Decisão Texto Integral: | M…, nacional do Senegal e identificado como autor nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, que instaurou contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. [AIMA], inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 8.10.2024, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), que julgou improcedente, por não provada, a presente acção, mantendo na ordem jurídica o acto impugnado, em concreto, a decisão do Conselho Directivo da AIMA, I.P., de 16.2.2024, que considerou infundado o pedido de protecção internacional do ora A., e absolveu a entidade demandada do pedido [de condenação a tramitar o pedido de protecção internacional formulado, revogando a decisão impugnada ou, caso assim não se entenda, que seja decretada a protecção subsidiária ao abrigo do artigo 7º da Lei nº 27/08, de 30 de Junho].
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que julgou improcedente a ação administrativa e absolveu a demandada AIMA, julgando, genericamente, que “Na verdade, nem no processo administrativo nem na presente ação são alegados e provados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que o A. tenha sido alvo de ameaças graves ou perseguições ou receio fundamentado de perseguição no país da sua naturalidade/Senegal, nos termos previstos nos citados ns.º 1 e 2 do artigo 3.º da Lei do Asilo.”, Cfr. sentença proferida.
II. Ora, o Senegal passou efetivamente por uma situação de instabilidade política e social até ao presente momento, sendo facto público e notório que ainda há violações inadmissíveis dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos neste País, designadamente, liberdade de expressão, de associação política e direito a manifestações.
III. Estes factos notórios, não poderiam não ser do conhecimento da AIMA, e por essa razão, incumbiria a esta entidade ter instruído oficiosamente o procedimento especial que lhe incumbia decidir, nele fazendo constar informação fidedigna e atualizada sobre o estado político e contexto socioeconómico do País de Origem do aqui Recorrente, recorrendo, para o efeito, a fontes credíveis, obtidas, designadamente, junto do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo do ACNUR e de pertinentes organizações de direitos humanos.
IV. Como resulta evidente no âmbito da presente ação, essa instrução não foi feita, isto é, a AIMA nada averiguou, pelo menos com expressão no procedimento, relativamente à situação política atual do Senegal e contexto que culminou com a saída forçada do Recorrente do seu País de Origem.
V. Sempre se dirá, que essa averiguação não dependia de qualquer alegação do então requerente, aqui Recorrente4 4 Conforme Manual de Procedimentos do ACNUR, ponto 196., “Constitui um princípio geral de direito que o ónus da prova compete à pessoa que submete um pedido. Contudo, é possível que um solicitante não consiga ser capaz de fundamentar as suas declarações em provas documentais ou outros meios. Casos em que o solicitante conseguirá fornecer elementos de prova para todas as suas declarações serão mais a excepção do que a regra. Na maioria dos casos, após fugir de uma perseguição, uma pessoa chega apenas com o indispensável e, muito frequentemente, sem documentos pessoais. Desse modo, apesar de, a princípio, solicitante deter o ónus da prova, o dever de certificar e avaliar todos os fatos relevantes é repartido entre ele e o examinador. De fato, em alguns casos, caberá ao examinador a utilização de todos os meios disponíveis para a produção dos elementos de prova necessários à instrução do pedido. No entanto, nem sempre essa investigação independente terá sucesso e podem existir declarações que não sejam susceptíveis de prova. Em tais casos, se a declaração do requerente parecer crível, deverá ser concedido ao solicitante o benefício da dúvida, a menos que existam boas razões para pensar o contrário..
VI. Ademais, a douta sentença recorrida parece basear-se unicamente no modelo de questionário aplicado pela AIMA, no qual o entrevistado, cidadão estrangeiro e com nenhum ou parco conhecimento das leis e costumes portugueses, se “pretende conhecer na presente data a decisão sobre o seu pedido de proteção internacional?”
VII. Não obstante a resposta que o interessado possa dar a tal questão (apenas Sim ou Não), sempre se dirá que parece visar uma decisão automática, sem a devida instrução do processo, desvirtuando totalmente as responsabilidades da AIMA e do Estado de Português, quanto à averiguação e justa decisão do pedido de proteção.
VIII. Dispõe o ponto 199. do Manual do ACNUR “Ainda que normalmente uma entrevista inicial seja suficiente para revelar a história do solicitante, pode ser necessário que o examinador faça uma entrevista suplementar para esclarecer quaisquer inconsistências aparentes, solucionar quaisquer contradições ou obter explicação para qualquer distorção ou dissimulação dos fatos materiais. Declarações falsas não constituem, por si só, motivo para a recusa da condição de refugiado e é da responsabilidade do examinador avaliar tais declarações à luz de todas as circunstâncias do caso.” (destaque nosso)
IX. Neste sentido, tem de ser exigível, em primeira análise à AIMA e em último reduto aos Tribunais Portugueses a averiguação e conclusão que, naquele caso concreto, o Requerente de Asilo está a ser protegido, e não, a invocação de uma norma que pela sua simples e rápida aplicação, desvirtua um regime que pretende assegurar e acautelar os direitos daqueles que abandonam o seu país por falta de alternativas e com fundado receio de a ele terem de regressar.
X. Efetivamente, “a aplicação da Convenção de Dublin, tal como do atual Regulamento de Dublin III, não dispensa as autoridades de verificar se existem garantias suficientes de que a pessoa não será sujeita a um risco sério de sujeição a tratamentos contrários ao artigo 3º no país de acolhimento, nomeadamente um risco de refoulement, direta ou indiretamente, para o país de origem.”5 5 Cfr. Patrícia Cabral, “Construção de uma Responsabilidade Europeia Além-Fronteiras – O novo Conceito de «falhas sistémicas» no quadro dos critérios de determinação do Estado-Membro responsável pelo tratamento dos pedidos de proteção internacional baseados no artigo 78º do TFUE”, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas Internacionais, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, julho, 2015, pág. 19.. (destaque nosso)
XI. Questões que foram suscitadas no âmbito da presente ação e na situação jurídica controvertida que se encontra na base do pedido formulado pelo Recorrente, não devidamente acauteladas pelo Tribunal a quo.
XII. A sentença proferida pelo Tribunal a quo não se pronunciou sobre todas as questões que devia apreciar, em função da questão material controvertida apresentada pelo Recorrente, tendo apenas decidido em função de uma rápida e precipitada aplicação do regime da retoma a cargo.
XIII. Pelo que, entende o Recorrente que a sentença recorrida deve assim ser revogada, substituindo-se por outra declare a invalidade do ato impugnado, por violação das disposições legais supra melhor identificadas.»
requerendo,
«Nestes termos, e nos demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, em consequência:
a) Ser revogada a sentença recorrida,
b) Ser a Recorrida condenada a tramitar o pedido de proteção internacional formulado em Portugal pelo Autor, revogando-se a decisão proferida pelo Conselho Diretivo da AIMA.
c) Caso assim não se entenda, seja decretada a proteção subsidiária, ao abrigo do art. 7.º da Lei n.º 27/08, de 30.06.».
Notificada para o efeito, a Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), mas com apresentação aos mesmos do projecto de acórdão, o processo vem à Conferência para julgamento.
A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, em suma, em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar a acção improcedente, absolvendo o Recorrido do peticionado.
A matéria de facto relevante é a constante da sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA.
O Recorrente discorda da sentença recorrida por entender que: o tribunal a quo não se pronunciou sobre todas as questões que foram suscitadas no âmbito da presente acção, como seja, o défice instrutório do seu pedido de protecção internacional, porquanto a AIMA, no correspondente procedimento, nada averiguou ou fez constar sobre a situação de instabilidade política e social que o Senegal efectivamente passou, recorrendo a fontes credíveis, sendo que não dependia da sua alegação, enquanto requerente de asilo, para o efeito; o modelo de questionário usado parece visar uma decisão automática, sem a devida instrução do processo, desvirtuando as responsabilidades da AIMA, que deve proteger o requerente de asilo, formulando as perguntas necessárias para esclarecer as declarações prestadas, as circunstâncias do caso, a existência de garantias de que não ficará sujeito a tratamentos desumanos no seu país de origem, em caso de risco de refoulement.
Apesar dos termos em que se expressou, do teor das alegações de recurso resulta que o Recorrente não pretendeu arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre questões que lhe cumpria conhecer, mas tão só imputar-lhe erros de julgamento por o juiz a quo ter desconsiderado (algumas d)as razões, argumentos que expendeu na petição para suportar a sua pretensão.
Lida a petição inicial constata-se que, para além da falta de fundamentação do acto que considerou infundado o pedido de protecção internacional [artigos 14., 20. a 37., 60. a 61.], vem alegado défice de instrução porque o documento “Prestação de Declarações”, peca por escasso, não são formuladas perguntas suficientes para obter as informações relevantes e do procedimento não consta informação sobre o seu país de origem para além de que é um país seguro [artigos 15. a 18., 38. a 52., 58., 59., 62.].
O tribunal recorrido entendeu que a questão que lhe cumpria apreciar e decidir era a de saber se a decisão da AIMA, que considerou o pedido de protecção internacional do A. infundado, é inválida por falta de fundamentação.
E com base nesse pressuposto e na factualidade considerada provada, o tribunal a quo, após efectuar o enquadramento legal e jurisprudencial deste vício formal do acto administrativo, conclui pela sua não verificação por a decisão proferida estar fundamentada por remissão para a Informação/ Proposta nº 18395/CNAR-AIMA/2024 [o que não é posto em causa no recurso].
Após o que elucida o A. de que:
«A decisão administrativa amparou-se nas alíneas e) e f) do artigo 19.º da Lei de Asilo, para fundamentar a tramitação acelerada a que sujeitou o pedido do requerente/A.
Ou seja, com base numa apreciação sumária, considerou-se desde logo como infundado o pedido.
O que implicou não se passar para a fase de apreciação do pedido nos termos previstos no artigo 18.º da Lei de Asilo.»
E prossegue:
«Do pedido de proteção internacional tendo em vista a concessão de asilo
As declarações prestadas pelo A. perante o CNAR – AIMA constituem o ponto de partida da análise que irá ser efetuada do pedido de proteção formulado.
Ora, compulsadas as declarações prestadas pelo A., constata-se que quando questionado Por que motivo está a solicitar proteção internacional?, o A. respondeu que (…) tinha um negócio no Senegal, o negócio faliu e o empréstimo que tinha foi cobrado, não tendo como pagar teve de fugir do cidadão que lhe emprestou o dinheiro, tendo em seguida concretizado que foram Motivos socioeconómicos (procura de melhores condições de vida, etc.) e Zangas na comunidade (com vizinhos, com familiares, etc.), que o determinaram a sair do Senegal (o que, de resto, é congruente com a primeira resposta).
Depois, quando questionado se Deseja acrescentar alguma outra informação, que seja relevante para a apreciação do seu pedido de proteção internacional?, o A. limitou-se a alegar/argumentar que Gostava de permanecer em Portugal para terminar a sua formação (construção civil] e posterior mente voltar para o Senegal, nada mais tendo acrescentado e/ou requerido.
Donde, das declarações do A. não resulta que foi ou é objeto de (perseguição ou de grave ameaça de perseguição) em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou (de que possui fundado receio de ser perseguida) em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social, tal como é exigido nos ns.º 1 e 2 do artigo 3.º da Lei do Asilo para poder beneficiar de proteção internacional.
Na verdade, nem no processo administrativo nem na presente ação são alegados e provados quaisquer factos concretos donde se possa inferir que o A. tenha sido alvo de ameaças graves ou perseguições ou receio fundamentado de perseguição no país da sua naturalidade/Senegal, nos termos previstos nos citados ns.º 1 e 2 do artigo 3.º da Lei do Asilo.
E o relato efetuado, claro quanto à sua motivação, não suscitou dúvidas ao CNAR – AIMA, quer quanto à sua credibilidade, quer para o efeito de que concluir que não é pertinente para a concessão do pretendido pedido de asilo.
Improcede, deste modo, o alegado quanto ao pedido de proteção internacional tendo em vista a concessão de asilo, por não estarem reunidos os requisitos previstos no artigo 3.º da Lei do Asilo.
Da autorização de residência por proteção subsidiária
Por outro lado:
Quanto à autorização de residência por proteção subsidiária, conforme decorre do n.º 1 do artigo 7.º da Lei de Asilo, a autorização de residência por proteção subsidiária é concedida aos estrangeiros a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade (i) por aí se verificar uma sistemática violação dos direitos humanos; ou (ii) por correrem o risco de aí sofrer uma ofensa grave - que pode traduzir-se em pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, ou ameaça grave contra a vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
Ora, compulsado o probatório resulta que o A. é natural do Senegal (Cf. ponto (1) do probatório), e que o Senegal é considerado um país seguro (Cf. ponto (3) do probatório). Mais, resulta ainda que o que motivou a saída do A. do seu país de origem/Senegal foram Motivos socioeconómicos (procura de melhores condições de vida, etc.) e Zangas na comunidade (com vizinhos, com familiares, etc.), o que, por si só, não permite a sua qualificação como potencial refugiado.
Na verdade, tudo o que vem alegado pelo A. não passa, em função do relato efetuado, de simples conjeturas ou possibilidades abstratas, numa tentativa de melhorar de vida, que nada têm a ver com o exigido receio de vir a sofrer ofensa grave, como a pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante no seu país de origem, ameaça grave contra a sua vida ou a integridade física, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
Depois, e (ainda) que se possa admitir uma satisfação mitigada do ónus da prova, as declarações do requerente/A., como vimos, não permitem que a sua situação seja abrangida ou subsumida ao princípio do benefício da dúvida, pelo menos quanto às circunstâncias que determinaram a vinda para Portugal, que deve ser concedido quando exista manifesta dificuldade de prova dos factos invocados e documentos apresentados pelo requerente de asilo/autorização de residência por proteção subsidiária, desde que as declarações prestadas pareçam credíveis, o que, como vimos, não se verifica porquanto os motivos invocados como fundamento da proteção internacional não revestem da pertinência e relevância mínima necessária para a análise do pedido em causa.
Conforme se sumariou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12.02.2015, proferido no Processo n.º 11750/14, «[o] princípio do “benefício da dúvida” refere-se ao estabelecimento e prova dos factos ante a autoridade nacional, como que suavizando o normal ónus da prova. Assim, não havendo facto duvidoso ou minimamente verosímil, não há que aplicar tal princípio.».
Improcede, deste modo, o alegado quanto ao pedido de autorização de residência por proteção subsidiária, por não estarem reunidos os requisitos previstos no artigo 7.º da Lei do Asilo.».
E assim, ainda que sem lhes fazer referência expressa [à semelhança do que sucedeu com o vício de falta de fundamentação], o juiz a quo pronunciou-se sobre as questões abordadas pelo A. a propósito do vício de défice instrutório, e o que não refere deve-se ao que já apreciou e concluiu antes.
Explicitando,
Compete ao requerente do direito de asilo o ónus de alegar e demonstrar, de forma directa ou indirecta, o seu fundamentado receio de vir a ser perseguido por qualquer dos motivos enunciados na Lei do Asilo, convencendo as entidades competentes de que foi ou está, individualmente, sujeito a perseguições ou ameaças no país de que é nacional ou residente habitual, com o enquadramento aí especificado.
O que nem sempre é conseguido, por o requerente de protecção muitas das vezes não ter consigo ou não conseguir carrear para o procedimento administrativo os elementos de prova necessários para o efeito.
Contudo, se o relato prestado se apresentar coerente, consistente, credível e enquadrável nas situações abrangidas no artigo 3º ou no 7º da Lei do Asilo, a Administração, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 18º da mesma Lei, deve assumir o repartir do ónus da prova dos factos alegados, procurando confirmá-los mediante prova documental ou outros meios de prova admitidos em direito (em observância do aí aflorado princípio do benefício da dúvida).
A saber, as declarações prestadas à AIMA constituem o ponto de partida da análise que irá ser efectuada ao pedido de protecção formulado, da necessidade ou não, de aprofundar e desenvolver o questionário, de averiguar da situação do país de que o requerente de protecção internacional é originário, de verificar as provas juntas por este e/ou de assumir o ónus quanto à sua produção.
Ora, no caso em apreciação, o A./recorrente declarou junto da AIMA como motivo porque está a solicitar protecção internacional que tinha um negócio no Senegal, o negócio faliu e o empréstimo que tinha foi cobrado, não tendo como pagar teve de fugir do cidadão que lhe emprestou o dinheiro. Sobre a categorização do motivo, assinalou Motivos socioeconómicos (procura de melhores condições de vida, etc.) e Zangas na comunidade (com vizinhos, com familiares, etc.). À pergunta: Deseja acrescentar alguma outra informação, que seja relevante para a apreciação do seu pedido de protecção internacional? respondeu Gostava de permanecer em Portugal para terminar a sua formação (construção civil) e depois voltar para o Senegal.
Do que resulta de forma clara e sem margem para dúvidas, que o motivo que o levou a sair do Senegal e a solicitar protecção internacional nada tem a ver com os que relevam para ser atribuído o estatuto de refugiado
Dito de outro modo, das declarações credíveis do A./recorrente não resulta que foi ou é objecto de perseguição ou de grave ameaça de perseguição em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou de que possui fundado receio de ser perseguido em virtude da raça, da religião, da nacionalidade, de opiniões políticas ou de integração em certo grupo social, tal como é exigido nos nºs 1 e 2 do artigo 3º da Lei do Asilo para poder beneficiar de asilo.
Nem resulta evidenciada qualquer contradição, inconsistência, necessidade de efectuar mais perguntas ou de repartir o ónus da prova ou de realização de entrevista suplementar.
E nem se diga que tal se deve à utilização de um questionário modelo, com algumas perguntas dirigidas a um sim ou a um não, pois foi o A./recorrente que assinalou ou respondeu nos termos acima indicados.
Acresce que, nem na petição nem no recurso, o A./recorrente veio alegar que as declarações vertidas no ponto 2 dos factos provados não correspondem à realidade, ao que efectivamente quis declarar ou mesmo ao que acha que declarou à intérprete. Nem a matéria de facto dada como provada, da qual consta o teor das declarações que prestou, foi impugnada.
Certamente que, se o A./recorrente tivesse declarado um motivo que implicasse ter sido sujeito a actos de perseguição ou se, na sequência da declaração de que teve de fugir do cidadão que lhe emprestou dinheiro por não ter como pagar, tivesse assinalado qualquer uma das categorias de motivos indicados nas alíneas a. a e. [perseguição em virtude da raça; perseguição em virtude da religião; perseguição em virtude da nacionalidade; perseguição em virtude de opiniões políticas; perseguição em virtude da pertença a determinado grupo social], ou, no fim, tivesse acrescentado qualquer informação relevante para a apreciação do seu pedido de protecção que suscitasse dúvidas sobre o sentido, conteúdo, credibilidade do que estava a declarar, certamente que o questionário não teria sido tão curto.
Em três respostas ou declarações essenciais o A./recorrente foi claro e assertivo sobre as razões que motivaram que se tornasse um emigrante e a pedir protecção perante as autoridades portuguesas, convencendo sobre a sua credibilidade. Apenas são razões que não relevam para o efeito de lhe ser atribuído o estatuto de refugiado. Talvez, por isso mesmo, consta do questionário a pergunta 7. [Pretende conhecer na presente data a decisão sobre o seu pedido de protecção internacional? com indicação de que uma resposta positiva implica aceitar que prescinde do prazo previsto no nº 2 do artigo 7º da Lei do Asilo, seguido do texto desta norma]. Não, como alega o Recorrente, para a AIMA obter uma decisão rápida e automática, fugindo às suas responsabilidades na averiguação e justa decisão do pedido de protecção que lhe foi dirigido, mas porque se é evidente que a situação do requerente não se enquadra nas previstas nos artigos 3º e 7º da Lei do Asilo, a decisão do pedido de protecção internacional pode ser proferida no próprio dia das declarações, por se revelar inútil praticar mais actos de instrução, desde que aquele prescinda do prazo para se pronunciar sobre o relatório de declarações.
A AIMA procurou informações sobre o Senegal para poder concluir que se trata de um país seguro, nos termos e para os efeitos na legislação aplicável em matéria de protecção internacional.
Mas ainda que o não tivesse feito, não resulta das declarações prestadas pelo A./recorrente que a saída do A./recorrente do Senegal tenha sido motivada pela situação política e social aí vivida, ou pelas alegadas violações dos direitos, liberdades e garantias dos seus cidadãos, designadamente, liberdade de expressão, de associação política e direito a manifestações.
Foram exclusivamente motivos socioeconómicos pessoais – não poder pagar a um credor e procurar melhor condições de vida – que determinaram que o A./recorrente deixasse o seu país de origem, ao qual, inclusive, tenciona voltar depois de terminar a sua formação em construção civil em Portugal.
Pelo que nenhuma censura merece quer a AIMA quer o tribunal recorrido ao decidirem não efectuar, por desnecessários e inúteis, mais actos de instrução do pedido de protecção do aqui Recorrente, para além dos que resultam do processo administrativo instrutor e da factualidade assente nos autos.
Assim, porque não logrou o A./recorrente demonstrar na acção e no recurso que as declarações credíveis, coerentes e consistentes que prestou à AIMA contêm factos pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária, o presente recurso não pode proceder.
Nos termos do artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 20 de Junho, o presente processo é gratuito, não havendo lugar a custas.
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os respectivos fundamentos, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.
Sem custas.
Registe e Notifique.
Lisboa, 18 de Junho de 2025.
(Lina Costa – relatora)
(Ana Cristina Lameira)
(Ricardo Ferreira Leite) |