Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1406/24.5BELRS
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:06/20/2025
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
JUÍZO DE EXECUÇÃO FISCAL E RECURSOS CONTRAORDENACIONAIS
JUÍZO TRIBUTÁRIO COMUM
Sumário:I. Perante um articulado, no qual é formulado pedido principal próprio de oposição à execução, não pode, sem mais, o Tribunal substituir-se à parte e decidir pela prevalência do conhecimento de um pedido subsidiário formulado, para daí concluir pela sua incompetência em razão da matéria.
Votação:DECISÃO SINGULAR
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Decisão

[art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)]


I. Relatório

O Senhor Juiz do Juízo Tributário Comum do Tribunal Tributário de Lisboa (doravante TTL) veio requerer oficiosamente, junto deste TCAS, ao abrigo do disposto na alínea t) do n.º 1 do art.º 36.º do ETAF e dos art.ºs 109.º, n.º 2, e 111.º, n.º 1, ambos do CPC, a resolução do Conflito Negativo de Competência, em Razão da Matéria, suscitado entre si e Senhor Juiz do Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do mesmo Tribunal, uma vez que ambos se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da oposição à execução fiscal, apresentada por C………..'s Comércio ……………….. Lda (doravante, Oponente).

Chegados os autos a este TCAS, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 112.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC). As partes nada disseram.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do art.º 112.º, n.º 2, do CPC, que emitiu pronúncia no sentido de a competência ser atribuída ao Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais.

É a seguinte a questão a decidir:

a) A competência para decidir a ação, onde tenha sido formulado um pedido principal de extinção da execução fiscal e um pedido subsidiário de anulação da liquidação, cabe ao Juízo Tributário Comum do TTL ou ao Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do mesmo Tribunal?

II. Fundamentação

II.A. Para a apreciação do presente conflito, são de considerar as seguintes ocorrências processuais, documentadas nos autos:

1) Em 30.08.2024, a Oponente remeteu, ao Serviço de Finanças de Loures 3, oposição ao processo de execução fiscal n.º …………………590, dirigida ao TTL, na qual formulou o seguinte pedido:

“Termos em que, atento o supra exposto, deve a presente oposição ser julgada procedente, por provada e, em consequência ser julgada extinta a instância executiva.

Para tanto, requer-se a V. Exa, que, autuada por apenso ao processo de execução, se digne admitira presente oposição a execução e ordene a notificação da Exequente para, querendo, contestar no prazo legal, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

Caso assim não se entenda, o que não se concede, por mero dever de patrocínio requer-se que a V. Exa. se digne ordenara suspensão dos actos processuais no âmbito do presente processo de execução, até que a referida acção que se encontra a correr os seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo Local Cível da Amadora, sob o n.° 1082/22.0T8AMD, seja objecto de Sentença que ponha termo à causa, devendo, sempre, o acto de liquidação ora em causa seja anulado e substituído por outro que determine a base tributável efectiva, real e concretamente apurada sobre o exercício do ano de 2022 nos termos do disposto nos artigos 74.° da Lei Geral Tributária e 100.° do Código de Procedimento e de Processo Administrativo” (cfr. …………………………………, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

2) Nos presentes autos, não foi proferido qualquer despacho de aperfeiçoamento (dos autos nada consta).

3) Foi proferida decisão, no TTL – Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, a 12.12.2024, da qual se extrai designadamente o seguinte:

“Como tem vindo a afirmar a jurisprudência, na interpretação das peças processuais (articulados e decisões judiciais) são aplicáveis, por força do disposto no artigo 295.º do Código Civil, os princípios da interpretação das declarações negociais (comuns à interpretação das leis), valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto no artigo 236.º, n.º 1, do mesmo Código, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes da peça processual [embora valha também aqui o princípio aplicável aos negócios formais, denominado do mínimo de correspondência verbal, de que «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso»] (cfr. artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil] (neste sentido, acórdãos do STA de 15-05-2013, proc. n.º 154/13, de 08-02-2014, proc. n.º 32/13, de 27-04-2016, proc. n.º 0431/16, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Para além do entendimento jurisprudencial acima evidenciado quanto à interpretação das peças processuais, não pode deixar de se ter presente que nessa tarefa interpretativa os rigores formalistas são vedados pelos princípios que enformam a actual lei processual, tal como prevê o artigo 7.º do CPTA, ao estabelecer que, «[p]ara efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas».

Por outro lado, não pode igualmente deixar de se ter presente o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva plasmado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, que impõem que o tribunal extraia dos requerimentos que lhe são apresentados o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, indagando da sua real pretensão.

Ora, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea a) do CPPT, «[a] todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção».

O direito ao processo aqui previsto é corolário do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais contido no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A lei estabelece, assim, uma correspondência entre o direito e a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, havendo apenas um determinado meio processual que, em cada caso, pode ser utilizado para obter a tutela judicial.

Como é sabido, a Oposição à execução fiscal é o meio processual tipicamente adequado para que o executado possa reagir a uma pretensão executiva, que contra ele foi dirigida, exercendo o seu direito de defesa, sendo o meio próprio para obter a extinção daquela.

Por outro lado, a impugnação dos actos tributários / actos administrativos em matéria tributária deve correr sob a forma processual da impugnação judicial prevista nos artigos 99.º e seguintes. do CPPT sempre que tal implique a apreciação de acto de liquidação de tributo e, quando tal não o comporte, sob a forma de acção administrativa, nos termos do CPTA.

Ora, segundo o supra exposto, entendemos que, face à leitura da petição inicial, por um lado, a Oponente não invocou qualquer fundamento de Oposição, os quais se encontram taxativamente previstos no n.º 1 artigo 204.º do CPPT e, por outro, o pedido não se adequa à forma processual utilizada, ou seja, estamos perante um caso de erro na forma de processo.

Com efeito, a Oponente alega que a liquidação oficiosa de IRC subjacente à dívida exequenda é ilegal, nomeadamente, por força de vicissitudes relacionadas com o contabilista certificado, por falta de fundamentação da liquidação e por a base tributável que levou à liquidação se mostrar excessiva.

O que, cremos, consubstancia ilegalidade em concreto do acto tributário, por erro nos pressupostos de facto.

Sendo que a Oponente só pode questionar a legalidade do acto com tais fundamentos através dos meios de impugnação administrativa e contenciosa que conduzam à sua eliminação da ordem jurídica (reclamação graciosa e/ou impugnação judicial) e não através de meios que conduzam à extinção da execução, como sucede com a Oposição.

É que a oposição à execução fiscal funciona, como já disse, como contestação à pretensão do exequente e respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução, devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adoptam as providências executivas, tendo por efeito paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no processo executivo (cfr. acórdão do STA de 04-06-2008, proc. n.º 179/08, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, na forma como a Oponente configurou a Oposição permite-nos afirmar liminarmente que não foi invocado qualquer fundamento próprio desta forma de processo e que a pretensão da Oponente visa atacar a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda.

E para além da causa de pedir, o pedido formulado visa a anulação do acto tributário na origem da dívida exequenda, nomeadamente a anulação da liquidação.

Ora, o erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, pp. 288- 289).

E como tem repetidamente afirmado a jurisprudência, para se saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência.

Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo (neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 11-05-2016, proc. n.º 01395/13, disponível em www.dgsi.pt)

Como se assinala, por exemplo, no acórdão do STA de 28-03-2012, proferido no processo n.º 1145/11, a circunstância de as causas de pedir gizadas não constituírem, porventura, fundamentos válidos de oposição à execução fiscal, não constitui motivo para dar por verificada uma nulidade processual por erro na forma de processo, mas, ao invés, motivo para a improcedência do pedido com base nessa causa de pedir (disponível em www.dgsi.pt).

Assim, como já dissemos, no caso dos autos, no pedido formulado, a Oponente peticiona a procedência da Oposição e a anulação do acto de liquidação.

É certo que a Oponente também peticiona a extinção da instância executiva, pedido esse que se adequa ao meio processual de oposição, contudo, atentas as acima expostas regras de interpretação dos articulados, é perfeitamente visível que a Oponente pretende atacar a legalidade do acto de liquidação na origem do processo de execução fiscal, pedindo a sua anulação, devendo interpretar-se o pedido de extinção da instância executiva apenas como uma consequência normal da procedência de tal anulação

Quanto mais não seja, com recurso à teoria que tem vindo a ser utilizada pelos tribunais superiores, do pedido implícito.

Veja-se, a este propósito, o acórdão do TCA Sul, de 07-05-2020, proferido no processo n.º 690/19.0BEBJA (…)

Por outro lado, importa referir, a situação no caso vertente não cabe na hipótese prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, porquanto a Oponente tem a possibilidade de deduzir Impugnação judicial ou reclamação graciosa contra o acto de liquidação.

Assim, resulta evidente que a Oponente invocou como causa de pedir fundamentos próprios de impugnação judicial - ilegalidade do acto tributário de liquidação - peticionando a anulação da liquidação. E, assim sendo, é de concluir que a oposição à execução fiscal deduzida é um meio processual inadequado para a satisfação da pretensão da Oponente, ou seja, estamos perante um caso de erro na forma de processo.

Sendo que o meio processual adequado, neste caso, seria a impugnação judicial, nos termos conjugados dos artigos 95.º e 101.º, alínea a) da LGT, 96.º e 97.º, n.º 1, alínea a) do CPPT e 140.º do Código do IRS.

Ora, em caso de erro na forma de processo, há sempre que aferir da possibilidade de convolação da petição, em consonância com o preceituado nos artigos 97.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 4, do CPPT, pois nos termos destes preceitos legais, é obrigatória a convolação do processo para a forma de processo adequada (excepto se não for possível utilizar a petição para a forma de processo adequada) sendo que, no processo judicial tributário, a nulidade consubstanciada no erro na forma de processo é de conhecimento oficioso.

Todavia, existe nos presentes autos questão conexa, mas prévia, e que se prende com a competência material deste Tribunal.

Com efeito, desde 1 de Setembro de 2020, com a entrada em vigor da especialização dos Tribunais Administrativos e Fiscais, passaram a coexistir dentro dos Tribunais Tributários, os juízos comuns e os juízos de execução fiscal e de contra-ordenações com competências materiais distintas e mutuamente excludentes.

O artigo 49.º-A n.º 1 do ETAF prevê que, quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º-A, compete ao juízo tributário comum, conhecer de todos os processos que incidam sobre matéria tributária e cuja competência não esteja atribuída ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais tributários [alínea a)] enquanto ao juízo de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais, compete conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes de execuções fiscais e de contra-ordenações tributárias [alínea b)]

Pelo que, em face do exposto, considerando que o juízo de execuções fiscais e recursos contraordenacionais apenas tem competência pare conhecer de todos os litígios emergentes de execuções fiscais e de contra-ordenações tributárias, sendo a forma processualmente adequada à composição do litígio a impugnação judicial, resulta que a competência material para a sua apreciação impende sobre o Juízo Tributário Comum deste Tribunal.

E perante a falta de competência material não pode este Tribunal pronunciar-se sobre a verificação dos requisitos para a convolação no meio processual adequado, cabendo essa apreciação ao Juízo competente (cfr. neste sentido, acórdão do TCA Norte de 27-05-2021, proc. n.º 00547/20.2BEAVR, disponível em www.dgsi.pt)” (cfr. …………………5).

4) A decisão referida em 3) foi notificada às partes e ao IMMP e os autos foram remetidos ao TTL e distribuídos no Juízo Tributário Comum (cfr. …………………..).

5) Foi proferida decisão no TTL – Juízo Tributário Comum, a 26.03.2025, da qual se extrai designadamente o seguinte:

“No caso dos autos, C………. S – COMÉRCIO …………….., LDA., mais bem identificada nos autos, veio deduzir a presente oposição ao processo de execução fiscal n.º ………………..590, instaurado pelo serviço de Finanças de Loures – 3 para cobrança coerciva de dívida proveniente de IRC do ano de 2022, no valor total de € 27.909,43.

A final, formula os seguintes pedidos:

(…)

A Autora estabelece, assim, uma relação de subsidiariedade entre os pedidos formulados:

a. A título principal, pede a extinção do processo de execução fiscal n.º 158202401108590 («deve a presente oposição ser julgada procedente, por provada e, em consequência ser julgada extinta a instância executiva»);

b. A título subsidiário, pede:

i. a suspensão dos actos processuais no âmbito do processo de execução («Caso assim não se entenda, o que não se concede, por mero dever de patrocinio requer-se que a V. Exa. se digne ordenar a suspensão dos actos processuais no âmbito do presente processo de execução, até que a referida acção que se encontra a correr os seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juizo Local Civel da Amadora, sob o n.° 1082/22.0T8AMD, seja objecto de Sentença que ponha termo à causa); e

ii. a anulação do acto de liquidação do qual emergiu a dívida exequenda («devendo, sempre, o acto de liquidação ora em causa seja anulado e substituído por outro que determine a base tributável efectiva, real e concretamente apurada sobre o exercício do ano de 2022 nos termos do disposto nos artigos 74.° da Lei Geral Tributária o 100.° do Código de Procedimento e de Processo Administrativo»).

Com efeito, se é verdade que, no pedido referido em ii., a Autora pede que o acto de liquidação ora em causa seja anulado e substituído por outro que determine a base tributável efectiva, real e concretamente apurada sobre o exercício do ano de 2022 nos termos do disposto nos artigos 74.° da Lei Geral Tributária o 100.° do Código de Procedimento e de Processo Administrativo», tal pretensão tem de ser lida nos próprios termos em que é deduzida, atendendo à completa formulação do pedido, e não somente a uma parte do mesmo, descontextualizada e desligada da frase em que está inserida.

Ora, o segmento em que é formulado o pedido de anulação do acto de liquidação inicia-se da seguinte forma: «Caso assim não se entenda, o que não se concede, por mero dever de patrocinio requer-se (...)».

O único sentido que é possível extrair da formulação daquele pedido é, pois, que a pretensão de anulação do acto de liquidação é formulada a título subsidiário, para a eventualidade de o tribunal julgar improcedente o pedido principal (o pedido de extinção do processo de execução fiscal).

O pedido subsidiário é, por natureza, um pedido condicional, acessório e subordinado de um pedido principal, pelo que o juiz apenas pode conhecer do pedido subsidiário deduzido pelo autor, no caso de não proceder um pedido anteriormente formulado a título principal [artigo 554.º n.º 1 do CPC].

O autor manifesta preferência pelo pedido formulado em primeiro lugar (pedido principal) e, por isso, é este pedido que, em primeiro lugar, o tribunal vai analisar e ao qual vai dar resposta, só se debruçando sobre o pedido formulado em segundo lugar (pedido subsidiário) se concluir pela improcedência do primeiro.

Nessa medida, nos casos em que, cumulando dois ou mais pedidos na mesma acção, o autor estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade (ou de prejudicialidade), a competência do tribunal(e, por consequência, do juízo de competência especializada) é aferida, necessariamente, pelo pedido principal, e não pelo pedido subsidiário, sendo competente para conhecer da acção o tribunal (ou juízo) competente para conhecer do pedido principal [de resto, resultando expressamente dos artigos 21.º n.º 1 do CPTA e 82.º n.º 3 do CPC, quanto às regras de competência territorial (cuja infracção determina a incompetência relativa do tribunal), que "se a cumulação disser respeito a pedidos entre os quais haja uma relação de dependência ou de subsidiariedade, a ação deve ser proposta no tribunal competente para apreciar o pedido principal", sempre se imporá, por maioria de razão, aplicar tal solução quando se trate de regras de competência em razão da matéria (cuja infracção determina a incompetência absoluta)].

Revertendo ao caso dos autos, será materialmente competente para conhecer da acção o juízo de competência especializada ao qual caiba a apreciação do pedido (principal) de extinção do processo de execução fiscal, e não o juízo de competência especializada materialmente competente para apreciar o pedido (subsidiário) de anulação do acto de liquidação, independentemente de os fundamentos invocados dizerem ou não respeito à ilegalidade do acto de liquidação (uma vez que tal circunstância apenas será relevante para aferir da procedência ou improcedência da pretensão formulada, não podendo ser atendida para determinar a competência material do juízo de competência especializada).

E reportando-se aquele pedido principal, inequivocamente, a um litígio emergente de uma execução fiscal, a competência material para o seu conhecimento cabe, nos termos do artigo 49.º-A n.º 1 alínea b) do ETAF, ao Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Tributário de Lisboa, e não a este Juízo Tributário Comum” (cfr. ……………………………………).

6) Quando os presentes autos chegaram a este Tribunal, ambas as decisões judiciais tinham transitado em julgado (cfr. plataformas SITAF e Magistratus).


*

II.B. Apreciando.

Considerando o quadro processual descrito, cumpre decidir qual o juízo materialmente competente para o conhecimento dos autos, se o Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, se o Juízo Tributário Comum.

Vejamos, então.

Nos termos do art.º 36.º, n.º 1, alínea t), do ETAF, compete ao Presidente de cada Tribunal Central Administrativo “conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo, tribunais tributários ou juízos de competência especializada, da área de jurisdição do respetivo tribunal central administrativo”, sendo que, no âmbito do contencioso administrativo e, subsidiariamente, tributário, os conflitos de competência jurisdicional encontram-se regulados nos art.ºs 135.º a 139.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Estabelece-se no n.º 1 do art.º 135.º do CPTA que a resolução dos conflitos “entre tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ou entre órgãos administrativos” segue o regime da ação administrativa, com as especialidades resultantes das diversas alíneas deste preceito, aplicando-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, o disposto na lei processual civil (cfr. art.ºs 109.º e ss. do CPC).

Por sua vez, o art.º 136.º do mesmo diploma estatui que “a resolução dos conflitos pode ser requerida por qualquer interessado e pelo Ministério Público no prazo de um ano contado da data em que se torne inimpugnável a última das decisões”.

Entende-se (como tem sido pacífico na jurisprudência deste TCAS) que, apesar de o art.º 136.º do CPTA manter a redação originária, a mesma não afasta a aplicação da norma constante do n.º 1 do art.º 111.º do CPC, a qual deve ser também aplicada no contencioso administrativo e tributário, com as devidas adaptações, ex vi art.º 135.º, n.º 1, do CPTA.

Ademais, a competência, designadamente em razão da matéria, dos tribunais administrativos e fiscais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cfr. o art.º 13.º do CPTA e o art.º 16.º, n.º 2, do CPPT).

É também de atentar no art.º 49.º do ETAF, nos termos do qual:

“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, compete aos tribunais tributários conhecer:

a) Das ações de impugnação:

i) Dos atos de liquidação de receitas fiscais estaduais, regionais ou locais, e parafiscais, incluindo o indeferimento total ou parcial de reclamações desses atos;

ii) Dos atos de fixação dos valores patrimoniais e dos atos de determinação de matéria tributável suscetíveis de impugnação judicial autónoma;

iii) Dos atos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal;

iv) Dos atos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais;

b) Da impugnação de decisões de aplicação de coimas e sanções acessórias em matéria fiscal;

c) Das ações destinadas a obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal;

d) Dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação de créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, bem como de todas as questões relativas à legitimidade dos responsáveis subsidiários, levantadas nos processos de execução fiscal;

e) Dos seguintes pedidos:

i) De declaração da ilegalidade de normas administrativas emitidas em matéria fiscal;

ii) De produção antecipada de prova, formulados em processo neles pendente ou a instaurar em qualquer tribunal tributário;

iii) De providências cautelares para garantia de créditos fiscais;

iv) De providências cautelares relativas aos atos administrativos impugnados ou impugnáveis e as normas referidas na subalínea i) desta alínea;

v) De execução das suas decisões;

vi) De intimação de qualquer autoridade fiscal para facultar a consulta de documentos ou processos, passar certidões e prestar informações;

f) Das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei.

2 - Compete ainda aos tribunais tributários cumprir os mandatos emitidos pelo Supremo Tribunal Administrativo ou pelos tribunais centrais administrativos e satisfazer as diligências pedidas por carta, ofício ou outros meios de comunicação que lhe sejam dirigidos por outros tribunais tributário”.

Por seu turno, nos termos do art.º 49.º-A do mesmo diploma:

“1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º-A, compete:

a) Ao juízo tributário comum, conhecer de todos os processos que incidam sobre matéria tributária e cuja competência não esteja atribuída ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais tributários;

b) Ao juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais, conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes de execuções fiscais e de contraordenações tributárias”.

A competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, isto é, a mesma tem subjacente a pretensão da, in casu, Oponente e os fundamentos em que esta a alicerça [cfr. Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.03.2012 – (Processo: 0189/11): “A competência (ou jurisdição) de um tribunal afere-se pelo quid decidendum, ou seja, pelos objectivos prosseguidos pelo autor, que são, no recurso de acto administrativo, anular este, ou declarar a sua nulidade, com fundamento nos vícios que se lhe apontem”].

Veja-se que o teor dos fundamentos em que a parte alicerça o seu pedido não tem a ver com a viabilidade que esses fundamentos têm para a procedência desse pedido. Daí que, por exemplo, seja possível indeferir liminarmente uma oposição por manifesta improcedência ou por “[n]ão ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º” [cfr. o art.º 209.º do CPPT; cfr. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.05.2016 (Processo: 01395/13)].

Atenta a relação controvertida, tal como configurada pela Oponente, decorre que foi instaurada contra si uma execução fiscal, que a mesma entende, desde logo e em primeira linha, face ao pedido principal que formula, que deve ser extinta. Formula, ademais, dois pedidos subsidiários.

Sustenta a sua pretensão, em síntese, no seguinte:

a) Em outubro de 2019, requereu a cessação oficiosa da atividade;

b) A Oponente “encontra-se, desde a recusa de assinatura das declarações fiscais pelo contabilista certificado cessante e até à presente data, totalmente impossibilitada de nomear um novo contabilista certificado e, em consequência de apresentar as declarações fiscais necessárias”;

c) “[A]tenta a posição do contabilista cessante, foi necessário recorrer aos meios judiciais para tentar solucionar o litigio existente”;

d) “[N]ão existe culpa na actuação da Oponente na não apresentação das suas declarações fiscais; Motivo pelo qual, não devem os processos seguir os seus trâmites legais”;

e) “Caso assim não se entenda, uma vez que a acção processual supra referida ainda se encontra a correr os seus termos, não tendo ainda sido proferida Sentença, requer-se a V. Exa. se digne ordenar a suspensão dos actos processuais no âmbito dos presentes processos de execução, até que a referida acção que se encontra a correr os seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Local Cível da Amadora, sob o n.° 1082/22.0T8AMD, seja objecto de Sentença que ponha termo à causa”;

f) A demonstração da liquidação não está fundamentada;

g) A Oponente não foi válida e eficazmente notificada, sendo a liquidação ineficaz perante si;

h) A liquidação em causa padece de erro.

Como resulta do exposto, a causa de pedir é múltipla, abarcando, desde logo, aspetos atinentes à relação da Oponente com o seu contabilista, a ineficácia do ato de liquidação e a ilegalidade desse mesmo ato de liquidação.

A Oponente formulou, como já referido, vários pedidos, em relação de subsidiariedade: o pedido principal, de extinção da execução fiscal, pedido por excelência do processo de oposição; o primeiro pedido subsidiário, de suspensão da execução fiscal [pedido que, em determinados casos, se considera admissível em sede de oposição – cfr, v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19.10.2011 (Processo: 0280/11) e de 27.10.2021 (Processo: 02906/18.1BEBRG)]; e, finalmente, o segundo pedido subsidiário, de anulação da liquidação (pedido próprio de impugnação judicial).

Ora, in casu, decorre que o pedido que expressamente a Oponente invoca e que pretende que seja conhecido enquanto pedido principal é o pedido de extinção da oposição – nunca tendo esse pedido principal sido afastado pela Oponente. Se o alegado é de molde ou não à viabilidade desse pedido, já é questão que tem a ver com o conhecimento do mérito.

É certo que o princípio pro actione, que aponta para a interpretação e a aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, por excessivo formalismo, promovendo, pois, emissões de pronúncia sobre o mérito, justifica o entendimento de que podemos ter um pedido implícito a considerar, para efeitos de promoção dessa pronúncia de mérito.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2012 (Processo: 0678/12): “… afastado o rigor formalista na interpretação das peças processuais, desadequado aos tempos presentes e expressamente rejeitado pelos modernos direitos processuais que procuram dar tradução ao princípio tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses das partes, há-de concluir-se que a petição de oposição apresentada pode interpretar-se como contendo um pedido implícito”.


No entanto, in casu, há um pedido principal explícito que não pode ser desconsiderado (além de, pelo menos, em termos de causa de pedir, ser invocada a ineficácia do ato, claramente fundamento passível de ser apreciado em sede de oposição à execução) nem preterido a favor de outro pedido subsidiário, também ele explícito. A Oponente formulou três pedidos, em relação de subsidiariedade, o que não pode deixar de ser valorado.

Sendo formulado pedido subsidiário que não seja próprio de oposição à execução, tal não invalida que o Tribunal se julgue materialmente incompetente para esse pedido, apreciando o ou os pedidos para o qual é competente.

No entanto, perante um articulado, no qual é formulado pedido principal próprio de oposição à execução, não pode, sem mais, o Tribunal substituir-se à parte e decidir pela prevalência do conhecimento de um pedido subsidiário formulado (veja-se que não houve qualquer despacho de aperfeiçoamento).

Como se sumaria no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31.01.2012 (Processo: 01052/11):

“I - Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração no caso de não proceder um pedido anterior (cfr. o n.º 1 do artigo 469.º do Código de Processo Civil).

II - Não obsta à convolação da petição de oposição em requerimento de arguição de nulidade da citação a apresentar no processo executivo a existência de pedido subsidiário para o qual a oposição constituía meio processual adequado, pois que ainda que a cada um dos pedidos (principal e subsidiário) correspondam formas processuais diferentes, deve prevalecer a forma adequada ao pedido principal, pois o subsidiário só deve ser apreciado em caso de improcedência do pedido principal (artigo 469.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

III - Porém, se na petição inicial de oposição à execução fiscal se formulam causas de pedir substancialmente incompatíveis, havendo uma cumulação de pedidos e, ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, deverá considerar-se sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, prosseguindo este para apreciação dos demais pedidos” (destacado nosso).

Como tal, conclui-se que a competência material, in casu, é do Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais [art.º 5.º e art.º 49.º-A, n.º 1, alínea b), ambos do ETAF; art.º 3.º, alínea b), do DL n.º 174/2019, de 13 dezembro, conjugado com a alínea b) do art.º 1.º da Portaria n.º 121/2020, de 22 de maio].

III. Decisão

Face ao exposto, decide-se o presente conflito pela atribuição de competência para a tramitação e decisão do processo ao Juízo de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Tributário de Lisboa.

Sem custas.

Registe e notifique.

Baixem os autos.


Lisboa, d.s.

A Juíza Desembargadora Presidente,

(Tânia Meireles da Cunha)