Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:116/09.8BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:TIAGO BRANDÃO DE PINHO
Descritores:PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO
PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1 – Uma escritura de compra e venda é um documento autêntico que permite que se dê como provado o que as partes declararam ao notário, mas já não que o teor de tais declarações corresponde à realidade.
2 – Uma liquidação de IMT não é um meio de prova adequado para criar a convicção sobre o âmbito da atividade de uma sociedade comercial.
3 – Deve ser qualificado como interno o procedimento de inspeção tributária que não tenha qualquer diligência realizada nas instalações do sujeito passivo, nem seja constituído por qualquer ato que não seja de mera análise formal e de coerência de documentos.
4 – A falta de comunicação, ao inspecionado, do critério de seleção que determinou que uma inspeção tributária fosse iniciada contra si não constitui um vício do procedimento.
5 – Encontra-se devidamente fundamentado o ato de liquidação contra o qual o sujeito passivo consegue reagir contenciosamente colocando em xeque os seus pressupostos de facto e de direito.
6 – Se a parte não alega os factos constitutivos do direito a que se arroga, a sua pretensão não pode proceder.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

Na Impugnação Judicial n.º 116/09.8BECTB, deduzida por .... , Lda. contra Autoridade Tributária e Aduaneira no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, foi proferida sentença em 30 de setembro de 2016 que, julgando-a improcedente, manteve a liquidação adicional de IRC, e respetivos juros compensatórios, relativa ao exercício de 2005.
A decisão ora posta em xeque considerou, na sua fundamentação:
- Que a inspeção que deu origem à liquidação impugnada “foi um procedimento interno, destinado a averiguar a coerência das declarações da impugnante”;
- Que a inspeção se fundamentou na necessidade de verificação, “através da análise interna, da conformidade [da declaração apresentada pelo sujeito passivo], cruzando os dados de que dispõe e procurando adequar o declarado e a verdade material à lei, como de resto resulta do artigo 75.º, n.º 1, da LGT”;
- Que o ato de liquidação se encontra fundamentado, uma vez que “na PI a impugnante articula contra a liquidação fundamentos dirigidos ponto a ponto contra os fundamentos invocados pela AT para decidir nos termos em que decidiu”;
- Que “em face do quadro factual [provado] a impugnante não provou que o imóvel fazia parte do imobilizado da sociedade e que não foi adquirido para revenda, de nada valendo a retificação do declarado na escritura pública, efetuada quando já não era proprietária do bem e quando corria já a presente impugnação”, sendo que “o declarado pela impugnante nos instrumentos de escritura pública é concordante com o seu objeto social e é concordante com a sua
atuação, visto ter feito uso das declarações proferidas na escritura de 22/09/2006 para requerer o diferimento da tributação em sede de IMI”, nada tendo dito quanto à “finalidade dos bens em causa na vida da sociedade, sendo certo que a mesma tem sede na Guarda e os bens imóveis se situavam em Albufeira e em Cascais”; e
- Que a impugnante não pode “ser tributada à taxa de 20%, em face do estipulado no artigo 7.º da Lei n.º 171/99, de 18 de setembro” porque “nada alega quanto ao preenchimento dos requisitos previstos no [seu] n.º 3”.
Inconformado, o Sujeito Passivo recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo (que se julgou incompetente em razão da hierarquia e fixou a competência para conhecer do Recurso neste Tribunal Central Administrativo Sul), tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão de fls. que julgou improcedente a impugnação deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativa ao exercício de 2005, no valor total de € 18’677,42, na qual pedia a sua anulação;
2. A menção, constante na escritura pública de compra e venda, de que o imóvel se destinava a revenda, tratou - se de um lapso do cartório notarial, dado que em tal documento também consta que tal imóvel se destinava a habitação (cfr. escritura pública de fls. dos autos).
3. Embora conste no objecto social da ora recorrente que a mesma se possa dedicar à compra de imóveis para revenda, todavia, como decorre da sua contabilidade, a mesma apenas se dedica a actividade agrícola de fruticultura (cfr. fls. dos autos), sendo também incontornável o facto da ora recorrente ter liquidado IMT por esta transação, não ter nunca solicitado a sua devolução, ter sido efectuada a rectificação da aludida escritura (cfr. fls . dos autos), daí a ora recorrente ter contabilizado o referido imóvel como pertencente ao imobilizado.
4. O acto tributário objecto da impugnação tratou-se de uma inspecção externa, pelo que carecia de determinadas formalidades que não foram respeitadas pela AT;
5. A AT não comunicou à ora recorrente o critério de selecção que determinou a inspecção à sua contabilidade;
6. O acto tributário impugnado não se encontra suficiente e devidamente fundamentado, padecendo, por conseguinte do vício de falta de fundamentação;
7. Pelo exposto, a douta decisão recorrida erra por violação de lei, ao não ter considerado a legislação vigente, entre o plano das normas e princípios constitucionais e o da aplicação concreta, violando, entre outras do douto suprimento desse Tribunal da Relação, as normas contidas nos artº s artº 268º, nº3 da CRP , 77º da LGT , artº s 36º e 39º do CPPT e artº s 124º e 134º do CPA; 13º, al.s a) e b), 23º, 27º, 49º e 50º do RCPIT e 75º, nº da LGT ; 123º, nº1, al.s c) e d ) e nº2 do CPA ; Lei nº 171/99, de 18.09 ; artº 45º do CIRC (na sua versão à data dos factos), actual artº 48º do CIRC.
TERMOS EM QUE, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta decisão recorrida ser revogada, assim se fazendo Justiça!
*
E, contra-alegando, concluiu, por sua vez, a Recorrida:
1. A presente impugnação tem por objecto a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, n° 2008 8310037015, no valor global de € 18.677,42, relativa ao exercício de 2005.
2. A referida liquidação foi despoletada na sequência da realização de uma acção de inspecção à contabilidade da impugnante, que culminou com a elaboração de correcções à matéria tributável, de natureza meramente aritmética.
3. A sociedade recorrente, para além do exercício da actividade agrícola de fruticultura, tinha também como objecto social, a actividade de compra e venda de bens imóveis, não podendo a recorrente alegar o contrário, porquanto, tal constatação resulta inequivocamente, da escritura pública de constituição de sociedade e dos respectivos estatutos da mesma, os quais fazem parte integrante da escritura pública, a qual constitui um documento dotado de fé pública e que atestando a veracidade das declarações efectuadas pelos intervenientes perante o notário, faz prova plena dos factos que ali se consignam.
4. Em 22 de Setembro de 2006, a ora recorrente celebrou uma escritura de compra e venda no âmbito da qual é expressamente referido que a fracção ".... " SE DESTINA A REVENDA;
5. Através de escritura pública, lavrada em 16 de Setembro de 2008, a fracção ".... " passou a pertencer a .... , - vide fls. dos autos juntas com um requerimento da Fazenda Pública de 2.02.2010.
6. O referido .... , só viria a ser designado gerente da Sociedade .... , em 17 de Março de 2009;
7. Em 14 de Dezembro de 2009, quando a sociedade recorrente, efectua a rectificação da escritura que se reporta a fracção .... , esta já não se encontrava na sua esfera jurídica patrimonial.
8. Aquando da celebração da escritura de compra da fracção ".... " a ora recorrente inscreveu o referido bem no respectivo serviço de finanças em seu nome, instruindo o mesmo com o pedido de suspensão do inicio de tributação em sede IMI, com o fundamento em que se tratava de um prédio para revenda ou seja, ao actuar da forma descrita pretendeu efectuar uma aquisição para revenda e não uma aquisição para habitação como nos presentes autos tentou incutir ao Tribunal vide fls. dos autos, juntas com um requerimento da Fazenda Pública de 2.02.2010.
9. Acresce, que tal benefício, foi efectivamente usufruído, até à venda da aludida fracção, realizada em 2008, ao referido .... — vide fls. dos autos, juntas com um requerimento da Fazenda Pública de 2.02.2010.
10. Como bem refere a douta sentença, a ora recorrente em momento algum enuncia qual era a finalidade dos bens em causa na vida da sociedade, sendo certo, que a mesma tem sede na Guarda e os bens imóveis se situavam em Albufeira e em Cascais. Facto que, aliado a todas as restantes evidências probatórias supra referidas, levou o Tribunal " a quo", a concluir, e bem, pela improcedência do alegado erro nos pressupostos de facto, que a ora recorrente tenta imputar ao acto tributário em sindicância.
11. Face aos elementos probatórios existentes nos autos, designadamente, do Relatório de Inspecção Tributária, datado de 2008.07.16 e do pedido de processo de documentação fiscal, dirigido à sociedade recorrente em 07.02.2008 - constante de fls. 1 a 48 e fls. 92, respectivamente, do processo administrativo organizado nos termos do artigo 111° do CPPT - resulta inequivocamente provado que no âmbito do procedimento de inspecção em análise, os actos de inspecção realizados pela Administração Tributária, foram exclusivamente realizados nos serviços da Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças da Guarda.
12. No caso em apreço, não pode a recorrente alegar que desconhece o critério de selecção, porquanto, antes de se iniciar o procedimento interno de inspecção, mais concretamente em 07.02.2009, através do ofício n° 30 556, a Administração Tributária notificou a ora recorrente nos seguintes termos: "a fim de se iniciar o procedimento interno de inspecção, relativamente à declaração periódica de IRC, do ano/exercício de 2005, solicita-se a N/° Exa., em conformidade com o n° 4 do artigo 59° da LGT e artigo 48° do RCIPT, a remessa a este Serviço, a título
devolutivo, do processo de documentação fiscal, a que aludem os artigos 129° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares - CIRS ou artigo 121° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas — CIRC, referente a esse ano/exercício, no prazo máximo de 10 dias, fazendo menção dos dados constantes na N/Referência (...)" — vide fls. 92 do processo administrativo organizado nos termos do artigo 111° do CPPT.
13. Não restam, pois, quaisquer dúvidas que, em momento anterior ao início do procedimento interno de inspecção, a ora recorrente, através da notificação supra mencionada, tomou perfeito conhecimento que iria ser alvo de uma acção de inspecção interna, do motivo, âmbito e incidência da mesma.
14. Acresce ainda referir, que o conhecimento sobre os objectivos e fundamentos da acção de inspecção, é posteriormente reforçado em sede de Projecto de Relatório de inspecção, notificado à recorrente em 23.06.2008, na sequência do qual a recorrente exerceu o direito de audição em 09.07.2008, e em sede de Relatório de Inspecção Tributária, notificado à recorrente em 25.07.2008, onde se dão a conhecer de forma pormenorizada e devidamente fundamentada, os motivos, o âmbito, a incidência da acção de inspecção e bem assim as razões de facto e de direito que fundamentaram as correcções que culminaram na elaboração da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n°2008 8310037015, no valor global de 18.677,42, relativa ao ano de 2005 — Vide fls. 49 a fis. 91 e fls.1 a 48, respectivamente do processo administrativo organizado nos termos do artigo 111° do CPPT.
15. O acto tributário indica de forma expressa e inequívoca os preceitos legais aplicáveis ao caso em concreto e enuncia os factos que lhe deram origem, ou seja, expressa de forma clara e inequívoca as razões de facto e de direito em que se fundamentou, não lhe sendo imputável qualquer vício, designadamente a alegada falta de fundamentação invocada pela recorrente, motivo pelo qual, se impõe concluir pela legalidade do acto tributário.
16. Embora a recorrente alegue que a douta sentença em recurso, violou a Lei n° 171/99 de18.09 e o artigo 45° do CIRC (na versão à data dos factos) actual artigo 48°, não refere qualquer argumento ou fundamento que sustente tal alegação.
17. Embora a recorrente pretenda assacar à douta sentença em recurso, o alegado vício de violação de lei, verifica-se que também quanto a este segmento da douta decisão, a recorrente não efectuou o mínimo esforço que fosse susceptível de contrariar os fundamentos de facto e de direito que são invocados pela douta sentença, motivo pelo qual, teremos de concluir pela improcedência do invocado vício de violação de lei.
18. A declaração de rendimentos de IRC do exercício de 2005, apresentada pela recorrente em Maio de 2006, constituiu a referência a partir da qual — atenta o âmbito e incidência do procedimento de inspecção interno — se procedeu à análise interna da contabilidade e situação tributária da ora recorrente.
19. Ora, tal como se alcança da leitura atenta da referida declaração de rendimentos, a recorrente não fez qualquer referência ao gozo de tal benefício (redução de taxa de 20%), motivo pelo qual a Administração Tributária não teve, nem poderia ter em linha de conta tal facto, aplicando a taxa correspondente à situação tributária declarada pela própria recorrente, ou seja, a taxa aplicável ao regime geral, que é de 25%.
20. A recorrente procedeu de forma incorrecta à contabilização inicial do imóvel como um bem do imobilizado, uma vez que, para além da menção ciara e inequívoca na escritura de aquisição, de que o mesmo se destinava a revenda, também não preenche os requisitos legais, plasmados no POC, necessários para ser classificado como sendo imobilizado.
21. Ainda que o bem em apreço, pudesse ser classificado como pertencendo ao imobilizado, não poderia, de igual modo, beneficiar do regime previsto no artigo 45° do CIRC, uma vez que para que tal fosse possível, teria de o valor de realização ser" (...) reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração ", e como já se demonstrou, em sede de procedimento de inspecção interno, também o imóvel adquirido em 2006, se destina a revenda, e como tal, não se trata de nenhum bem destinado ao imobilizado, e que também não preenche os requisitos necessários para ser classificado como tal — vide fls. 1 a
48 do processo administrativo organizado nos termos do artigo 111° do CPPT.
22. Relativamente à aplicabilidade do regime plasmado no artigo 45° do CIRC, cumpre ainda fazer referência à informação elaborado no âmbito do processo n° 590/96, relativa ás mais-valias derivadas da alienação de prédios de rendimento, a qual foi objecto de despacho por parte de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em 1996/07/27, no qual se entendeu que o regime previsto no artigo 45° do CIRC (ex-artigo 44°) só abrange as mais-valias realizadas mediante transmissão onerosa de imóvel afecto à actividade operacional da empresa, facto que, conforme já se provou ao longo das presentes alegações de recorrido, na situação concreta da recorrente, não se verificou — vide fls. 107 do processo administrativo organizado nos termos do artigo 111° do CPPT, relativo ao despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
23. Em suma, a douta sentença em recurso, não padece do invocado erro por violação de lei, que a recorrente lhe tenta assacar, porquanto, a mesma apreciou e valorou, de forma exemplar, todos os factos controvertidos e todo o acervo probatório constante dos autos, efectuando uma correcta aplicação da lei e do direito aos factos em litígio.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do Recurso, uma vez que a sentença “não sofre de qualquer vício, nomeadamente de erro de julgamento, deficiente apreciação dos factos considerados provados ou violação das normas aplicáveis ao caso. Acresce que a recorrente não apresenta argumentos para discordar da sentença proferida, mantendo apenas os argumentos que utilizou para impugnar a liquidação em causa nos autos”.
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As questões a decidir são, então, as de saber se a sentença errou:
- Ao fixar o âmbito da atividade da Recorrente;
- Ao valorar a retificação da escritura pública;
- Ao qualificar o procedimento de inspeção tributária como interno;
- Ao considerar que a AT não tinha de comunicar à recorrente o critério de seleção que determinou a abertura do procedimento de inspeção;
- Ao considerar que o ato de liquidação se encontra fundamentado; e
- Ao considerar que o ato de liquidação não padece erro nos pressupostos quanto à taxa aplicável e à aplicação do regime do artigo 45.º do Código do IRC.
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Colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que:
a)
A sociedade impugnante foi constituída em 09/08/1990, tendo como objecto “a exploração agro-pecuária, transformação e comercialização dos respectivos produtos, compra, venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr. cópia de escritura de fls. 17 e ss. do PAT);

b)
A 04/12/1991 compareceram representante da “Sociedade .... Lda.” e representantes da aqui impugnante, declarando (cfr. cópia de escritura de fls. 27 e ss. do PAT):
- O primeiro, e na qualidade em que intervém, que vende por treze milhões e duzentos mil escudos à sociedade .... , Lda., a fracção autónoma designada pela letra “I” – segunda piso, apartamento … – Bloco…, do prédio urbano, sito na Semina, fegusia e concelho de Albufeira, designado por “lote …” da urbanização .... ”;
- Pelo segundo “que para a sociedade que representam, aceitam o presente contrato nos termos exarados e para revenda”;

c)
A 08/04/2009 a impugnante efectuou o pagamento de dívida em cobrança executiva no PEF n.º1228200901001744, no valor de 19.841,24 euros, relativa a IRC e juros do exercício de 2005 (cfr. documento de fls. 61 dos autos);

d)
A 22/09/2006 compareceram perante notário representante da sociedade .... S.A. e representante da aqui impugnante, declarando (cfr. cópia de escritura pública de fls. 165 dos autos):
- A primeira que por duzentos mil euros, vende em nome da representada à aqui impugnante a fracção autónoma designada pelas letras “.... ” correspondentes à fracção … destinada a habitação e um lugar de estacionamento, sito na Ribeiras das Vinhas, Quinta da Raposa, freguesia e concelho de Cascais, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número cinco mil cento e trinta e oito, daquela freguesia e inscrito na matriz sob o artigo ….;
- A segunda que aceitam a venda e “destinam a fracção adquirida a revenda.”

e)
A 14/12/2009 compareceram perante notário representante da sociedade .... S.A. e representante da aqui impugnante, declarando (cfr. cópia de escritura pública de fls. 172 dos autos):
“Que por escritura de vinte e dois de Setembro de dois mil e seis, (…), a primeira outorgante me nome da sua representada, pelo preço de DUZENTOS MIL ESCUDOS, vendeu à representada dos segundos outorgantes, a fracção autónoma designada pelas letras “.... ” que corresponde a UM C no piso um, para habitação e um lugar de estacionamento (…), que faz parte do prédio urbano sita na .... , freguesia e concelho de Cascais, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número CINCO MIL CENTO E TRINTA E OITO, daquela freguesia e inscrito na matriz sob o artigo 12.665, melhor identificada naquela escritura.
Que, pela presente eles outorgantes, nas invocadas qualidades, rectificam a identificada escritura no sentido de passar a constar que a sociedade representada dos segundos destina a referida fracção “.... ” a habitação e não a revenda, como naquela escritura foi declarado.(…)”
f)
A 29/12/2009 a aqui impugnante requereu junto do Serviço de Finanças de Cascais a suspensão de tributação em sede de IMI, com fundamento na compra de prédio para revenda cfr. cópia de requerimento de fls. 39 do PAT);

g)
O requerimento a que alude a alínea anterior foi deferido (cfr. documento de fls. 40 do PAT);

h)
Vigorou em 2007 e 2008 isenção temporária de IMI sobre o prédio em questão, por o prédio se destinar a revenda (cfr. documentos de fls. 190 e 191 dos autos);

i)
Junto da AT foi declarada a transmissão do imóvel identificado nas alíneas anteriores, a 16/09/2008, a favor de .... (cfr. comprovativo de alteração, fls. 189 dos autos);

j)
Entre 07/02/2008 e 28/04/2008 foi levada a cabo acção de inspecção à contabilidade da impugnante (cfr. relatório de inspecção, de fls. 5 e ss. do PAT);

k)
A 07/02/2008 foi emitido o ofício n.º30556, dirigido à aqui impugnante, onde se lê (cfr. ofício de fls. 92 do PAT):
“A fim de se iniciar o procedimento interno de inspecção, relativamente à declaração periódica de IRC do ano/exercício de 2005, solicita-se a V.ª(s) Ex.ª(s), em conformidade com o n.º4 do art.º 59.º da LGT e artigo 48.º do RCPIT, a remessa a estes serviços, a título devolutivo, do processo de documentação fiscal, a que aludem os artigos 129.º do Código sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas – CIRC, referentes a esse ano / exercício, no prazo máximo de 10 dias (…)”

l)
A 22/02/2008 foi recebido no Serviço de Finanças de Cascais – 1 ofício proveniente da Direcção de Finanças da Guarda, onde se solicitaram elementos relativos ao diferimento do início de tributação, em sede de IMI, do prédio inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo .... , fracção .... (cfr. cópia de ofício de fls. 95 do PAT);

m)
Da acção de inspecção resultaram correcção meramente aritméticas, em sede de
IRC, no valor de 65.568,90 euros (cfr. mapa resumo de fls. 4 do PAT);

n)
A impugnante exerceu o seu direito de audição prévia sobre o projecto de conclusão da acção inspectiva (cfr. documento de fls. 42 do PAT);

o)
Lê do relatório de inspecção, além do mais, o seguinte (cfr. relatório de fls 5 e ss.
do PAT):
“No decurso da acção inspectiva, foi apurado que no exercício de 2005, o sujeito passivo alienou o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Albufeira, concelho de Albufeira, sob o artigo …, fracção I, o qual corresponde ao segundo piso, apartamento …, bloco …, sito na Urbanização .... , através de escritura celebrada no Cartório Notarial Privativo de .... , no livro de escrituras 14A a folhas 26, pelo valor de 165.000,00 € (cento e sessenta e cinco mil euros), conforme dados constantes da relação modelo 11 remetida pelo referido Cartório.
Contabilisticamente, foi esta transmissão registada como dizendo respeito a uma transmissão de um bem pertencente ao imobilizado da empresa, tendo sido apurados pelo sujeito passivo, os seguintes valores:

• Mais-valia contabilística: 99.158,68 €;
• Mais-valia fiscal: 67.179,55 €;

Mais apuramos que o sujeito passivo declarou no quadro 10 do anexo A da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal a sua intenção de reinvestimento do valor de realização, beneficiando assim do regime previsto no artigo 45.0 do CIRC, tendo sido tributado no exercício de 2005, apenas 50% da mais-valia fiscal obtida, ou seja 33.589,78€ (50% • 67.179,55 €), tendo comprovado no mesmo quadro 10 do anexo A da Informação Empresarial Simplificada, entregue com referência ao exercício de 2006, a concretização do reinvestimento, no valor de 207.574,12 €.
Analisado o documento comprovativo da aquisição do imóvel transmitido, verificamos o seguinte:
• Foi adquirido no dia 04/12/1991, conforme escritura celebrada no Cartório Notarial de Lagoa - Algarve, no livro …., a folhas …., e que constitui o
Anexo 2, pelo valor de 65.841,32 €, correspondentes a 13.200.000$00;
• Consta desta escritura pública, supra identificada, de que o prédio é destinado a revenda;
Apesar desta menção expressa, em documento efectuado perante oficial público, de que o prédio se destinava a revenda, e da previsão no pacto social da firma em análise, de que a mesma tem por objecto a " ... compra, venda de imóveis e dos adquiridos para esse fim foi "este bem classificado e registado na contabilidade como um bem pertencente ao imobilizado.

Pelo que assim, o sujeito passivo não procedeu à sua correcta identificação e contabilização, uma vez que se tratava de uma existência, vulgo mercadoria destinada a revenda, e nunca um bem pertencente ao imobilizado.

Nem o poderia considerar como um bem do imobilizado, atendendo às disposições constantes das notas explicativas do POC (Plano Oficial de Contabilidade), as quais referem que a conta 42 - Imobilizações Corpóreas, "integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano".

Relativamente à conta 422 - Edifícios e outras construções, na qual o sujeito passivo procedeu à contabilização deste bem, refere o POC que "respeita aos edifícios fabris, comerciais, administrativos e sociais, compreendendo as instalações fixas que lhes são próprias".

Por outro lado, da análise do documento comprovativo do alegado reinvestimento do valor de realização, verificamos o seguinte:

• Diz respeito à aquisição da fracção autónoma designada pelas letras ".... que “corresponde ao piso um, para habitação e um lugar de estacionamento no piso menos um identificado com o número dezoito, que faz parte do prédio urbano sito na .... , freguesia e concelho de Cascais, inscrito na matriz sob o artigo .... , efectuada no dia 22/09/2006, conforme escritura celebrada no Cartório Notarial de .... , no livro 25A, a folhas 111, e que constitui o anexo 3;

• Consta da escritura pública, supra identificada, de que o prédio agora adquirido é destinado a revenda;

• Conforme informação prestada pelo Serviço de Finanças de Cascais 1, através do ofício n.º 2161 de 25/02/2008, e que constitui o anexo 4, o sujeito passivo apresentou em 29/12/2006 nesse Serviço de Finanças, um requerimento a solicitar nos termos da alínea e) do n.º 4 do CIMI, o diferimento do inicio da tributação em sede de IMI, sobre este imóvel, o qual lhe foi concedido no processo administrativo n.? 281/2006;

Em suma, o sujeito passivo procedeu de forma incorrecta à contabilização inicial do imóvel como um bem do imobilizado, uma vez que, para além da menção clara e inequívoca no documento de aquisição de que o mesmo se destinava a revenda, também não preenche os requisitos necessários para ser classificado como imobilizado mencionados no POC.

Importa aqui referir que apesar de o sujeito passivo ter considerado este imóvel como imobilizado, não contabilizou qualquer amortização relativamente ao mesmo, nem o poderia ter feito.

E mesmo que considerado como imobilizado, também não poderia beneficiar do regime previsto no art.º 45.° do CIRC, uma vez que para que tal fosse possível, teria de o valor de realização ser " ... reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do activo imobilizado corpóreo afectos à exploração e como já foi demonstrado também o imóvel "adquirido em 2006, se destina a revenda, e como tal, não se trata de nenhum bem destinado ao imobilizado, e que também não preenche os requisitos necessários para ser classificado como tal.

Em conclusão, o sujeito passivo no exercício de 2005, e relativamente à transmissão do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Albufeira, concelho de Albufeira, sob o artigo .... , fracção I, o qual corresponde ao segundo piso, apartamento …, bloco …, sito na Urbanização .... , conforme escritura celebrada em 11/11/2005, no Cartório Notarial Privativo de .... , no livro de escrituras 14A a folhas 26, pelo valor de
165.000,00 € (cento e sessenta e cinco mil euros) deveria ter apurado o seguinte valor sujeito a tributação:

• Valor de Venda: (1) 165.000,00 €
• Custo da Mercadoria Vendida: (2) 65.841,32 €
• Valor sujeito a tributação: (3)=(1 )-(2) 99.158,68 €”

p)
Sobre o relatório de inspecção foi proferido o seguinte despacho pelo Chefe de Equipa, dos Serviços de Inspecção Tributária (cfr. despacho, de fls. 2 do PAT):
“Confirmo a correcção técnica levada a efeito em sede de IRC no montante de €65.568,90, fundamentado no Cap. III do presente relatório, do qual resulta o lucro tributável corrigido, no montante de €115.385,04, ou seja:
L. Tributável Decl. 49.816,14
Correcção 65.568,90
L.T. Corrigido €115.385,04
(…)”

q)
A 23/07/2008 foi proferido sobre o relatório de inspecção despacho proferido pelo Director de Finanças da Guarda (cfr. despacho, de fls. 2 do PAT): “Concordo. Sanciono o presente relatório bem como as correcções propostas e descriminadas no quadro 1.2 que em iguais montantes fixo.”;

Não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.
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Vejamos, pois:
QUANTO AO ÂMBITO DA ATIVIDADE DA RECORRENTE E À VALORAÇÃO DA ESCRITURA PÚBLICA DE RETIFICAÇÃO:
Nos termos do artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Como logo resulta da sua epígrafe (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto), foi intenção do legislador impor o cumprimento de uma faculdade ao Recorrente para conseguir colocar em crise a decisão da matéria de facto fixada na sentença como provada ou não provada.
Tal ónus consiste em especificar obrigatoriamente 1) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, 2) os concretos meios de prova produzidos que impunham uma decisão da matéria de facto diferente, e 3) a decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada.
Quanto àquela alínea b), acresce que, por força do disposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea b), do CPC, “Quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante”.
Se o Recorrente cumprir este triplo ónus, pode impugnar a matéria de facto fixada na sentença; se não cumprir, o Recurso sobre a questão de facto deve ser rejeitado.
A opção do legislador por esta rejeição do Recurso compreende-se na medida em que foi sua intenção que o objeto do recurso ficasse bem identificado, assim como a alteração à matéria de facto pretendida, exigindo, então, que a impugnação da matéria de facto fosse concretamente impugnada e complementada pela defesa da decisão que o Tribunal ad quem deve sobre ela proferir.
Daí que caso seja perfeitamente percetível qual o objeto do recurso e qual a alteração à matéria de facto pretendida pelo Recorrente, se deva dar por cumprido o ónus previsto no artigo 640.º do CPC.
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Na conclusão 3 do Recurso, sustenta a Recorrente que “Embora conste no objecto social da ora recorrente que a mesma se possa dedicar à compra e venda de imóveis para revenda, todavia, como decorre da sua contabilidade, a mesma apenas se dedica a actividade agrícola de fruticultura (cfr. fls. dos autos), sendo também incontornável o facto da ora recorrente ter liquidado IMT por esta transação, não ter nunca solicitado a sua devolução, ter sido efectuada a rectificação da aludida escritura (cfr. fls. dos autos), daí a recorrente ter contabilizado o referido imóvel como pertencente ao imobilizado”.
Ora, embora as Conclusões do Recurso não sejam modelares, é percetível que aquilo que a Recorrente pretende é que seja aditado um ponto à matéria de facto dada como provada que considere que se dedica, em exclusivo, à atividade agrícola de fruticultura, apresentando, para o efeito, como meio de prova, a liquidação de IMT e a retificação da escritura de compra e venda em que foi eliminada a menção a que o destino da fração adquirida era a revenda.
Todavia, estes meios de prova não são idóneos a demonstrar tal realidade.
Por um lado, a liquidação de IMT, enquanto documento que é, não é um meio de prova adequado para demonstrar que o âmbito da atividade da Recorrente, mas apenas que a transmissão do direito de propriedade sobre imóvel foi sujeita a tributação. Nem serve para, através das regras de experiência, enquanto facto conhecido, ser a base de uma presunção judicial que permita concluir que a Recorrente se dedica exclusivamente à atividade agrícola de fruticultura. Com efeito, é possível que uma sociedade que se dedique à revenda de imóveis tenha de pagar IMT: por exemplo, se o adquirente não exercer normal e habitualmente a atividade de comprador de prédios para revenda (cfr. o artigo 7.º, n.os 2 a 4, do Código do IMT); ou se, tendo beneficiado da isenção, esta caducar por o prédio não ser revendido no prazo legal (cfr. o artigo 11.º, n.º 5, do mesmo Código).
Por outro lado, a escritura de compra e venda é um documento autêntico que, nos termos do artigo 371.º, n.º 1, primeira parte, do Código Civil, apenas faz prova plena “dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.
Assim, este meio de prova apenas permite dar como provado que a Recorrente declarou ao notário pretender retificar a sua afirmação anterior, que o prédio se destinava à revenda, no sentido de o seu destino ser, afinal, a habitação.
Ou seja, o teor da escritura não permite dar como provado que, efetivamente, o imóvel ficou afeto à habitação, mas apenas que a Recorrente fez tal declaração.
E, assim sendo, como é e como foi decidido na sentença, de nada vale “a rectificação do declarado em escritura pública, efectuada quando já não era proprietária do bem e quando corria já a presente Impugnação”, tanto mais que fez “uso das declarações proferidas na escritura [retificada] para requerer o diferimento da tributação em sede de IMI”, além de - ainda quanto ao âmbito da sua atividade – ter beneficiado da isenção de IMT na aquisição da fração .... por ter declarado destinar a fração a revenda – alínea d) do probatório – e estar provada a aquisição de outro prédio (fração I) para revenda – alínea b) do probatório – o que indicia o exercício da atividade de compra e venda de imóveis.
Pelo que improcede a impugnação da matéria de facto.
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QUANTO À NATUREZA DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO:
Na Conclusão 4, a Recorrente defende que foi sujeita a um procedimento de inspeção externo, “pelo que carecia de determinadas formalidades que não foram respeitadas pela AT”.
Vejamos.
Como é sabido, o procedimento tributário compreende toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente as ações preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária – artigo 54.º, n.º 1, alínea a), da Lei Geral Tributária. Em concreto, o procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias – artigo 2.º, n.º 1, Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária.
Para o efeito, os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, designadamente examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária - artigo 63.º, n.º 1, alínea b), da LGT -, podendo, para o efeito – alínea f), utilizar as instalações do sujeito passivo quando a utilização for necessária ao exercício da ação inspetiva.
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Um dos princípios estruturantes do procedimento tributário é o da colaboração, por força do qual os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco – artigo 59.º, n.º 1, da LGT. No ponto, a Administração deve notificar o sujeito passivo ou demais interessados para esclarecimento das dúvidas sobre as suas declarações ou documentos – alínea d) do n.º 3 daquele artigo 59.º -, sendo que, no reverso da medalha, “A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como as relações económicas que mantenham com terceiros” – n.º 4 do mesmo artigo 59.º.
Este princípio encontra-se densificado no RCPIT, ainda que sob a designação de princípio da cooperação (artigo 9.º, n.º 1, equivalente ao predito artigo 59.º, n.º 1, da LGT), dispondo o n.º 1 do seu artigo 48.º que “Em obediência ao disposto no artigo 9.º, a administração tributária procurará, sempre que possível, a cooperação da entidade inspeccionada para esclarecer as dúvidas suscitadas no âmbito do procedimento de inspecção”.
Quanto ao conteúdo, quer dos atos praticados no procedimento inspetivo para alcançar os seus fins, quer dos atos concretizadores dos deveres de cooperação, o legislador determina que o equilíbrio dos conflitos entre os direitos da Inspeção (direito a observar as realidades tributárias, a verificar o cumprimento das obrigações tributárias, a prevenir infrações tributárias…) e os direitos do Sujeito Passivo (direito à reserva da vida privada e familiar, à proteção contra qualquer forma de discriminação, à atividade empresarial…) seja efetuado à luz do princípio da proporcionalidade – artigos 63.º, n.º 4, da LGT e 7.º do RCPIT, nos termos dos quais os deveres de colaboração e as ações integradas no procedimento de inspeção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objetivos a atingir.
“Assim, o pedido de colaboração deve ser adequado à satisfação das necessidades do procedimento tributário, o que implica que deva ter em vista o esclarecimento de factos que sejam relevantes para a instrução e decisão do procedimento, que deva respeitar a factos que sejam do conhecimento da pessoa a quem a colaboração é pedida e que não haja uma forma menos onerosa para obter tal esclarecimento” – cfr. Jorge de Sousa e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, nota 7 ao artigo 59.º.
É, pois, ao abrigo da necessidade, da adequação e da proporcionalidade das ações inspetivas que devem ser ponderadas as «Garantias de eficácia» da função inspetiva que se encontram plasmadas no artigo 28.º do RCPIT, cujo n.º 1 estipula que cabe genericamente às entidades inspecionadas facultar à inspeção tributária, nos termos da lei, as condições necessárias à eficácia da sua ação, nomeadamente, o livre acesso dos inspetores às instalações e dependências da entidade inspecionada pelo período de tempo necessário ao exercício das suas funções – alínea a) -, bem como facultar à inspeção as condições necessárias ao exame, requisição e reprodução de documentos, mesmo quando em suporte informático, em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos – alínea c).
Por força do artigo 29.º do RCPIT, o exercício destas garantias de eficácia pode concretizar-se, além do mais – n.º 1, alínea a), primeira parte -, com o exame de “quaisquer elementos dos contribuintes que sejam susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua actividade”, como sejam os livros obrigatórios previstos na legislação comercial e fiscal, os registos contabilísticos e os documentos com eles relacionados, os registos auxiliares da contabilidade, os documentos e registos relativos ao custeio das existências ou à contabilidade analítica, bem como outra documentação interna ou externa relativa às operações económicas e financeiras – n.º 2, alíneas a) a e) do mesmo artigo 29.º.
Com efeito, “está-se aqui em presença de actos altamente intrusivos e restritivos de direitos, liberdades e garantias, como sejam consultar livros e registos ou aceder, consultar e testar os sistemas informáticos, os quais podem estar (mal) localizados em instalações ou dependências «privadas», o que poderá implicar uma entrada no domicílio do visado. Por outro lado, o acesso e consulta pode acarretar a visualização de outros dados de natureza privada ou íntima do contribuinte (por exemplo, situados nos equipamentos informáticos). Por estes e outros motivos, todos os cuidados deverão ser verdadeiramente acrescidos e, do ponto de vista jurídico, o princípio da proporcionalidade desempenha aqui, mais do que em outras sedes, um relevo incontornável – todas as medidas e actuações devem ser absolutamente necessárias e adequadas, sob pena de oposição legítima do contribuinte e eventual contaminação das provas obtidas” – cfr. Joaquim Freitas da Rocha e Outro, RCPIT anotado e comentado, Coimbra Editora, anotação ao artigo 29.º, pp. 147-148.
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Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 34.º do RCPIT, epigrafado «Local dos actos de inspecção», que Quando o procedimento de inspecção envolver a verificação da contabilidade, livros de escrituração ou outros documentos relacionados com a actividade da entidade a inspecionar, os actos de inspecção realizam-se nas instalações ou dependências onde estejam ou devam legalmente estar localizados os elementos” (sublinhado nosso).
Todavia – n.º 2 – “A solicitação dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários e em caso de motivo justificado que não prejudique o procedimento de inspecção, podem os actos de inspecção previstos no número anterior realizar-se noutro local”.
Pretendeu, assim, o legislador que, por regra, quando a inspeção envolva “a verificação do cumprimento das obrigações tributárias” (um dos fins do procedimento de inspeção enunciado no artigo 2.º, n.º 1, do RCPIT), no caso a predita verificação da contabilidade e da escrita, esta verificação fosse realizada no local onde estejam, ou devessem estar, tais elementos, por entender ser este o local mais adequado e proporcional para alcançar tal fim.
No entanto, a pedido do interessado e em caso de motivo justificado que não prejudique a eficácia da inspeção, o legislador admite que os atos inspetivos possam ser realizados noutro local.
Todavia, como se viu, à luz do artigo 2.º, n.º 1, do RCPIT a verificação do cumprimento das obrigações tributárias não é o único fim do procedimento inspetivo. Pode, por exemplo, suceder que a consulta da contabilidade e da escrita decorra não da necessidade de verificar o cumprimento das obrigações tributárias, mas para mera “observação das realidades tributárias” que é outro dos fins do procedimento de inspeção.
Trata-se, aqui, de uma ação de observação da realidade, menos intrusiva, pois, que a ação de verificação do cumprimento das obrigações tributárias, no âmbito da qual o pedido de consulta da contabilidade e da escrita expressa uma solicitação para esclarecimento das dúvidas sobre as suas declarações ou documentos – alínea d) do n.º 3 do artigo 59.º da LGT -, a qual deve ser procurada, sempre que possível, pela inspeção – artigo 48.º, n.º 1, do RCPIT.
Ora, neste cenário de mera observação da realidade tributária, que não de verificação do cumprimento de obrigações, o princípio da proporcionalidade obsta a que tal observação deva ser feita, como regra padrão, no local onde estejam, ou devessem estar, a escrita ou a contabilidade (como acontece nos casos de verificação do cumprimento das obrigações tributárias – dito artigo 34.º, n.º 1, do RCPIT).
Com efeito, a presença de inspetores nas instalações do inspecionado para realizar uma mera observação pode mostrar-se desnecessária e desproporcionada, já que tal finalidade pode ser obtida com a consulta desses elementos noutro local quando o fim do procedimento inspetivo não seja a realização de atos de verificação do cumprimento das obrigações tributárias complementares (de que são exemplos a inventariação ou a contagem das existências físicas, a identificação e avaliação de bens ou a colheita de amostras – cfr. o artigo 29.º, n.º 1, alínea b) do RCPIT).
Neste sentido, pode ver-se Joaquim Freitas da Rocha e Outro, ob. cit., anotação ao artigo 34.º, p. 179: “Ainda assim, acrescentamos nós, em nome da adequação e proporcionalidade, esta regra [da realização da verificação da contabilidade nas instalações do inspecionado] não deve ser levada ao extremo, ou seja, a mesma não deve impedir que não possa ser solicitado um ou outro documento ou esclarecimento ao contribuinte e este se desloque aos serviços da Administração”.
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Aqui chegados,
- Vistas as diferenças entre os distintos fins do procedimento de inspeção (para mera observação da realidade tributária ou para verificação do cumprimento de obrigações tributárias);
- Verificada a existência de deveres de cooperação mútuos entre a Inspeção e o Inspecionado (devendo a Administração procurar, sempre que possível, a cooperação da entidade inspecionada – artigo 48.º, n.º 1, do RCPIT);
- Demonstrada a necessidade de enquadrar aquele procedimento e estes deveres de cooperação mútuos à luz do princípio da proporcionalidade (isto é, da adequação da medida inspetiva ao fim visado pelo procedimento de inspeção, da necessidade da medida inspetiva face à compressão dos direitos ou interesses do inspecionado, e do equilíbrio do benefício obtido pela medida inspetiva em comparação com o sacrifício imposto ao inspecionado; e
- Apontada a regra e a exceção ao local dos atos de consulta da escrita ou da contabilidade,
Estamos em condições de compor o litígio que, no ponto, deu origem ao presente Recurso e qualificar, como interno ou externo, o procedimento inspetivo dos autos.
Vejamos, pois.
Nos termos do artigo 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, “Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso”.
Para qualificar o procedimento inspetivo quanto ao lugar da realização o legislador socorreu-se, então, de dois critérios cumulativos:
- O critério do local da realização dos atos de inspeção; e
- O critério da natureza destes atos.
Assim, o procedimento inspetivo deve ser qualificado como interno quando nenhum ato seja praticado nas instalações ou dependências do sujeito passivo ou de terceiro que com ele se relacione, e, simultaneamente, tais atos de inspeção se limitem a proceder a uma análise formal de documentos (isto é, apenas quanto ao que é expresso em tais documentos, e já não à análise sobre se o teor dos documentos corresponde à realidade) e a uma análise de coerência dos mesmos (ou seja, se o que é expresso em tais documentos está conforme com o teor formal de outros documentos afins).
O legislador não elegeu como critério desta distinção o modo como os documentos são carreados para o procedimento inspetivo, pelo que é admissível a sua obtenção através de qualquer meio, seja através de requisição – artigo 28.º, n.º 2, alíneas c) e h) do RCPIT -, seja através do cumprimento de deveres acessórios declarativos do sujeito passivo ou da concretização do dever de cooperação para esclarecimento de dúvidas – artigo 59.º, n.º 4, da LGT -, esclarecimento este que a Inspeção deve, sempre que possível, procurar obter – artigo 48.º, n.º 1, do RCPIT.
A importância desta distinção entre procedimento de inspeção interno e externo reside no facto de o procedimento externo ser mais garantístico para o inspecionado, uma vez que é mais intrusivo (por ter pelo menos um ato parcialmente praticado nas instalações ou dependências do sujeito passivo ou de terceiro que com ele se relacione, ou ainda que realizado noutro local, ter pelo menos um ato que não consista na mera análise formal e de coerência de documentos).
Com efeito, o procedimento de inspeção externo pressupõe a credenciação dos inspetores e um especial conteúdo da ordem de serviço (cfr. artigo 46.º do RCPIT), obriga à comunicação prévia do início da inspeção (cfr. artigo 49.º do mesmo diploma) e está sujeito a regras de limitação à repetição de inspeção externa quanto ao mesmo sujeito passivo, tributo e período de tributação (artigo 63.º, n.º 4, da LGT). O que bem se compreende, atento o predito caráter intrusivo para o Sujeito Passivo que tem de receber os inspetores nas suas instalações, durante o horário de expediente, para realização de atos que não são de mera análise documental e que podem implicar, como se viu, a inventariação ou à contagem das existências físicas, a identificação e avaliação de bens ou a colheita de amostras, tudo durante o horário de venda ou prestação de serviços ao público.
Aliás, tais atos de inspeção serão naturalmente mais morosos que a mera análise formal e de coerência documental, motivo pelo qual o legislador aumentou o prazo de caducidade do direito à liquidação no caso de realização de procedimento externo (artigo 46.º, n.º 1, da LGT).
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No caso dos autos resulta provado que para a realização do procedimento de inspeção que deu origem à liquidação impugnada a Inspeção solicitou à Recorrente, através de ofício, que lhe remetesse, a título devolutivo, o processo de documentação fiscal relativo à declaração periódica de IRC do exercício de 2005 que havia apresentado – cfr. alínea k) do probatório.
Por outro lado, não vem dada como provada a realização de qualquer ato inspetivo nas instalações ou dependências do sujeito passivo, ou que não consistisse na mera análise formal e de coerência dos documentos contabilísticos solicitados.
Com efeito, do teor do Relatório de Inspeção transcrito no probatório – alínea o) – resulta apenas:
- A consulta de um documento fornecido pelo cartório notarial relativo à venda da fração I (a relação modelo 11);
- A consulta da contabilidade em que esta fração I é considerada um bem do imobilizado da empresa;
- A consulta da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (maxime do quadro 10 do anexo A), bem como a escritura de compra e venda da fração I, das quais consta a intenção de reinvestir as mais-valias;
- A análise da escritura pública de compra da fração .... na qual é declarado que este prédio se destina a revenda;
- A análise da contabilidade na qual a fração .... é registada como bem pertencente ao imobilizado; e
- A análise de uma informação facultada pelo Serviço de Finanças de Cascais 1 da qual consta que foi requerida, e deferida, o diferimento do início de tributação de IMI a esta fração .... .
Na sequência destas diligências, a Inspeção concluiu que “o sujeito passivo procedeu de forma incorrecta à contabilização inicial do imóvel como um bem do imobilizado” e procedeu a uma correção técnica – cfr. a alínea p) do probatório -, considerando o bem como uma existência (mercadoria destinada a revenda), com a respetiva correção ao lucro tributável declarado (acréscimo do valor de realização da fração .... ).
De outro modo: a Inspeção limitou-se a ler o conteúdo das escrituras de compra e venda, de relações apresentadas por notários, de peças da contabilidade, de declarações fiscais e de informações prestadas por Serviços de Finanças e a verificar se o teor de uns se harmonizava com o teor de outros, tendo concluído ser necessário efetuar uma correção técnica, ou seja, uma alteração ao cálculo da matéria coletável sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do sujeito passivo, por considerar que o teor dos documentos analisados impunham que bens contabilizados como imobilizado fossem considerados, antes, mercadoria destinada a revenda.
Ou seja, não vem demonstrada a prática de qualquer diligência inspetiva intrusiva ou que extravase a mera análise formal (relativa às declarações expressas nos documentos analisados) e de coerência (verificando se o teor daquelas declarações eram conformes ao teor formal de documentos conexos) do processo de documentação fiscal relativo à declaração de IRC do exercício de 2005 entregue pela inspecionada.
E, assim sendo, impõe-se concluir que o procedimento de inspeção tributária a que a Recorrente foi sujeita deve ser classificado como interno, e não como externo como alega.
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QUANTO À FALTA DE COMUNICAÇÃO DO CRITÉRIO DE SELEÇÃO QUE DETERMINOU A ABERTURA DO PROCEDIMENTO INSPETIVO AO SUJEITO PASSIVO:
Na Conclusão 5, a Recorrente sustenta que a Administração não lhe comunicou o critério de seleção que determinou a inspeção à sua contabilidade e, a final, advoga a violação dos artigos 23.º e 27.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, assim sustentando a existência de um vício do procedimento por não lhe ter sido comunicado o critério de seleção que determinou a inspeção à sua contabilidade.
Ora, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, deste diploma, “Sem prejuízo da possibilidade de realização de outras acções de inspecção, a actuação da inspecção tributária obedece ao Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária (PNAIT)”.
Pretendeu, assim, o legislador que a Administração Tributária definisse, anualmente, quais as atividades económicas que seriam inspecionadas nesse período, “sem prejuízo da possibilidade de realização de outras acções de inspecção”.
Ou seja, embora o legislador entenda que o PNAIT é um instrumento que deve existir para planear a atividade da inspeção tributária e pré-selecionar os contribuintes que estarão sujeitos a inspeção, ressalvou expressamente a possibilidade de serem realizadas inspeções não planeadas.
Por sua vez, o artigo 27.º, n.º 1, do RCPIT identifica os critérios a que deve presidir a identificação dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspecionar no procedimento de inspeção.
Também aqui não é prevista a obrigatoriedade de comunicação do critério de seleção.
Com efeito, no caso de o procedimento de inspeção ter natureza externa, a lei exige uma notificação prévia, para dar conhecimento ao sujeito passivo que serão realizados atos em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso, mas para o efeito determina no n.º 2 do artigo 49.º do RCPIT que tal notificação contenha, apenas, “os seguintes elementos:
a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspecção;
b) Âmbito e extensão da inspecção a realizar.”
Ou seja, não é necessária a comunicação do critério de seleção que determinou a inspeção externa, sendo que nos casos de inspeção interna – como é o dos autos, nos preditos termos – não se encontra sequer prevista qualquer notificação prévia.
E independentemente da natureza da inspeção – interna ou externa -, a lei determina a realização de um Relatório de Inspeção que deve conter os elementos previstos nas alíneas a) a n) do n.º 3 do artigo 62.º do RCPIT, dos quais não consta a comunicação do critério de seleção do inspecionado.
Pelo que não sendo tal comunicação exigida pela lei, a sua omissão não gera qualquer irregularidade ou vício.
Não estando, também aqui, a razão com a Recorrente.
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QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO:
Na Conclusão 6, a Recorrente advoga, de forma extremamente tópica, que o “acto tributário impugnado não se encontra suficiente e devidamente fundamentado, padecendo, por conseguinte, do vício de falta de fundamentação”. Lida a Petição Inicial, verifica-se que a Recorrente alega desconhecer a fundamentação do ato impugnado porque a liquidação apenas lhe comunica um valor a pagar (artigos 68.º e 69.º) e que provinda daquele que deveria ser o autor do ato nunca recebeu qualquer fundamentação (artigos 70.º e 71.º).
Vejamos, então.
A exigência de fundamentação é uma garantia não impugnatória dos contribuintes através da qual pretendeu o legislador reforçar as garantias da legalidade administrativa e dos direitos individuais dos cidadãos perante a Administração, pois que a falta de fundamentação das decisões desta




dificulta, muitas vezes, a sua impugnação, graciosa ou contenciosa, ou mesmo uma opção consciente entre a aceitação da sua legalidade e a justificação de um recurso contencioso.
Aliás, o direito à fundamentação, com relação aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, constitui, hoje, princípio constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no título II da parte 1.ª da Constituição da República – artigo 268.º da Constituição.
Exige-se, pois, em geral, a fundamentação dos atos administrativos – cfr. o artigo 124.º do Código de Procedimento Administrativo – e tributários.
Nos termos do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, e recorrendo-se a uma fórmula jurisprudencial corrente, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do ato, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a atuar como atuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respetivo ato (fundamentação por adesão ou remissão).
Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça, concretamente, a motivação do ato.
A violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação – artigo 99.º, alínea c), do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Assim, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Pelo que um ato está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível, no sentido de explícita.
Por sua vez, nos termos do artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT os atos tributários que resultem do Relatório de Inspeção Tributária podem fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório.
Pretendeu, assim, o legislador permitir que os atos de liquidação cuja matéria coletável tenha sido calculada em sede de procedimento inspetivo que o anteceda, se fundamentem nas conclusões do Relatório.
Ora, na presente Impugnação Judicial, a Impugnante identificou como objeto da Impugnação Judicial a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º 2008.8310037015, relativa ao ano de 2005.
Resulta provado que a Recorrente foi notificada quanto ao início do procedimento de inspeção relativo ao IRC de 2005 – cfr. alínea k) do probatório -, que foram projetadas correções à matéria coletável sobre as quais a Recorrente exerceu o direito de audição prévia – alíneas m) e n) – e que o Relatório de Inspeção Tributária inclui, nomeadamente, o valor da venda (€ 165.000,00), o custo da mercadoria vendida (€ 65.841,32) e o valor sujeito a tributação (€ 99.158,68), bem como os motivos e os cálculos que os sustentam - alínea o) dos factos provados.
Após ter sido notificada da liquidação, a Recorrente não se conformou com a sua legalidade, tendo, então, dado início aos presentes autos, pedindo a sua anulação com fundamento na existência de erros nos pressupostos de facto (âmbito da sua atividade e circunstância de o imóvel não se destinar a revenda) e de direito (vícios do procedimento de inspeção, erro na determinação da taxa aplicável e no regime aplicável).
Pelo que se impõe concluir, tal como fez a sentença recorrida, ser manifesto que a Recorrente compreendeu o itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, conhecendo as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática, pois que contra elas se insurge.
E, bem assim, que tais razões resultam das conclusões do Relatório de Inspeção (como, aliás, a Impugnante reconhece no artigo 77.º da Petição Inicial, sendo que a legalidade do próprio procedimento inspetivo, que não apenas as conclusões a que aí se chegou, vem posta em xeque nos presentes autos), razões essas que o autor do ato de liquidação assume como suas, por remissão, e, assim, as integra no ato tributário que emite, fazendo parte da fundamentação deste.
O que permite afirmar que a liquidação se encontra devidamente fundamentada, conceito relativo que é, nos preditos termos.
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QUANTO AO ERRO NA DETERMINAÇÃO DA TAXA APLICÁVEL E À APLICAÇÃO DO ARTIGO 45.º DO CÓDIGO DO IRC:
Também de modo absolutamente singelo, a Recorrente sustenta nas suas alegações a “e) errónea aplicação da taxa (cfr. Lei n.º 171/99, de 18.09); erro de direito na aplicação do art. 45.º do CIRC (na sua versão à data dos factos), actual art. 48.º do CIRC”, concluindo, na parte final da Conclusão 7, pela violação das normas contidas na “Lei n.º 171/99, de 18.09; art. 45.º do CIRC (na sua versão à data dos factos), actual art. 48.º do CIRC”.
Relativamente à taxa aplicável:
A Lei n.º 171/99, de 18 de setembro, veio estabelecer medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do anterior – artigo 1.º, n.º 1.
Nos termos do seu artigo 7.º, n.º 1, “É reduzida a 25% a taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), previsto no n.º 1 do artigo 69.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias”, sendo que para usufruir deste benefício é necessário que estejam reunidas todas as condições elencadas no seu n.º 3, nomeadamente, não terem salários em atraso – artigo 7.º, n.º 3, alínea c).
Nos termos do artigo 108.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Impugnação Judicial deve ser formulada em petição articulada em que, além do mais, se exponham os factos e as razões de direito que fundamentem o pedido. Concretiza, aqui, o legislador o princípio do dispositivo que impõe que o autor alegue os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
Ora, a Recorrente não alegou na sua Petição Inicial as condições de que depende a redução de taxa, como bem decidiu a sentença, desde logo não ter salários em atraso, pelo que, na falta de alegação, a sua pretensão tem, necessariamente, de improceder.
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Relativamente à aplicação do regime do artigo 45.º do Código do IRC:
O artigo 45.º do Código do IRC determina, no seu n.º 1, que a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias sejam consideradas em metade do seu valor se forem realizadas mediante a transmissão onerosa de elementos do ativo imobilizado corpóreo detidos por um período não inferior a um ano, se o valor de realização for reinvestido na aquisição, fabricação ou construção de elementos do ativo imobilizado corpóreo afetos à exploração, com exceção dos bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais.
Ora, também aqui a Recorrente nada alegou quanto aos factos constitutivos do direito a que se arroga, desde logo o reinvestimento noutro ativo imobilizado corpóreo afeto à exploração (sendo que alguns dos alegados não foram dados como provados, tendo, como se viu, naufragado no presente Recurso a sua impugnação da matéria de facto fixada na sentença, através da qual pretendia que se desse como provado que se dedicava, em exclusivo, à atividade agrícola de fruticultura).
Pelo que lhe falece, também aqui, razão.
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Termos em que se acorda negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
São devidas custas, neste TCA Sul, pela Recorrente.
Lisboa, 30 de setembro de 2025.
Tiago Brandão de Pinho (relator) – Rui A. S. FerreiraMargarida Reis