e 32º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, reafirmam a igualdade devida (em termos de trabalho extraordinário e nocturno) entre todos os auxiliares de acção médica (hoje genericamente designados de assistentes operacionais) titulares de relação de trabalho de natureza subordinada, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. Isto,
62ª — Seja a sua entidade empregadora uma denominada Entidade Pública Empresarial (e que, como mostrado, é com propriedade e rigor um estabelecimento público de carácter social E gestão empresarial) seja um estabelecimento público de carácter social SEM gestão empresarial. É que,
63ª — Ambas estas figuras jurídicas estão integradas na rede da prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde. Pelo que,
64ª — Face a tudo quanto antecede, e salvo o merecido respeito, a douta Sentença impugnada fez errada interpretação e aplicação do direito, quando, com o argumento de que «no quadro legal vigente à data do ato impugnado e encontrando-se a Autora vinculada por contrato de trabalho regulado pelo direito privado, não lhe podia ser aplicado o regime constante do Decreto-Lei n° 62/79, de 30 de março destinado à função pública», sufragou e manteve vigorante o despacho de 19/10/2010 do Vogal Executivo do Conselho de Administração do Réu que autorizou que se procedesse «ao reembolso dos valores em prestações, nos termos do Dec. Lei n.° 155/92». Pois
65ª — Ao concluir em sentido inverso ao acima explanado, a Sentença impugnada enferma de ilegalidade por ofensa ao disposto no DL n.º 62/79, maxime ao seu art.º 5º , na interpretação que se vem de expor, bem como ao princípio constitucional da igualdade de tratamento das situações comparáveis extraído dos art.ºs 13º e 59º n.º 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa.
Aliás,
66ª — Se na aqui peticionada decisão judicial (isto é, Acórdão em Conferência da 1g instância ou, quando a presente peça seja convolada em recurso, como é pedido subsidiariamente, Acórdão do Colendo Tribunal de Apelação) porventura se confirmasse a douta Sentença impugnada, a norma ou bloco normativo ou de legalidade que se invocasse em seu apoio colidiria manifestamente com o assinalado princípio constitucional da igualdade de tratamento das situações comparáveis — a situação da Autora que, como se viu, executa as mesmas funções que os seus colegas ao serviço do Réu com vínculo de emprego público e, como ela, da antiga carreira de auxiliar de acção médica, hoje designada de assistente operacional —, porquanto, nessa hipótese, tal norma ou bloco normativo colidiria com o disposto nos art.ºs 13º e 59º , n.º 1, al. a), da CRP
Termos em que se requer que a douta Sentença reclamada seja revogada e em seu lugar seja proferido Acórdão que conceda provimento à acção. Mas,
Quando se entenda que no caso não cabe Reclamação para a Conferência mas sim Recurso Jurisdicional, o que se invoca a título meramente subsidiário e por cautela do patrocínio, requer-se que a presente reclamação seja convolada em recurso e este feito subir ao Colendo Tribunal Central Administrativo Sul.
*

A Entidade Demandada apresentou contra-alegações, que igualmente se transcrevem:

1) Salvo melhor opinião, a douta sentença em apreço mostra-se absolutamente acertada e justa, pelo que o presente recurso merece ser julgado inteiramente improcedente;
2) A matéria factual ali constante mostra-se claramente suficiente para promover a boa decisão do presente pleito;
3) O disposto no Decreto-Lei nº 62/79 é inaplicável ao caso em apreço, uma vez que, à data dos factos, ainda não se encontrava em vigor o disposto no artigo 74º da Lei 66-B/2012;
4) De igual modo, dada a natureza da relação laboral mantida entre os ora litigantes e considerando que o R. não agiu com poderes de autoridade, não tem aplicação o disposto no Código do Procedimento Administrativo, designadamente, no que toca ao direito de audição prévia da A.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser o presente recurso julgado totalmente improcedente, com as legais consequências, por, desta forma, se revelar de inteira
JUSTIÇA!
*

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.

*

Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Nas alegações de recurso a Recorrente suscita a «falta de competência da Vogal Executivo do Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, para a prática do acto administrativo impugnado nos autos».

Sucede que a sentença recorrida apreciou, sim, a questão da falta de menção da existência de delegação de poderes, tendo concluído que «não se aplica ao R., na relação laboral com a A., o teor do artigo 6º da Lei nº 3/2004, de 15 de janeiro, designadamente, o previsto no Código do Procedimento Administrativo (CPA), não se encontrando a decisão sujeita (…) à obrigatoriedade da menção da delegação dos poderes de decisão». E mais adiante: «Deste modo, atento o regime legal vigente à data dos factos, não sendo aplicável ao ato impugnado de 2010-10-19, o regime legal do Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março, nem as normas do Código de Procedimento Administrativo, a notificação expedida por via eletrónica, revelou-se o meio adequado para o conhecimento da situação em apreço, não sendo necessária a menção à existência de delegação de competências (…)».

Temos, portanto, que a sentença recorrida não apreciou a questão relativa à incompetência do autor do ato.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 627.º/1 do Código de Processo Civil, «[a]s decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos». Portanto, e como vem sendo pacificamente reconhecido, na jurisprudência e na doutrina, o objeto do recurso é a decisão judicial, no concreto juízo que formulou sobre as pretensões que lhe foram submetidas, não sendo admissíveis, salvo quando sejam de conhecimento oficioso, questões não discutidas em 1.ª instância. Questões novas, portanto.

A questão relativa à incompetência do autor do ato consubstancia uma questão nova, pelo que não pode, por isso, ser agora apreciada (note-se que não foi invocada qualquer omissão de pronúncia nem esse eventual vício é do conhecimento oficioso).

Deste modo, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar:

a) Se existe erro de julgamento sobre a matéria de facto;
b) Se existe erro de julgamento na apreciação:

i) Do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março;
ii) Do alegado vício de falta de menção da delegação de poderes;
iii) Da alegada preterição da audiência dos interessados.


III
A matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

A. Em 2005-02-24, foi celebrado entre a A. e o Hospital Egas Moniz um contrato de trabalho a termo certo.
B. Em 2006-08-24, o contrato de trabalho celebrado entre a A. e o R. converteu-se em contrato individual de trabalho por tempo indeterminado.
C. A A. foi contratada com a categoria de auxiliar de ação médica, funções que sempre exerceu e exerce em regime de trabalho por turnos.
D. O Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. por deliberação de 2008-01-02 deliberou atribuir aos trabalhadores em contrato individual de trabalho em regime de turnos, um subsídio, nos seguintes termos: “…
DELIBERAÇÃO
O Conselho de Administração delibera atribuir aos trabalhadores em contrato individual de trabalho em regime de turnos, (…) um subsídio de turno mensal no montante de €71,00 (setenta e um euros) para o pessoal de enfermagem e técnicos de diagnóstico e de €30,00 (trinta euros) para o restante pessoal não médico, com efeitos a partir de 1 de Novembro de 2007.
O subsídio, ora atribuído, terá a natureza provisória, extinguindo-se, caso as circunstâncias se alterem, nomeadamente, com a entrada em vigor do acordo colectivo de trabalho.
O subsídio será devido apenas nos casos de prestação efectiva do funções, suspendendo-se em todas as situações de ausência que não pressuponham a efectivação de funções.

E. O despacho do Vogal Executivo de 2010-10-19 “Autorizo conforme proposto”, foi exarado na proposta, como se passa a transcrever: “
“(texto integral no original; imagem)”



J. A A. é trabalhadora no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. (Hospital EgasMoniz) é sindicalizada e beneficia de serviços jurídicos gratuitos do contencioso do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores.
K. A A. auferiu em 2009, o rendimento global de €8.571,11.
IV
Do alegado erro de julgamento da matéria de facto

1. De acordo com a Recorrente, devem ser aditados à matéria de facto diversos factos. Desde logo, o que designou como sendo os «factos da lei». Ora, como a própria designação escolhida pela Recorrente já indicia, essa não é matéria de facto, mas sim matéria de direito. É o que resulta cristalinamente da lista de factos elaborada pela Recorrente, a saber:

«a) O Regime Jurídico da Gestão Hospitalar -é parte integrante da Lei de Bases da Saúde (art. 2º da Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro). E
b) O Regime Jurídico da Gestão Hospitalar (que, como assinalado, é parte integrante da Lei de Bases da Saúde) aplica-se, no que para aqui interessa, aos hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde (cfr. art.º 1º ). E
c) Expressamente abrigado no art.º 18º do "Regime Jurídico da Gestão Hospitalar" (o qual, na linha do art.º 2º, nº 1, b), se ocupa dos "estabelecimentos públicos com natureza empresarial"), o Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro, criou o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE (cfr. alínea a) do nº 2, do art. 1º ), cujo capital estatutário é detido pelo Estado (cfr. art.º 3º , nº 1), é financiado pelo Orçamento do Estado (art.º 1º, nº 1, e Base XXXIII da "Lei de Bases da Saúde, na redacção do art. 1º da Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro) e é uma pessoa colectiva de direito público de natureza empresarial dotado de autonomia administrativa, financeira e patrimonial (art. 5º , nº 1, do mesmo Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro);
d) O Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE, tem por objecto principal a prestação de cuidados de saúde à população, designadamente aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde e aos beneficiários dos subsistemas de saúde, ou de entidades externas que com ele contratualizem a prestação de cuidados de saúde, e a todos os cidadãos em geral (art.º 2º n.º 1, dos "Estatutos", anexos ao Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro);
e) Os trabalhadores do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE., estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos: art.º 14, nº 1, do Decreto-Lei nº 233/2005, de 29 de Dezembro, versão originária;
f) Os trabalhadores do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE., estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, bem como ao regime disposto em diplomas que definam o regime legal de carreira de profissões da saúde, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos: cfr. a nova redacção conferida a este preceito pelo art.º 19º do Decreto-Lei nº 176/2009, de 4 de Agosto.
g) O DL 231/92 de 21/10, é aplicável a "todos os estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde", nos termos do nº 1 do seu art.º 1. Ora,
h) O Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de Março, disciplina o regime de trabalho e a sua remuneração nos estabelecimentos hospitalares. E,
i) Consoante o nº 2 do art.º 52 deste Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de Março, entende-se por trabalho nocturno o trabalho prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte e a remuneração do trabalho nocturno prestado em dias úteis é superior em 50% à remuneração a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia (nº 1 do mesmo preceito)».

2. Já quanto aos que a Recorrente designa como sendo os «factos relativos ao exercício profissional da Autora», não se identifica nenhum cujo aditamento se possa justificar.
3. Os factos a considerar na sentença – e ao contrário do que parece pressupor a Recorrente – não consubstanciam uma lista dos factos invocados na petição inicial e que possam ser considerados provados. São, antes, aqueles que se mostrem essenciais para o preenchimento da previsão da norma jurídica (ou normas) na qual o autor funda a sua pretensão. Isto tendo em conta não apenas a solução concreta da própria sentença, mas as soluções que o julgador considerar plausíveis (como refere Paulo Ramos de Faria, in Relevância das (outras) soluções plausíveis da questão de direito, Revista Julgar Online, outubro de 2019, p. 5, «a plausibilidade da solução deve ser efetiva na circunstância do caso, e não somente teórico-dogmática, sendo a fórmula equivalente a resoluções ou decisões de mérito razoáveis»).

4. E como se explica no acórdão de 30.4.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 17/19.1BECTB-S1, depois de se afirmar a necessidade de distinguir rigorosamente a matéria de facto da matéria de direito:

«Não se ignora, sob pena de conceitualismo lógico-formal descontextualizado da realidade do Direito vivo, que o emprego de um determinado conceito ou expressão normativos ou conclusivos podem, numa ação, significar uma questão de direito e, numa outra, consubstanciar uma questão de facto, dependendo do (i) efeito aí pretendido, (ii) dos termos da causa e (iii) da estrutura da norma jurídica em questão.
Nem se ignora que é essencial ter presente que, nos processos, se procura apenas uma convicção humana – grau de probabilidade – sobre realidades da vida natural, social ou pessoal, algumas vezes até por meio das chamadas presunções judiciais.
Mas, seguramente, de acordo com as mais autorizadas e quase unânimes doutrina e jurisprudência, não são factos (ou afirmações de facto) as alegações ou afirmações
(i) com juízos de valor,
(ii) com conteúdo técnico-jurídico ou
(iii) com conteúdo puramente conclusivo (este a retirar de factos concretos),

a não ser que, porventura, (1) tenham, simultaneamente, uma significação corrente e (2) da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (cf. assim Ant. Ab. Geraldes, Temas da Reforma…, II, 4ª ed., 2010, p. 144).
Afinal, como Ant. Ab. Geraldes escrevia em 1997 (Temas da Reforma…, 1ª ed., p. 178), a “facticidade da causa de pedir” implica a não alegação de puros conceitos e a “concretização da causa de pedir” implica evitar a simples afirmação conclusiva ou carregada de um sentido puramente técnico-jurídico.
A matéria de facto (factos ou afirmações de facto) de um processo jurisdicional é, enfim,
(i) fenómeno natural ou
(ii) ato e facto humanos,
correspondendo, de acordo com as mais autorizadas e quase unânimes doutrina e jurisprudência, a situações concretas ou materiais de vida humana e de Natureza, i.e., a ocorrências da vida real:
(1) a quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior,
(2) a um estado ou qualidade ou situação real das pessoas ou
(3) das coisas,
(4) à vida psíquica e sensorial do indivíduo e, ainda,
(5) aos juízos de facto (i.e., factos que se referem a ocorrência virtuais).
E são de equiparar a factos os (6) juízos que contenham a subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido, podendo então figurar, nesses próprios termos, devendo tomar-se no sentido corrente ou comum, ou no próprio sentido em que a lei os tome, quando coincidente, desde que as partes não disputem sobre eles.
Até poderão admitir-se como factos em Direito Processual, sem prejuízo da clareza e da imprescindível segurança jurídico-processual, (7) certas afirmações conclusivas,
(i) se estas não solucionarem desde logo o litígio
e ainda, note-se bem, (ii) se essas afirmações (não puramente) conclusivas resultarem de factos licitamente inseridos expressamente na sentença.
É que não podemos confundir “afirmações simples e puramente conclusivas” com “afirmações com conclusões resultantes de expressas afirmações de facto”.
Nem podemos confundir “juízos de facto” com “conclusões” (cf. J.M. ANTUNES VARELA et al., Manual de P. Civil, 2ª ed., 1985, pp. 404-410).
É matéria de Direito o que respeita à escolha das normas aplicáveis ao caso concreto, à sua interpretação, à determinação do seu valor, à sua legalidade e constitucionalidade, à integração das lacunas da lei e à sua aplicação aos factos, bem como o apuramento dos efeitos derivados dessa aplicação».

5. Ora, à luz destes pressupostos, que se subscrevem, e para a solução adotada pela sentença recorrida, não se identifica nenhum facto alegado que a mesma tenha omitido. E o mesmo se diga para a solução por ela rejeitada, ou seja, a defendida pela Recorrente (note-se que, e de acordo com o disposto no artigo 662.º/1 do Código de Processo Civil, o tribunal de apelação «deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa»). Deste modo, não procede o pretendido aditamento.


Da inaplicabilidade do Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março

6. O artigo 5.º/2 do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, estabelece que «[e]ntende-se por trabalho nocturno, para efeitos do disposto neste diploma, o trabalho prestado entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte».

7. Sendo este o diploma que fundaria a pretensão da Recorrente, a sentença recorrida afastou a sua aplicação. Isto porque «[é] consensual entre as partes nos presentes autos que ao contrato individual de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre a A. e o R. aplica-se o regime geral de trabalho do direito privado». Ora – diz-nos ainda a sentença recorrida -, «[n]o âmbito do regime laboral de direito privado que regula a relação jurídica de trabalho da Autora, com a sua entidade patronal, existem também regras que se aplicam ao trabalho extraordinário e das quais resulta que apenas é remunerado a partir das 22 horas. E sendo assim, sabido que havendo regras específicas em cada regime laboral público ou privado, as mesmas, em regra, não são afastadas pela aplicação das normas mais favoráveis de cada um dos outros regimes laborais, e sendo a Autora titular de uma relação jurídica de direito privado, a pretensão formulada pela Autora no âmbito do regime legal em vigor, à data da prática do ato impugnado, em 19 de outubro de 2010, não pode proceder».

8. A sentença recorrida considerou que a uniformização pretendida pela Recorrente veio a ser consagrada através do artigo 74.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013). No entanto, impôs-se o facto de «no quadro legal vigente à data do ato impugnado e encontrando-se a Autora vinculada por contrato de trabalho regulado pelo direito privado, não lhe podia ser aplicado o regime constante do Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março destinado à função pública».

9. Ao assim decidido opõe-se a Recorrente chamando desde logo à colação o disposto no artigo 14.º/1 do Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, nos termos do qual «[o]s trabalhadores dos hospitais E. P. E. estão sujeitos ao regime do contrato de trabalho, de acordo com o Código do Trabalho, demais legislação laboral, normas imperativas sobre títulos profissionais, instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e regulamentos internos».

10. Com recurso a argumentos de ordem gramatical, a Recorrente evidencia a aplicação da demais legislação laboral, a qual «acresce ao previsto no Código do Trabalho». Julga-se, no entanto, que nem será necessário grande labor interpretativo para aceitar essa premissa. Di-lo claramente a norma transcrita.

11. O problema é outro, segundo se julga. E traduz-se em saber se o Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março, integra essa demais legislação laboral. E a resposta deste tribunal de apelação coincide com a que foi dada pelo tribunal a quo.

12. Vejamos melhor o Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março, com especial ênfase no seu artigo 1.º/1. Nele se estabelece o seguinte: «O regime de trabalho do pessoal hospitalar é o que vigora para a função pública, com as especificações estabelecidas no presente diploma».

13. Que é aplicável o regime da função pública, com as referidas especificidades, é algo que não merecerá discussão. É, por isso, inócuo o labor discursivo da Recorrente em torno do conceito de função pública.

14. Importa, sim, delimitar o âmbito subjetivo do referido diploma, que o mesmo identifica como sendo o pessoal hospitalar. No contexto do diploma – de 1979, recorde-se – julga-se que o mesmo respeitava a todo o pessoal hospitalar. Mas nesse todo não se integravam relações jurídicas de natureza privada.

15. Na verdade, em sede geral a «privatização» das relações de emprego na Administração Pública, como já foi designada, ainda não se tinha iniciado. Portanto, o Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março, é emitido em ambiente público e é com esse pressuposto que são gizadas as soluções que o mesmo estabeleceu. E o mesmo teve como único objetivo estabelecer as especificidades do regime de trabalho do pessoal hospitalar, num momento em que este estava submetido ao regime da função pública. Portanto, é natural que ali se tenha dito (artigo 1.º/1) que «[o] regime de trabalho do pessoal hospitalar é o que vigora para a função pública, com as especificações estabelecidas no presente diploma». A primeira parte da norma nada trouxe de novo, na medida em que o regime geral da função pública já era o aplicável.

16. O problema coloca-se no momento em que o pessoal hospitalar passa a integrar trabalhadores com vínculo laboral de natureza privada. Isto porque o novo regime jurídico da gestão hospitalar aprovado pela Lei n.º 272/2002, de 8 de novembro, consagrou a possibilidade de os hospitais integrados na rede de prestação de cuidados de saúde revestirem, nomeadamente, a natureza de estabelecimentos públicos com natureza empresarial e sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos. Daí a coexistência que veio a verificar-se entre pessoal hospitalar com vínculo de natureza pública e pessoal hospitalar com contrato individual de trabalho, ou seja, vínculo de natureza privada.

17. Quanto a estes, ficaram submetidos ao regime do Código do Trabalho ou sujeitos à aplicação do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março? Julga-se que a resposta deverá ser no sentido da inaplicabilidade deste último diploma, como entendeu a sentença recorrida. E foi essa, aliás, a solução igualmente adotada nos seguintes acórdãos:

· Acórdão de 20.11.2024 do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 22025/23.8T8LSB.L1-4 (disponível em www.dgsi.pt)
· Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5.2.2018, processo n.º 3378/15.8T8AVR.P1 (disponível em www.dgsi.pt)
· Acórdão de 2.6.2017 do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 3342/15.7T8LRA.C1 (publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano de 2017, Tomo III, pp. 58 e segs.)

18. Vejamos porquê. No preâmbulo do Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março, referia-se que «[a] legislação sobre o regime de trabalho do pessoal dos estabelecimentos hospitalares, que tem, em grande parte, carácter avulso, é, com frequência, diversamente interpretada, com todos os inconvenientes daí resultantes. Além disso, tal legislação condiciona situações de flagrante desigualdade de tratamento para os diversos grupos profissionais interessados, facto este que não facilita as relações de trabalho dentro das referidas instituições».

19. A desigualdade de tratamento a que ali se aludia – ou, na perspetiva da solução, a igualdade de tratamento – não poderá ser abordada pelo prisma pretendido pela Recorrente. Na verdade – e a sentença recorrida disso deu conta -, a aplicação do bloco normativo privado não poderá ser efetuada à la carte, dando lugar, a final, à consideração de um tertium genus, correspondente ao que de melhor tem cada um dos blocos, o privado e o público. O que, evidentemente, não se mostra aceitável. O princípio constitucional jamais será fundamento para tal solução simbiótica.

20. Aceite, sem qualquer reserva, a possibilidade de coexistirem regimes laborais diversos no mesmo espaço e para idênticas funções, não se identifica, no ordenamento jurídico, qualquer norma que indicie a intenção legislativa de aplicação generalizada do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, quando o pessoal hospitalar passou a integrar trabalhadores com vínculo laboral de natureza privada.

21. Pelo contrário. O artigo 74.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2013), sob a epígrafe Alteração de regimes de trabalho no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, veio estabelecer o seguinte:

1 — Durante a vigência do PAEF, a tabela a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, passa a ser a seguinte, aplicando-se a mesma a todos os profissionais de saúde no âmbito do SNS, independentemente da natureza jurídica da relação de emprego:


2 — É revogado o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 44/2007, de 23 de fevereiro, e as correspondentes disposições legais ou convencionais que remetam para o respetivo regime.
3 — O regime previsto nos números anteriores tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excecionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos».

22. Ora, se o legislador assumiu expressamente a necessidade de afirmar que a alteração se aplicava «a todos os profissionais de saúde no âmbito do SNS, independentemente da natureza jurídica da relação de emprego» é porque a tabela original (e o restante diploma) não tinha tal amplitude subjetiva. Se tivesse bastaria proceder à alteração da tabela, tout court. Por isso se dizia no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2.6.2017, processo 3342/15.7T8LRA.C1, que «se o DL 62/79 fosse aplicável aos trabalhadores vinculados através de contrato individual não havia necessidade da lei fazer referência a natureza jurídica da relação de emprego».

23. Conclui-se, portanto, e como na sentença recorrida, que à Recorrente – porque estava submetida ao regime laboral privado - não lhe era aplicável o disposto no artigo 5.º/2 do Decreto-Lei nº 62/79, de 30 de março.


Da falta de menção da delegação dos poderes

24. Apreciando o vício em causa, a sentença recorrida discorreu, no essencial, do seguinte modo:

«O R. é uma entidade pública empresarial (E.P.E.), sujeita a um regime legal específico e próprio – Decretos-Leis nº 233/205, de 29 de dezembro e 558/99, de 17 de dezembro e não reveste a natureza de instituto público, como expressamente decorre do artigo 3º da Lei nº 3/2004, de 15 de janeiro.
E, em face disto, não se aplica ao R., na relação laboral com a A., o teor do artigo 6º da Lei nº 3/2004, de 15 de janeiro, designadamente, o previsto no Código do Procedimento Administrativo (CPA), não se encontrando a decisão sujeita ao princípio da audiência prévia, ou à obrigatoriedade da menção da delegação dos poderes de decisão.

25. Como decorre com clareza da própria sentença, o vício apreciado traduziu-se na alegada falta da menção da delegação de poderes e não na incompetência do órgão decisor.

26. Ora, como se sabe, e independentemente na natureza jurídica do ato em causa, a falta de menção da delegação de poderes, exigida pelo artigo 123.º/1/a) do Código do Procedimento Administrativo de 1991 (e igualmente no seu artigo 38.º), «não acarreta a invalidade deste, constituindo antes uma mera irregularidade», sendo «jurisprudência desde há muito, consolidada deste Supremo Tribunal que a falta de menção do uso de delegação de poderes, degrada-se em formalidade não essencial (irrelevante) desde que não tenha afectado nem prejudicado o direito ao respectivo recurso contencioso [v., entre outros, Ac. de 21.3. 85, rec. 17869, in Acórdãos Doutrinais 287, pág. 1176 e segs, Ac. de 23.10.97, rec. 38.607, Ac. de 24/04/2001, rec. 039895, Ac. de 30.1.2002, rec. 46135]. Esta jurisprudência é apoiada pela doutrina (cfr. FREITAS DO AMARAL, colaboração de LINO TORGAL, em “Curso de Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, 2001, pág. 252, onde se escreveu - “Por ocultarem elementos que dificultam a sua integral compreensão pelo destinatário ou destinatários, são irregulares os actos que, praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes, não mencionem a existência dessas delegações ou subdelegações”; v, também, pág. 418; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, JP GONÇALVES, JP AMORIM, ob. cit., pág. 583) (acórdão de 7.6.2018 do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0280/18). Portanto, o alegado vício não poderá proceder.


Da falta de audiência dos interessados

27. Pelos motivos anteriormente indicados a sentença recorrida considerou não verificado tal vício. A apreciação sobre o alegado erro de julgamento, nesta parte, mostra-se inútil.

28. Na verdade, e mesmo que se aplicasse o quadro jurídico pretendido pela Recorrente, a sua pretensão não poderia proceder. Isto porque, e como se viu, relativamente ao vício substancial alegado pela Recorrente a sentença julgou corretamente.

29. Ou seja, ainda que se concluísse no sentido de que tinha sido preterida a formalidade da audiência dos interessados, a mesma verificar-se-ia numa situação em que o Recorrido decidiu, substancialmente, nos termos que legalmente se impunham. Por essa razão teria de recusar-se, no caso concreto, a consequência invalidante da referida preterição formal. Isto por aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, há muito reconhecido doutrinal e jurisprudencialmente (hoje com assento no artigo 163.º/5 do Código do Procedimento Administrativo de 2015).


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Sem custas, por isenção da Recorrente (artigo 4.º/1/h) do Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 3 de julho de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Teresa Caiado
Maria Helena Filipe