Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:28/25.8BESNT-A
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO (DÉFICE INSTRUTÓRIO)
OCUPAÇÃO SEM TÍTULO DE HABITAÇÃO PÚBLICA
OBRIGAÇÃO DE ENCAMINHAMENTO PARA SOLUÇÕES HABITACIONAIS
Sumário:I - O n.º 2 do artigo 121.º do CPTA atribui efeito meramente devolutivo ao recurso da decisão final do processo principal proferida por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito da ação cautelar;
II - É de rejeitar o recurso da decisão quanto à matéria de facto quando se mostram incumpridos os ónus impugnatórios vertidos no n.º 1 do artigo 640.º do CPC;
III - “O cumprimento da obrigação de encaminhamento prevista no número 6 do artigo 28.º da Lei 81/2014, de 19 de dezembro, na redação introduzida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto, consubstancia-se, essencialmente, através da prestação de informações sobre as soluções legais de acesso à habitação e os apoios habitacionais existentes, mas não da realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação” (Acórdão do STA, de 02/05/2024, prolatado no processo sob o n.º 02681/17.7BEPRRT);
IV - O direito à habitação regulado no artigo 65.º da CRP tem a natureza de norma programática, carecendo a sua execução da intermediação que é conferida pela lei ordinária (infraconstitucional), designadamente, no que toca à definição de critérios e regras de acesso à habitação pública;
V - Ocorre a preterição de audiência prévia quando a Administração não se pronuncia sobre as questões suscetíveis de influírem no sentido da decisão final.
Votação:Com declaração de voto
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

M… (Requerente ou Recorrente), por apenso à ação administrativa que corre termos sob o número 28/25.8BESNT, instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, providência cautelar contra o Município de Sintra (doravante Entidade Requerida, Requerido ou Recorrido), peticionando a suspensão de eficácia do despacho junto como doc. 3, que determina a desocupação do imóvel sito na Rua F…, …, Sintra e por via dela ser o Recorrido notificado para se abster de por qualquer forma criar obstáculos, impedir o normal uso do locado pela Requerente, o companheiro e os dois filhos menores, para o fim a que se destina (habitação própria e exclusiva).

Na ação administrativa, de que os presentes autos cautelares são apensos, peticionou a anulação do ato de despejo e que seja declarada a existência do direito do A. a celebrar um contrato de arrendamento de habitação com o R., com recurso aos valores da renda que resultam da lei, condenando-se o R. a abster-se de, por qualquer forma, perturbar o gozo do locado até que tenha lugar a efetiva celebração do contrato de arrendamento.

Por despacho de 17.6.2025 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra antecipou o juízo sobre a causa principal, tendo vindo a proferir sentença em 21.7.2025 pela qual julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos.

Inconformada a Requerente/Recorrente, interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:


A Recorrente, o companheiro e os filhos com 18 e 10 anos de idade, tal como Doc. 1 que se junta, residem na sua atual habitação desde meados de Fevereiro de 2024. Pois a Requerente foi despejada verbalmente. A alternativa habitacional seria a Recorrente e o seu agregado familiar tornarem-se na situação precária de sem abrigo!
A Recorrente, o companheiro e os filhos com 18 e 10 anos de idade tal como Doc. 1 já junto, moram na sua atual habitação desde meados de fevereiro de 2024 por não terem outro sítio para ir. De fato, encontrou esta casa aberta e devoluta há mais de 12 anos! Para mais a Recorrente padece de anemia crónica e o seu companheiro é surdo-mudo carecendo assim este agregado familiar composto por mais dois dependentes e um menor, de um lar estável, higiénico e digno que ao habitar ao relento seria impossível!
A Recorrente já esta inscrita para os concursos de habitação social desde que se lembra, desde há já vários anos, apesar da Recorrida ter conhecimento da situação do agregado familiar da Recorrente, e, em conjunto com a Assistente Social, garantirem que a situação iria ser resolvida contudo nada fizeram. Para mais, a Recorrente indagou a Recorrida sobre o destino das suas candidaturas tendo esta respondido que tinha azar que não foi atribuída qualquer habitação apesar de vários vizinhos da Recorrente que estão mesma situação foram realojados e para mais encontraram-se centenas de fogos devolutos! Aqui querem dormir, e vão sendo acompanhados por familiares que, por incapacidade destes, também não os podem acolher em casa fazendo todos os possíveis para dar o maior conforto à Recorrente e ao seu débil agregado familiar!
A Recorrente já solicitou por N vezes a atribuição de uma casa de habitação social, estando inscrita desde que se lembra, há largos anos, mas a Recorrida, de forma alguma, concedeu a algum dos seus pedidos que nunca surtiram algum efeito nem mesmo tendo em conta a condição debilitante da Recorrente. Para mais houve uma severa omissão dos deveres objetivos da Recorrida no que diz respeito ao artigo 4° do D/L N° 89/2021 de 3 Novembro em que nenhum dos deveres impostos à Recorrida foram cumpridos ao longo dos últimos anos! ( que diga-se de passagem, que quanto a esta omissão houve uma omissão de pronuncia quanto a esta omissão da entidade recorrida)
A Recorrente está desempregada, sendo que este agregado apenas aufere RSI, o que não lhes permite o recurso aos meios habitacionais privados, pelo que não lhe é permitida outra solução habitacional. Não tem alternativa, o mercado livre de arrendamento está- lhe completamente vedado pelos valores que hoje tem dia se têm vindo a praticar e o recurso à habitação social também lhe tem vindo a ser vedado perentoriamente e por sucessivas vezes. A Recorrente e o seu débil agregado familiar não tendo qualquer outra solução e não prejudicando a atribuição de habitação de outro concorrente, pois esta estava devoluta há mais de 12 anos e estando esta em absoluto estado de necessidade por não ter qualquer outra alternativa habitacional disponível, estando inclusivamente a Recorrente disposta a liquidar as rendas em falta e transitar a titularidade para a Recorrente mas, até lá, encontrou assim uma solução precária até que lhe seja atribuída outra habitação ou que lhe seja fixada uma renda para a sua atual
No dia 11 de Setembro de 2024, a Recorrente pronunciou-se sobre o projeto de decisão de desocupação do imóvel onde reside há cerca de 1 ano, tal como Doc. 2 que se junta. De facto, até aos dias de hoje, a única resposta da Recorrida foi a atribuição do registo E61725/2024, tal como Doc. 2 já junto. Razão pela qual é indicada a falta de cumprimento do dever de Audiência Prévia, pois em momento algum é feita referência aos argumentos apresentados pela Recorrente. Sendo na prática inexistente tal fase obrigatória para a formação da decisão administrativa.
No decorrer da presente ação a Recorrente, sem que nada o fizesse prever, pois aguardavam uma nova reunião com responsáveis da Recorrida para regularizarem a situação e estando há largos anos à espera de atribuição de uma habitação. A Recorrente foi notificada pessoalmente para passar a dormir ao relento com o seu companheiro surdo-mudo e os dois filhos menores tal como Doc. 3 que se junta, sendo o despejo iminente o ato a suspender; Para mais não foi indicada nem efetivamente encaminhada qualquer alternativa habitacional para este agregado com efetiva carência habitacional, social e financeira pelo que a Recorrida era obrigada a tal.
Para mais foi ignorada a audiência prévia, tudo se passou como se esta não tivesse sido ouvida. Tal como Doc. 2 já junto. De fato a ordem de despejo da Recorrida, coloca o Recorrente e seu débil agregado familiar numa verdadeira situação de carência habitacional pois que as Recorridas, com o ato suspendendo, encontram-se a violar o disposto no 28o, n.° 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.°da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.° e 4.° do Decreto-Lei n.° 89/2021, de 3/11), pois que, perante o despejo não foi existiu um reencaminhamento efetivo do Recorrente para uma outra alternativa habitacional.
Ao longo de toda a sentença Recorrida são feitas alusões a factos e problemas relativos a outros processos, mas o que se tornou mais escandaloso foi a referência ao Município da Amadora
10ª
É uma marca estrutural do despacho recorrido, ao mesmo tempo omite a pronúncia sobre aspetos que deveriam ter sido respondidos!
11.ª
Para mais não foi indicada nem efetivamente encaminhada qualquer alternativa habitacional para este agregado com efetiva carência habitacional, social e financeira pelo que as Recorridas são legalmente obrigados.
12ª
A decisão de despejo do Recorrente e do seu volumoso agregado familiar, não foi precedida de qualquer Audiência prévia para que esta possa apresentar a sua versão dos factos!
13ª
De fato a ordem de despejo da Recorridas, coloca o Recorrente numa verdadeira situação de carência habitacional pois que a Recorrida, com o ato suspendendo, encontram-se a violar o disposto no 28°, n.° 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.°da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.° e 4.°do Decreto- Lei n.° 89/2021, de 3/11), pois que, perante o despejo não foi existiu um reencaminhamento efetivo do Recorrente para uma outra alternativa habitacional.
14ª
Para mais, o Recorrente para chegar a esta conclusão o tribunal de 1ª instância decidiu, sem produzir a prova testemunhal arrolada, bem como das declarações de parte e explicariam toda esta situação. Baseando-se assim em premissas erradas para chegarem a esta conclusão!
15ª
Não estamos perante uma ocupação nem uma situação abusiva e muito menos ilegal pois que apenas pretende que as entidades requeridas cumpram as exigências impostas pela lei aquando do despejo, o que pretendia fazer valer na presente ação.
16.ª
Continua a Recorrente aguardar que lhe seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar!
17ª
Ainda hoje não compreende a razão da discriminação da Recorrida a qual só pode basear-se na falta de rendimento quando se encontra desempregada. De facto, a habitação social é para entregar e maioritariamente para manter em quem dela careça.
18ª
Se passarem a residir ao relento os perigos e riscos agravam-se todos os dias!
19ª
Desde há vários anos atrás que o Recorrente tem feito tudo para que junto da Recorrida lhe fosse regularizada e em momento algum foi notificada para que preste as informações necessárias á regularização.
20ª
Temendo pela dignidade e integridade da sua família, temem pelo eminente despejo tal como outros exemplos da sua família e amigos que foram despejados, foi o seu agregado familiar a terem de pernoitar ao relento, sem proceder aos tramites impostos por lei do reencaminhamento para outras entidades competentes.
21ª
O Recorrente nada aufere, não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
22ª
Se a Recorrida não se dignar incluir a Recorrente nesta ficha, a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada.
23ª
Nos termos do disposto no art° 65°n° 1 da CRP todos têm direito para si e para sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
24ª
Se a Recorrida não se dignar fixar o valor da renda ao Recorrente, dentro dos parâmetros legais a sobrevivência do agregado familiar estará grave e irremediavelmente afetada, nomeadamente a vida e o bem-estar dos filhos do Recorrente!
25ª
O Tribunal não se pronunciou quanto à ilegalidade do despejo pois que baseou-se em fatos distintas da realidade, pois que de fato o Recorrente não ter qualquer alternativa habitacional e ter vários menores a cargo, devendo este ter-se pronunciado sobre a mesma!
26ª
Tal disposição tem como sujeito passivo o Estado e naturalmente que incumbindo-lhe competências quer para gerir um parque habitacional perfeitamente delimitado. Logo, a notificação da Recorrida no que respeita à omissão culposa da regularização da situação não só era oportuna como perfeitamente ilegal ao abrigo da CRP.
27.ª
Foi indevidamente julgado no Tribunal de 1ª instância que que não se encontra verificado o requisito do fumus boni iuris, conforme estabelecido no artigo 120.°, n.° 1 do CPTA.
28ª
O Recorrente sustenta que, ao não indicar qualquer alternativa habitacional, o Recorrido se encontra a violar o disposto no artigo 28.°, n.° 6, da Lei n.° 81/2014, de 19.12, bem como o artigo 13.°, n.° 4 da Lei de Bases de Habitação.
29ª
De acordo com a primeira daquelas disposições, aplicável ex vi artigo supracitado artigo 35.°, n.° 4, da mesma Lei n.° 81/2014, “Os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais ”.
30ª
Já o segundo comando legal elencado, por sua vez, preceitua que “O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte ”, sendo que “Em caso deocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei”.
31ª
Isto visto, quanto a esta matéria, o acórdão do TCA Sul de 20-10-2022, proc. 1012/22.9BELSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt, procedeu à análise do bloco normativo aplicável (em situação com identidade factual à dos presentes autos), com grande profundidade e amplitude, pelo que se segue de perto o aresto aludido (no tocante à análise normativa).
32ª
Ora, o Recorrente enquadra-se nesta concreta classificação, na medida em que mesma não detém qualquer outra habitação, a que título for (proprietária, arrendatária, comodatária ou outro), ou seja, não tem alternativa habitacional e, além disso, está em claro risco de doença, por força de decisão que determinou a desocupação do imóvel.
33ª
Assim, a Recorrida não poderia ordenar a desocupação sem mais, pois teria de encaminhar, previamente, o Recorrente (rectius, o seu agregado familiar) para uma solução habitacional, ainda que transitória, não sendo admissível a ordem de desocupação tout court.
34ª
O Recorrente tem o direito a ser encaminhado para (outra) solução habitacional, sendo incumbência do Recorrido salvaguardar que o Recorrente e o seu agregado são acomodados em habitação condigna (ainda que temporariamente, reiterasse), e isso não foi feito pela Recorrida, uma vez que o ato que ordena a desocupação não alude, em qualquer segmento, a eventual encaminhamento do Recorrente para uma solução habitacional.
35ª
Nos termos do artigo 28. ° da Lei n.° 6 da Lei 81/2014, “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”. Igualmente, nos termos do disposto no artigo 13.°da Lei 83/2019 (Lei de Bases da Habitação), se constata que as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento.
36ª
Até porque, relativamente ao despejo de agregados com carência habitacional, dispõe o n.° 4 do artigo 4.° do DL n.° 89/2021, de 3/11, que o município deve encaminhar ou assegurar a implementação de uma solução de alojamento temporário destas famílias, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e o IHRU, I. P., no âmbito das respetivas competências, o que, como vimos, não foi feito no caso dos autos.
37ª
Assim sendo, o vício de violação de lei imputado ao ato que levou ao despejo do Recorrente e do seu agregado, num juízo perfunctório, afigura-se que procede em sede de ação principal por vício de violação de lei (violação do disposto nos artigos 28°, n.° 6 da Lei 81/2014, na redação da Lei 32/2016, 13.° da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de bases da habitação), e artigos 3.° e 4.° do Decreto-Lei n.° 89/2021, de 3/11).
38ª
Assim, numa análise perfunctória, própria do processo cautelar, pode concluir-se que esta causa de invalidade imputada ao ato será, muito provavelmente, julgada procedente, o que só por si determinará a anulação do ato impugnado podendo, pois, afirmar-se, sem necessidade de mais indagações e de análise das outras causas de invalidade suscitadas contra o ato, que é muito provável que a ação principal venha a ser julgada procedente.
39ª
Mostra-se, assim, preenchido o requisito do fumus boni iuris necessário ao decretamento de uma providência cautelar - é provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente.
40ª
Ora, interpretando a causa de pedir que sustenta o pedido, verifica-se que o pedido em causa se reporta ao decretamento provisório da providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão de desocupação do imóvel retro aludido.
41ª
A tutela provisória prevista no art. 131º do CPTA destina-se a assegurar o efeito útil do processo cautelar e a evitar que, perante a verificação de uma situação de especial urgência, passível de dar causa a uma situação de facto consumado durante a pendência do processo cautelar, este se mostre infrutífero e incapaz de assegurar a tutela que lhe é própria, qual seja a de evitar a infrutuosidade do processo principal do qual depende.
42ª
O decretamento provisório da providência, nos termos do art. 131º do CPTA, pressupõe que se mostre verificado, através da alegação feita no requerimento inicial, um periculum in mora qualificado, que deve revestir características de irreparabilidade absoluta, de forma a justificar esta tutela provisória. Como é do agravamento, todos os dias do estado de saúde dos seus filhos mais o risco de lhe serem retirados os menores pela CPCJ.
43ª
Neste caso, estando em causa a alegada desocupação do imóvel onde o Recorrente reside e a inexistência de alternativa habitacional, por falta de meios económicos, ao que acresce a alegada debilidade de alguns dos membros do agregado familiar visado, é manifesto que se mostra preenchida a previsão do art. 131°/1 do CPTA, pois que a execução da ordem de despejo, ao determinar que o Recorrente e o seu agregado fiquem desalojados, é passível de gerar prejuízos irreparáveis para os mesmos, ainda que venha a proceder o pedido cautelar, ainda mais, sendo concedido prazo exíguo para o efeito que inviabiliza qualquer solução de procura de alternativa habitacional.
44ª
É quanto basta para que se determine o decretamento provisório da providência cautelar requerida.
45ª
O Recorrente nada aufere, não tendo qualquer atividade remunerada, não tendo possibilidades económicas que lhes permitam arrendar uma casa.
46ª
Mais se verificou a nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.° 1 do art.° 668.° do CPC por se verificar a falta absoluta de fundamentação quanto ao indeferir a procedimento cautelar sem ter se ter pronunciado quanto ao pedido do procedimento cautelar e muito menos quanto ao incidente de decretamento provisório, o qual foi totalmente ignorado pelo Tribunal de 1ª Instância.
47ª
Não emitiu decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
48ª
Por conseguinte, verifica-se assim a nulidade por omissão de pronúncia pois o juiz não evocou razões para justificar a abstenção de conhecimento de questão que lhe foi colocada, mesmo que, segundo a sua tese tivesse cabimento ou fosse justificado o conhecimento dessa questão.
49ª
Mais se verificou a nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.° 1 do art.° 668.° do CPC por se verificar a falta absoluta de fundamentação quanto ao indeferir liminarmente a procedimento cautelar sem ter se ter pronunciado quanto ao pedido do procedimento cautelar e muito menos quanto ao incidente de decretamento provisório, o qual foi totalmente ignorado pelo Tribunal de 1ª Instância.
50ª
O tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença - já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar corretamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (art.°. 664° do CPC).
51ª
A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe o silenciamento por parte do tribunal relativamente a questões de cognição obrigatória, o que se verificou no caso em apreço.
52ª
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia, resulta da violação do dever constante do n.° 2, do art. 608.° do Código de Processo Civil (CPC), do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
53ª
Da leitura da Sentença Recorrida vislumbra-se que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar, face a todas as questões que lhe foram submetidas pelas ora Recorrente.
54ª
Nomeadamente quando à verificação da vicio de violação de lei do ato administrativo que sem qualquer averiguação do agregado familiar e encaminhamento prévio coloca este agregado volumoso com vários menores a dormirem ao relento, verificando-se assim que pudemos concluir pela verificação nulidade à luz do estatuído no n.° 1 do art. 615. ° do CPC, nomeadamente omissão de pronúncia. Bem como quanto à omissão dos deveres objetivos do art° 4°do D/L n°89/2021 de 3 de Novembro.
55ª
Em concreto, resulta dos Autos que o Recorrente não conseguiu alcançar minimamente as razões que levaram o tribunal a decidir pela rejeição liminar do procedimento cautelar, por se verificar a falta de fundamentação da sentença recorrida.

Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença recorrida por omissão de pronúncia e falta de fundamentação que em nada julga e conhece das concretas questões colocadas, perante a passividade do Município de Sintra em que insiste em fazer tábua rasa da previsão legal na fundamentação da decisão, realização de audiência prévia, averiguação das condições socio económicas do agregado familiar e encaminhamento prévio do agregado para soluções alternativas habitacionais. Condenando-se a Recorrida em custas e condigna Procuradoria.
Como É de JUSTIÇA!”

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. O tribunal pronunciou-se, considerando não se verificarem as nulidades apontadas à sentença.

O Ministério Público, notificado nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não proferiu parecer.

Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não pode este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso [cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA].
Verifica-se que nas conclusões 40.ª a 44.ª a Recorrente sustenta mostrar-se preenchida a previsão do artigo 131.º, n.º 1 do CPTA, impondo-se determinar o decretamento provisório da providência cautelar.
O artigo 131.º do CPTA rege a possibilidade de, no despacho liminar – portanto, o despacho proferido após a distribuição da ação cautelar (artigo 116.º, n.º 1 do CPTA) – ou na pendência do processo cautelar – isto é, antes que seja proferida decisão -, o juiz poder provisoriamente decretar a providência requerida, preenchidos que estejam os requisitos previstos no n.º 1 deste normativo.
No caso dos autos, tendo sido peticionado no requerimento inicial o decretamento provisório, tal pretensão foi indeferida por despacho de 5.2.2025. Analisado o requerimento de interposição de recurso, as alegações e conclusões recursivas verifica-se que a Recorrente não recorre desse despacho, o qual, por isso, não constitui objeto do recurso e, consequentemente, não há que apreciar de (eventual) erro de julgamento de que esse despacho padecesse.
Em face do exposto, as questões que a este Tribunal cumpre apreciar reconduzem-se a saber se a sentença recorrida padece de,
a. Nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia;
b. Erro de julgamento de facto (défice instrutório);
c. Erro de julgamento de direito.

3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

A) A Autora, o seu companheiro e dois filhos residem no fogo municipal sito na Rua F…, n.° …, em Queluz - cfr. «relatório de avaliação social», a fls. 6 a 12 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
B) No momento em que passaram a habitar neste fogo municipal, o imóvel encontrava-se devoluto - admitido por acordo das partes (cfr. artigo 2.° do requerimento inicial, e artigos 9.° a 11.° da oposição ao processo cautelar);
C) A Autora, o seu companheiro e os dois filhos ocuparam o referido imóvel durante o ano de 2024, em data que não foi possível precisar - admitido por acordo das partes (cfr. artigo 1.° do requerimento inicial e artigo 12.° da oposição ao processo cautelar);
D) Em 19 de Fevereiro de 2024, foi entregue à Autora uma «notificação pessoal» com o seguinte teor:
«Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 114.° do Código de Procedimento Administrativo (...), eu (...), Agente graduado do efectivo da Polícia Municipal de Sintra e em deslocação ao local sito na R. F…, …, Pendão, neste dia, verifiquei que M…, (...), procedeu à ocupação da fração autónoma sita a acima indicada, de que o Município de Sintra é proprietário, sem que detenha qualquer contrato ou documento de atribuição ou de autorização que habilite tal ocupação, ao abrigo do n.° 2 do art.° 35.° da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, na redacção dada pela Lei n.° 32/2016, de 24 de agosto, encontrando-se obrigado a desocupar a habitação e entrega-la livre de pessoas e bens.
Nestes termos fica o identificado ocupante notificado que se encontra legalmente obrigado a proceder à desocupação e à entrega voluntária da habitação camarária livre de pessoas e bens, com base nos fundamentos de facto e de direito expostos, dispondo para o efeito de um prazo máximo de 3 (três) dias, a contar da data de recepção desta comunicação para dar cumprimento ao determinado.
O notificado fica também informado que a Câmara Municipal de Sintra procederá criminalmente através da apresentação de queixa junto das instâncias judiciais, em virtude da ocupação ilícita presenciada.
Caso não venha a ocorrer a desocupação e entrega da habitação nos termos e no prazo determinado, ordenar-se-á o despejo, nos termos do art.° 28.° da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, na redacção dada pela Lei n.° 32/2016, de 24 de agosto.
Fica igualmente notificado que, com a tomada de posse da habitação pela autarquia, nos termos referidos, quaisquer bens móveis deixados na habitação serão considerados abandonados a favor do Município, que deles poderá dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte dos ocupantes, caso não sejam reclamados no prazo de 60 (sessenta) dias, por aplicação do n.° 5 do art.° 28.° da mencionada legislação» - cfr. documento de fls. 1e 2 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
E) Na mesma data, foi entregue à Autora um ofício da Câmara Municipal de Sintra com o seguinte teor:
«Assunto: Encaminhamento para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais
Tendo sido V.Exa. M…, (...), notificada na presente data, 19/02/2024, pelo Departamento da Polícia e Fiscalização Municipal da Câmara Municipal de Sintra, para proceder à desocupação da fração autónoma, propriedade desta Autarquia, sita em Rua F…, …, P…, uma vez que não dispõe de título que legitime tal ocupação.
Cumprindo o disposto no n.° 6 do artigo 28.° da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, de acordo com «os agregados alvos de despejo com efetiva carência são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais»;
Tendo V. Exa. Declarado não ter alternativa habitacional e encontrar-se em efetiva carência habitacional; 
Informa-se que poderá recorrer, no prazo de três dias úteis, até 24/02/2024, ao Serviço de Atendimento de Emergência do SAAS - Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social da Câmara Municipal de Sintra, localizado na seguinte morada, devendo fazer-se acompanhar obrigatoriamente da presente notificação:
Praça D. Afonso Henriques, S/N - 2710-520 Portela de Sintra (Edifício em frente aos CTT da Portela de Sintra)
Horário de funcionamento: Dias úteis das 09h00 às 12h00 e das 14h00 às 16h30» - cfr. documento de fls. 4 e 5 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
F) Na mesma data, a DGPH - Divisão de Gestão do Parque Habitacional Municipal realizou entrevista à Autora, procedendo à elaboração de «Relatório de Avaliação Social - Ocupações Ilícitas» com o seguinte teor:



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- cfr. documento de fls. 8 a 12 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
G) Em 15 de Abril de 2024, a Autora apresentou candidatura a um programa de habitação social da Entidade demandada - admitido por acordo das partes (cfr. artigo 3.° do requerimento inicial e artigo 22.° da oposição ao processo cautelar);
H) Em 16 de Julho de 2024, a Câmara Municipal de Sintra aprovou uma proposta com o seguinte teor:
«Considerando que, em deslocação à fração autónoma que integra o parque habitacional do Município de Sintra sita na R. F… …, em P…, realizada pelo Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização no passado dia 19-02-2024, se constatou que a mesma fração autónoma foi ocupada por uma cidadã e respetivo agregado, composto por mais três elementos, o marido e dois filhos, um dos quais menor de idade, sem que dispusesse de contrato de arrendamento ou qualquer outro título eu legitimasse tal ocupação; Considerando que está em causa uma habitação municipal que deverá ser entregue a um agregado familiar, devida e regularmente inscrito para o efeito, no regime de arrendamento apoiado e cuja desocupação importa promover para o efeito;
Considerando que, a 19-02-2024, se procedeu à adequada notificação da cidadã ocupante, concedendo-se-lhe, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 35.° da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, na redação em vigor (que estabelece o regime do arrendamento apoiado para habitação e regula a atribuição de habitações neste regime), um prazo de três dias úteis a contar da data da notificação para o cumprimento da obrigação legal de efetiva desocupação da referida habitação que decorre do n.° 2 do artigo 35.° da mesma Lei;
Considerando que se constatou, em deslocação ao local realizada pelo Departamento de Polícia Municipal e Fiscalização no passado dia 29-05-2024, que a referida fração autónoma ainda se mantém ilicitamente ocupada pela referida cidadã e respetivo agregado; 
Considerando que, de acordo com o relatório de avaliação social, elaborado pela Divisão de Gestão do Parque Habitacional Municipal, está em causa um agregado com carência habitacional, tendo o mesmo sido encaminhado para soluções de apoio habitacional disponibilizadas pelo IHRU, tendo-lhe sido facultada a informação necessária para o efeito;
E, considerando, por fim, que, nos termos das disposições conjugadas do n.° 3 do artigo 35.° e artigo 28.°, ambos da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, «caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação» livre de pessoas e bens, até ao termo do prazo que lhe for fixado, não inferior a três dias úteis, «há lugar a despejo»;
Tenho a honra de propor ao órgão executivo municipal que, nos termos e com os fundamentos supra explicitados e ao abrigo das competências conferidas pelo n.° 2 do artigo 28.° do Regime Jurídico do Arrendamento Apoiado, aprovado pela Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 32/2016, Decreto-Lei n.° 89/2021, Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 197/2023 e Decreto-Lei n.° 38/2023 e o artigo 32.° do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.° 75/2013, de 12 de setembro, delibere:
1. Fixar o prazo de 90 dias a contar da notificação final da cidadã supra identificada, para que esta proceda à desocupação e entrega da habitação indicada, livre de pessoas e bens;
2. Delegar competências no Presidente da Câmara Municipal ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 28.° da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, com possibilidade de subdelegação no Eleito Local responsável pela habitação, para que, após o cumprimento da formalidade «audiência dos interessados» (...), seja proferida decisão final no sentido da desocupação, caso se mantenham os pressupostos exigíveis após audiência» - cfr. documento de fls. 17 e 18 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
I) Em 11 de Setembro de 2024, a Autora foi notificada da deliberação transcrita no parágrafo anterior, bem como «de que dispõe de um prazo de 10 dias úteis para que, querendo, se pronuncie quanto ao teor da deliberação tomada pelo órgão executivo municipal, em reunião de 16-07-2024, de fixação e um prazo de 90 dias para que proceda à desocupação e entrega da habitação indicada, livre de pessoas e bens» - cfr. documento de fls. 25 e 26 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
J) Por mensagem de correio electrónico de 11 de Setembro de 2024, o Mandatário da Autora remeteu à Divisão de Gestão do Parque Habitacional Municipal da Câmara Municipal de Sintra pronúncia sobre o projecto de decisão de desocupação da habitação sita na Rua F…, …, no P…, Queluz, requerendo, a final «que a decisão de desocupação e entrega da habitação seja revertida para uma decisão que cumpra os fundamentos legais supra mencionados» - cfr. documento de fls. 29 a 41 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
K) Na sequência da pronúncia referida no parágrafo anterior, a Divisão de Gestão do Parque Habitacional Municipal da Câmara Municipal de Sintra solicitou informação junto da Divisão de Habitação e Serviços Comunitários da mesma Câmara Municipal, com vista à «recolha de alguns elementos que permitam analisar o exposto, existindo, assim, a necessidade de confirmar e validar a informação prestada pelo mandatário judicial», designadamente «a análise dos eventuais processos de concurso habitação social onde a [Autora] fez parte e respetivos motivos de exclusão, assim como, caso exista, proceder-se à consulta do processo de acompanhamento familiar» - cfr. documento de fls. 47 a 49 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
L) Em 20 de Dezembro de 2024, os serviços da Entidade requerida elaboração a Informação-Proposta n.° I-44656/2024, com o seguinte teor:
«Assunto: Decisão final - Ocupação ilícita da habitação municipal sita na Rua F…, em Queluz
Considerando que: 
- A cidadã ocupante M…foi notificada de que dispunha de um prazo de três dias úteis para desocupação voluntária da fração autónoma que integra o Parque Habitacional do Município de Sintra, sita na Rua F…, em Queluz, que ocupou sem que dispusesse de contrato ou qualquer outro título que legitimasse essa ocupação;
- Decorrido o prazo de três dias úteis que lhe foi concedido para desocupação voluntária da habitação em causa, sem que tal determinação de desocupação se mostrasse cumprida, foram iniciados os procedimentos tendentes à tomada de posse e desocupação do referido imóvel, no contexto do que se procedeu a nova notificação, concedendo-se-lhe um prazo de 10 dias para eventual pronúncia;
- Analisados os argumentos apresentados pela cidadã ocupante, (...), nomeadamente (i) falta de procedimentos por parte da CMS sobre a averiguação efectiva da carência habitacional do agregado, (ii) se encontrar inscrita nos concursos de habitação social, constata-se que foi elaborado relatório de avaliação social, onde foi devidamente caracterizado o agregado familiar e efectuado o devido encaminhamento para o atendimento de emergência para efeitos de avaliação dos critérios de vulnerabilidade. Igualmente quanto ao alegado '.estar inscrita para os concursos de habitação social desde que se lembra, desde há já vários anos.', verifica-se que a ocupante em situação indevida se inscreveu no concurso de arrendamento apoiado, sendo a sua candidatura, ID-3971, de 15/04/2024, desconhecendo-se a existência de outras candidaturas ou pedidos de habitação.
Os argumentos da ocupante não procedem, razão pela qual se deverá manter a decisão no sentido da desocupação efectiva do referido imóvel.
Propõe-se que:
1. Seja decidida a efetiva desocupação do referido imóvel;
2. A ocupante seja notificada da decisão definitiva, no prazo de 90 dias a contar dada de notificação, no decurso do qual deverá proceder à desocupação e entrega da habitação indicada, livre de pessoas e bens;
3. Findo esse prazo sem que se concretize a desocupação, a Câmara Municipal de Sintra tome posse do imóvel, sendo que quaisquer bens móveis deixados na habitação serão considerados abandonados a favor da autarquia, caso não sejam reclamados no prazo de 60 dias, podendo o Município deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação» - cfr. documento de fls. 29 a 41 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
M) A informação transcrita no parágrafo foi submetida à aprovação, aditada da informação adicional de que «à candidatura da ocupante referida na presente atribuição foram atribuídos 35,20 pontos, encontrando-se a 4 de julho de 2024 na 2.ª lista de classificados, no 869.° lugar» - cfr. documento de fls. 55 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
N) Em 8 de Janeiro de 2025, o Vereador da Câmara Municipal de Sintra com o Pelouro da Habitação apôs despacho de concordância na Informação referida nos dois parágrafos anteriores - cfr. documento de fls. 55 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
O) Por ofício de 13 de Janeiro de 2025, recebido em 30 de Janeiro de 2025, a Entidade demandada comunicou à Autora a decisão de «efetivação da desocupação do referido imóvel, no prazo de 90 dias a contar da notificação, no decurso do qual deverá proceder à desocupação e entrega da habitação indicada, livre de pessoas e bens», referida no parágrafo anterior - cfr. documento de fls. 59 e 60 do processo administrativo instrutor, que se dá por reproduzido;
P) Até ao momento, a Entidade demandada negou à Autora a atribuição de uma habitação social - confissão (artigo 5.° do requerimento inicial).

3.2. Mais se consignou na sentença recorrida quanto a factos não provados:

“Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

E não existem factos relevantes para a decisão da causa, que devam considerar-se não provados..”

3.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:

“A decisão sobre a matéria de facto provada foi formada com base no exame crítico dos documentos constantes destes autos e do processo administrativo instrutor, não impugnados, bem como da posição adoptada pelas partes nos seus articulados, nos termos melhor explicitados nos respectivos parágrafos do probatório.”

4. Fundamentação de direito

4.1. Do efeito do recurso

A Recorrente sustentou que ao recurso deveria ser atribuído efeito suspensivo.
Contudo, como resulta do despacho de 17.6.2025 que precedeu a sentença recorrida, o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 121.º, n.º 1 do CPTA, antecipou o juízo sobre a causa principal, proferindo a decisão final do processo.
Assim, no que respeita ao efeito do recurso, dispõe-se no n.º 2 do artigo 121.º do CPTA que este tem efeito meramente devolutivo. Pelo que bem decidiu o Tribunal a quo ao, pelo despacho de 1.9.2025, atribuir ao recurso efeito devolutivo. Nada havendo, pois, a modificar.

4.2. Das nulidades da sentença


A Recorrente imputa à sentença nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, aduzindo que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a ilegalidade do despejo, sobre o pedido cautelar e de decretamento provisório, quanto à verificação do vício de violação de lei do ato administrativo sem averiguação do agregado familiar e encaminhamento prévio e à omissão dos deveres a que se reporta o artigo 4.º do DL n.º 89/2021.
As nulidades da sentença são vícios da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença e encontram-se previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, no qual se prescreve que é nula a sentença se, além do mais, não especificar os fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão [al. b)] e o juiz conhecer questões que não devia ou deixe de conhecer questões que tinha de conhecer [al. d)].
O art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, sanciona o incumprimento do disposto no artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPTA, que dispõe em termos similares ao artigo 607.º, n.º 2 e 3 do CPC, e de que emerge que na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do objeto do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, expondo os fundamentos de facto e de direito, ou seja, “discriminando os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes”.
Como se deu nota no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2.11.2017, proferido no processo 42/14.9TBMDB.G1, consultável em www.dgsi.pt, “não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz.

Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto.”
A respeito da nulidade tipificada no art.º 615.º, n.º 1 al. b) do CPC tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que só a falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da sobredita nulidade, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação.
Por sua vez, a nulidade da sentença a que se refere a al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC verifica-se quando ocorre o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito nos artigos 95.º, n.º 1 e 3 do CPTA e 608, n.º 2 do CPC, e que se traduz em decidir todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como é jurisprudência pacífica, a causa de pedir, ou melhor, as questões a decidir, não se confundem com as razões ou argumentos de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. Pelo que apenas integra a nulidade prevista no citado normativo, a omissão de conhecimento das “questões”, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
Em primeiro lugar, impõe-se atentar que os presentes autos correspondem à providência cautelar, de suspensão de eficácia do ato, proferido ao abrigo do artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 81/2014, que, após o incumprimento voluntário da obrigação de desocupação e entrega da habitação, determina o despejo e, após o termo do prazo concedido para este, a tomada de posse da habitação (a que doravante nos referimos por ato de despejo), instaurada por apenso à ação administrativa que correu termos sob o número 28/25.8BESNT na qual a Recorrente peticionou a anulação desse ato e que seja declarada a existência do seu direito a celebrar um contrato de arrendamento de habitação com a Requerida, com recurso aos valores da renda que resultam da lei, condenando-se a Requerida a abster-se de, por qualquer forma, perturbar o gozo do locado até que tenha lugar a efetiva celebração do contrato de arrendamento.
Sendo certo que no requerimento inicial foi peticionado o decretamento provisório nos termos do artigo 131.º, n.º 1 do CPTA, onde a Recorrente manifestamente se equivoca é na alegação de, a respeito de tal pretensão, o Tribunal ter omitido pronúncia.
Com efeito, é que sobre tal pedido de decretamento provisório pronunciou-se o Tribunal a quo no despacho de 5.2.2025, indeferindo-o. Despacho com a Recorrente se conformou, dele não recorrendo atempadamente, e que, como tal, transitou em julgado.
Daí que, naturalmente, o decretamento provisório da providência cautelar requerida não constituía questão a decidir, sobre a qual recaísse, em sede de sentença, sobre o Tribunal o dever de pronúncia.
Em segundo lugar, há que notar que por despacho de 17.6.2025, o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPTA decidiu antecipar a decisão da causa principal. É que este dispositivo “admite que o tribunal antecipe a decisão do mérito da causa para o momento em que lhe cumpre decidir o processo cautelar, com o que se produz um fenómeno de convolação do processo cautelar em processo principal” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, p. 1036).
E nos autos assim sucedeu. Isto é, na sequência do despacho de 17.6.2025, pelo qual o Tribunal decidiu antecipar o juízo sobre a causa principal, veio a proferir a sentença em 21.7.2025 na qual conheceu do mérito da ação principal.
Em tais situações, de aplicação do disposto no artigo 121.º do CPTA, o que sucede é que, em face da convolação do processo cautelar em processo principal, não há lugar à apreciação do mérito do processo cautelar. E, consequentemente, não são questões a decidir, à luz do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, o preenchimento dos pressupostos de adoção das medidas cautelares, correspondentes ao fumus boni iuris, ao periculum in mora e à ponderação de interesses.
O que significa, portanto, que, opostamente ao alegado pela Recorrente, não se impunha ao Tribunal apreciar se se mostravam ou não verificados os pressupostos de que dependeria a suspensão de eficácia do ato de despejo, mas apenas, em face dos pedidos formulados na ação principal e da causa de pedir aí vertida, se o ato de despejo padecia dos vícios que lhe foram imputados, por forma a determinar se o mesmo era anulável, e se na esfera da A. existia um direito a celebrar um contrato de arrendamento de habitação com a R., aos valores da renda que resultam da lei, devendo a R. abster-se de, por qualquer forma, perturbar o gozo do locado até que tenha lugar a efetiva celebração do contrato de arrendamento.
Donde, também a tal respeito não incorreu a sentença em omissão de pronúncia, tão pouco carecendo de falta de fundamentação.
Em terceiro lugar, em face da antecipação da decisão da causa principal, cumpre considerar que, na petição inicial do processo 28/25.8BESNT para sustentar as pretensões de anulação do ato de despejo e reconhecimento do direito da A. a celebrar um contrato de arrendamento de habitação com a R., com recurso aos valores da renda que resultam da lei, condenando-se a R. a abster-se de, por qualquer forma, perturbar o gozo do locado até que tenha lugar a efetiva celebração do contrato de arrendamento, a Recorrente sustentou o seu direito a habitação (artigo 65.º da CRP), a violação da obrigação de encaminhamento para soluções habitacionais e de apoios sociais (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 89/2021, artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014, de 9 de novembro, artigos 11.º e 12.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, 13.º, n.º 4 da Lei de Bases da Habitação), a falta de fundamentação do ato impugnado e a preterição de audiência prévia.
Ora, analisada a sentença recorrida bem se vê que o Tribunal a quo apreciou todas as questões a decidir, concretamente a invalidade do ato de despejo assente na violação do direito à habitação constitucionalmente consagrado [ponto IV. 2 a) da sentença], pronunciando-se ainda sobre a violação da obrigação de não promover o despejo sem prévio encaminhamento para soluções habitacionais e de realojamento a que se reportam os artigos 13.°, n.° 4, da Lei de Bases da Habitação, 28.°, n.° 6, da Lei n.° 81/2014, de 19 de dezembro, e artigo 4.° da Lei n.° 89/2021, de 3 de de novembro [ponto IV.2 b) e c) da sentença], e também a respeito do incumprimento do dever de fundamentação [ponto IV.2 d) da sentença], e da violação do direito de participação na formação da decisão, mediante audiência prévia [ponto IV.2 e) da sentença]. A final conheceu do pedido de reconhecimento da existência de um direito a celebrar um contrato de arrendamento.
Ao fazê-lo, como emerge da sentença recorrida, aportou a fundamentação de facto (ponto IV.1 da sentença) e de direito (ponto IV.2 da sentença) que justifica a decisão tomada quanto à improcedência dos vícios apontados ao ato impugnado e à inexistência na esfera jurídica da A. de um direito a celebrar um contrato de arrendamento. Fundamentação essa que, de resto, se evidencia no presente recurso que dela a Recorrente tomou pleno e cabal conhecimento, insurgindo-se contra a mesma.
Donde não padece a sentença recorrida das apontadas nulidades.

4.3. Do erro de julgamento de facto (e do défice instrutório)


A Recorrente impugna a matéria de facto sustentando que o Tribunal “julgou erradamente a existência de alternativa habitacional ao dar como provado” e sem ter possibilitado a produção de prova testemunhal e as declarações de parte.
Com vista à apreciação da presente questão, e atenta a alegação da Recorrente, em primeiro lugar importa dar conta que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, o regime vigente, sob pena de rejeição total ou parcial do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, impõe ao Recorrente o ónus de especificar: 
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados (cfr. art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC); 
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC).
Em segundo lugar, dá-se nota que a omissão de diligências de prova por ser suscetível de afetar o julgamento da matéria de facto, acarreta a anulação da sentença por défice instrutório (entre outros os Acs. deste TCA Sul de 7.1.2021, proferido no processo 235/20.0BEBJA, de 6.1.2023, proferido no processo 80/16.7BELRA, de 4.4.2024, proferido no processo 548/18.7BESNT).
Ora, o que se deteta é, desde logo, que a Recorrente não cumpre com o ónus de impugnação da matéria de facto.
Isto é, desconhece-se quais são, afinal, os factos incorretamente julgados e qual a decisão que sobre os mesmos deveria ter sido proferida, e que levariam a, em sede de direito, julgar-se em sentido distinto ao do Tribunal a quo no que respeita à (in)existência de alternativa habitacional. Aqui se verificando, pois, um total e patente incumprimento dos ónus impugnatórios que sobre a Recorrente recaíam nos termos das als. a) e c) do artigo 640.º, n.º 1 do CPC, que determina a rejeição do recurso.
Note-se, aliás, que a respeito da alegação da (in)existência de alternativa habitacional é a própria Recorrente a assumir estarmos perante uma conclusão a que o Tribunal chegou, sem para tal produzir a prova por si requerida (conclusões 13.ª e 14.ª). Mas, como é sabido, a matéria de facto “deve incidir apenas sobre matéria de facto e não conter questões de direito, [d]eve cingir-se às ocorrências da vida real e evitar conceitos jurídicos” (Jorge Augusto Pais de Amaral, ob. cit., p. 219).
E a prova incide sobre factos e não tem por objeto afirmações de natureza conclusiva. Isto é, reiterando o Acórdão deste Tribunal de 22 de maio de 2019, proferido no processo 1134/10.9BELRA, “[a] seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento”.
Daí que, pretendendo a Recorrente afastar o alegado juízo alcançado pelo Tribunal quanto à questão da existência de alternativa habitacional, cabia-lhe indicar quais os factos, por si alegados, que o Tribunal a quo deveria ter dado como, relativamente aos quais entendia ser necessária à decisão a produção da prova por si requerida. Mas não o fez.
Impondo-se, pois, rejeitar o recurso quanto à matéria de facto.

4.4. Do erro de julgamento de direito


A sentença recorrida, antecipando o juízo sobre a causa principal, nos termos do n.º 1 do artigo 121.º do CPTA, julgou a ação improcedente, absolvendo a entidade demandada dos pedidos, considerando que o ato impugnado – correspondente ao despacho de 8.1.2025 do Vereador do Pelouro da Habitação da Câmara Municipal de Sintra que, após o incumprimento voluntário da obrigação de desocupação e entrega do fogo municipal sito na Rua F…, em Queluz, determina o despejo e, findo o prazo concedido para este, a tomada de posse da habitação – não padece dos vícios de violação do direito à habitação, ausência de base legal para o despejo administrativo, violação da obrigação de encaminhamento para alternativas habitacionais, violação do dever de fundamentação e preterição de audiência prévia, e que não existe na esfera jurídica da A. um direito a celebrar um contrato de arrendamento de habitação social com a Ré, com recurso aos valores da renda que resultam da Lei.
Contra o assim decidido insurge-se a Recorrente, aduzindo (embora erroneamente reportando-se ao fumus boni iuris) que se mostra violado o disposto nos artigos 28.º, n.º 6 da Lei 81/2014, 13.º da Lei 83/2019, de 3/9 (Lei de Bases da habitação), e 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 89/2021, de 3/11 dado que, perante o despejo, não existiu um reencaminhamento efetivo para uma outra alternativa habitacional. Entende que a Recorrida promoveu o despejo sem garantir previamente soluções de realojamento, violando a obrigação legal de encaminhar a Recorrente e o seu agregado familiar para solução habitacional.
Refere que se encontra a aguardar que seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar, sob pena de a sobrevivência do agregado familiar ficar grave e irremediavelmente afetada por não ter possibilidades económicas que lhe permitam arrendar uma casa.
Convoca o artigo 65.º, n.º 1 da CRP, do qual entende que decorre a favor do particular o direito de exigir do Estado o cumprimento da obrigação de habitação ali prevista.
Alega, ainda, a falta do cumprimento do dever de audiência prévia, porquanto não é feita referência aos argumentos por si apresentados.

Vejamos.
No que respeita à alegação, em sede de conclusões de recurso, de que estaria a aguardar que seja satisfeito o pedido de inclusão no agregado familiar, verifica-se que a mesma não foi suscitada nem no âmbito do requerimento inicial, nem na petição inicial do processo principal e, como tal, não foi tratada na decisão recorrida. Não se tratando de matéria de conhecimento oficioso, surgindo, por isso, como questão nova, não cabe a este Tribunal proceder à sua apreciação pois que o recurso se destina a impugnar as decisões da sentença (Ac. do STA de 12.11.2019, proferido no processo 17085/15.8T8 LSB.L1.S2, disponível em https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f04eac5f3e44f320802584be003dfefe?OpenDocument).
Por outro lado, não verteu para as conclusões de recurso o erro de julgamento que, em sede de alegações (fls. 16), invocou quanto à falta de fundamentação do ato impugnado, pelo que, na medida em que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de questão que delas não conste, não estando em causa questão de conhecimento oficioso, não será o mesmo apreciado.

No que respeita ao alegado incumprimento da obrigação de encaminhamento para soluções legais de acesso à habitação ou prestação de apoios habitacionais não assiste razão à Recorrente no erro que imputa ao julgado.
Com efeito, prevê-se no artigo 13.º, n.º 4 da Lei de Bases da Habitação (Lei n.º 83/2019, de 3 de setembro) que “o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais não podem promover o despejo administrativo de indivíduos ou famílias vulneráveis sem garantir previamente soluções de realojamento, nos termos definidos na lei, sem prejuízo do número seguinte”. Estabelecendo-se no n.º 5 que “[e]m caso de ocupação ilegal de habitações públicas, o despejo obedece a regras procedimentais estabelecidas por lei”.
Este diploma (Lei de Bases da Habitação) é regulamentado, designadamente no que respeita à garantia de alternativa habitacional, pelo Decreto-Lei n.º 89/2021, de 3 de novembro, o qual prescreve no artigo 3.º o que se considera uma situação de efetiva carência habitacional e no artigo 4.º a salvaguarda de encaminhamento para resposta habitacional permanente do parque habitacional público, quando não exista alternativa habitacional adequada, e de acordo com os respetivos critérios de elegibilidade (n.º 2).
O artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, que regula o regime do arrendamento apoiado para habitação, o despejo, estipula que “os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”. Resultando dos n.ºs 3 e 4 do artigo 35.º deste diploma que, no caso das ocupações sem título, em que não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, há lugar a despejo aplicando-se o disposto no n.º 6 daquele artigo 28.º.
A seu respeito, no Ac. deste TCA Sul de 15.5.2025, proferido no processo 26086/24.4BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/a6d1d0f6bac0148e80258c90005784fd?OpenDocument, pode ler-se
“[…]
Em segundo lugar, “o cumprimento da obrigação legal em questão não é, sequer, uma consequência necessária e automática do despejo, dado que apenas beneficiam do «encaminhamento» previsto na lei «os agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional», o que supõe uma avaliação casuística da sua necessidade (…)”.
Em terceiro lugar, ainda que o agregado beneficie do “encaminhamento”, “(…) a efetivação do respetivo despejo” não depende “da existência de uma alternativa concreta para a resolução do seu problema habitacional”, não conferindo a norma legal em análise “o direito a exigir a disponibilidade de uma habitação determinada”, antes estabelecendo apenas “uma obrigação de meios, mas não de resultado”, a qual se cumpre, “essencialmente, através da prestação de informações sobre as «soluções legais de acesso à habitação» e os «apoios habitacionais» existentes”, sem que se imponha a “realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação”.
Ora, estes normativos não suportam um direito da Recorrente a celebrar com a Recorrida um contrato de arrendamento, nem tão pouco – realçando-se que é a própria Recorrente a admitir que ocupou o imóvel sem dispor de título legal para tal (artigos 1.º a 5.º do requerimento inicial), tratando-se, portanto, de uma ocupação sem título nos termos do artigo 35.º, n.º 1 da Lei n.º 81/2014 -, “se consente que da leitura de tal comando legal resulte uma qualquer propensão para deixar perpetuar ou dar cobertura, de modo ilimitado, a uma ocupação irregular de um fogo social” (Ac. deste TCA Sul de 14.11.2024, proferido no processo 2013/24.8BELSB, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fb6539569b8e7e9d80258bd6004e5029?OpenDocument).
Acrescente-se que, atentando-se no probatório verifica-se que em 19.2.2024 [facto E)], previamente à prática do ato impugnado, em cumprimento do disposto no artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014, de 19/12, foi a Recorrente notificada de que, tendo declarado não ter alternativa habitacional, encontrando-se em efetiva carência habitacional, poderia recorrer ao Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social da Câmara Municipal de Sintra e, bem assim, na mesma data, foi realizada entrevista para avaliação social e encaminhada para o Atendimento de Emergência para avaliação dos critérios de vulnerabilidade e para o Atendimento Programado da Junta de Freguesia [facto F)].
Ou seja, verifica-se que, opostamente ao alegado pela Recorrente, a Recorrida, efetivamente, deu cumprimento à obrigação de encaminhamento prevista nos normativos citados, incluindo naquele artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014.
Com efeito, consubstanciando tal obrigação, essencialmente, na prestação de informações sobre as «soluções legais de acesso à habitação» e os «apoios habitacionais» existentes, mas não da realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação (Acórdão do STA de 2.5.2024, prolatado no processo sob o n.º 02681/17.7BEPRRT, consultável em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2bf8758333087f1080258b1c004a4bf9?OpenDocument), o exposto é suficiente para se considerarem cumpridas as obrigações de meios (e não de resultado) que recaem sobre a Recorrida nos termos daquele n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, nada mais lhe sendo exigível a tal respeito.
Concretamente não recaía sobre a Recorrida, contrariamente ao que defende a Recorrente, qualquer dever de, previamente à prática do ato de despejo impugnado, assegurar uma alternativa concreta para a resolução do problema de carência habitacional de que aquela e o seu agregado familiar padeçam.
Em suma, nesta dimensão do invocado incumprimento da obrigação de encaminhamento para solução habitacional, não assiste razão à Recorrente no erro de julgamento de direito que aponta à sentença.

Por outro lado, a Recorrente defende emergir diretamente do artigo 65.º da CRP o direito a uma habitação para si e para o seu agregado familiar, fruto de uma situação de insuficiência económica. Mas não lhe assiste razão.
Com efeito, como a tal respeito já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 13.4.2023 proferido no processo 047/22.6BELSB (disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4ab4a71eafaa96f18025899500513619?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1),
«(…) importa delimitar o direito à habitação, enquanto direito constitucionalmente consagrado – artº 65º da CRP.
E este normativo, tal como o artigo 67º mostram-se inseridos na Parte I (Direitos e deveres fundamentais), do título III (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), do capítulo II (Direitos e deveres sociais) da Constituição e consagrando o primeiro o direito à habitação.
E ali se reconhece a todos os cidadãos o direito a uma habitação dimensionada ao número de membros da respetiva família, onde possa ser preservada a intimidade individual e a privacidade familiar, que ofereça condições de vida condigna e minimamente integrada na vida da comunidade.”.
Veja-se, também, a este propósito, o Ac. 280/93 do TC de 30.03.1993:
(…)
Traduz-se, pois, este direito à habitação, na sua vertente positiva, na exigência de medidas e prestações do Estado com vista à sua realização, não conferindo, porém, a qualquer cidadão, um direito imediato a uma prestação efectiva, porquanto não é directamente aplicável ou exequível; ou seja, é necessária uma actuação do legislador para concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei.
A propósito da natureza e alcance do direito à habitação, veja-se o Ac. deste STA proferido em 09.01.2020, in proc. nº 01846/17.6BEPRT onde se consignou: «15. Começaremos por notar que, tal como flui do que foi expressado na decisão de 1ª instância e sublinhado pelo Réu, ora Recorrente, o “direito à habitação”, previsto e garantido no art. 65º da CRP, é um “direito fundamental” que, todavia, não se inclui nos “direitos, liberdades e garantias” elencados nos arts. 24º a 57º da CRP (pessoais, arts. 24º a 47º; políticos, arts. 48º a 52º; ou dos trabalhadores, arts. 53º a 57º), nem nos direitos de natureza análoga, não gozando, de pleno, das características e do específico regime jurídico destes (cfr. arts. 18º e 17º nº 1), nomeadamente: aplicabilidade direta e imediata (dada a natureza precetiva); vinculação das entidades públicas e privadas; direito de resistência; suspensão condicionada; limite material de revisão constitucional; responsabilidade civil das entidades públicas; especial forma de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efetiva (v.g., arts. 107º a 111º do CPTA); exigências específicas impostas à lei restritiva (reserva de lei formal, art. 165º nº 1 b; reserva de lei material, art. 18º nº 3 “in initio”; proibição de retroatividade, art. 18º nº 3 “in medio”; respeito pelo “conteúdo essencial do direito”, art. 18º nº 3 “in fine”).
16.Efetivamente, trata-se de um “direito social”, previsto no Título III da CRP no âmbito dos direitos “económicos, sociais e culturais”, para os quais se estabelece uma diferente proteção jurídica, significativamente inferior à dos “direitos, liberdades e garantias”, condicionada, desde logo, pela capacidade financeira do Estado.
(…)
Resulta do exposto, que o artº 65º da CRP, não se pode considerar violado, nem quando o legislador ordinário estabelece regras e critérios para o acesso à habitação pública que pretendem salvaguardar a igualdade de tratamento de todos os cidadãos atendendo às suas circunstâncias e carências, nem tão pouco, quando a ora Requerida dá cumprimento à legislação ordinária vigente e aplicável ao caso sub judice, sendo certo que, caso se julgasse procedente a pretensão do Requerente, aí sim, se estaria a violar o disposto no direito à habitação, dado que o mesmo ocupa a referida casa sem qualquer título jurídico válido; ou seja, pelo facto de a carência económica do agregado familiar do Requerente ser notória, tal circunstância não é apta a, de modo automático, conferir-lhe o direito a usar uma habitação social, em detrimento de outros em igual, ou pior situação económica, que aguardam pacientemente, através dos tramites legais, a atribuição de um fogo municipal.»
Ou seja, como se concluiu no Ac. deste TCA Sul de 14.11.2024, proferido no processo 2013/24.8BELSB (disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fb6539569b8e7e9d80258bd6004e5029?OpenDocument), que aqui acompanhamos e com plena aplicação à situação dos autos,
“[T]ambém aqui o invocado direito à habitação com base no artigo 65.º da CRP não serve para fundamentar (…) as pretensões materiais a expressar pelo ora Recorrente na acção principal, porquanto, o referido comando constitucional tem a natureza de norma programática, carecendo a sua execução da intermediação que é conferida pela lei ordinária (infraconstitucional), designadamente, no que toca à definição de critérios e regras de acesso à habitação pública em condições de igualdade e em concurso com outros cidadãos igualmente carecidos de um fogo social.
Aliás, a talhe de foice, diga-se que, segundo decorre do artigo 7.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, “A atribuição de uma habitação em regime de arrendamento apoiado efetua-se mediante um dos seguintes procedimentos:
a) Concurso por classificação;
b) Concurso por sorteio;
c) Concurso por inscrição.” (destaques nossos)
Tal como afirmou o indicado acórdão do STA, o artigo 65.º da CRP “não é directamente aplicável ou exequível; ou seja, é necessária uma actuação do legislador para concretizar tal direito, pelo que o seu cumprimento só pode ser exigido nas condições e nos termos definidos na lei”.
Do mesmo modo, do artigo 65.º da CRP não se extrai a interpretação que o mesmo consinta aos cidadãos carecidos de habitação a prática de actos de ocupação abusiva de casas municipais, ainda que momentaneamente devolutas, sem que exista para tal apropriação um qualquer título válido (um contrato ou um acto administrativo autorizador ou atributivo da habitação), mesmo que a tal panorama tenha conduzido a carência económica do ocupante (…), pois, nas palavras do mencionado acórdão, “pelo facto de a carência económica do agregado familiar do recorrente ser notória, tal circunstância não é apta a, de modo automático, conferir-lhe o direito a usar uma habitação social.”.
O que significa, portanto, que, estando o direito constitucional à habitação regulado no artigo 65.º da CRP dependente de concretização legal, não sendo diretamente aplicável, nem exequível por si mesmo, este não confere à Recorrente per si um direito imediato a uma prestação efetiva, só se podendo exigir o seu cumprimento nas condições e nos termos definidos pela lei.

Resta, pois, analisar a invocada preterição do direito de audiência prévia.
É sabido que o princípio da audiência, prescrito nomeadamente nos arts.ºs 121.º e segs. do CPA, mas também noutros diplomas, assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no art.º 12.º do mesmo Código e surge em observância e transposição do comando constitucional inserto no art.º 267.º, n.ºs. 1 e 5 da CRP.
Constitui, pois, uma manifestação, em sede do ordenamento procedimental administrativo, do princípio do contraditório, mediante a consagração da possibilidade não só do confronto dos critérios da Administração com os dos administrados de modo a poderem ser obtidas plataformas de entendimento, mas, também, da possibilidade de estes apontarem razões e fundamentos, quer de facto quer de direito, que invalidem o caminho que a Administração intenta percorrer e levem a que outro seja o sentido decisório. E o exercício de tal direito pressupõe, pois, que ao particular sejam reveladas as razões que estiveram subjacentes à decisão da Administração, prevendo, nesse sentido, o art.º 122.º, n.º 2 do CPA que “a notificação fornece o projecto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os apectos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito […]”.
Refira-se que o direito que assiste ao interessado, em determinado procedimento, de ser ouvido antes de ser proferida decisão que lhe seja desfavorável, deve consistir na efetiva possibilidade que lhe será conferida de ter uma participação útil no âmbito daquele procedimento, não se esgotando com o cumprimento da sua observância formal. Isto é, deve facultar-se ao interessado a real e satisfatória pronúncia sobre o projeto de decisão, com capacidade conformadora da decisão definitiva, devendo a decisão final revelar que a argumentação aduzida foi ponderada e apreciada pela Administração.
Ocorre, assim, a preterição de audiência prévia quando a Administração não se pronuncia sobre as questões suscetíveis de influírem no sentido da decisão final, o que, todavia, não significa uma obrigação de apreciação de todos os argumentos utilizados pelo interessado.
Isto posto, do probatório emerge que em 11.9.2024 a Recorrente foi notificada para se pronunciar projeto de decisão de desocupação e entrega da habitação [pontos H) e I) do probatório].
Nessa mesma data remeteu à Entidade Demandada a sua pronúncia sobre o projeto de decisão de desocupação da habitação sita na Rua F…, no P…, Queluz, requerendo, a final «que a decisão de desocupação e entrega da habitação seja revertida para uma decisão que cumpra os fundamentos legais supra mencionados» [ponto J) do probatório].
Tal pronúncia é idêntica à argumentação veiculada nestes autos.
A saber, que ocupa a habitação desde fevereiro de 2014 por a mesma se encontrar devoluta há mais de 12 anos e, atenta a carência económica do agregado familiar não ter outra alternativa habitacional, não obstante já ter solicitado a atribuição de uma habitação e a regularização da situação habitacional. Que, ao abrigo do disposto no artigo 65.º da CRP, lhe assiste o direito a exigir do Estado uma habitação, temendo que, não sendo reconhecido o seu direito ao arrendamento, seja o agregado familiar colocado em situação de sem abrigo. E que, desde 1 de setembro de 2016, se baniu o recurso aos despejos administrativos.
Mais aduz, em tal pronúncia, que não foi cumprida a obrigação de encaminhamento para alternativas habitacionais ou de apoios sociais (artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014, 13.º, n.º 4 da Lei de Bases da Habitação, 11.º e 12.º do Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, 3.º e 4.º da Lei n.º 89/2021), devendo o despejo ser suspenso e a decisão revertida. Referindo, ainda, a falta de fundamentação do ato.
Do despacho, apropriando-se da fundamentação contida na Informação-Proposta n.° I-44656/2024 [factos L) a N)], resulta a obrigação de desocupação, dela emergindo que,
“Analisados os argumentos apresentados pela cidadã ocupante, (...), nomeadamente (i) falta de procedimentos por parte da CMS sobre a averiguação efectiva da carência habitacional do agregado, (ii) se encontrar inscrita nos concursos de habitação social, constata-se que foi elaborado relatório de avaliação social, onde foi devidamente caracterizado o agregado familiar e efectuado o devido encaminhamento para o atendimento de emergência para efeitos de avaliação dos critérios de vulnerabilidade. Igualmente quanto ao alegado “estar inscrita para os concursos de habitação social desde que se lembra, desde há já vários anos”, verifica-se que a ocupante em situação indevida se inscreveu no concurso de arrendamento apoiado, sendo a sua candidatura, ID-3971, de 15/04/2024, desconhecendo-se a existência de outras candidaturas ou pedidos de habitação.
Os argumentos da ocupante não procedem, razão pela qual se deverá manter a decisão no sentido da desocupação efectiva do referido imóvel.”
O exposto é, em nosso entender, suficiente para que se possa considerar cumprido o direito de audiência prévia. É que, embora de forma sucinta, resulta a ponderação dos argumentos apresentados pela Recorrente em sede de audiência prévia, debruçando-se sobre a falta de encaminhamento prévio para soluções habitacionais ou apoios sociais e a questão de outras candidaturas a concurso de arrendamento apoiado. É certo que não resulta uma análise específica da demais argumentação, mas daí não emerge a sua falta de ponderação, a que resulta ter havido lugar pela própria asserção de que os mesmos foram analisados, entendendo-se, todavia, pela sua improcedência.
Isto é, o ato revela que foram ponderados os argumentos nucleares aduzidos pela Recorrente, em termos tais que não se pode considerar violado o direito de audição prévia.
Impõe-se, por conseguinte, negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


4.5. Da condenação em custas

Vencida, é a Recorrente condenada nas custas do recurso, salvo se lhe tiver sido concedida proteção judiciária na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º do CPTA, artigos 7.º, n.º 2 e 4, 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Rejeitar o recurso quanto à matéria de facto;
b. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
c. Condenar a Recorrente nas custas do recurso, salvo se lhe tiver sido concedida proteção judiciária na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Mara de Magalhães Silveira
Marta Cavaleira (com declaração de voto infra)
Joana Costa e Nora
*
Declaração de voto

Em síntese, estas são as razões pelas quais não subscrevo parte da fundamentação do Acórdão.
1. O Decreto-Lei n.º 89/2021, de 3 de novembro, regulamenta normas da Lei de Bases da Habitação, designadamente as relativas à garantia de alternativa habitacional. Como se refere no seu preâmbulo, procede, no seu artigo 3.º, à “definição de situação de efetiva carência habitacional, para os efeitos previstos no n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na sua redação atual”, que estabelece que os “agregados alvos de despejo com efetiva carência habitacional são previamente encaminhados para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais”, norma aplicável às ocupações sem título, por força do disposto no n.º 4 do artigo 35.º da mesma lei.
Impõe “ainda um dever de articulação entre as diversas entidades, do Estado e dos municípios, para que de forma pró-ativa possam resolver as situações das pessoas em situação de efetiva carência habitacional” (destacado nosso). Com efeito, o artigo 4.º deste decreto-lei estabelece um dever objetivo de atuação das entidades públicas, no sentido de proativamente resolverem as situações das pessoas em situação de efetiva carência habitacional, através de uma resposta habitacional permanente, de uma solução de alojamento temporário ou de uma solução habitacional de emergência:
- Cabe às entidades públicas, no âmbito da proteção e acompanhamento no despejo, prestar o apoio necessário aos agregados familiares em situação de efetiva carência habitacional, sinalizados no âmbito do atendimento de ação social (n.º 1).
- Não existindo alternativa habitacional adequada, deve ser salvaguardado o encaminhamento para uma resposta habitacional permanente do parque habitacional público existente, quer dos municípios, quer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU, I. P.), e de acordo com os respetivos critérios de elegibilidade (n.º 2);
- Na impossibilidade de promover a imediata atribuição de uma habitação permanente no parque habitacional público existente, o município da área de localização da habitação a desocupar deve promover, cumpridos os requisitos de elegibilidade do Decreto-Lei n.º 37/2018, de 4 de junho, na sua redação atual, a inclusão destas situações no âmbito da sua Estratégia Local de Habitação ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 37/2018, o que não prejudica que o município ou, existindo, outras entidades com competência para o efeito, encaminhem ou assegurem a implementação de uma solução de alojamento temporário, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P. (ISS, I. P.), e o IHRU, I. P., no âmbito das respetivas competências (n.ºs 3 e 4 );
- O que não prejudica, complementarmente, a salvaguarda de soluções habitacionais de emergência através do município, em articulação com o IHRU, I. P., no âmbito dos respetivos programas, sendo possível recorrer-se, se necessário, ao arrendamento de frações ou de prédios destinados a habitação (n.º 6)
2. Atento o referido dever objetivo de atuação das entidades públicas, no sentido de proativamente resolverem as situações das pessoas em situação de efetiva carência habitacional, através de uma resposta habitacional permanente, de uma solução de alojamento temporário ou de uma solução habitacional de emergência, não posso subscrever o entendimento, defendido no Acórdão, de que o encaminhamento para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais, a que se refere o n.º 6 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na sua redação atual, não visa “assegurar uma alternativa concreta para a resolução do problema de carência habitacional” cumprindo-se «essencialmente, através da prestação de informações sobre as «soluções legais de acesso à habitação» e os «apoios habitacionais» existentes”, sem que se imponha a “realização de diligências concretas para obtenção de uma nova habitação”».
3. No caso em apreço, subscrevo a decisão no sentido de estar cumprido o referido dever, porque resultando da matéria de facto provada “que em 19.2.2024 [facto E)], previamente à prática do ato impugnado, em cumprimento do disposto no artigo 28.º, n.º 6 da Lei n.º 81/2014, de 19/12, foi a Recorrente notificada de que, tendo declarado não ter alternativa habitacional, encontrando-se em efetiva carência habitacional, poderia recorrer ao Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social da Câmara Municipal de Sintra e, bem assim, na mesma data, foi realizada entrevista para avaliação social e encaminhada para o Atendimento de Emergência para avaliação dos critérios de vulnerabilidade e para o Atendimento Programado da Junta de Freguesia [facto F)]”, não se encontra demonstrado que, tendo recorrido a esses serviços de Atendimento, não lhe foi apresentada qualquer solução de alojamento, ainda que temporário ou de emergência.

Marta Cavaleira