Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:288/09.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:IRS
ERRO MATERIAL
DECLARAÇÃO JUDICIAL SOBRE A DATA DO COMEÇO DA INCAPACIDADE
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I - Os erros materiais são erros originados pela falta de sintonia entre o pensamento e a escrita, verificando-se uma divergência entre a vontade e a sua execução material; o interessado tinha «A» em mente e escreveu, por lapso, «B».
II - A declaração judicial sobre a data do começo da incapacidade constitui mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência (praesumptio facti ou hominis), da incapacidade do interdito na data da celebração da escritura de doação – dito de outro modo, uma prova prima facie ou de primeira aparência, que os arts. 349º e 351º do CC, admitem, enquanto mera dedução ou ilação autorizada pelas regras da experiência (id quod plerumque accidit), mas nada mais do que isso, a exigir da contraparte, para a sua ilisão, prova em contrário.
III - O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, contudo, não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente) veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a 21.11.2019, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial intentada por A....... [na qualidade de tutor do interdito G....... (doravante Recorrido ou Impugnante)] contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento de reclamação graciosa apresentada, contra o ato de liquidação de IRS, referente ao exercício de 2000, no montante de € 3.644,12, decorrente da tributação de rendimentos da categoria F.
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Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou, a final, as seguintes conclusões:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga parcialmente procedente a impugnação deduzida pelo impugnante A......., devidamente identificado nos autos, na qualidade de tutor do interdito G....... do indeferimento do recurso hierárquico deduzido do indeferimento do recurso hierárquico da liquidação de IRS referente ao ano de 2000.

B. Discorda a Fazenda Pública, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, porquanto procede a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com consequente inadequado enquadramento jurídico.

C. Foi julgada a procedência parcial da impugnação deduzida no referente aos rendimentos prediais decorrentes dos prédios rústicos sitos em Benavente, denominados de A....., M..... e M......., e julgada improcedente no referente aos rendimentos prediais decorrentes do prédio rústico sito em Vila Franca Xira (prédio situado em C.......), pelo que, existe incongruência na douta sentença quando afirma a fls. 13 que é ilegal a impugnação no referente ao prédio sito em Vila Franca de Xira, devendo considerar-se nessa parte a liquidação legal.

D. A douta sentença assenta o seu entendimento primacialmente no facto de não constar dos autos o desfecho da acção de anulação da doação – em que baseia a imputação dos rendimentos prediais a terceiro distinto do impugnante - , tanto pelo facto de não ter sido tal informação junta pelo impugnante, como pelo facto de não constar qualquer averbamento da sentença da acção de anulação da doação na certidão do registo predial referente aos prédios; contudo, não consta dos autos certidão predial na qual se ancore documentamente tal facto, nem envidou o Tribunal a quo oficiosamente as diligências que lhe incumbiam à luz do princípio da descoberta da verdade material e do artigo 13.º do CPPT de modo a trazer aos autos a sentença proferida, e por essa via incorre a douta sentença em notório défice instrutório, carecendo de factos nos quais sustente a decisão tomada.

E. Por outro lado, refere-se o Tribunal ao facto de ter sido o registo da acção de anulação da doação efectuado provisoriamente e por dúvidas, dessa forma lhe minorando a relevância, mas verificamos da análise dos autos constar ter sido tal provisoriedade por dúvidas retirada por via de averbamento ocorrido em 15/10/2004, conforme fls. 9 a 12 do Recurso Hierárquico apenso aos presentes autos, pelo que, deverá o facto constante da alínea J) dos factos provados ser provado nessa conformidade.

F. Acresce que o relevo que a douta sentença dá ao registo da acção de anulação em detrimento da sentença proferida nos autos de acção de anulação da doação, permitem-nos afirmar que a aplicarmos tal entendimento defendido pelo Tribunal a quo para efeitos da cessação da produção de efeitos, dependente do registo, também teríamos de aplicar o mesmo entendimento para a produção de efeitos da doação, e fazê-lo depender do registo.

G. Se a doação só foi registada em 23/10/2001, facto que deverá ser levado ao probatório, então, estando em causa nos autos factos referentes ao ano de 2000, não produziria a doação em relação aos mesmos quaisquer efeitos porque não registada a tal data, o que não é correcto, da mesma forma que não é correcto afirmar que a inexistência de registo da sentença proferida é equivalente ao facto de continuar a doação a produzir os seus efeitos em relação a não terceiros para efeitos de registo (da mesma forma que os produziu sem registo), pelo que, pertinente é saber do desfecho da acção, para se aferir da produção de efeitos da doação.

H. Sem prescindir, conforme consta da alínea B) do probatório, foi outorgada procuração por G....... a favor de M......., em 08/04/1997, por meio da qual recebeu M....... na qualidade tão-só de procurador, anualmente, o valor das rendas de todas as propriedades, rústicas e urbanas, de que G....... era proprietário, nas quais se incluem as propriedades em causa nos presentes autos, conforme alínea F) do probatório, reforçada pelas alíneas N) e O) do probatório; e nessa sequência, foi instaurada acção de prestação de contas pelo impugnante da qual resultou a condenação do procurador, o requerido M......., a prestar contas pela administração decorrida no período compreendido entre 08/04/1997 e 11/10/2002, abrangendo tal acção de prestação de contas os bens objecto da doação – vide fls. 119 e 121 a 123 dos autos - correspondente a fls. 10 do Acórdão da Relação de Lisboa proferido nos autos de prestação de contas a que se referem os factos constantes das alíneas N) e O) do probatório, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos em 14/02/2008 – que deveria constar do probatório.

I. Resulta da douta sentença, facto constante da alínea O) do probatório, que M....... recebeu desde 1997, em nome do representado e no uso da procuração outorgada em 1997 pelo impugnante, todas as rendas respeitantes a todos os imóveis, não fazendo a douta sentença qualquer menção a qualquer particular imóvel em relação ao qual tenha recebido M....... rendas em nome próprio.

J. E, mais resulta dos autos que os arrendatários procederam ao pagamento das rendas relativas aos prédios rústicos de A....., M..... e M.......na pessoa de G......., ainda que por intermédio de terceira pessoa, por meio de cheque emitido à sua ordem, com emissão do competente recibo pelo procurador M....... – factos a considerar como assentes de acordo com fls. 34 a 38, fls. 54 a 56 e fls. 70 a 74 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos de impugnação.

K. Daí decorrendo, pois, que a percepção dos rendimentos da categoria F ocorre na esfera do impugnante e não de M......., pelo que, ao impugnante têm de ser imputadas as quantias recebidas, ainda que por intermédio de procurador, e nos termos do disposto no artigo 258.º do Código Civil, no ano de 2000, quanto aos prédios rústicos em análise nos autos, enquanto rendimentos prediais dos quais deriva necessária liquidação de IRS totalmente legal.

L. Atento o exposto, com o julgamento parcialmente procedente da presente impugnação, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento de facto, face ao identificado défice instrutório, à não inclusão no probatório dos factos mencionados pertinentes para a boa decisão da causa, e a uma errada apreciação dos factos.

M. Mais incorrendo em consequente erro de julgamento de direito, com violação do disposto no artigo 8.º do CIRS e do artigo 258.º do Código Civil, porquanto se repercute a percepção dos rendimentos na esfera do impugnante, ainda que por intermédio de procurador que nessa qualidade actuou no período em análise.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento totalmente improcedente da impugnação, com as legais consequências.

Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada

Justiça.”

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O Recorrido, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Ministério Público neste Tribunal Central Administrativo Sul, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.
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Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282º do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:


- se a decisão recorrida incorreu em défice instrutório ao não incluir no probatórios factos pertinentes para a boa decisão da causa.

- se a decisão recorrida fez uma errada interpretação e subsunção dos factos e do direito, ao considerar que não se repercute na esfera jurídica do Impugnante os rendimentos provenientes de rendas dos prédios rústicos situados em Benavente auferidos no ano 2000.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

A) Em relação ao ano de 2000 não foi apresentada declaração de IRS pelo sujeito passivo G....... – facto não controvertido.

B) Em 08.04.1997 compareceram no 21.º Cartório notarial de Lisboa G....... e M......., tendo o primeiro constituído seu procurador o segundo, com o rol de poderes constantes do instrumento notarial de Procuração, a fls. 33 a 35 dos autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual resultam, além do mais, “os poderes necessários para […] apresentar relações de inquilinos, requerer aumentos de rendas […] para proceder a arrendamentos e vender quaisquer bens no todo ou em parte incluindo negociar consigo próprio, afastando desde já qualquer conflito de interesses nos termos do artigo 261 do Código Civil nas condições e termos que livremente entender; receber rendas vincendas ou vencidas, mesmo que se encontrem depositadas em quaisquer instituições bancárias, assinando os competentes recibos, contratos ou escrituras e quaisquer outros documentos”, resultando do instrumento notarial que “[e]sta procuração foi lida e o seu conteúdo explicado em voz alta ao outorgante na sua presença” – cf. fls. 33 a 35 do suporte físico dos autos.

C) Em 16.02.2000, no Cartório Notarial de Alenquer, compareceram G.......o e M......., tendo o primeiro declarado doar ao segundo:

1) Metade indivisa de um prédio rústico, "R…" T… e M…, freguesia e concelho de Azambuja, descrito na conservatória do registo predial de Azambuja sob o número 1....... da freguesia de Azambuja e ali inscrito a seu favor pela inscrição G…;

2) Fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Quinta da Carreira, lote …., em S.João do Estoril, freguesia do Estoril, concelho de Cascais, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número 2….. da freguesia do Estoril, ali inscrita a seu favor pela inscrição G… e afeto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F-UM, inscrito na matriz urbana da freguesia do Estoril sob o artigo 2…..;

3) O quinhão hereditário que possui na herança aberta por óbito de sua mãe, C......., falecida em 27.05.1985, e

4) O quinhão hereditário que possui na herança aberta por óbito de sua tia, O......., falecida 07.04.1979.

– cf. fls. 36 a 40 do suporte físico dos autos.

D) A doação que antecede foi objeto de registo predial em 23.10.2001 – cf. fls. 11 a 18 do processo de recurso hierárquico apenso.

E) Por sentença de 11.10.2002, proferida no processo de interdição/inabilitação n.º 452/1999, que correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, transitada em julgado em 24.10.2002, foi decretada a interdição por anomalia psíquica de G......., fixando a data do início da incapacidade no ano de 1976, tendo sido designado tutor, em Conselho de Família realizado em 18.12.2002, o ora Impugnante, A....... – cf. fls. 22 a 31 e facto “2.” do acórdão da Relação de Lisboa junto a fls. 349 a 359, confirmado por acórdão do STJ de 14.02.2008.

F) No uso da procuração referida em B) dos factos assentes, M....... recebeu, anualmente, o valor das rendas de todas as propriedades, rústicas e urbanas, de que G....... era proprietário – cf. facto “9.” do acórdão da Relação de Lisboa junto a fls. 349 a 359, confirmado por acórdão do STJ de 14.02.2008.

G) Por instrumento outorgado em 21.01.2003, no 21.º Cartório Notarial de Lisboa, A......., ora impugnante, na qualidade de tutor de G......., revogou e considerou nula e de nenhum efeito, e a partir da referida data, a procuração outorgada no mesmo Cartório, a 08.04.1997, a favor de M....... – cf. facto “11.” do acórdão da Relação de Lisboa junto a fls. 349 a 359, confirmado por acórdão do STJ de 14.02.2008.

H) No decurso do ano de 2004 foi detetada pelos serviços da Administração Tributária, através do anexo J/modelo 10, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a existência de rendimentos da categoria F, no valor de € 18.349,38, e retenções na fonte no montante de € 1.178,52, pagos a G....... por Sociedade A.......Lda.; Sociedade Agrícola de V......., Lda.; R....... e B......., relativos a três prédios rústicos situados em Benavente (denominados A....., M..... e M.......) e no concelho de Vila Franca de Xira (sito no C.......), sendo tais rendas pagas por período correspondente a “ano agrícola” – facto não controvertido e cfr. fls. 33, 35 a 37, 48 a 52, 54, 56 a 59, 72 a 77 e 86 a 90 do proc. de reclamação apenso.

I) Os prédios rústicos referidos na alínea que antecede, sitos em Benavente e denominados A....., M..... e M....... integravam o quinhão hereditário que G....... possuía na herança aberta por óbito de sua mãe, C......., e sua tia, O....... – facto não controvertido e cf. fls. 8 a 18 processo de recurso hierárquico apenso.

J) Em 16.04.2004, foi averbada no registo predial dos prédios identificados na alínea que antecede, como provisória por natureza e por dúvidas, ação em que figura como Autor G....... e como Réus M....... e outros, com pedido, além do mais, de anulação da doação por G....... a M......., incluindo o quinhão hereditário que possuía por herança aberto por óbito da sua mãe – cf. fls. 9 a 12 processo de recurso hierárquico apenso.

K) Em 26.04.2004, na sequência da verificação a que se refere a alínea que antecede foram notificados o tutor e o procurador de G......., respetivamente, A....... e M......., para apresentação da declaração modelo 3 relativa ao ano de 2000 – facto não controvertido e cf. decisão da reclamação graciosa a fls. 145 a 149 do proc. de Reclamação apenso.

L) Na falta de apresentação da declaração modelo 3 de IRS dos rendimentos auferidos por G....... em 2000, procederam os serviços da Administração Tributária à emissão de declaração oficiosa, com base nos valores relativos a rendimentos da categoria F mencionados em G) – facto não controvertido.

M) Ato impugnado: Em 17.11.2004, com base na declaração que antecede foi imitida a liquidação de IRS n.º 2004 5004260634 onde consta o rendimento global de € 18.349,38 e retenções na fonte de € 1.178,52, apurando imposto a pagar no montante de € 3.644,12, com data limite de pagamento voluntário em 03.01.2005 – cf. fls. 46 do suporte físico dos autos.

N) Em 14.02.2005 o ora Impugnante, A......., instaurou contra M....... ação especial de prestação de contas, que correu termos na 3.ª Secção da 17.ª Vara sob proc. n.º 1135/05.9TVLSB, no âmbito do qual foi proferida sentença em 05.05.2006 que, dando por provado, além do mais, o facto supra referido em F), condenou o requerido a prestar contas da sua administração relativamente ao período temporal compreendido entre 08.04.1997 (data da outorgada procuração por G....... e favor do ali requerido) até 11.10.2002 – cf. fls. 86 a 108 do suporte físico dos autos.

O) A decisão que antecede foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.05.2007 e por acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 14.02.2008, transitado em julgado em 06.03.2008 – cf. fls. 110 a 124 do suporte físico dos autos.

P) Em 05.04.2005 o ora Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação identificada em M) com os mesmos fundamentos usados na presente impugnação judicial, tendo a reclamação sido indeferida por despacho de 08.06.2007 – cf. processo de reclamação graciosa apenso, designadamente, fls. 2 a 8 e 145 a 149.

Q) Em 19.07.2007 o ora Impugnante interpôs recurso hierárquico do indeferimento da reclamação graciosa com os fundamentos constantes de fls. 25 a 30 do processo de recurso hierárquico apenso, que aqui se dão por reproduzidos, tendo o mesmo merecido despacho de indeferimento, proferido em 12.08.2008, notificado ao ora Impugnante em 24.10.2008– cf. processo de recurso hierárquico apenso, designadamente, fls. 25 a 30 e fls. finais não numeradas.

R) A presente impugnação deu entrada nos serviços da Administração tributária em 22.01.2009 – cf. fls. 5 dos autos.

S) Não tendo o requerido, M......., notificado para o efeito após trânsito em julgado do acórdão do STJ identificado em O), apresentado as contas no prazo de 20 dias, em 12.12.2011 foi proferida sentença no incidente aberto no processo n.º 1135/05.9TVLSB, que julgou “boas as contas apresentadas pelos Autores habilitados” e condenou o Réu, M......., no pagamento do respetivo saldo – cf. fls. 133 a 150 do suporte físico dos autos.”

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Factos não provados

“Não existem outros factos que, sendo relevantes para a decisão do mérito da causa, importe registar como provados ou não provados.”

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Motivação

“A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise dos documentos, incluindo certidão de peças processuais e decisões proferidas no âmbito do processo cível de prestação de contas, bem como informações constantes dos autos, mencionados em cada uma das alíneas, os quais não foram impugnados, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e bem assim com base na posição assumida pelas partes nos autos, nos casos em que se consideraram os factos foram julgados como não controvertidos.”

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II.2 - De direito

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A......., na qualidade de tutor do interdito G......., contra a liquidação de IRS do ano de 2000, no montante de € 3.644,12, decorrente da tributação de rendimentos da categoria F, em consequência do que determinou a anulação da liquidação de IRS do ano de 2000, na parte relativa aos rendimentos da categoria F, resultante dos prédios rústicos situados em Benavente.

Na impugnação o ora Recorrido, alegou em síntese, que, foi nomeado tutor de G....... em 18.12.2002, por motivo de incapacidade psíquica do mesmo.

Refere que, em 1997 o filho de uma empregada doméstica, M......., ganhando a sua confiança, obteve dele uma procuração concedendo amplos poderes de administração de todo o seu património, e com essa mesma procuração, tomando conhecimento de que havia sido intentada uma ação de interdição, outorgou uma escritura de doação a seu favor, doando-lhe praticamente todo o património razão, pela qual, desde 16.02.2000, G......., não é o proprietário dos bens geradores dos rendimentos ora objeto de impugnação, antes o sendo o referido M........

Importava aferir se G....... auferiu, em 2000, rendimentos provenientes de rendas dos prédios rúticos sitos em Benavente e Vila Franca de Xira, melhor identificados na alínea G) do probatório.

O Tribunal a quo concluiu pela procedência parcial da presente impugnação judicial, considerando a liquidação de IRS objeto dos autos ilegal na parte em que imputa a G....... os rendimentos da categoria F, relativos aos prédios situados em Benavente denominados de A....., M..... e M........

A Recorrente censura o veredicto que fez vencimento parcial na instância.

Defende nas suas alegações e conclusões de recurso, que, com o julgamento da procedência parcial da presente impugnação, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento de facto, por défice instrutório e errada apreciação dos factos.

Mais incorrendo a decisão, no entender da Recorrente, em erro de julgamento de direito, com violação do disposto no artigo 8º do CIRS e do artigo 258º do CC, porquanto se repercute a percepção dos rendimentos na esfera do Impugnante (ora Recorrido), ainda que por intermédio de procurador que nessa qualidade atuou no período em análise.

Mas será assim?

Vejamos, pois, começando pelo erro de julgamento quanto à matéria de facto, evidenciado nas conclusões de recurso G., H. J., nas quais se lê o seguinte:

G. Se a doação só foi registada em 23/10/2001, facto que deverá ser levado ao probatório, então, estando em causa nos autos factos referentes ao ano de 2000, não produziria a doação em relação aos mesmos quaisquer efeitos porque não registada a tal data, o que não é correcto, da mesma forma que não é correcto afirmar que a inexistência de registo da sentença proferida é equivalente ao facto de continuar a doação a produzir os seus efeitos em relação a não terceiros para efeitos de registo (da mesma forma que os produziu sem registo), pelo que, pertinente é saber do desfecho da acção, para se aferir da produção de efeitos da doação.”

H. Sem prescindir, conforme consta da alínea B) do probatório, foi outorgada procuração por G....... a favor de M......., em 08/04/1997, por meio da qual recebeu M....... na qualidade tão-só de procurador, anualmente, o valor das rendas de todas as propriedades, rústicas e urbanas, de que G....... era proprietário, nas quais se incluem as propriedades em causa nos presentes autos, conforme alínea F) do probatório, reforçada pelas alíneas N) e O) do probatório; e nessa sequência, foi instaurada acção de prestação de contas pelo impugnante da qual resultou a condenação do procurador, o requerido M......., a prestar contas pela administração decorrida no período compreendido entre 08/04/1997 e 11/10/2002, abrangendo tal acção de prestação de contas os bens objecto da doação – vide fls. 119 e 121 a 123 dos autos - correspondente a fls. 10 do Acórdão da Relação de Lisboa proferido nos autos de prestação de contas a que se referem os factos constantes das alíneas N) e O) do probatório, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos em 14/02/2008 – que deveria constar do probatório.”

J. E, mais resulta dos autos que os arrendatários procederam ao pagamento das rendas relativas aos prédios rústicos de A….., M…. e M…. na pessoa de G......., ainda que por intermédio de terceira pessoa, por meio de cheque emitido à sua ordem, com emissão do competente recibo pelo procurador M....... – factos a considerar como assentes de acordo com fls. 34 a 38, fls. 54 a 56 e fls. 70 a 74 do processo de reclamação graciosa apenso aos presentes autos de impugnação.”

Antes de mais, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas.

Em tal preceito se dispõe que:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Analisadas as conclusões acima transcritas, concatenadas com o corpo das alegações, verifica-se que a discordância da Recorrente na conclusão G), se traduz na necessidade da data do registo da doação [23.10.2001] fazer parte do probatório, o que certamente se ficou a dever a lapso de atenção da Recorrente, atendendo a que tal facto encontra-se na alínea D) do probatório.

Na conclusão H), a Recorrente defende que devia constar do probatório, que foi instaurada ação de prestação de contas pelo Impugnante da qual resultou a condenação do procurador, M......., a prestar contas pela administração decorrida no período compreendido entre 08.04.1997 e 11.10.2002, abrangendo tal ação de prestação de contas os bens objeto da doação.

Mas também quanto a este argumento, terá de improceder a pretensão da Recorrente, pois tais factos foram levados ao probatório, conforme resulta das alíneas N), O) dos factos provados.

Finalmente, na conclusão J), a Recorrente defende que deveria ter ficado a constar dos factos provados, que “os arrendatários procederam ao pagamento das rendas relativas aos prédios rústicos de A....., M..... e M.......na pessoa de G......., ainda que por intermédio de terceira pessoa”, mais uma vez, terá a mesma de improceder, pois tal facto encontra-se provado [alínea F) dos factos provados].

Tanto basta para improceder o requerido aditamento.

Estabilizada, assim, a matéria de facto, prossigamos.

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Alega, depois, a Recorrente, que a sentença, a fls. 13, afirma “impõe-se concluir pela procedência parcial da presente impugnação judicial, sendo a liquidação de IRS objeto dos autos ilegal na parte em que imputa a G....... os rendimentos da categoria F relativos ao prédio situado em C......., Vila Franca de Xira.”, devendo entender-se que estamos perante contradição entre o entendimento sufragado na sentença, pois que, deverá ser considerada nessa parte a liquidação de IRS legal.

Ou seja, entende que há contradição entre o entendimento sufragado na fundamentação da sentença e o conteúdo da decisão.

Certamente, por mero lapso material, o Tribunal recorrido, na referida página escreveu que “a liquidação de IRS objeto dos autos é ilegal na parte em que imputa a G....... os rendimentos da categoria F relativos ao prédio situado em C......., Vila Franca de Xira”, quando de acordo com o texto da sentença, onde se escreve: “Quanto ao prédio rústico situado em Vila Franca de Xira, não constando da escritura de doação a que se refere a alínea C) do probatório, permaneceu na esfera jurídica de G......., razão pela qual, as rendas que ao mesmo se referem, e que foram pagas pelo respetivo arrendatário durante o ano de 2000, ainda que recebidas pelo procurador daquele, M......., ao abrigo da procuração obtida em 1997 [cf. al. F) dos factos provados], consideram-se rendimentos do respetivo titular do direito de propriedade – G........ Ou seja, relativamente aos rendimentos de rendas auferidos em relação a este prédio não vale a argumentação apresentada pelo Impugnante para obter a anulação da liquidação oficiosa de IRS do ano de 2000, segundo a qual, no ano em apreço, não era o seu tutelado o titular do direito de propriedade. Razão pela qual, em relação a tais rendimentos, verificam-se os pressupostos de tributação em sede de IRS na esfera jurídica de G........”, e do segmento decisório “Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, anula-se a liquidação de IRS do ano de 2000 na parte relativa aos rendimentos da categoria F resultante dos prédios rústicos situados em Benavente”, resulta que o Tribunal pretendia referir-se aos prédios rústicos situados em Benavente e não ao prédio situado em C......., Vila Franca de Xira.

Assim, estamos claramente perante um erro material na declaração de vontade, o qual pressupõe sem sombra de dúvida que o juiz quis escrever uma coisa e escreveu outra (lapso manifesto).

É o próprio contexto da sentença que fornece a demonstração necessária do erro material.

Pelo que não se verifica a alegada contradição entre o fundamento e a decisão.
*

Alega a Recorrente, que, a sentença assenta o seu entendimento primacialmente no facto de não constar dos autos o desfecho da ação de anulação da doação – em que baseia a imputação dos rendimentos prediais a terceiro distinto do impugnante - , tanto pelo facto de não ter sido tal informação junta pelo impugnante, como pelo facto de não constar qualquer averbamento da sentença da ação de anulação da doação na certidão do registo predial referente aos prédios; contudo, não consta dos autos certidão predial na qual se ancore documentamente tal facto, nem envidou o Tribunal a quo oficiosamente as diligências que lhe incumbiam à luz do princípio da descoberta da verdade material e do artigo 13º do CPPT de modo a trazer aos autos a sentença proferida, e por essa via incorre a douta sentença em notório défice instrutório, carecendo de factos nos quais sustente a decisão tomada.

Mais aduz, que, refere-se o Tribunal ao facto de ter sido o registo da ação de anulação da doação efetuado provisoriamente e por dúvidas, dessa forma lhe minorando a relevância, mas verificamos da análise dos autos constar ter sido tal provisoriedade por dúvidas retirada por via de averbamento ocorrido em 15/10/2004, conforme fls. 9 a 12 do Recurso Hierárquico apenso aos presentes autos, pelo que, deverá o facto constante da alínea J) dos factos provados ser provado nessa conformidade.

No seu entender, não é correto afirmar-se que a inexistência de registo da sentença proferida é equivalente ao facto de continuar a doação a produzir os seus efeitos em relação a não terceiros para efeitos de registo.

Defende a Recorrente, que, pertinente é saber do desfecho da ação, para se aferir da produção de efeitos da doação.

Na opinião da Recorrente, a percepção dos rendimentos da categoria F ocorre na esfera do Impugnante (ora Recorrido) e não de M......., pelo que, ao Impugnante têm de ser imputadas as quantias recebidas, ainda que por intermédio de procurador, e nos termos do disposto no artigo 258º do CC, no ano de 2000, quanto aos prédios rústicos em análise nos autos, enquanto rendimentos prediais dos quais deriva necessária liquidação de IRS totalmente legal.

Apreciando.

Importa aferir se o Tribunal a quo errou ao considerar que G.......o não auferiu, em 2000, rendimentos provenientes de rendas dos prédios rúticos sitos em Benavente, melhor identificados na alínea G) do probatório.

Na tese defendida pelo Impugnante, (A......., (ora Recorrido), tutor de G.......o), tais rendimentos não são suscetíveis de tributação em sede de IRS na esfera jurídica do seu tutelado por não terem sido colocados à sua disposição, uma vez, que, M....... se apoderou dos mesmos a coberto de uma procuração com amplos poderes para gerir o património do titular dos referidos bens, o que fez valendo-se da situação de incapacidade por anomalia psíquica daquele, que veio a ser judicialmente declarada por sentença de 11.10.2002, ganhando a sua confiança para o efeito.
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Regressando à factualidade considerada como provada pelo Tribunal a quo, a este propósito resulta assente o seguinte:

- Resulta do probatório [alínea B) e F) dos factos provados], que, por instrumento notarial outorgado em 08.04.1997, G....... constituiu seu procurador M......., conferindo-lhe amplos poderes de gestão do seu património, incluindo “os poderes necessários para […] apresentar relações de inquilinos, requerer aumentos de rendas […] para proceder a arrendamentos e vender quaisquer bens no todo ou em parte incluindo negociar consigo próprio, afastando desde já qualquer conflito de interesses nos termos do artigo 261 do Código Civil nas condições e termos que livremente entender; receber rendas vincendas ou vencidas, mesmo que se encontrem depositadas em quaisquer instituições bancárias, assinando os competentes recibos, contratos ou escrituras e quaisquer outros documentos”, procuração que vigorou desde a data em que foi outorgada, em 08.04.1997, até 21.01.2003, data em que foi revogada por instrumento jurídico de equivalente.

- Em 16.02.2000 foi celebrada entre G....... e M......., escritura pública de doação através da qual o primeiro doou ao segundo diversos bens, incluindo os quinhões hereditários que possuía na herança aberta por óbito de sua mãe e sua tia, que incluíam três dos quatro prédios rústicos aos quais respeitam os rendimentos da categoria F em causa nos presentes autos, situados em Benavente e denominados A....., M..... e M....... [cf. als. C), G) e H) dos factos provados].

- Por sentença de 11.10.2002, proferida no processo de interdição/inabilitação n.º 452/1999, que correu termos no 3.º Juízo Cível do Tribunal de Família e de Menores e da Comarca de Cascais, transitada em julgado em 24.10.2002, foi decretada a interdição por anomalia psíquica de G.......o, fixando a data do início da incapacidade no ano de 1976, tendo sido designado tutor, em Conselho de Família realizado em 18.12.2002, o ora Impugnante, A....... [cf. al. E) dos factos provados].

- No uso da procuração referida em B) dos factos assentes, M....... recebeu, anualmente, o valor das rendas de todas as propriedades, rústicas e urbanas, de que G....... era proprietário [cf. al. F) dos factos provados].

- Por instrumento outorgado em 21.01.2003, no 21.º Cartório Notarial de Lisboa, A......., ora impugnante, na qualidade de tutor de G.......o, revogou e considerou nula e de nenhum efeito, e a partir da referida data, a procuração outorgada no mesmo Cartório, a 08.04.1997, a favor de M....... [cf. al. G) dos factos provados].

- No decurso do ano de 2004 foi detetada pelos serviços da Administração Tributária, através do anexo J/modelo 10, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a existência de rendimentos da categoria F, no valor de € 18.349,38, e retenções na fonte no montante de € 1.178,52, pagos a G.......o por Sociedade A.......Lda.; Sociedade Agrícola de V......., Lda.; R....... e B......., relativos a três prédios rústicos situados em Benavente (denominados A....., M..... e M.......) e no concelho de Vila Franca de Xira (sito no C.......), sendo tais rendas pagas por período correspondente a “ano agrícola” [cf. al. H) dos factos provados].

- Os prédios rústicos referidos na alínea que antecede, sitos em Benavente e denominados A....., M..... e M....... integravam o quinhão hereditário que G....... possuía na herança aberta por óbito de sua mãe, C......., e sua tia, O....... [cf. al. I) dos factos provados].

- Em 16.04.2004, foi averbada no registo predial dos prédios identificados na alínea que antecede, como provisória por natureza e por dúvidas, ação em que figura como Autor G....... e como Réus M....... e outros, com pedido, além do mais, de anulação da doação por G....... a M......., incluindo o quinhão hereditário que possuía por herança aberto por óbito da sua mãe [cf. al. J) dos factos provados].

- Em 26.04.2004, na sequência da verificação a que se refere a alínea que antecede foram notificados o tutor e o procurador de G......., respetivamente, A....... e M......., para apresentação da declaração modelo 3 relativa ao ano de 2000 [cf. al. K) dos factos provados].

- Na falta de apresentação da declaração modelo 3 de IRS dos rendimentos auferidos por G....... em 2000, procederam os serviços da Administração Tributária à emissão de declaração oficiosa, com base nos valores relativos a rendimentos da categoria F mencionados em G) [cf. al. L) dos factos provados].

- Em 14.02.2005 o ora Impugnante, A......., instaurou contra M....... ação especial de prestação de contas, que correu termos na 3.ª Secção da 17.ª Vara sob proc. n.º 1135/05.9TVLSB, no âmbito do qual foi proferida sentença em 05.05.2006 que, dando por provado, além do mais, o facto supra referido em F), condenou o requerido a prestar contas da sua administração relativamente ao período temporal compreendido entre 08.04.1997 (data da outorgada procuração por G....... e favor do ali requerido) até 11.10.2002 [cf. al. N) dos factos provados].

- Não tendo o requerido, M......., notificado para o efeito após trânsito em julgado do acórdão do STJ identificado em O), apresentado as contas no prazo de 20 dias, em 12.12.2011 foi proferida sentença no incidente aberto no processo n.º 1135/05.9TVLSB, que julgou “boas as contas apresentadas pelos Autores habilitados” e condenou o Réu, M......., no pagamento do respetivo saldo [cf. al. S) dos factos provados].

***

O Tribunal a quo entendeu que em relação ao ano agrícola de 2000, os rendimentos da categoria F, resultantes dos prédios rústicos sitos em Benavente, denominados de A....., M..... e M......., devem ser imputados ao titular dos bens no período de tributação a que respeitam. Ou seja, considerando que no final do período de tributação correspondente ao ano de 2000, os mesmos se encontravam na titularidade de M......., é na esfera jurídica deste que devem ser tributados, desconsiderando para tal, o entendimento sufragado pela AT, que por via da sentença de interdição os respetivos efeitos operam à data do início da incapacidade que foi fixada no ano de 1976.

Na verdade, como bem defende o Tribunal recorrido, a interdição não tem por efeito imediato a nulidade dos negócios jurídicos celebrados pelo interdito desde a data à qual reporta o início da incapacidade.

No que concerne ao regime estabelecido na lei civil quanto ao valor dos atos praticados pelo interdito, a lei estabelece diferenças de tratamento.

Ou seja, quanto à validade jurídica de atos praticados pelo interdito, distinguem-se três momentos essenciais:

1) atos jurídicos concluídos pelo interdito após a inscrição no registo civil da sentença, transitada em julgado, que decretou a sua interdição (esses atos são sempre anuláveis, nos termos do art. 148º do CC);
2) atos jurídicos concluídos pelo interdito na pendência da ação de interdição e após a propositura desta ter sido anunciada (nos termos do art. 149º do CC, apenas são anuláveis os atos jurídicos no caso de se verificarem os seguintes requisitos cumulativos:
a) a interdição vir efetivamente a ser decretada, por sentença transitada em julgado;
b- os atos praticados tenham causado prejuízo ao interdito); e
3) atos jurídicos antes da publicitação da ação de interdição (nos termos dos arts. 150º e 257º do CC, apenas são anuláveis os atos jurídicos em relação aos quais se verifique os seguintes requisitos cumulativos:
a) no momento da conclusão do ato jurídico já existia uma incapacidade natural do interdito de entender o sentido do ato praticado ou já se encontrava privado do pleno exercício da sua liberdade;
b) que a incapacidade natural com que então já se encontrava afetado o interdito fosse notória ou conhecida do declaratário).

In casu, a escritura de doação foi celebrada antes da publicação do anúncio da ação de interdição (antes, mesmo, da respetiva sentença), estando, pois, por força do disposto no indicado artigo 150º, sujeita ao regime previsto para a incapacidade acidental – ou seja, ao regime previsto no artigo 257º, dos atos praticados por quem, devido a qualquer causa, se achava acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração negocial ou não tinha o livre exercício da sua vontade.

De acordo com o mencionado regime, tal ato só é anulável se se verificarem os seguintes requisitos: que, no momento do ato, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (nos contratos, a contraparte), entendendo-se notória a incapacidade (n.º 2 do art.º 257.) quando uma pessoa de normal diligência a teria podido notar.

Não basta, assim, como bem entendeu o Tribunal a quo, para a anulabilidade destes atos, a prova da incapacidade natural, sendo ainda necessária a prova da cognoscibilidade da incapacidade. Torna-se necessário provar a existência de uma perturbação psíquica no momento em que a declaração de vontade foi emitida.

A sentença que decretar a interdição fixará, sempre que seja possível, a data do começo da incapacidade.

A data provável do começo da incapacidade fixada na sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição constitui uma mera presunção de facto, natural, de experiência ou de primeira aparência (não uma presunção legal iuris et de iure ou iuris tantum), de que o interdito, no momento em que concluiu o ato jurídico que se pretende ver invalidado (após a data provável do início da incapacidade fixada na sentença transitada em julgado onde foi decretada a interdição, mas antes da publicitação da propositura dessa ação), já estava incapacitado de entender o seu sentido e alcance ou já não tinha o livre exercício da sua vontade, mas não inverte o ónus da prova que impende sobre quem pretenda obter a anulação daquele ato jurídico, a quem incumbe complementar essa presunção de primeira aparência, alegando e provando a incapacidade mental ou volitiva do interdito no momento em que concluiu o ato jurídico que pretende ver invalidado.

É, pois, maioritário o entendimento de que se está perante uma mera presunção de facto, à qual pode ser oposta contraprova, nos termos do artigo 346º do CC. [Acórdãos do STJ de 05.07.2001 e de 09.12.2004 (publicados, respetivamente, no BMJ 180/297, 228/155, 243/199 e 306/236].

A sentença de interdição, que fixou o início da incapacidade em 1976, apenas constituiu um princípio de prova favorável à incapacidade de G....... na data em que outorgou a escritura de doação (16.02.2000), não dispensando os interessados em obter a respetiva anulação, de fazer a completa prova dessa incapacidade em tal data, já que sobre eles impende o respetivo ónus probatório.

A declaração judicial sobre a data do começo da incapacidade constitui uma mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência, da incapacidade do interdito na data da celebração da escritura de doação.

Dito de outro modo, uma prova prima facie ou de primeira aparência, que os artigos 349º e 351º do CC, admitem, enquanto mera dedução ou ilação autorizada pelas regras da experiência, mas nada mais do que isso.

Não, seguramente, uma presunção legal juris et de jure, absoluta, irrefutável; nem mesmo uma presunção legal juris tantum, a exigir da contraparte, para a sua ilisão, prova em contrário.

Acresce, que, resulta dos factos levados ao probatório, que, não obstante a ação de anulação da doação ter sido objeto de registo, foi registada como provisória por dúvidas [cf. al. J) dos factos provados] e não foi trazida aos autos, não obstante o tribunal ter diligenciado nesse sentido em sede do despacho proferido em audiência de julgamento, informação sobre o desfecho da mesma, nem tal consta da certidão de registo predial.

E não se diga como defende a Recorrente no seu recurso, que incorreu o Tribunal a quo em défice instrutório, pois que, era essencial que constasse dos factos provados facto atinente à inexistência de menção na certidão de registo predial, provado por documento que inexiste nos autos e que o Tribunal não cuidou de obter oficiosamente conforme lhe incumbia ao abrigo do disposto no artigo 13º do CPPT.

O artigo 13º do CPPT estabelece no seu nº 1 que “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”

No mesmo sentido consagra o art. 99º, nº 1 da LGT sob a epígrafe “Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual” que “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.”.

Quer o artigo 13º do CPPT quer o artigo 99º da LGT, consagram o princípio do inquisitório, que se traduz no poder do juiz de ordenar as diligências que entenda serem úteis e necessárias para a descoberta da verdade.

Desta forma o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade material relativamente aos factos alegados, contudo, não pode substituir-se às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir.

Na verdade, tais normativos não descaracterizam nem invalidam, o princípio base do processo tributário quanto ao impulso processual, quer do sujeito passivo quer da Fazenda Pública, designadamente no tocante à prova dos factos que pretende que o tribunal reconheça.

O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.

Acresce ainda mencionar que o artigo 74º, n.º 1, da Lei Geral Tributária estabelece que o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (neste sentido veja-se Acórdão do TCA Norte de 13/07/2017- proc. 039/17.7BEVIS).

No caso concreto decorre dos autos que o juiz a quo, perante os factos alegados pelas partes, e no intuito da descoberta da verdade material diligenciou no sentido de pedir informação sobre o desfecho da ação de anulação da doação, como lhe competia.

Pelo que, conforme bem entendeu o Tribunal a quo, “… na falta de elementos em contrário, o negócio produziu os respetivos efeitos, a transferência da propriedade dos prédios rústicos de G....... para M......., pretendendo a este os rendimentos gerados pelos mesmos no ano de 2000 – as rendas recebidas dos respetivos arrendatários, das quais, aliás, se apoderou como resultou provado no âmbito da ação de prestação de contas intentada pelo ora Impugnante – cf. al. F) e N) do probatório.”

O mesmo é dizer, que, quanto aos prédios rústicos situados em Benavente, e porque constantes da escritura de doação a que se refere a alínea C) do probatório, tais bens não permaneceram na esfera jurídica de G......., razão pela qual, as rendas que ao mesmo se referem, e que foram pagas pelo respetivo arrendatário durante o ano de 2000, recebidas pelo procurador daquele, M......., ao abrigo da procuração obtida em 1997 [cf. al. F) dos factos provados], consideram-se rendimentos do respetivo titular do direito de propriedade – M....... e não do ora Recorrido.

Pelo que, nenhuma censura merece a sentença recorrida ao considerar, “…a liquidação de IRS objeto dos autos ilegal na parte em que imputa a G....... os rendimentos da categoria F relativos aos prédios rústicos situados em Benavente.

Atento o exposto, não se vislumbrando nas alegações do presente recurso qualquer argumento válido para afastar este julgamento, resta-nos confirmá-lo, negando provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.

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III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção do Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.


Lisboa, 16 de outubro de 2025.
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[Maria da Luz Cardoso]

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[Tiago Brandão de Pinho]
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[Margarida Reis]