Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1481/24.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE DEDUZIR IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
NULIDADE
VIOLAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL/DIREITO DE PROPRIEDADE
Sumário:I – Por regra, os vícios dos atos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem, designadamente, as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, na versão vigente à data dos factos (a que corresponde o atual n.º 2 do artigo 161.º do CPA), nomeadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
II- Ainda que a recorrente configure os vícios como geradores de nulidade, essa configuração não vincula o julgador (cf. n.º 3 do artigo 5.º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT).

III- O vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito atinente a uma errada interpretação ou aplicação das normas de incidência é gerador de mera anulabilidade, não sendo, consequentemente, aplicável o disposto no art. 102.º, n.º 3, do CPPT ou o n.º 3 do art. 58.º do CPTA;IV- O facto de a Administração Fiscal ter (alegadamente) errado ao não considerar que havia isenção de IRS e que em causa não estava um terreno para construção, contaminaria o ato com anulabilidade por violar o princípio da legalidade tributária, mas não já com nulidade por afrontar o direito de propriedade;

V- Com efeito, não é qualquer ofensa de um direito fundamental que comina o ato de nulidade, mas, tão-só, as ofensas do seu conteúdo essencial, sendo que tal situação apenas sucederá quando perante ela o direito fundamental afetado fique sem expressão prática apreciável, o que não é, necessariamente, o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
*
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO

Os impugnantes, F ……………………, e M ……………….. (ora recorrentes), vieram interpor recurso da decisão de indeferimento liminar da impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS de 2004 com nº ……………………..695, por intempestividade, prolatada em pelo Tribunal Tributário de Lisboa.


*




Os Recorrentes apresentaram as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


1- Os ora Recorrentes não o se podem conformar com a Douta Sentença que julgou “Em face do exposto e nos termos das disposições legais mencionadas indefere-se liminarmente a presente Impugnação Judicial”


2- Pelo que vem da mesma recorrer, apelando a este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, uma correta apreciação o do caso concreto, sob pena de ficar comprometida a Justiça, reposição da verdade, cumprimento da Lei e Segurança Jurídica dos cidadãos!


3- A pretensão dos Autores e arguirem a nulidade do Acto de Liquidação de IRS referente ao ano de 2004, tendo esclarecido o Digníssimo Tribunal a quo que o meio processual adequado para tal apreciação é a “impugnação Judicial” que ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 102.º do CPPT dispo e que “se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo”. E é desta disposição legal que não podemos fazer tábua rasa!


4– E a verdade é que, não pode a presente Acção ser indeferida liminarmente porque toda a sua fundamentação vai no sentido de se estar perante uma liquidação o de IRS motivada na falta dos seus elementos essenciais, com ofensa de um direito fundamental, nomeadamente o Direito à Defesa previsto no artigo 29.º da CRP, bem como o direito à Segurança Jurídica.


5- É que o que está em discussão o e aplicação de mais valias quando o Recorrente estava isento do seu pagamento.


6- Aos 13 de Janeiro de 1987, em Lisboa, no 12º Cartório Notarial da Notária L…………..R…………., o Autor, F …………………., no estado de divorciado, adquiriu, por compra, o prédio urbano sito em B…………., denominado “C………..“ ou “M………….“ de Freguesia de A……………, concelho de C.............., composto de cave para duas garagens e arrumos e rés-do-chão com cinco divisões, cozinha e copa, quatro casas de banho, corredor, lavagem e dois terraços, com àrea coberta de 244 m², e logradouro com 7553 m², conforme Escritura Publica junta aos autos como documento nº 1 à PI


7-O Recorrente adquiriu assim por meio daquela Escritura Pública, um prédio urbano com a área total de ……… m², inscrito na matriz predial sob o artigo …….., com o valor matricial de $3.060.000, descrito na Conservatória do Registo Predial de C.............., 2ª secção, sobre o nu mero 1138, dá freguesia de A…………….., e com a licença de utilização o número 188 emitida pela Câmara Municipal de C.............. em 20 maio 1982, com uma moradia implantada, conforme caderneta predial, certidão predial e licença de utilização juntas à PI como documentos nºs 2, 3 e 4 á PI.


8- A aquisição foi feita livre de quaisquer ónus ou encargos e pelo preço de $15.000.000 (quinze milhões de escudos), destinando o imóvel à sua habitação própria e permanente, conforme resulta do teor da escritura pública.


9- Em momento algum na referida escritura publica de compra e venda, outorgada a 13 janeiro 1987, se faz alusão o que o autor adquiriu um terreno para construção.


10- Respeitante a esta aquisição, o Recorrente para efeitos de SISA, lavrou um termo de declaração o em 8 de Janeiro de 1987e declarou pretender pagar a sisa que fosse devida com referência à compra pelo preço de 15 000 000$00 a C ………………………., de um prédio no lugar de B…………….., freguesia de A…………………, com a área coberta de 244m2 e logradouro de 6292,575m2, inscrito na matriz sob o artigo 5502, tendo o Autor apresentado a declaração complementar do ano de 1985, tudo conforme resulta do doc. nº 5 junto à PI.


11- O Recorrente logo que outorgou a Escritura Publica, a 13.01.1987, passou de imediato a residir de forma permanente no imóvel com os seus três dos quatro filhos que tinha, constituindo família, voltando a contrair casamento, onde vieram a nascer os seus 5ª e 6º filhos, nos anos de 1987 e 1992, respetivamente, R ………………………, ali recebia os amigos, recebia a correspondência, fixando ali a sua casa de morada de família.


12- Pelo que, dúvidas não podiam existir, e até porque não resulta de nenhum documento, nem mesmo do teor da Escritura Publica, que o Autor adquiriu um terreno para construção, adquiriu sim, e apenas, uma moradia com um logradouro com uma área substancial e que a destinou á residência própria e permanente, à sua casa de morada de família.


13- Entretanto, a 23.09.2002, e porque o Autor dispunha de uma grande àrea de logradouro apresentou junto da Câmara Municipal de C.............., um projeto de construção de 13 moradias com pedido de licenciamento ao qual foi atribuído o nº 11.892/02.


14- O mesmo processo foi deferido por Despacho exarado pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal de C.............. em 9 de Fevereiro de 2004, tendo esse deferimento sido comunicado ao aqui Autor em 13 de Fevereiro de 2004, através do ofício nº 7175,“CONDICIONADO à apresentação dos Projectos de Especialidade, (…)devendo os mesmos ser apresentados mediante um só requerimento, no prazo de 6 meses, (…).”


15- No dia 10 de Agosto de 2004, nas instalação do Banco …………………….. S.A, na Rua …………………, nº 42, perante M …………………, Ajudante Principal do 24º Cartório Notarial de Lisboa, a cargo do Notário V ………………….., o aqui Recorrente vendeu á sociedade anónima T …………….- ÉMPRÉÉNDIMÉNTOS …………… S.A., NIPC 504 308 610, pelo preço de €1785.000.000,00 (um milhão setecentos e oitenta e cinco mil euros), o prédio urbano sito em B…………….., Freguesia de A ……….., Concelho de C.............., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de C.............. sob o nº 1206, inscrito na matriz predial sob o artigo 5502, conforme Escritura Publica junta aos Autos como Documento nº 7 junto à PI.


16- Com a venda a favor da sociedade T ………………….- ÉMPRÉÉNDIMÉNTOS I……………..S.A. o aqui Recorrente já não deu cumprimento no prazo de seis meses á apresentação dos Projectos de Especialidade, cujo licenciamento ficou condicionado á sua aprovação.


17- Pelo que, o Autor aos 10 de Agosto de 2004, vendeu um prédio urbano, composto por uma moradia, que correspondia à sua casa de morada de família, composto por uma grande área de logradouro, que o Autor, de forma a rentabilizar a área, deu entrada de projecto de construção na Câmara Municipal de C.............., no ano de 2002, sem que contudo tivesse ainda submetido ás especialidades e conseguido o licenciamento que daria origem á mudança de denominação de parte da área do imóvel para lotes ou terreno para construção.


18- Sendo certo que, e que este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul deverá analisar com especial relevância sob pena de se ofender um direito fundamental para efeitos do disposto no nº3 do artigo 102.º do CPPT, o Autor não adquiriu este mesmo prédio urbano, no ano de 1987, como sendo um prédio para construção.


19- Muito pelo contrário, quando o adquiriu no ano de 1987, fê-lo com o único propósito de ali fixar a sua casa de morada de família, como o fez, pelo que, não se pode qualificar para efeitos de mais valias a venda de um terreno para construção, o que efetivamente sucedeu.


20- Razão pela qual a apreciação da presente ACÇÃO DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE DO ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO DE IRS Nº ……………………..695 REFERENTE AO ANO 2004 QUE DETERMINOU PAGAMENTO DE MAIS VALIAS PELO AUTOR F ……………………, NO MONTANTE DE €369.759,39, ACRESCIDO DE JUROS, constitui a violação de um Princípio Constitucionalmente consagrado, o da Defesa, uma vez que estamos perante uma liquidação de IRS a que se imputa a falta de algum dos seus elementos essenciais e perante uma ofensa de um direito fundamental, nomeadamente, direito à defesa previsto no artigo 29.º da CRP, e essencialmente, o da segurança jurídica.


21- É que não poderá passar ao lado deste Venerando Tribunal Central Administrativo Sul que a segurança jurídica consiste num princípio inerente ao Direito e que supõe um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas de forma a que as pessoas possam ver garantida a continuidade das relações jurídicas onde intervêm e calcular as consequências dos atos por elas praticados, confiando que as decisões que incidem sobre esses atos e relações tenham os efeitos estipulados nas normas que os regem.


22- Outra dimensão subjetiva da segurança jurídica que o Tribunal Constitucional retira do princípio do Estado de direito democrático e do princípio da proteção da confiança (Acórdãos n.ºs 287/90 e 188/2009 do TC), que censura alterações súbitas, arbitrárias e altamente gravosas de normas em cuja continuidade os cidadãos tenham depositado expectativas legítimas.


23- O Recorrente estava seguro de que estava isento no pagamento de mais valias, e a imposição no pagamento das mesmas, em clara violação às disposições legais, e uma ofensa a um direito fundamental que merece ser reposta, devendo a ação admitida e apreciada a nulidade invocada.


24- Sendo certo que, a liquidação o de mais valias que o Autor acabou por ser obrigado a pagar, no montante total de €654.088,97 (já com juros), quando a quantia exequenda era apenas €360.735,58 foi garantido e pago pela sua mulher L …………….. (que nem à data da aquisição em 1987, nem à data da venda, em 2004 era com o Autor casada), num notório enriquecimento a favor do Estado Português que não se aceita.


25- Razão pela qual, e face a tudo o que supra vai exposto, de acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do Código do imposto sobre o Rendimento de pessoas singulares (CIRS), jamais poderiam constituir mais valias os ganhos obtidos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, os quais integram a categoria G de rendimentos.


26- Uma vez que, nunca tal prédio urbano se tratou de um terreno para construção quando foi adquirido em 1987.


27- Os rendimentos resultantes da sua transmissão não podiam ser sujeitos a tributação por força do regime transitório categoria G a que se refere o artigo 5.º do Decreto-Lei nº 442 -A/88, de 30 novembro, que remete para as disposições contidas no Código do Imposto das Mais Valias aprovado pelo Decreto-Lei nº 46373, de 9 junho 1965.


28- Nos termos do nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto Mais-valias, o imposto incidiria sobre ganhos realizados através da transmissão onerosa de terrenos para construção, o que não ocorreu no caso concreto.


29- Nunca se esteve perante ganhos já sujeitos a tributação no âmbito daquela disposição legal, uma vez que, a situação do aqui Autor se enquadra na exclusão a que se refere o nº 1 do ártigo 5.º do Decreto-Lei nº 442 -A/88, uma vez que a aquisição a favor do Autor ocorreu no ano de 1987, ou seja, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 442-A/88 de 30 novembro, conforme resulta evidente.


30- Pelo que, e relativamente ao exercício de 2004 o aqui autor enquanto sujeito passivo não tinha qualquer obrigatoriedade, quando apresentou a sua declaração de rendimentos, modelo 3, ánexo G, de refletir o ganho de mais valias, resultante da alienação do imóvel identificado, uma vez que não tinha qualquer obrigatoriedade de liquidar imposto, por se encontrár isento conforme ártigo 5º, nº 1 do áludido Decreto-Lei nº 442- A/88.


31- Pelo que, quando foi notificado através do ofício nº 55800 de 23.7.2008, pela Direção de Finanças de Lisboa, para apresentar a declaração de rendimentos alegadamente em falta, respondeu o aqui Recorrente, e bem, que não tinha qualquer obrigação de liquidar mais valias, porque as mesmas não eram devidas ao abrigo do DL 442-A/88, tendo remetido, para prova do alegado, fotocópia da escritura pública de aquisição o de 13 janeiro 1987, onde claramente comprovava a aquisição no ano de 1987, e não se tratar de um terreno para construção.


32- O Artigo 5.º do áludido Decreto-Lei nº 442-A/88 e cláro áo determinár no seu nº 1 que “ Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto mais-valias, criado pelo código aprovado pelo decreto-lei número 46373,9 julho 65, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efetuado depois da entrada em vigor deste código.


33- Ora se o prédio urbano em discussão, foi adquirido pelo autor em 1987, não se tratando de prédio para construção, dúvidas não existem que a aquisição ocorreu antes da entrada em vigor deste código que ocorreu em 30 de Novembro de 1988, estando as mais valias isentas do pagamento de imposto,


34- Pelo que, o Autor, jamais poderia ser tributado em termos de mais valias, e muito menos teriá que ter sofrido os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em resultado de uma correção de liquidação de IRS do ano de 2004 nula, porque legalmente não era devido nenhum imposto.


35- É que, como o Autor não liquidou o montante apurado em termos de mais valias, porque se insurgia contra o mesmo atendendo a que estava isento no seu pagamento, foi instaurado pela Justiça Tributária, processo de execução o fiscal nº ………………..176, á 5 fevereiro 2009, para cobrança coerciva de dívida de IRS, respeitante ao ano de 2004, no valor de €369.759,39.


36- Aliás, a presente Acão que se pretende que seja apreciada, não é a primeira reação do Autor, o mesmo deduziu Oposição à Execução que seguiu termos no TAF de Sintra, sob o nº de processo 437/10.7BESNT, conforme doc. 17 junto à PI.


37- É que dúvidas não existem que a venda promovida pelo Autor em 10 de Agosto de 2004 estává isenta de IRS em termos de mais valias, sendo nula a declaração de liquidação que determinou a correção ar IRS do Autor do ano de 2004 com o nº ………………….685, e, consequentemente, nulos todos os áctos posteriores.


38- Neste sentido larga jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, Acórdãos de 29.03.2006, processo 01213/05 (I – Nos termos do art. 5º do DL nº 442-A/88, de 30/11, os ganhos que não eram sujeitos a imposto de Mais-Valias só ficavam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens a que respeitam tivesse sido efectuada depois da entrada em vigor do CIRS. II – Se, antes da sua vigência, foi adquirido um prédio rústico, vendido em 1996, agora como terreno para construção, os ganhos daí resultantes não estão sujeitos a IRS, por não estarem abrangidos pela citada previsão legal.) e de 12.12.2006, processo 01100/05, ámbos in www.dgsi.pt.


39- Nos termos do disposto no ártigo 1.º do CIMV o imposto de mais-valias incidia sobre os ganhos realizados através da transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que fosse o título por que se operasse, quando dela resultassem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valias previstos no artigo 17.º dá Lei n.º 2 030, de 22 de Junho de 1948, ou no ártigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 616, de 10 de Máio de 1958, e que ná o tivessem á náturezá de rendimentos tributá veis em contribuiçá o industriál.


40- Dispunha por sua vez o nº 2 do mesmo normátivo que erám «havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo., O que não se aplica in casu!


41- Já o regime do árt. 10.º n.º 1 Codigo do IRS, na sua redação original, classificou como rendimentos dá categoria G os ganhos obtidos que, não o sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, resultassem de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.


42- Porém, o regime transitório da categoria G, previsto pelo árt. 5.º n.º 1 do DL. 442ª/88 de 30.11, veio estábelecer que “os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código”.


43- Como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.12.2006, acima citado, «o que se pretendeu com a mudança de regime de tributação operada a partir de 1989 foi tributar em IRS, categoria G, todas as transmissões onerosas sobre imóveis; todavia, para evitar efeitos retroactivos, estabeleceu-se que para essas transmissões serem tributadas era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com excepção daqueles que já eram antes tributados por força do CIMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do Código do IRS».


44- Ora, como resulta largamente demonstrado, o prédio em questão era, à data da entrada em vigor do Código do IRS, um prédio urbano composto por uma moradia e um logradouro com uma extensa área tendo sido adquirido, também nessa qualidade, antes da vigência do referido diploma legal.


45- No caso em apreço, não foi em momento algum demonstrado que o terreno em causa estivesse integrado em zona urbanizada ou compreendida em plano de urbanização, pelo que a qualificação de terreno para construção, para efeito do Imposto de Mais-valias, só poderia advir de declaração como consta no «título aquisitivo» e nada da Escritura de Compra e Venda a favor do Autor em 1987.


46- Este «título aquisitivo» era o título através do qual o transmitente do terreno, que era o sujeito passivo do Imposto de Mais-valias, o adquiriu e não o título através do qual o transmitiu, pois este, na mesma terminologia, teria, decerto, a designação de «título transmissivo» ou «título translativo».


47- No caso em apreço, não se demonstrou que no título áquisitivo do terreno em causa tivesse sido declarado que a aquisição do terreno tinha em vista a construção, pelo que os ganhos obtidos com transmissão o do prédio em causa não estavam sujeitos a Imposto de Mais-valias.


48- Assim, para que a transmissão do terreno referida nos autos fosse tributada em sede de IRS, era necessário que, antes da data da entrada em vigor do CIRS, que ocorreu em 1-1-1989, o terreno em causa fosse qualificado como terreno para construção o, pois só a valorização de terrenos com esta qualificação era tributada em sede de Imposto de Mais-valias. Não valem, neste contexto as meras suposições, que são nulas por não se encontrarem sustentadas em qualquer documento.


49- O Ora, a aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103.º, n.º 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/90, de 20-6-1990, processo n.º 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 2ª7.), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias.


50- No caso em apreço, o terreno em causa foi adquirido como prédio urbano, composto por uma casa, e assim se manteve até à data da entrada em vigor do CIRS, pelo que é de concluir que, em face do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, os ganhos obtidos com a sua transmissão se inserem no âmbito de incidência do IRS.


51- Assim sendo, haverá de se concluir que os ganhos resultantes da respetiva venda estão isentos por estarem abrangidos no regime transitório previsto no art.º 5º nº 1 do Decreto-lei nº 442-A/88 (redácçá o do Decreto-lei nº 141/92 de 17/6).


52- Sendo certo que, o pagamento de mais valias que o Autor acabou por ser obrigado a pagar, no montante total de €654.088,97, quando a quantia exequenda era de apenas €360.735,58 foi feita pela sua mulher L …………… (que nem à data de aquisição em 1987, nem à data da venda, em 2004 era com o Autor casada, traduzem um enriquecimento sem causa.


53- Em regra, os vícios que afetam os atos administrativos tributários são suscetíveis de determinar a sua anulabilidade, mas no caso concreto estamos perante uma nulidade.


54- Nos termos do disposto nos ártigos 133.º n.ºs 1 e 2 álí neá d) e 135.º do Código de Procedimento Administrativo, na redação em vigor à data dos factos, são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeádámente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental.


55- Dúvidas não existem, e que se apela a este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul que aprecie, que face a tudo o que supra vai exposto, que estamos perante um acto nulo que ofendeu o conteúdo essenciál de um direito fundamental, à propriedade de um imóvel dos aqui Autores que foi vendido para fazer face à quantia exequenda, ilegalmente, determinada, uma vez que, o Recorrente estává isento de pagamento de mais valias.


56- Neste sentido tem decidido o STA, de formá reiterádá, v.g. o Acórdão datado de 28/05/2008 proferido no processo n.º 0176/08: «IV – Apenas os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental são nulos.


57- Também no processo n.º 0611/11 o STA se pronunciou no mesmo sentido, por Acórdão de 06/06/2012: «A jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Administrativo vem sustentando que nem todos os actos que ferem princípios constitucionais são nulos, mas apenas aqueles que contendem com o núcleo duro de princípios fundamentais (v., entre outros, os acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 16.12.2010, recurso 396/10 e de 22/6/05, no recurso n.º 1259/04, da secção de Contencioso Tributário de 23.11.2005, recurso 612/05, e de 28.01.2004, recurso 1709/03, e ainda os acórdãos da secção de Contencioso Administrativo de 30.1.2011, recurso 673/10 e de 19.04.2007, recurso 809/06, todos in www.dgsi.pt ).»


58- O conteúdo essencial será violado sempre que esteja em causa a caracterização do núcleo de valores que na Constituição se visou consagrar como o direito fundamental em causa, «a violação do “conteúdo essencial de um direito fundamental” só gera a nulidade do acto administrativo e, consequentemente, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo, quando, em consequência do acto administrativo em causa, seja afectado o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir enquanto tal (cfr., o ac. do TCAN de 8.01.2016, proc. n.º 1665/10)» (cf. Aco rdá o deste TCAS proferido no processo n.º 2278/19.7BÉLSB em 21/01/2021).


59- Citándo o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousá (in CPPT ánotádo, Areás Éditorá, 6ª Édiçá o, volume II, pá g 330): «A liquidação ilegal de qualquer imposto acarreta uma ofensa do direito de propriedade, que é um dos direitos fundamentais.


60- Razão pela qual, deverá á presente acção ser admitida por se tratar de uma ofensa de um direito fundamental para efeitos do disposto no nº3 do ártigo 102.º do CPPT, fazendo assim V.Éx.á á HABITUAL JUSTIÇA! “



*




Notificada, a Recorrida não apresentou resposta às alegações.

*
Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
*
Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.
*
II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT).
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se a decisão recorrida ao indeferir liminarmente a impugnação judicial por intempestividade, incorreu em erro de julgamento, relativamente à interpretação do nº 3 do artigo 102º do CPPT ao não considerar que a ilegalidade invocada era geradora de nulidade.
*

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A decisão recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:
A. No âmbito do procedimento inspetivo levado a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da Ordem de Serviço com o n.º OI200804691, referente ao Impugnante F …………………….. e ao respetivo IRS de 2004, foi efetuada uma correção consubstanciada na alteração do rendimento tributável, acrescendo ao valor declarado o montante de €794.149,31, resultante de ganhos de mais-valias, por se ter considerado que a alienação do prédio com o artigo ………….., da freguesia ……………. – A………………, ocorrida em 10/08/2004, não estava abrangida pela exclusão de tributação prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, pelo que, estando em causa um terreno para construção, os ganhos obtidos com a respetiva alienação estavam sujeitos a tributação nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS (cfr. Documento n.º 16 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
B. Em concretização da correção a que se fez referência na alínea anterior, foi emitida a liquidação de IRS referente ao exercício de 2004, em dezembro de 2008, com o n.º ……………..107, no valor de €361.725,68, bem como a compensação com o n.º ………………128 (cfr. Documento n.º 17 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais);
C. A liquidação mencionada na alínea antecedente foi notificada aos Impugnantes, por via postal simples, no dia 18/12/2008 (cfr. Documento n.º 18 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
D. A presente ação foi deduzida junto deste Tribunal Tributário de Lisboa em 06/11/2024 (cfr. comprovativo de entrega via SITAF de fls. 1 a 4 do SITAF)”
*
Relativamente aos factos considerados não provados, o Tribunal recorrido disse o seguinte:
“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão a proferir”.
*

Na motivação da decisão o Tribunal a quo consignou o seguinte:
“A fixação da matéria de facto teve por base os documentos juntos aos autos pelos Impugnantes, como melhor exposto nos vários pontos do probatório”.

*

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Analisadas as conclusões de recurso, constatamos que o recorrente centra todo seu inconformismo com a decisão recorrida pelo facto de entender que a ação era intempestiva, errando na interpretação do artigo 102º nº 3 do CPPT donde decorre que, sendo o ato nulo, a impugnação pode ser deduzida a todo tempo.
Sublinha que a AT andou mal na liquidação do IRS aqui em causa pois adquiriu o prédio vendido em 2004, o qual havia sido adquirido em 1987 como prédio para habitação com um extenso logradouro, tendo sido esse o prédio que vendeu, não tendo transmitido qualquer terreno para construção, por essa razão, depois de notificado em 2008 para alterar a declaração de rendimentos de 2004, entendeu que não o deveria fazer na medida em que estava isento de mais valias por força do regime transitório a que se refere o artigo 5º do DL 442-A/88 de 30.11, não tendo de declarar nenhum ganho, tendo, no entanto, enviado cópia da escritura da aquisição do imóvel em 1987 donde decorria, também, que em causa não estava nenhum terreno para construção.
Acrescenta que não podia sofrer danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes decorrentes da correção da liquidação de 2004 que é nula por não ser devido imposto.
Aduz também que, a presente impugnação não é o seu primeiro de reação contra a liquidação, tendo deduzido oposição ao processo de execução que foi instaurado em fevereiro de 2009 para a cobrança coerciva de 369.759,39 EUR (Processo nº 437/10.7BESNT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra), reafirmando que não existem mais valias, sendo nula a liquidação e todos atos posteriores.
Reafirma que à data da entrada em vigor do CIRS o imóvel que transmitiu, que adquirira em 1987, composto por moradia e logradouro, não estava em zona de urbanizável ou em plano de urbanização, não sendo terreno para construção, não decorrendo do título de aquisição (escritura pública datada de 1987) essa qualificação.
Defende que não pode haver enriquecimento sem causa pelo Estado com a liquidação em causa, sustentando que, embora o regime da ilegalidade dos atos seja a anulabilidade, na situação colocada a ilegalidade reveste carácter de nulidade por afrontar o conteúdo essencial do direito (fundamental) de propriedade, devendo, por isso, ser apreciada a impugnação judicial à luz do artigo 102º nº 3 do CPPT.
Apreciando.
Consultando os autos e factos considerados provado, os quais não foram postos em causa, por isso estão estabilizados, dali decorre que:
- A recorrente vendeu um imóvel em 2004, e, por não ter declarado aquela transmissão, nomeadamente a mais-valia que a AT entendia devida, foi notificada em 23.07.2008 para a sua apresentação, corrigindo a declaração modelo 3 relativa aos rendimentos de 2004;
- A recorrente entendeu que nada havia a corrigir tendo remetido a escritura de aquisição de 1987;
- A AT efetuou uma liquidação adicional de IRS de 2004, considerando a existência de um ganho/mais valia decorrente da transmissão do imóvel da recorrente;
- A liquidação de IRS foi notificada em 18.12.2008 e a impugnação judicial deduzida em novembro de 2024.
- Em 05.02.2009 foi instaurado processo de execução fiscal para cobrança coerciva do IRS de 2004, tendo a recorrente deduzido oposição à execução fiscal.

Ora, tal como se observa pelas alegações e conclusões de recurso, e o salienta a decisão recorrida, a presente impugnação judicial foi deduzida apoiando-se em erro nos pressupostos de facto e legais em que se esteou a AT para a sua emissão, desde logo porque a recorrente defende que estava isenta atenta a data da compra do imóvel (em 1987) que foi transmitido em 2004, o qual era composto por moradia e um extenso logradouro, sem se tratar sequer de um terreno para construção. Por assim ser, atenta a data de aquisição, e o disposto no artigo 5º do regime transitório dos rendimentos da categoria G a que alude o DL 442-A/88 de 30.11, onde se enquadra, no seu entender, a sua situação, o imposto não era devido. Além de que, sublinha, o CIRS apenas entrou em vigor em 1989 e em causa não estava um terreno para construção.
O Tribunal considerou que, diante das causas de pedir apresentadas, as mesmas eram geradoras de anulabilidade e não de nulidade, pelo que, ao deduzir a presente impugnação volvidos cerca de 16 anos após a notificação da liquidação, a impugnação judicial há vários anos ultrapassara o prazo legal para ser apresentada, tendo indeferido liminarmente a mesma por caducidade do direito de ação.
E, é contra o assim decidido que se insurge a recorrente sem questionar que fora notificada em 2008 e só em 2024 deduziu impugnação, não contestando que a mesma estaria fora de tempo se as ilegalidades assacadas fossem de mera anulabilidade, mas, no seu entender, o sentenciado errou ao não conhecer a impugnação quando em causa estava a nulidade da liquidação e, à luz do nº 3 do artigo 102º do CPPT, deveria ser admitida para ser conhecida.
Portanto, tudo passa por saber se, efetivamente, as causas em que se apoiou a recorrente são geradoras de nulidade, estando, portanto, a mesma em tempo de deduzir impugnação, ou, se, tal como disse a decisão recorrida, a mesma é extemporânea por se ancorar em vícios geradores de anulabilidade.
Este é, efetivamente, o pomo da discórdia com o sentenciado em 1ª instância.
Para a recorrente a liquidação, como o ataque que lhe desfere e enuncia neste recurso, é nula por não ser devida, pondo em causa o direito de propriedade consagrado constitucionalmente, por isso merecia ser conhecida.
Para concluir pela intempestividade, o Tribunal, depois de elencar os prazos para deduzir impugnação judicial (desde logo o artigo 140º do CIRS e artigo 102º do CPPT) e escalpelizar o regime das ilegalidades geradoras de nulidade e anulabilidade, conclui que as causas de pedir eram geradoras de anulabilidade e por isso a ação impugnatória estava manifestamente fora de tempo. Esclareceu, ao mesmo passo, que nenhum vício de nulidade tinha sido levado à apreciação do tribunal enquanto vício que contaminasse a liquidação, por isso a sorte da mesma teria de ser, como foi, o seu indeferimento liminar por ter sido deduzida cerca de 16 anos após a sua notificação, em desconformidade com o prazo previsto no artigo 102º do CPPT.
Para assim concluir, o Tribunal recorrido, louvando-se em pertinente e ajustada jurisprudência deste TCAS e do STA, traçou o seguinte discurso fundamentador:
“(…) Resultava, assim, das normas acabadas de citar que a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação de IRS teria de ser deduzida no prazo de 90 dias, contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (cfr. artigos 140.º n.º 1 do CIRS e 102.º n.º 1 do CPPT), salvo nas situações em que as causas de pedir se reconduzissem à nulidade do ato impugnado (cfr. n.º 3 do artigo 102.º do CPPT).
Tal prazo tem natureza substantiva, de caducidade e é perentório, contando-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, por força da remissão efetuada pelo n.º 1 do artigo 20.º do CPPT.
Ora, em face do exposto e tendo presente a factualidade dada como provada, desde logo se conclui que o prazo de 90 dias contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação se encontra largamente ultrapassado, visto que os Impugnantes foram notificados de tal ato em 18/12/2008, tendo deduzido a presente ação apenas em 06/11/2024, ou seja, quase dezasseis anos depois.
É verdade que os Impugnantes vêm invocar que a liquidação em causa padece de nulidade, trazendo à colação o disposto no n.º 3 do artigo 102.º do CPPT, de acordo com o qual, se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
Contudo, para a aplicação do regime constante desta norma legal, necessário será verificar se os vícios invocados cominam o ato impugnado de nulidade e não de mera anulabilidade, não sendo suficiente a formulação de um pedido de declaração de nulidade do ato impugnado para que o direito de ação possa ser exercido a todo o tempo.
Com efeito, ainda que os Impugnantes tenham configurado os vícios que alegam como geradores de nulidade, tal configuração não vincula o julgador (cfr. n.º 3 do artigo 5.º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT).
Ora, de acordo com o preceituado no, então vigente, artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aplicável por força do disposto na alínea c) do artigo 2.º do CPPT,
“1 - São nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2 - São, designadamente, atos nulos:
a) Os atos viciados de usurpação de poder;
b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º em que o seu autor se integre;
c) Os atos cujo objeto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;
e) Os atos praticados sob coação;
f) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;
g) As deliberações de órgãos colegiais que forem tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quórum ou da maioria legalmente exigidos;
h) Os atos que ofendam os casos julgados;
i) Os atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente.”.
Por sua vez, e no que se refere aos “Atos anuláveis e regime da anulabilidade”, dispunha o artigo 135.º do CPA que “São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.”.
Decorre, assim, dos normativos citados que, em regra, os vícios dos atos administrativos implicam a sua mera anulabilidade, só ocorrendo nulidade quando a lei expressamente o determine, ou quando se verifiquem, designadamente, as circunstâncias referidas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, na versão vigente à data dos factos (a que corresponde o atual n.º 2 do artigo 161.º do CPA), nomeadamente quando ocorra ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
Ora, a este propósito, torna-se pertinente trazer à colação o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo com o n.º 472/23.5BEALM, em 27/06/2024 (disponível in www.dgsi.pt), nos seguintes termos:
“(…) De sublinhar, para o efeito, que não é qualquer ofensa de um direito fundamental que comina o ato de nulidade, mas, tão-só, as ofensas do seu conteúdo essencial, sendo que tal situação apenas sucederá quando perante ela o direito fundamental afetado fique sem expressão prática apreciável, o que não é, necessariamente, o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários (4-Neste sentido, vide Aresto do STA, proferido no processo nº 0924/16, datado de 03.05.2016.)(negritos nossos).
Assim e vertendo a nossa atenção para o caso dos presentes autos, compulsado o teor da petição inicial, verifica-se que as alegações dos Impugnantes se fundamentam em vícios que, a proceder, conduziriam à mera anulabilidade do ato tributário impugnado.
Com efeito, o que vem invocado subsume-se a uma errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, mais concretamente, a consideração de factos que alegadamente não correspondem à realidade e que terão conduzido a uma errada classificação do prédio em questão e, consequentemente, a uma errada e ilegal ponderação da aplicação (ou não) do regime de exclusão de tributação em sede de IRS, previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, concluindo os Impugnantes pela inexistência do facto tributário.
Ora, tal causa de pedir não tem a virtualidade de gerar a nulidade do ato de liquidação impugnado, porquanto não estamos perante uma liquidação de IRS a que se impute a falta de algum dos seus elementos essenciais, nem perante ofensa de um direito fundamental para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 102.º do CPPT.
Decidiu-se assim no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, a que antes fizemos referência e ao qual aderimos, que versou sobre um caso idêntico ao que aqui está em causa:
“(…) inexistindo os pressupostos de facto para a concreta subsunção normativa que legitima o facto tributário, tal apenas permite configurar um vício de violação de lei, cominado com a anulabilidade. Com efeito, se não tiver ocorrido a factualidade típica prevista na lei como fonte da obrigação do imposto, a legalidade do ato de liquidação fica inquinada por inexistência de facto tributário, corrompendo e coartando a atividade da AT por manifesta violação do princípio da legalidade tributária sendo, no entanto, os atos meramente anuláveis.
Neste concreto particular, atente-se no expendido no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0231/13, de 26 de junho de 2013 do qual se extrata, designadamente, o seguinte: “[o]s atos que enfermem de vício para que esteja prevista a sanção da nulidade podem ser impugnados a todo o tempo, como resulta do preceituado no art. 102.º, n.º 3, do CPPT (O art. 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, estipula: «Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo».), em consonância com o disposto no art. 134.º, n.º 2, do CPA (O art. 134.º, n.º 2, do CPA, diz: «A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal».) e no art. 58.º, n.º 1, do CPTA (O art. 58.º, n.º 1, do CPTA, dispõe: «A impugnação de atos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo».).
No entanto, o invocado vício de inexistência de facto tributário não tem como consequência a nulidade do ato, mas a mera anulabilidade.”
Densificando, depois, o aludido Aresto mediante convocação de diversa Jurisprudência que reputa aplicável ao caso vertente, que: “Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar unânime e repetidamente, por regra os vícios dos atos tributários são fundamento da sua anulabilidade, só implicando a sua nulidade quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do ato ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade (arts. 133.º e 135.º do CPA) (Neste sentido, entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Março de 2011, proferido no processo n.º 749/10 (…);
- de 25 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 91/11 (…);
- de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 63/11 (…);
- de 2 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 158/11(…);.
Vide MÁRIO DE AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, pág. 247, que afirmam: «a nulidade constitui o regime de exceção, ao passo que a anulabilidade é o regime regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.º do CPA, segundo o qual são anuláveis os “atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”».). (…)” (negritos e sublinhados nossos).
É certo que os Impugnantes vêm, também e em decorrência do alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos, invocar que o ato de liquidação de IRS em causa ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, a saber, o direito de propriedade, baseando-se na necessidade que a Impugnante terá tido de vender um imóvel para fazer face à quantia exequenda, apurada no ato de liquidação de IRS em causa.
Contudo, não lhes assiste razão, devendo entender-se que ofendem um direito fundamental os atos que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e não aqueles que contendem apenas com o princípio da legalidade, como sucede no caso dos autos.
Como decorre do anteriormente exposto, nos termos do n.º 1 e da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, são nulos os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, nomeadamente os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo entendimento, reiterado e uniforme, do Supremo Tribunal Administrativo, que o ato de liquidação praticado apesar da (alegada) inexistência de facto tributário é meramente anulável, na medida em que não viola o conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, mas apenas o princípio da legalidade tributária.
O vício imputado pelos Impugnantes ao ato tributário impugnado não integra senão o vício de erro sobre os pressupostos por errada interpretação e/ou aplicação das normas de incidência.
Estamos, assim, perante a alegação de vício gerador de mera anulabilidade, não sendo, consequentemente, aplicável ao caso sub judice o disposto no n.º 3 do artigo 102.º do CPPT (vide Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos processos nºs 02464/19, de 22 de junho de 2022; 0975/16, de 31 de maio de 2017; 886/07, de 13 de fevereiro de 2008 e 387/11, de 14 de setembro de 2011, bem como do Tribunal Central Administrativo Sul, com os n.ºs 143/22, de 13 de julho de 2023 e 2464/19, de 24 de março de 2022, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Com base no exposto e tendo por base a Jurisprudência supracitada, à qual aderimos, é de concluir, reitere-se, que o vício invocado pelos Impugnantes se configura como um eventual erro sobre os pressupostos de facto e de direito, vício este que é cominado com a mera anulabilidade e não com a nulidade.
Ainda no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que aqui seguimos de perto e no qual foi também invocada a violação do direito de propriedade, na parte referente a uma hipotética aplicação do disposto nas alíneas k) e l) do atual artigo 161.º do CPA (apesar de o mesmo não ser aqui aplicável), decidiu-se nos seguintes termos:
“É certo que o artigo 161.º, n.º 1, alínea k), do CPA, convoca “os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”, mas é, igualmente, certo que a situação fática dos autos não é passível de subsunção na visada alínea, porquanto a mesma visa, tão-só, salvaguardar, designadamente do ponto de vista tributário, que os atos de liquidação tenham base legal, ou seja, tem como pressuposto necessário a respetiva base legal impositiva (5-Vide, neste sentido, designadamente, Fausto de Quadros Comentários à revisão do Código do Procedimento Administrativo, Almedina, Coimbra, 2016, página 324.).
No mesmo sentido se inferirá no atinente à alínea l), a qual visa abranger os casos de ausência total de forma, quer do ato, quer do respetivo procedimento, o que não é, de todo, passível de qualquer confusão conceptual com eventuais ilegalidades que afetem o ato tributário, como in casu (6-Vide, designadamente, Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 418/20, de 15.09.2022.).
De chamar, outrossim, à colação o expendido no Acórdão do STA, prolatado no processo nº 0781/16, de 10 de março de 2021, que se transcreve na parte que se reputa de relevante para o caso vertente: “O ato não é nulo por estarem errados os seus fundamentos de facto ou de direito. O ato é nulo, à luz do quadro legal citado, quando lhe falte algum dos seus elementos essenciais ou nas situações em que o próprio legislador de forma expressa deixe decretada tal nulidade.
Como nos ensina há muito a doutrina que o Exmo. Procurador convocou no seu parecer, “A sanção geral da invalidade do ato administrativo desconforme com o ordenamento jurídico, por ofensa ou dos princípios gerais de direito ou de normas jurídicas escritas constitucionais, comunitárias, legais ou regulamentares, ou, ainda, por ofensa de vinculações derivadas de ato jurídico ou contrato administrativo anterior é a da anulabilidade.
Compreende-se a regra: ela decorre dos tópicos caracterizadores da posição da Administração e do modelo de relação que se estabelece entre ela e os cidadãos nos sistemas ditos de administração executiva. Contraria tal modelo um regime regra de nulidade, que implica a improdutividade automática imediata do ato administrativo — correspondendo, por isso, a um enfraquecimento da posição da Administração, que não poderia executar o ato nem pretender que os seus destinatários lhe obedeçam. Considera-se, então, mais ajustado, num sistema como o nosso, o princípio de que os atos ilegais são anuláveis, permitindo a eficácia (provisória, pelo menos) do ato e impondo ao interessado o ónus de pôr em movimento o sistema de garantias para fazer valer essa invalidade”. (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo, 2ª Edição, pág. 565)
Ora, contrariamente ao que afirma o Recorrente, não está em causa nenhum ato criador de um imposto legalmente não previsto. Está em causa um ato praticado pela Administração Tributária, a impor ao Recorrente o pagamento de um determinado valor, com fundamento num imposto criado por lei (Imposto de Selo, vigente no ordenamento jurídico desde a entrada em vigor da Lei 150/99, de 11 de setembro), na interpretação que fez dos factos que apurou e na conclusão que extraiu de que esse pagamento era exigível.
E, nessa medida, é indiscutível que estamos perante um ato que, se eivado de erro sobre os pressupostos de facto (ou de direito), pode e deve ser anulado.”
Face ao exposto, a alegada inexistência do facto tributário não permite a dedução da ação de impugnação judicial a todo o tempo, improcedendo, nessa medida, a aludida argumentação. (…)” (negritos e sublinhados nossos).
Destarte e sem necessidade de mais delongas, conclui-se, na esteira da Jurisprudência dos Tribunais Superiores supracitada, que os vícios que vêm assacados pelos Impugnantes à liquidação de IRS do ano de 2004, aqui impugnada, não são geradores de nulidade (designadamente ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, na redação vigente à data dos factos), mas sim de mera anulabilidade, sendo, por isso, de aplicar o disposto no n.º 1 do artigo 102.º do CPPT e não o n.º 3 deste mesmo artigo.
Refira-se, ainda, relativamente à alegação aduzida pelos Impugnantes no sentido de a Impugnante Luísa Alves não ser parte legítima no processo de execução fiscal, que a mesma não constitui fundamento de impugnação judicial, por não contender com a (i)legalidade do ato de liquidação, mas antes com a exigibilidade da dívida.
Assim, porque a impugnação judicial daquele ato de liquidação de IRS não podia ser apresentada a todo o tempo, mas apenas no prazo de 90 dias subsequentes aos 30 dias seguintes à respetiva notificação, não pode senão decidir-se pela caducidade do direito de ação desta impugnação, deduzida em 2024, relativamente a uma liquidação de IRS notificada aos Impugnantes em 2008.
Como explicitado, designadamente, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo com o n.º 02526/15.2BELRS, em 02/12/2020 (disponível in www.dgsi.pt) , “O prazo fixado para a dedução da ação, porque aparece como extintivo do respetivo direito (subjetivo) potestativo de pedir judicialmente o reconhecimento de uma certa pretensão, é um prazo de caducidade. E a caducidade do direito de ação é de conhecimento oficioso, porque estabelecida em matéria (prazos para o exercício do direito de sindicar judicialmente a legalidade do ato tributário) que se encontra excluída da disponibilidade das partes (cfr. artº.333, do C.Civil). É, pois, um pressuposto processual negativo, em rigor, uma exceção perentória que, nos termos do artº.576, nº.3, do C.P.Civil, consiste na ocorrência de factos que impedem o efeito jurídico dos articulados pelo autor, assim sobrevindo o não conhecimento "de meritis" e a consequente absolvição oficiosa do pedido.” (negritos nossos).
Assim, constituindo, aqui, a caducidade do direito de ação uma exceção perentória, a respetiva verificação implica a absolvição do pedido quando conhecida em fase não inicial do processo (cfr. n.º 3 do artigo 576.º e 579.º, ambos do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT).
Contudo, no presente caso, encontrando-se os autos na fase de admissão liminar, a instância não foi, ainda, constituída, dado que a Fazenda Pública não foi citada para os termos da ação (cfr. n.º 2 do artigo 259.º do CPC), determinando, a verificação da referida exceção, o indeferimento liminar da petição inicial apresentada, como adiante se determinará”.
A decisão recorrida é acertada, não merecendo o ataque que lhe é desferido.
Na verdade, tal como da mesma se colhe de modo cristalino e sólido, por se ancorar em jurisprudência irrefutável, pese embora a recorrente advogue que podia a todo tempo deduzir impugnação judicial por entender que a liquidação é nula, certo é que, não basta alegar que existe nulidade, importa é que dos vícios assacados os mesmos configurem uma nulidade. E, não é essa a situação trazida. As ilegalidades assacadas, como bem anota a decisão recorrida, prendem-se com erro nos pressupostos de facto e legais e, embora a recorrente entenda que a mesma é nula por afrontar o direito de propriedade, a verdade é que não está em causa nenhuma violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, mas a alegada violação da legalidade tributária.
O ato que o Recorrente sustenta que é nulo, decorre do entendimento de que o mesmo está inquinado na sua formação por partir de pressupostos de facto e legais errados, existindo isenção de tributação face ao DL 442-A/88 de 30.11, à entrada em vigor do CIRS após a aquisição do imóvel transmitido, por isso estes vícios a existirem contaminam o ato com anulabilidade e não nulidade, não atentando contra o seu direito de propriedade mas contra os princípios informadores, a existir, da atividade e legalidade tributária, sendo que, para reagir contra o mesmo a lei estabelece prazos e meios graciosos e judiciais de reação, em prol de uma tutela jurisdicional efetiva, sendo que a sua ultrapassagem, como in casu, não pode ser reaberta por entender a recorrente que o vício que imputa (erro nos pressupostos de facto e legais) configura nulidade do ato por atentar contra o seu direito de propriedade.
Os atos que ofendem um direito fundamental serão aqueles que contendem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e não aqueles que contendem apenas com o princípio da legalidade, como sucede no caso dos autos.
O ato de liquidação praticado, apesar da sua inexistência de facto, e/ou apesar do erro nos seus pressupostos de facto e legais, é meramente anulável, na medida em que não viola o conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada, mas apenas o princípio da legalidade tributária.
Tal como vem sendo afirmado, quer neste TCAS quer pelo STA, “O vício imputado pelo ora Recorrente ao acto tributário impugnado não integra senão o vício de erro sobre os pressupostos de direito por errada interpretação ou aplicação das normas de incidência. Estamos, pois, claramente perante a alegação de vício gerador de mera anulabilidade, não sendo, consequentemente, aplicável ao caso sub judice o disposto no art. 102.º, n.º 3, do CPPT ou o n.º 3 do art. 58.º do CPTA”- Vd. acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 02464/19, de 22 de junho de 2022, 0975/16, de 31 de maio de 2017, 886/07, de 13 de fevereiro de 2008, 387/11, de 14 de setembro de 2011 e deste TCAS, 472/23.5BEALM, em 27/06/2024, 143/22, de 13 de julho de 2023 e 2464/19, de 24 de março de 2022.
Por outro lado, tal como sublinhado pelo acórdão deste TCAS de 27.06.2024, tirado do processo nº 472/23.5BEALM, que acompanhou o sentenciado, e em que nos revemos inteiramente, “… não é qualquer ofensa de um direito fundamental que comina o ato de nulidade, mas, tão-só, as ofensas do seu conteúdo essencial, sendo que tal situação apenas sucederá quando perante ela o direito fundamental afetado fique sem expressão prática apreciável, o que não é, necessariamente, o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários (4-Neste sentido, vide Aresto do STA, proferido no processo nº 0924/16, datado de 03.05.2016.)”.
A este respeito, ensina a Jurisprudência tirada no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16.12.2010, processo 0396/10, que acompanhamos, a respeito da questão da possível ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, o seguinte:
“(…) Certo é ainda que mesmo nos casos de actos que apliquem normas inconstitucionais, o correspondente vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito gera mera anulabilidade, salvo se ocorrer ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental - alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA, o que não sucede no caso do princípio da legalidade, da protecção da boa fé ou do direito à propriedade privada que não é absoluto ou ilimitado, como repetidamente o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar - cfr. jurisprudência firme e reiterada deste STA nos acórdãos de 30/01/01, 15/01/03, 25/05/04, 16/11/05, 10/01/07, 5/07/07 e 7/05/08, nos processos n.ºs 26.392, 1629/02, 208/04, 1108/03 (Plenário), 736/05, 496/06, 479/06 (Pleno) e 1034/07, respectivamente.
De facto, as imposições tributárias não podem ser vistas como restrições ao direito de propriedade mas antes como limites implícitos deste direito, “consubstanciando uma agressão da esfera patrimonial dos contribuintes em termos limitados” (acórdão do Plenário acima citado), ainda que se considere o direito de propriedade como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias.
A este propósito escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República, em anotação ao artigo 62.° -“o direito de propriedade a que se refere a rubrica do artigo parece consistir, pois e apenas, na garantia do direito à propriedade, isto é, no direito de não ser expropriado ou esbulhado pelo Estado ou por terceiros, salvo por utilidade pública e mediante indemnização. O direito à propriedade que a Constituição garante está assim longe do conceito amplo do direito de propriedade que inclui tradicionalmente não só o direito de não ser expropriado do título ou posse, mas também à liberdade de uso, de fruição, de disposição, sem limites ou intromissões de terceiros e, desde logo, do Estado.
Não existem razões para seguir agora entendimento diferente daquele que tem vindo a ser seguido com uniformidade por este Tribunal. (…)”
De resto, tal como frisa JORGE LOPES DE SOUSA: “nem todas as liquidações ilegais se podem considerar feridas de nulidade, já que a lei expressamente prevê para elas a sanção da anulabilidade, como se depreende do facto de prever um prazo para a sua impugnação (art. 102º deste Código). Não é qualquer ofensa de um direito fundamental que a alínea d) do nº 2 do art. 133º do Código do Procedimento Administrativo, mas apenas as ofensas do seu conteúdo essencial. Uma ofensa deste tipo só ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afectado fique sem expressão prática apreciável, o que não é o caso de uma liquidação ilegal, que apenas atinge limitadamente o direito de propriedade dos seus destinatários. Por outro lado, entre as violações possíveis de direitos por normas tributárias, a sanção mais grave da nulidade, por razões de proporcionalidade, terá de ser reservada para os actos que representam mais graves violações dos direitos tributários” - In, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”, volume I, 5ª ed., anotação 7ª ao art. 124º, pags. 881/882.
Regressando de novo à situação que nos ocupa, considerando a jurisprudência e doutrina que fomos citando, bem como na vertida na decisão recorrida, assuma concluir que, de facto, andou bem o Tribunal a quo ao concluir que as ilegalidades apontadas ao ato não se podiam enquadrar no artigo 102º nº 3 do CPPT, por isso não podiam ser alegadas a todo tempo, não configurando a apregoada nulidade, mas vícios geradores de anulabilidade da liquidação, pelo que, ao ter deduzido impugnação cerca de 16 anos após a notificação da liquidação, a ação impugnatória foi, efetivamente, deduzida fora de tempo, o que, na fase processual dos autos importou o seu indeferimento liminar, o qual será de manter por não merecer a censura desferida, o que determina a improcedência do recurso.
*

No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente por ser parte vencida, mantendo-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça.

*

IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.


*

Lisboa, 15 de julho de 2025

Isabel Silva
(Relatora)
___________________
Ana Cristina Carvalho
(1ª adjunta)
______________
Vital Lopes
(2º adjunto)
________________