Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1126/18.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:FUNDADA DÚVIDA
LIVRE CONVIÇÃO DO JULGADOR
Sumário:I- A fundada dúvida acerca do facto tributário e da quantificação, a que se refere o artigo 100º do CPPT, não se confunde com a inércia probatória da impugnante;

II-A motivação da decisão de facto não é arbitrária, nem de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto. Pelo contrário, trata-se de uma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objetivado, alicerçado na análise crítica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na, e com, a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, devendo aquela convicção ser explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador, que administra a justiça em nome do povo.

III- Assim, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:*
Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
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I - RELATÓRIO

A impugnante, ora recorrente, E........... - Indústria e …………………… Unipessoal, Lda, deduziu recurso contra a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra as liquidações adicionais de IRC e respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2014.


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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


1-A matéria de facto dada como provada na sentença, acolhe, quase in totum, a que se encontra reproduzida no relatório de inspeção tributária, documentos e as conclusões que do mesmo decorrem, desconsiderando a prova apresentada pela Recorrente”, quer de natureza documental, quer, de modo relevante, testemunhal;


2-Recorre-se assim, primeiramente, da decisão sobre a matéria de facto dada como não provada constante da decisão recorrida a saber:


A. Os serviços que constam como objeto das faturas do exercício de 2014, por parte das sociedades A…A e P…………….. Azul, [que a A.T. desconsiderou no âmbito do procedimento de inspeção tributária], foram efetivamente prestados à Impugnante;


B. A Impugnante efetuou o pagamento dos serviços, referidos no facto antecedente, faturados por aqueles fornecedores, através de cheque ou numerário.


3-Impugnando-se tal decisão com fundamento nos depoimentos de testemunhas que se encontram gravados e daí se impondo decisão diversa a proferir por este Venerando Tribunal, no pressuposto da reapreciação destes meios de prova e consequente provimento do pedido de anulação das liquidações.


4-Do depoimento das testemunhas indicia-se que se verificaram relações comerciais em causa objeto de faturação.


5-Respeitando o princípio da livre apreciação da prova, entende-se que o mesmo foi violado na decisão recorrida no que diz respeito à matéria de facto, a análise que se fez dos depoimentos das testemunhas, afigurou-se parcial e incongruente, em contradição com a idoneidade e consistência dos mesmos;


6-Ora importa impugnar a matéria de facto dada como assente na decisão recorrida que inclui a conclusão fatual de relações simuladas entre a RECORRENTE e a A… e a P……………… AZUL


7-E para os efeitos referidos no ponto anterior, importa, pela reapreciação da prova gravada, que se faça julgamento diferente do que foi realizado, sobre os factos que incluem a conclusão mencionada.


a) E a matéria controvertida, refletida na matéria de facto, é a de saber se, no ano de 2014, ocorreram, ou não, transações comerciais entre a A……….. e a P……………AZUL e a Recorrente;


b) Ora dos segmentos dos depoimentos das testemunhas que se transcreveram ((fazendo-se referência, no lado esquerdo da transcrição, à hora, minutos e segundos, da gravação), resulta que: ocorreram transações comerciais reais entre a E........... e a A……….e a P……………AZUL


c) Atente-se que, dos segmentos dos depoimentos das testemunhas, sublinhados a negrito e agora, especificamente, identificados Sandra ……………….. (das 00:13:04 a 00:15:21 e de 00.11.27 a 00.16.32), António ……………. (das 00.29.37 a 00.30.52 e 00.31.25 a 00.31.25), Rui …………….. (das 00.47.02 a 00.47.47 e das 00.49.19 a 00.50.28) António …………………. (das 01.02.12 a 01. 02.15) ou do trabalhador O………….. (00:20:15 a 01:21:04), resulta de modo perentório, que, no ano de 2014, se verificaram transações entre as empresas em causa;


d) Atento o exposto, mesmo considerando o princípio de livre apreciação da prova não deveria ser considerado provada a matéria de facto referente às relações comerciais entre a Recorrente e a A……… e a P…………… AZUL, constante da sentença recorrida, caindo a tese de inexistência de relações comerciais entre a Recorrente.


e) Do recurso da matéria de facto, visando a reapreciação da prova gravada, a decisão deveria ter sido de considerar os depoimentos das testemunhas que presenciaram factos ocorridos no ano de 2014, atento o seu teor, devendo ficar prejudicados os factos dados como provados resultantes de meros indícios e de um relatório de inspeção tributaria executado no ano de 2016:


f) Em suma da reapreciação da prova gravada, as liquidações de IRC fundadas em operações simuladas - faturas emitidas pela A…………… e P……………..AZUL - gastos não aceites fiscalmente (vide quadro), devem ser anuladas por as mesmas terem correspondido, do depoimento das testemunhas tal resulta, a transações reais durante o ano de 2014;


g) Por outro lado, em face os factos dados como provados, coincidentes, quase totalmente, com os do RIT, constata-se estarem os mesmos em contradição com o teor dos depoimentos prestados que se revelam mais fidedignos por se reportarem ao testemunho direto de ocorrências do ano de 2014;


h) Daí terem sido identificados factos e terem sido recolhidos diversos elementos demonstrativos de que não se verificou simulação de transações comerciais, relacionadas com faturas emitidas pelas sociedades em causa, verificando-se erro de julgamento na manutenção das liquidações de IRC;


i) Por último entende a Recorrente, por tudo o que foi supra, referido, nomeadamente quanto à impugnação da matéria de facto dada como provada à luz da reapreciação da prova gravada, que para além de não ter fundamento legal, a liquidação de IRC com base nas correções meramente aritméticas, acaba por gerar fundada dúvida, tese que devia ser acolhida na sentença recorrida


j) Com efeito, dispõe o artigo 100º, nº 1, do CPPT que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”


k) A norma presente destrói claramente essa presunção legal a favor da AT e estabelece uma verdadeira repartição do ónus da prova - que se coloca apenas em relação a questões de facto - de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AT.


l) Não devendo a AT efetuar a liquidação se não existirem indícios consistentes da existência daqueles, isto é, se o conhecimento desses factos for baseado em meras aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios


m) In casu, a prova produzida pela Recorrente, nomeadamente considerando os depoimentos das testemunhas (vide reapreciação da prova gravada), ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, é suscetível de infirmar os factos em que assentou o juízo da AT ou, pelo menos, de sobre ele criar uma fundada dúvida sobre a sua existência.


n) No artigo 100º do CPPT acolhe-se claramente o princípio da verdade material, vinculante para a própria AT que só deverá praticar o acto tributário quando «formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável»;


o) Em suma, é a indubitável consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que vigorou anteriormente à Reforma Fiscal.


p) Tudo isto para se concluir que, quer no procedimento administrativo, quer no presente processo judicial, o que há a relevar é o princípio da verdade material do facto tributário que gera o direito à arrecadação do imposto, provado diretamente pela declaração e (ou) a contabilidade do contribuinte ou pela administração fiscal, nos casos tipificados na lei, através dos meios gerais e especiais de prova legalmente admissíveis.


q) Assim, a dúvida fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, estabelecida no processo judicial (ou administrativo), equivalerá à conclusão pela sua inexistência e consequente anulação (ou abstenção da prática) do acto tributário que o tenha por base.


r) Perante o exposto, devia o Julgador recorrer à regra do artigo 100º do CPPT pois, ainda que se considere que, com base em matéria de prova produzida pela Recorrente, existe fundada dúvida sobre a existência dos pressupostos do acto tributário impugnado relativamente à verba em causa, terá a mesma de beneficiar o contribuinte, anulando-se a liquidação de IRC impugnada.


s) Por tudo o que foi expendido, não se aceita a sentença recorrida que acolhe a tese da AT quanto às correções técnicas efetuadas à matéria coletável de que resultou liquidações em sede de IRC mais juros compensatórios do exercício de 2014, padecem de invalidade, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, insuficiência/incongruência de impugnadas, devendo ser anuladas;


t) A sentença recorrida ao aceitar a liquidações emitidas pela AT, afronta os princípios constitucionais da legalidade, justiça, proporcionalidade, capacidade contributiva e da tributação do rendimento real (lucro) o que torna manifestamente inconstitucional a liquidação de IRC, pela inexistência de fundamentos que justifiquem a adoção de correções técnicas à matéria coletável procedida pela AT e que resultou em tributação manifestamente/absolutamente exagerada


u) Pelo exposto, as liquidações derivadas das referidas correcções à matéria colectável padecem do vício de violação de lei (supra explicitado quanto às normas violadas), pelo que devem ser anuladas, tendo a sentença errado no seu julgamento quer quanto ao restante IRC


Nestes termos, quer pela reapreciação da prova gravada que inculca diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto, ou, quer pelo restante alegado, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e em consequência, ser revogada a sentença com a consequente anulação das liquidações impugnadas.



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A recorrida não apresentou contra-alegações.

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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.
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II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].

Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir se: - A decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto e se errou de direito ao concluir que não existe fundada dúvida nos termos do artigo 100º do CPPT.

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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. Em 17.03.1979, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães, a constituição da Impugnante, com o seguinte objeto: “Indústria e comercialização de curtumes, couros e peles para fins industriais. Comércio, importação e exportação de mercadorias” – cfr. fls. 185 e 186 do SITAF;

2. No exercício da atividade, descrita no facto antecedente, a Impugnante procedia à aquisição de peles, as quais eram colocadas em fábrica pelos seus fornecedores, para tratamento e transformação nas instalações da Impugnante, tendo em vista a subsequente venda do produto aos seus clientes – cfr. depoimento das testemunhas Sandra ……………. e Rui ……………………;

3. Em datas não concretamente apuradas, alguns dos funcionários da Impugnante deslocavam-se a outros países (como a Turquia, o Egito, a República Dominicana, Marrocos e a Ucrânia) para classificar peles, sendo as mesmas adquiridas diretamente pela Impugnante a fornecedores desses países ou por intermédio de fornecedores nacionais – cfr. depoimento das testemunhas Rui ………………..e O ………………;

4. No âmbito da sua atividade, a Impugnante utilizava como meios de pagamento cheques endossados, cheques pré-datados, letras e numerário – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 327 ss. do SITAF e depoimento das testemunhas Sandra ………………., António …………. e António ……………………;

5. A Impugnante é detida a 100% pela sociedade Wind …………… – SGPS, S.A. (“Wind ………….”) – cfr. fls. 189 do SITAF;

6. Com efeitos a partir de 10 de dezembro de 2001, Sandra ……………. foi designada gerente da Impugnante – cfr. certidão permanente a fls. 186 do SITAF;

7. Em 25.01.2008, foi inscrita a constituição da sociedade R………………, Lda. (“R…………….”) na Conservatória do Registo Comercial de Vagos, com o objeto “Recolha, triagem, transformação e reciclagem de resíduos não poluentes, comercialização de produtos reciclados” – cfr. registo de constituição de sociedade e designação de membros de órgãos sociais da referida sociedade, efetuado pela Inscrição 1 – AP. 3/20000125, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

8. Na mesma data, em 25.01.2008, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Vagos a designação de Américo …………………… para o cargo de gerente da sociedade R………….. – cfr. registo de constituição de sociedade e designação de membros de órgãos sociais da referida sociedade, efetuado pela Inscrição 1 – AP. 3/20000125, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

9. Em 30.01.2009, foi inscrita a constituição da sociedade A5A, na Conservatória do Registo Comercial de Abrantes, com o objeto de “Consultadoria na área de: qualidade, ambiente, segurança e saúde no trabalho, segurança alimentar, H………….fiscalidade, financeira, formação profissional. Recuperação de empresas. Venda de equipamentos de proteção no trabalho. Realização de eventos. Outros serviços conexos” – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 341 do SITAF e registo de constituição de sociedade e designação de membros de órgãos sociais da referida sociedade, efetuado pela Inscrição 1 – AP. 2/20090130, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

10. Em 18.12.2009, foi inscrita a constituição da sociedade P……………… Azul, na Conservatória do Registo Comercial de Abrantes, com o objeto “Comércio por grosso, importação e exportação de couros e peles, produtos alimentares e outros produtos não especificados” – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 332 do SITAF e registo de constituição de sociedade e designação de membros de órgãos sociais da referida sociedade, efetuado pela Inscrição 1 – AP. 10/20091218, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

11. Em 26. 07.2012, foi elaborada a “Certificação legal das contas” do exercício de 2011 da Impugnante, a qual contém reserva de que não foram constituídas provisões para penalidades derivadas de contribuições para a Segurança Social e impostos em mora de pagamento – cfr. certificação legal das contas de fls. 150 e 151 do SITAF;

12. Em 31.03.2013, foi elaborada a “Certificação legal das contas” do exercício de 2012, da Impugnante, com a reserva de que não foram constituídas provisões para penalidades derivadas de contribuições para a Segurança Social e impostos em mora de pagamento – cfr. certificação legal das contas de fls. 148 e 149 do SITAF;

13. Em 03.05.2013, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do Porto a renúncia de Sandra ……………………… do cargo de gerente da Impugnante, com efeitos a 25 de março de 2013 – cfr. certidão permanente a fls. 188 do SITAF;

14. Na mesma data, em 03.05.2013, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do Porto, a designação de João ………………………… para o cargo de gerente da Impugnante, com efeitos a partir de 25 de março de 2013 – cfr. certidão permanente a fls. 188 do SITAF;

15. Em 15.07.2013, foi inscrita “online” a designação de João ……………………. para o cargo de gerente da sociedade P……………. Azul – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 346 do SITAF e registo de designação de membro de órgão social (online) da referida sociedade, efetuado pela Inscrição 2 – AP. 17/20130715, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

16. Em 18.07.2013, foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal a designação de João ………………. para o cargo de gerente da sociedade S………………..– ………. Unipessoal, Lda. – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 307 e 346 do SITAF e registo de designação de membro de órgão social da referida sociedade, efetuado pela Inscrição 2 – AP. 2/20130718, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

17. Em 09.10.2014, foi inscrita “online” a renúncia de Américo …………………………..do cargo de gerente da sociedade R……………s, com efeitos a 8 de outubro de 2014 – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 305 do SITAF e registo de cessação de funções de membros dos órgãos sociais, efetuado pelo Averbamento 3 – AP. 1/20141009, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

18. Em 14.02.2014, a entidade “TGS ………….. A.S.”, com sede na Turquia, procedeu à emissão da fatura n.º 1071, em nome da Impugnante, contendo no descritivo “Wet Blue Bulls Leather / IV; Wet Blue Bulls Leather / V; Wet Blue Cow Leather / TR”: como consignatária dos bens, a Impugnante, como local de envio, a Turquia (cidade de Istambul) e, como destino, Portugal – cfr. fls. 142 do SITAF;

19. Em 16.05.2014, a entidade “Luso ………….. SARL”, com sede em Marrocos, procedeu à emissão da fatura n.º 007/2014, em nome da Impugnante, contendo no descritivo “Crust noir de bovins” – cfr. fls. 143 do SITAF;

20. Em 06.08.2014, foi elaborada a “Certificação legal das contas” do exercício de 2013 da Impugnante, com a reserva de que não foram constituídas provisões para penalidades derivadas de contribuições para a Segurança Social e impostos em mora de pagamento – cfr. certificação legal das contas de fls. 146 e 147 do SITAF;

21. Em 2014, a Impugnante celebrou um “contrato de arrendamento comercial/industrial e bens móveis” com a sociedade V……………., com data de início a 1 de agosto de 2014, no âmbito do qual esta passou a exercer a atividade comercial/industrial no setor dos curtumes que, até àquela data, era exercida pela Impugnante – cfr. relatório de inspeção tributária a fls. 315 do SITAF;

22. Da cláusula segunda, parágrafo segundo do contrato, referido no facto antecedente, consta que as despesas apresentadas à Impugnante pela A……….. são suportadas pela sociedade V……………– cfr fls. 315 do SITAF;

23. Durante o ano de 2014, o serviço relativo ao tratamento de águas residuais da indústria de curtumes na zona de Alcanena era faturado às entidades dessa indústria, nomeadamente, à Impugnante, pela A……………– cfr. depoimento da testemunha Sandra …………….;

24. Em 2014 a Impugnante entregou, junto da A.T., “Declaração de alteração de atividade” passando a constar o exercício da atividade económica de “arrendamento de bens imobiliários”, que corresponde ao Código de Atividade Económico 68200 – cfr. fls. 260 do SITAF;

25. Durante o ano de 2014, as sociedades V………….. – Indústria ………………, S.A. (“V…………..”) e Va…………, eram detidas a 100% pela sociedade Wind ………….– cfr. fls. 343 do SITAF;

26. Durante o ano de 2014, Sandra ………………… constava como “gerente de direito” da sociedade V…………… – cfr. fls. 343 do SITAF;

27. Durante o ano de 2014, Sandra …………………. constava como “gerente de direito” da sociedade V………… – cfr. fls. 343 do SITAF;

28. À data de 2014, a pessoa singular, Fernando ………………, auferia “rendimentos da Categoria A de IRS” por parte da Impugnante e constava como sócio da sociedade Wind ………. – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 336 do SITAF e registo de contrato de sociedade e designação de membros de órgãos da referida sociedade, efetuado pela Inscrição 1 – AP. 5/20061212, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

29. No período de 2014, foi registada na contabilidade da Impugnante a fatura, emitida pela sociedade A5A, no valor total de € 401.301,34, contendo os seguintes elementos:

- cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 341 do SITAF;
30. O valor líquido da fatura, mencionada no facto antecedente, de € 326.261,25, foi reconhecido pela Impugnante como gasto do exercício de 2014, na conta #62111 –cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 341 do SITAF;

31. Os montantes registados contabilisticamente como pagamentos efetuados pela Impugnante, ao fornecedor A5A, referentes à fatura n.º 1400/000001, assumem as seguintes formas:

a) € 380.121,07 – endosso de cheque emitido pela B………….(sociedade Espanhola, cliente e fornecedora da Impugnante);

b) € 19.139,51 – endosso de cheque emitido por Fernando………………;

c) € 2.040,00 – pagamentos em numerário.
- cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 335 e 336 do SITAF;

32. Em 23.09.2014, foi efetuada transferência bancária, no valor de € 19.139,51, da conta bancária da Impugnante para a conta bancária de Fernando ………………. – cfr. fls. 48 e 49 do SITAF;

33. Em 25.09.2014, foi debitado da conta bancária de Fernando ………………. o cheque de caixa n.º ……………, no valor de € 19.139,51 – cfr. fls. 48 e 49 do SITAF;

34. No período de 2014, foram registadas na contabilidade da Impugnante as faturas, emitidas pela sociedade P………….. Azul, no valor total de € 795.072,42, contendo os seguintes elementos:

- cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 334 e 335 do SITAF;
35. O valor líquido das faturas, mencionadas no facto antecedente, de € 646.400,34, foi reconhecido pela Impugnante como gasto do exercício de 2014, nas contas #62111 e #62113 –cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 334 do SITAF;

36. Os montantes registados contabilisticamente como pagamentos ao fornecedor P…………….. Azul, referentes às faturas n.º 1400/000002 e 1400/000006, assumem as seguintes formas:

a) € 336.759,04 – endosso de cheques do cliente B………….;

b) € 28.643,00 – endosso de cheques da V………….;

c) € 159.904,09 – endosso de cheques dos clientes O……………. e P……………..;
- cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 327 e 328 do SITAF;
37. No período de 2014, a Impugnante registou na conta #63 – Gastos com o pessoal (referentes a 68 trabalhadores remunerados) o valor de € 914.644,91 – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 343 e 344 do SITAF;

38. Ainda, em 2014, a Impugnante registou na conta #71 – Vendas, o valor total de € 3.840.415,97 e, na conta #72 – Prestações de serviços, o valor de € 982.884,91– cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 343 e 344 do SITAF;

39. Os valores registados nas contas mencionadas no facto antecedente respeitam em 97,44%, a vendas e serviços registados na contabilidade como efetuados aos seguintes clientes:

 B…………. – Comércio e ………… S.L.: vendas no valor de € 2.741.883,08;

 Vi……………. – vendas e prestações de serviços no valor de € 462.437,65;

 V…………..vendas e prestações de serviços no valor de € 1.478.337,85, e;

 O…………………. – vendas e prestações de serviços no valor de € 404.153,59.
- cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 343 do SITAF;
40. As declarações de expedição (“CMR”) referentes aos produtos relativos às vendas que se encontram registadas na contabilidade da Impugnante como efetuadas ao cliente B……………….., não contêm carimbo nem assinatura do destinatário – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 307 e 308 do SITAF;

41. Dos “CMR”, referidos no facto antecedente, constam como transportadores as sociedades Speed ……………. – Transportes Unipessoal, Lda. e D………………..Transportes, Lda. (“D…………….Transportes”) – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 306 e 307 do SITAF;

42. Os “CMR” em que consta como transportadora a sociedade D…………. Transportes não foram emitidos sequencialmente, tendo o CMR n.º 6527 sido emitido em 25 de junho de 2014, o CMR n.º 6530, a 22 de setembro de 2014 e, o CMR n.º 6534, a 28 de maio de 2014 – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 306 do SITAF;

43. A sociedade “Speed …………..” não é declarante de IVA desde março de 2014, inclusive e, quanto ao IRC, desde 2013, inclusive – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 307 do SITAF;

44. Não consta da contabilidade da Impugnante nenhuma fatura emitida pelas sociedades Speed …………… ou D………… Transportes – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 306 do SITAF;

45. A sociedade D………………..Transportes não reportou, nas declarações recapitulativas de IVA do ano de 2014, serviços prestados à sociedade B……………… – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 306 do SITAF;

46. A sociedade B…………….., possui como atividades: o comércio de veículos automóveis ligeiros, comércio por grosso de peças e acessórios para veículos automóveis, comércio, manutenção e reparação de motociclos, de suas peças e acessórios, comércio de outros veículos automóveis, comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos, comércio por grosso de máquinas / ferramentas, comércio por grosso de máquinas para a indústria extrativa, construção e engenharia civil e comércio por grosso de desperdícios e sucata – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 305 e 306 do SITAF;

47. À data de 2014, a sociedade B……………. tinha como administrador António ………….. e como sócio Américo …………….. – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 305 do SITAF;

48. A sociedade B………… tem sede e endereço na “Calle B……………….., 37500 Cuidad …………………”, em Espanha – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 306 do SITAF;

49. A morada referida no facto antecedente corresponde à sede e ao local onde se encontram as instalações da sociedade espanhola “Centro de Asesoria y Gestion, S.L.” – cfr. Relatório de inspeção tributária de fls. 305 do SITAF;

50. Em 06.02.2015, foi inscrita, na Conservatória do Registo Comercial de Vagos, a designação de João ……………………….. para o cargo de gerente da sociedade R………………. – cfr. relatório de inspeção tributária de fls. 346 do SITAF e registo de alterações ao contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais, efetuado pela Inscrição 4 – AP. 32/20150206, publicado em https://publicacoes.mj.pt;

51. Em 17.03.2015, foi elaborada a “Certificação legal das contas” do exercício de 2014 da Impugnante, com a reserva referente ao reconhecimento de perdas por imparidade relativas a riscos associados a contas a receber de clientes, no valor de € 850.000,00 – cfr. certificação legal das contas de fls. 144 e 145 do SITAF;

52. Em 19.05.2015, a Impugnante procedeu à submissão da Declaração Modelo 22 de IRC do exercício de 2014, tendo reportado um “resultado líquido do período” de € - 273.340,81, ao qual deduziu “correções relativas a períodos de tributação anteriores (art.º 18.º, n.º 2)” no valor de € 199.996,95, tendo, na determinação da matéria coletável, apurado um prejuízo fiscal de € 446.751,85 – cfr. fls. 152 a 154 do SITAF;

53. Em 25.08.2015, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201600363, a A.T. iniciou um procedimento inspetivo à Impugnante, de âmbito externo, em sede de IRC, tendo por objeto o período de tributação de 2014 – cfr. 347 a 350 do SITAF;

54. No âmbito do procedimento de inspeção tributária realizado à sociedade A5A ao exercício de 2015, a A.T. apurou, no relatório de inspeção tributária, o seguinte:

a) A sociedade tem como objeto social “Consultadoria na área de: qualidade, ambiente, segurança e saúde no trabalho, segurança alimentar, HACCP, fiscalidade, financeira, formação profissional. Recuperação de empresas. Venda de equipamentos de proteção no trabalho. Realização de eventos. Outros serviços conexos”;
b) O sujeito passivo não entregou a declaração modelo 22 de IRC, a declaração anual (Informação Empresarial Simplificada) e as declarações periódicas de IVA, desde 2011, inclusive;
c) Não foi encontrada qualquer instalação (sendo a morada da sede um bloco habitacional, onde a sociedade não desenvolvia qualquer atividade) ou qualquer pessoa ligada diretamente a uma estrutura empresarial;
d) O registo de aquisições de bens e serviços que constam no sistema e-fatura não é compatível com o valor das vendas e prestações de serviços declaradas;

e) Não consta em qualquer declaração como entidade pagadora de rendimentos, nos períodos de 2011 a 2015;
f) Não possui trabalhadores ao seu serviço;
g) À data, possuía um motociclo registado em seu nome.
- cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 69 a 72 do SITAF.
55. Em consulta aos dados fiscais da sociedade P……………….. Azul, e no âmbito do procedimento de inspeção tributária realizado ao exercício de 2016 da referida sociedade, a A.T. apurou o seguinte:

 O sujeito passivo, na declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2014, apurou um prejuízo fiscal, e nas declarações periódicas de IVA de 2014 apurou um crédito de reduzido montante, tendo IVA liquidado e IVA deduzido em montantes semelhantes;
 Relativamente ao período de 2014, não existem vendas ou prestações de serviços declarados na declaração anual (Informação Empresarial Simplificada – anexos O e P) ao sujeito passivo pelos seus fornecedores;
 O registo de aquisições de bens e serviços (sistema e-fatura), em 2014, contém apenas dois documentos, no valor aproximado de € 500,00, e em 2013 contém dois documentos (uma fatura no valor de € 268,00 e uma fatura emitida pela sociedade A5A, no valor de € 591.617,92);
 Não consta em qualquer declaração como entidade pagadora de rendimentos, nos períodos de 2013 a 2015;
 Não possui trabalhadores ao seu serviço, nem prestadores de serviços;
 A morada que consta como sede no cadastro da AT e do Portal da Justiça é inexistente;
 À data, possuía um veículo ligeiro de mercadorias registado em seu nome;
 Não existiram, em 2014, movimentos em contas bancárias, tendo sido registado em caixa o movimento a débito do montante de € 38.889,00;
 A pessoa nomeada para o cargo de gerente da referida sociedade coincide com a pessoa nomeada para o cargo de gerente da Impugnante (João ………….),
- cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 330 a 335 do SITAF;
56. No âmbito do procedimento de inspeção tributária realizada à sociedade P………………Azul aos anos de 2013 a 2016, a A.T. não efetuou correções em sede de IRC, uma vez que “face aos elementos recolhidos, designadamente, os indícios de que as faturas, alegadamente, emitidas pela P............. Azul não correspondem a operações reais (…) não foi possível quantificar os benefícios reais obtidos com as, denominadas, «faturas de favor»” – cfr. fls. 58 do SITAF;

57. No âmbito do procedimento de inspeção tributária realizado à Impugnante, os serviços de inspeção tributária, com referência aos meios contabilizados por esta, como tendo sido utilizados para efetuar o pagamento (vide facto 31. supra) da fatura emitida pela sociedade A5A (mencionada no facto 29. supra), constataram o seguinte:

 Endosso de cheques do cliente B……………– não contêm indicação do titular da conta;
 Endosso de cheques de Fernando …………… – da contabilidade da Impugnante não consta cópia do referido cheque;
 Pagamentos em numerário – sem comprovativo;
- cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 335 e 336 do SITAF;
58. Ainda em sede do procedimento inspetivo, realizado à Impugnante, os serviços de inspeção tributária, com referência aos meios contabilizados por esta, como tendo sido utilizados para efetuar o pagamento (vide facto 36. supra) das faturas emitidas pela sociedade P............. Azul (mencionadas no facto 34. supra), constataram o seguinte:

 Endosso de cheques do cliente B………. – não contêm indicação do titular da conta;
 Endosso de cheques da V…………. – da contabilidade da Impugnante não consta cópia do referido cheque;
 Endosso de cheques da O…………. e da P…………… – da contabilidade da Impugnante consta apenas cópia dos cheques emitidos pelos clientes;
- cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 327 e 328 do SITAF;
59. Em sede de inspeção tributária, a A.T. verificou que a Impugnante, no ano de 2014, procedeu à anulação do saldo credor da conta “#2436 – IVA a pagar” (no valor de € 677.170,20), por contrapartida do reconhecimento de um rendimento na conta “#78812 – Outros rendimentos e ganhos / outros / correções relativas a períodos anteriores / IVA 2008”, no valor de € 199.996,65, rendimento este que respeita à diferença entre o saldo que constava na conta #2436 (€ 677.170,20) e o valor apurado como IVA a pagar após o procedimento de inspeção tributária ao período de 2010 de IRC da Impugnante (€ 477.173,34), o qual só foi refletido contabilisticamente após a “notificação”, à Impugnante, em 2014, do resultado de ações inspetivas aos anos de 2010 a 2012 – cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 311 a 314 do SITAF;

60. O rendimento, referido no facto provado antecedente, encontra-se contabilisticamente suportado no seguinte documento:
«Texto no original»

- cfr. Relatório de inspeção tributária, a fls. 313 do SITAF;

61. No âmbito do procedimento inspetivo efetuado à Impugnante, os Serviços de Inspeção Tributária realizaram correções à matéria tributável de IRC do período de 2014, no valor de € 1.216.165,35, apurando um resultado tributável corrigido de € 769.413,50 – cfr. fls. 348 a 350 do SITAF;

62. As correções à matéria tributável de IRC do exercício de 2014, da Impugnante, no valor total de € 1.216.165,35, respeitam ao seguinte:
a) € 939.185,27, referentes a faturas emitidas pelos fornecedores A5A e P............. Azul no ano de 2014 (elencadas nos factos 14. e 19. supra), em que se considerou existirem fortes indícios de que as mesmas foram emitidas sem titular operações reais;
b) € 30.329,01, referentes às seguintes despesas registadas pela Impugnante, em que se considerou que as mesmas não estavam devidamente documentadas ou foram realizadas num contexto alheio à sua atividade:
«Texto no original»

c) € 46.654,12, referentes às seguintes despesas debitadas pela A………. à Impugnante, em 2014, tendo a A.T. considerado que as mesmas não são gastos dedutíveis na sua esfera, por esta não as ter imputado à sociedade V……….:
«Texto no original»



d) € 199.996,95, montante que foi deduzido no campo “correções relativas a períodos de tributação anteriores (art. 18.º, n.º 2)” do quadro 07, da modelo 22 de IRC, submetida pela Impugnante (respeitante a um rendimento em resultado de uma dívida para com o Estado, referente a IVA a pagar), tendo a A.T. entendido que os elementos contabilísticos não demonstram que o rendimento respeitasse a períodos anteriores;
– cfr. Relatório de inspeção tributária a fls. 310 a 342 do SITAF;
63. Em 20.01.2017, foi expedido o ofício n.º 307, referente ao “projeto de relatório da inspeção tributária”, remetido ao mandatário da Impugnante – cfr. fls. 288 do SITAF;

64. Em 08.02.2017, a Impugnante apresentou, junto da Direção de Finanças de Leiria, requerimento de “Direito de audição” relativamente ao “Projeto de relatório de inspeção tributária” do exercício de IRC de 2014 – cfr. fls. 279 e 293 do SITAF;

65. Em 27.02.2017, através do ofício n.º 1175 da Direção de Finanças de Leiria, foi expedido documento de “notificação” do relatório de inspeção tributária relativo ao IRC de 2014, da Impugnante, remetido ao seu mandatário – cfr. fls. 362 do SITAF;

66. Em 02.03.2017, foi assinado o aviso de receção referente ao oficio identificado no facto antecedente – cfr. fls. 361 do SITAF;

67. Em 10.03.2017, foi emitida a liquidação adicional de IRC nº ……………..647, do exercício de 2014, tendo sido apurada a matéria coletável no valor de € 769.413,50 e, imposto a pagar de € 193.305,85 – cfr. fls. 375 do SITAF;

68. Na mesma data, em 10.03.2017, foi emitida “demonstração de liquidação de juros compensatórios” no valor de € 12.490,78 e, juros compensatórios por recebimento indevido no montante de € 469,45, ambos referentes ao IRC/2014 – cfr. fls. 376 do SITAF;

69. Ainda na mesma data, em 10.03.2017, foi emitida “demonstração de acerto de contas” referente à liquidação de IRC de 2014, juros compensatórios e juros compensatórios por recebimento indevido, no valor total de € 200.566,53, cuja data limite de pagamento terminou a 8 de maio de 2017 – cfr. fls. 377 do SITAF;

70. Em 04.09.2017, a Impugnante apresentou, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, requerimento denominado “reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRC e juros relativa ao exercício de 2014”, a que coube o nº ………………334 – cfr. fls. 372 a 374 do SITAF;

71. Em 09.01.2018, a A.T. elaborou “projeto de decisão” referente à “reclamação graciosa” apresentada pela Impugnante, do IRC/2014, em que propõe o indeferimento do pedido, por entender que as liquidações emitidas “não enfermam de qualquer ilegalidade” – cfr. fls. 233 a 238 do SITAF;

72. Em 25.01.2018, através do ofício n.º 2922 da Direção de Finanças de Lisboa, foi expedido documento de “notificação de audição prévia” referente à “reclamação graciosa” e remetido ao mandatário da impugnante, o qual foi rececionado por este na mesma data – cfr. fls. 231 e 232 do SITAF;

73. Em 23.02.2018, foi elaborado despacho de indeferimento da “reclamação graciosa” referente ao IRC do período de 2014 – cfr. fls. 32 do SITAF;

74. A 26.02.2018, através do ofício n.º 5460 da Direção de Finanças de Lisboa, foi expedido documento de “notificação de decisão final” referente à “reclamação graciosa” apresentada pela Impugnante, remetido ao seu mandatário, o qual foi rececionado na mesma data – cfr. fls. 209 e 210 do SITAF;

75. Em 01.06.2018, a Impugnante remeteu ao Serviço de Finanças de Lisboa-4, a petição inicial que consubstancia a presente ação– cf. fls. 159 do SITAF.
*

A decisão recorrida consignou ainda o seguinte, relativamente aos factos não provados:
“Com relevância para a decisão da causa, não se provou o seguinte:
A. Os serviços que constam como objeto das faturas do exercício de 2014, por parte das sociedades A…….. e P............. Azul, [que a A.T. desconsiderou no âmbito do procedimento de inspeção tributária], foram efetivamente prestados à Impugnante;

B. A Impugnante efetuou o pagamento dos serviços, referidos no facto antecedente, faturados por aqueles fornecedores, através de cheque ou numerário.
*
Inexistem quaisquer outros factos relevantes para a decisão que importe destacar como provados ou não provados”.

*
Relativamente à motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido disse o seguinte:
“A convicção do Tribunal formou-se com base no teor do processo instrutor e nos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.
Para além da prova documental, mencionada junto de cada um dos factos provados mencionados supra em IV.1, o Tribunal considerou ainda os depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante na petição inicial.
Para o efeito, atendeu ao depoimento da testemunha Sandra ……………….., que, à data dos factos, exercia funções na sociedade Impugnante, na área da contabilidade, e que teve contacto com a ação inspetiva efetuada ao exercício de 2014 da Impugnante. A testemunha demonstrou conhecimento geral da atividade desenvolvida pela Impugnante. Quanto ao demais, nomeadamente, aos serviços titulados pela fatura emitida pela sociedade A5A, referiu que os mesmos surgiram de um acordo entre o fornecedor de peles e a Impugnante, sem referir o nome do fornecedor de peles a quem o referido produto foi adquirido, o que se revelou manifestamente genérico e insatisfatório para fazer prova da realização da operação, na medida em que o seu depoimento não incidiu sobre os contornos específicos do negócio em causa O seu depoimento relevou para a fixação dos factos provados 2., 4. e 23.
Por sua vez, considerou-se igualmente o depoimento da testemunha António …………………. que demonstrou ter conhecimento direto da atividade da Impugnante figurando, à data dos factos, como seu contabilista certificado. Revelou, de forma genérica, conhecer a atividade da Impugnante, bem como os meios de pagamento por utilizados. Contudo, quanto aos serviços titulados pelas faturas emitidas pelas sociedades A……. e P............. Azul, referiu apenas ter tido contacto com os documentos emitidos, para efeitos da sua contabilização, por isso, o seu depoimento não se afigura apto a provar a efetiva realização das operações.
O seu depoimento relevou para a fixação do facto provado 4.
Também foi relevado o depoimento da testemunha Rui ……………………. que, à data dos factos, era responsável na área de produção da Impugnante, o que incluía compras, vendas e parte comercial. O seu depoimento incidiu sobre a atividade desenvolvida pela Impugnante e o contexto em que as compras e vendas eram efetuadas. Quanto aos restantes factos, que a Impugnante pretendia provar com o arrolamento desta testemunha, o seu depoimento demonstrou-se genérico, vago, não concretizador das operações tituladas nas faturas emitidas pelas sociedades A….. e P............. Azul, não sendo, por esse motivo, apto a demonstrar a realização das referidas operações.
O seu depoimento relevou para a fixação dos factos provados 2. e 3.
O depoimento da testemunha António …………………., gerente da empresa “O………………”, a qual era cliente e fornecedora da Impugnante à data dos factos, mostrou-se também genérico.
Com efeito, esta testemunha demonstrou conhecimento genérico sobre os métodos de pagamento utilizados pela Impugnante, tendo, por isso, o seu depoimento relevado para a fixação do facto provado 4. Porém, não se afigurou clarificador no que respeita à razão de ciência da testemunha, apto a provar que as operações tituladas pelas faturas emitidas pelas sociedades A…….. e P............. Azul ocorreram, nem que os pagamentos registados na contabilidade da Impugnante tenham sido feitos a essas sociedades.
Por último, também o depoimento da testemunha O …………….. foi relevado para a fixação da factualidade dos presentes autos. Esta testemunha exerceu funções de operário de curtumes na Impugnante, à data dos factos, tendo, por isso, conhecimento direto da atividade exercida pela Impugnante. Nesse âmbito, a testemunha esclareceu o Tribunal quanto ao contexto de aquisição de peles pela impugnante, sendo determinante para a fixação do facto provado 3.
Quanto ao demais, o depoimento da testemunha revelou-se genérico.
Efetivamente, os depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante permitiram apenas ao Tribunal compreender o contexto da atividade por si exercida.
Considerando a factualidade provada e a não provada, nomeadamente, o facto não provado A., afigura-se-nos que a Impugnante não logrou provar que os serviços mencionados nas faturas emitidas pelas sociedades A……… e P............. Azul foram prestados.
Por outro lado, atendendo à factualidade provada, verifica-se que a A.T. recolheu indícios suficientes, os quais permitiram-lhe concluir que as sociedades A……….. e P............. Azul não teriam estrutura para prestar os serviços mencionados nas faturas (vide factos provados 54., 55. e 62.), e que os pagamentos das faturas não foram realizados (vide factos provados 57. e 58.). Mais, a A.T. demonstrou a existência de indícios e incongruências quanto àquelas sociedades (vide conjugação dos factos provados 9., 15., 31., 36., 54., 55., 57. e 58.), bem como quanto a um dos clientes da Impugnante (a sociedade espanhola B………. – vide conjugação dos factos provados 7., 8., 16., 17., 31., 36., 39. a 50., 57. e 58.), os quais, conjugados, permitem concluir pela ocorrência de sérios indícios de que as operações tituladas nas faturas, registadas pela Impugnante na sua contabilidade, não ocorreram, bem como que os pagamentos registados na sua contabilidade não foram efetuados.
Ora, tendo a A.T. logrado, no âmbito do procedimento de inspeção tributária, recolher indícios suficientes de que as referidas faturas foram emitidas sem titular operações reais, atendendo ao disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, caberia à Impugnante fazer prova contrária desse facto. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de outubro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 1594/09.0BELRA (disponível em www.dgsi.pt), onde se concluiu que “3. Estando em causa indícios de facturação falsa, a AT não tem que provar a falsidade das facturas; basta-lhe demonstrar os indícios de falsidade e que estes são consistentes, sérios e reveladores de uma alta probabilidade de que as facturas são «falsas» para cumprir o seu encargo probatório.” sendo que, “1. Feita esta prova indiciária, a lei faz cessar a presunção de boa-fé creditada às declarações e contabilidade do contribuinte e devolve-lhe o encargo de provar a materialidade das operações subjacentes à facturação indiciada.”.
In casu, tendo sido recolhidos indícios suficientes, cessa a presunção de veracidade das declarações da Impugnante, pelo que caber-lhe-ia, em sede de impugnação do ato tributário, demonstrar a materialidade das operações em causa, não sendo suficiente, para o efeito, gerar a mera dúvida quanto à realização das operações. Veja-se, neste sentido, o acima referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de outubro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 1594/09.0BELRA (disponível em www.dgsi.pt), onde se concluiu que “2. Onerado com o ónus da prova da veracidade das operações materiais subjacentes à «facturação indiciada», os esforços que o contribuinte deve mobilizar para abalar os indícios de falsidade recolhidos não podem deixar de ser exigentes e sem margem para dúvidas. 3. Não basta ao contribuinte gerar a mera dúvida sobre a falsidade das facturas para conseguir ganho de causa. Estando onerado com a prova da materialidade das operações, se persistir a dúvida, esta resolve-se contra a parte onerada com a prova.”.
Analisada a prova documental e testemunhal produzida, forçoso será concluir que a Impugnante não logrou efetuar prova bastante que permitisse atestar que as faturas emitidas pelas sociedades A5A e P............. Azul correspondem a operações reais.
Isto porque a Impugnante não procedeu à junção, aos presentes autos, de prova documental que lhe permitisse efetuar a necessária contraprova, nomeadamente, de contratos celebrados para a realização das prestações de serviços em causa, nem a evidência de que os bens adquiridos foram transportados (e.g. guias de remessa).
O mesmo se diga quanto à prova testemunhal, na medida em que a impugnante não logrou arrolar testemunhas que permitissem, com o seu depoimento, colocar em causa os indícios recolhidos pela A.T. em sede de procedimento inspetivo (nomeadamente, arrolando colaboradores das sociedades A……. e P............. Azul, que tivessem efetuado os serviços faturados por estas sociedades).
Com efeito, da prova testemunhal produzida, constata-se que a testemunha António …………………, na qualidade de contabilista certificado da Impugnante, apenas teve contacto com os documentos emitidos pelas sociedades A………….. e P............. Azul, aquando sua contabilização, não sendo o seu depoimento, por isso, apto a provar a realização das referidas operações.
No que respeita à testemunha António …………………, a mesma não foi inquirida quanto a esta matéria.
A testemunha Orest ……………., afirmou não ter contacto com os fornecedores de peles, referindo que apenas os pode identificar, na medida em que as peles eram fornecidas em paletes que continham a indicação do nome do fornecedor. Quanto ao mais, a referida testemunha nada disse de forma a esclarecer os serviços faturados pelas sociedades A…….. e P............. Azul, pelo que o seu depoimento não permitiu concluir quanto à efetiva realização das operações tituladas nas faturas emitidas pelas referidas sociedades à Impugnante.
Por sua vez, a testemunha Sandra ……………. afirmou que “achava” que a “A………” tinha prestado à Impugnante o serviço de engelhar e torcer peles, na sequência de um acordo entre a Impugnante e um dos seus fornecedores de peles, não tendo, contudo, indicado a denominação social desse fornecedor. Assim, quanto a este aspeto, o seu depoimento revelou-se vago e genérico, não sendo, por isso, suficiente para se afirmar, sem margem para dúvidas, que os serviços foram efetivamente prestados pela “A……….”.
Atestando a coerência deste depoimento, denota-se que esta testemunha afirmou que o serviço prestado pela “A……….”, de engelhar e torcer peles, consistia num serviço manual, que não podia ser efetuado com recurso a máquinas, ora, atendendo a que a referida sociedade não dispõe de meios humanos, pois não possui colaboradores, atendendo às regras da experiência, forçoso será concluir que a prova testemunhal não permite, também nesta sede, concluir que os serviços foram efetivamente prestados.
Quanto à sociedade P............. Azul, esta testemunha referiu que era um dos fornecedores de peles da Impugnante, sem concretizar qualquer outro elemento.
Quanto ao mais, referiu que as peles fornecidas à Impugnante eram colocadas à sua disposição, na sua fábrica, e que os pagamentos eram efetuados com cheque e endosso de letras, conforme refletido na contabilidade. Também quanto a este aspeto, o depoimento revela-se vago e genérico, não sendo suficientemente concretizador para se afirmar, sem margem para dúvidas, que as operações tituladas pelas faturas emitidas efetivamente ocorreram. Atenda-se que este depoimento é fundamentado em documentação que consta na contabilidade da impugnante, podendo tal afirmação dever-se apenas ao facto de a testemunha ter visto e ter procedido à contabilização de tais documentos.
Adicionalmente, constata-se que as faturas emitidas pela P............. Azul mencionam, no seu descritivo, “serviços de acabamento” e “serviços em peles”, tendo a testemunha mencionado, no seu depoimento, que a Impugnante adquiria bens – peles, e não serviços, a esta sociedade, demonstrando, também neste ponto, incongruências com a prova documental produzida pela A.T. no âmbito do procedimento de inspeção tributária.
Por fim, a testemunha Rui ………………… mencionou, no seu depoimento, que a sociedade A………….. prestou serviços de acabamento (engelhar) de peles à Impugnante, tendo referido ainda que a Impugnante recorria aos serviços dessa sociedade quando necessitava de mão de obra para engelhar as peles (trabalho que tem de ser efetuado manualmente, sem recurso a máquinas).
Ora, a testemunha Sandra …………………… indicou a este Tribunal que os serviços tinham sido prestados pela sociedade A…………, à Impugnante, na sequência de um negócio celebrado entre a Impugnante e um dos seus fornecedores de peles. Pelo contrário, do depoimento da testemunha Rui ……………….., retira-se que a Impugnante adquiria serviços diretamente à sociedade A…………….., o que se traduz numa contradição quanto a este ponto, por isso, não é possível concluir pela realização das operações.
Quanto à realização dos referidos serviços de forma manual, remete-se para o que foi dito, no parágrafo antecedente, sobre a falta de meios humanos da sociedade A……………., aquando da análise do depoimento da testemunha Sandra …………………... Quanto à P............. Azul, a testemunha Rui ……………………… referiu, de forma genérica e, sem qualquer concretização, que a mesma era fornecedora da Impugnante. Conclui-se que o depoimento se revela vago e genérico, não sendo suficientemente concretizador para se afirmar, sem margem para dúvidas, que o fornecimento de bens titulado pelas faturas efetivamente ocorreu.
Saliente-se que, também, esta testemunha prestou depoimento em sentido divergente da prova documental produzida, na medida em que indicou que a Impugnante adquiria bens (e não serviços) a esta sociedade (quando, de acordo com o descritivo das faturas emitidas pela sociedade P............. Azul, teriam sido prestados serviços e não transmitidos bens à Impugnante).
No que respeita ao facto não provado mencionado em B., também a Impugnante não logrou provar que efetuou o pagamento dos serviços e bens referidos no facto antecedente, faturados por aqueles fornecedores, através de cheque ou numerário.
Efetivamente, a Impugnante não produziu qualquer prova que permitisse concluir pela realização dos pagamentos que alegou ter efetuado por cheque endossado (e.g. cópia do verso dos cheques, devidamente preenchidos), concluindo-se pela não demonstração dos fluxos financeiros subjacentes a tais operações.
No que respeita aos pagamentos feitos em numerário, justamente por terem sido efetuados em numerário, não se afigura possível concluir que o pagamento das faturas se realizou.
Quanto aos movimentos da conta bancária de Fernando ………………….. (vide factos provados 32. e 33.), não é possível efetuar uma conexão entre os mesmos e os movimentos registados na contabilidade da Impugnante, na conta #221111566, não permitindo concluir que o cheque endossado à sociedade A5A, foi por esta depositado, e o pagamento efetuado.
Conforme referido supra, cabia à Impugnante o ónus da prova de que procedeu ao pagamento dos serviços e bens mencionados em faturas emitidas pelas sociedades A…………. e P............. Azul. Analisada a prova produzida nos autos, conclui-se que a Impugnante não logrou cumprir o ónus que lhe competia”.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

Nos presentes autos estão em causa correções feitas pela AT à matéria tributável, por desconsiderar determinadas despesas tituladas por faturas que foram considerados inexistentes, por isso não dedutíveis os custos inscritos nas mesmas no exercício de 2014.
A recorrente começa por salientar o seu inconformismo relativamente à decisão de facto proferida pelo Tribunal recorrido, discordando dos factos que o Tribunal entendeu que não se provaram, sublinhando que os depoimentos das testemunhas impunham uma decisão diversa acerca da factualidade apurada.
Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Decorre do artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Assim, no que respeita à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
Relativamente aos requisitos constantes do citado normativo, no que tange à prova testemunhal, importa relevar que a indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.
Importa ter presente que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.
Feitos estes considerandos iniciais, ajuíza-se mediante uma concatenação das alegações de recurso com as competentes conclusões, e norteados pela superior tutela, proceder há abordagem que infra se concretiza, em ordem aos erros de julgamento descortinados por este Tribunal.
Aduz a recorrente que o Tribunal recorrido, relativamente aos factos não provados se apoiou essencialmente no RIT desconsiderando a prova documental por si junta e a prova testemunhal, designadamente no que diz respeito aos pontos A) e B) considerados “Não Provados”, salientando que as sociedades A5A e Perspetiva Azul prestaram serviços e os mesmos foram pagos em cheque ou numerário.
Salienta que o Tribunal fez uma análise parcial, incongruente e em contradição com a idoneidade e consistência de depoimentos, sobretudo relativamente à matéria de facto relativa à decisão em que concluiu pela existência de relações simuladas.
Acrescenta que do depoimento das testemunhas indicia-se que se verificam relações comerciais em causa e objeto de faturação (conclusão 4 do recurso), que existe violação do princípio da livre apreciação da prova, caindo a tese da inexistência de relações comerciais.
Conclui, por fim que, a prova testemunhal produzida, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, é suscetível de infirmar os factos em que assentou o juízo da AT ou, pelo menos, de sobre ele criar uma fundada dúvida sobre a sua existência (artigo 100º do CPPT), o que foi, também, mal ajuizado pelo Tribunal a quo.
Vejamos.
Relativamente ao erro de facto, no que concerne à errada valoração da prova testemunhal e bem assim ao vertido nos pontos A) e B) dos factos não provados, entende a recorrente que a prova produzida impunha uma decisão diversa daquela resposta que foi dada pelo Tribunal.
A este propósito, como sublinhamos já, entende a recorrente que o depoimento das testemunhas Sandra ………………; António …………..; Rui …………… e António …………………., determinariam um desfecho diferente quanto à existência de relações comerciais tituladas pelas faturas que foram desconsideradas pela AT.
Importa sublinhar primeiramente que não são admitidas impugnações genéricas ou conclusões de facto, ou recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo (Vd. acórdãos do TCAS de 06.02.2025, processo nº 1141/18.3BELRS e de 07.06.2018, processo nº 618/10.3 BELRS; do TCAN de 31.05.2012, processo n.º 02324/04.9 BEPRT).
Na verdade, pôr em causa toda a matéria de facto relativa à decisão que conclui pela existência de relações simuladas, que as mesmas ocorreram e que houve pagamentos (sem os concretizar) além de ser genérico e sem anotar em que medida errou o ajuizado pelo Tribunal, configura uma alegação genérica atinente a todos factos donde se conclua pela simulação, sem precisar quais os pontos concretos que foram erradamente dadas como provados para assim o Tribunal concluir.
Por essa razão, a alegação genérica assim formulada não pode consubstanciar uma impugnação da matéria de facto de acordo com os requisitos contemplados no artigo 640º do CPC.
Por outro lado, há que reiterar que o Relatório de Inspeção Tributária é um meio probatório que o Tribunal valora enquanto tal e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, não podendo, naturalmente, ser impugnado nos moldes e extensão realizados pela Impugnante.
De resto, a asserção atinente à simulação das operações, quer na vertente positiva, ou negativa, não pode, naturalmente, figurar enquanto tal no probatório, na medida em que essa é a conclusão que se impõe retirar mediante casuística concatenação da demais factualidade atinente ao efeito e plasmada no probatório.
Ora, ao probatório vão factos, extraídos de elementos de prova e não conclusões que se extraem desses factos.
Na verdade, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, sobretudo se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão (1), razão pela qual, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.
E assim é porque, as operações simuladas têm em vista, no que respeita ao IRC, a contabilização de gastos ou de perdas que, na verdade, não tiveram lugar, de modo a operar uma redução do lucro tributável e do imposto devido a final (artigos 17.º, 23.º do Código do IRC) e, no que concerne ao IVA, a dedução de um quantitativo de imposto que, na verdade, não foi suportado, a montante, nas aquisições de bens ou nas prestações de serviços realizadas para o exercício da respetiva atividade (artigos 19.º a 26.º do Código do IVA).
Verter-se no probatório que a empresa X prestou serviços e que os pagou é meramente conclusivo se não se apoiar em elementos factuais que ali se aloquem para se concluir por essas operações e esses pagamentos.
Na situação colocada, embora se perceba que a recorrente pretende a concreta demonstração da materialidade das operações descritas nas faturas postas em causa, ou seja, inversamente ao sentenciado na decisão recorrida, pretende que se conclua que as operações eram reais (os serviços foram prestados) e foram pagos os valores das mesmas.
Contudo, estas conclusões extraem-se do probatório e não o povoam.
Apesar de salientar que os serviços foram pagos, por cheque ou numerário, não esclarece sequer quais os pagamentos feitos em numerário ou em cheque, seus montantes e datas, remetendo em bloco para os depoimentos das testemunhas, afirmando que os depoimentos das testemunhas “indiciam” que as relações comerciais ocorreram. Porém, não basta sequer louvar-se em indícios de ocorrência das operações, devendo a prova ser efetiva e concludente.
Por outro lado, revisitando os depoimentos das testemunhas que “indiciam” que ocorreram as transações comerciais, desde logo as indicadas pela recorrente, pese embora a discórdia da mesma, a verdade é que a livre convicção do Tribunal, vertida na motivação da decisão de facto, não é de molde a concluir-se pela sua violação.
A livre convicção do julgador não corresponde a livre-arbítrio, como bem sabemos. Importa é que, na fundamentação da decisão sobre a factualidade provada e não provada o juiz evidencie a sua perceção perante os acontecimentos (factos), a sua (livre) convicção sobre os acontecimentos, o que impõe uma valoração objetiva, lógica e percetível, conjugando e articulando criticamente os vários elementos probatórios que lhe são levados pelas partes (ou adquiridos oficiosamente pelo Tribunal na procura da verdade material), entre si, com amparo na experiência de vida (2).
Neste percurso avaliativo acerca da existência, ou não, do acontecimento-facto, repousada em elementos de prova que os atestem ou infirmem, o julgador deve evidenciar o caminho que percorreu, por via da motivação. Por outras palavras, aquilo que o julgador decidiu quanto aos factos/acontecimentos (sobre os quais, posteriormente, se vai fazer repousar a lei), deverá assentar num discurso lógico que permita a sua compreensão, para assim se poder acompanhar ou discordar dessa decisão acerca da realidade fáctica adquirida.
Com efeito, decorre do artigo 607º do CPC, que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sem prejuízo dos factos cuja prova seja vinculativa, exigindo formalidade especial (por exemplo, os documentos autênticos, acordo das partes e confissão).
Com a redação do artigo 662º, recorda António Santos Abrantes Geraldes, pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos do artigo 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, o Tribunal de 2ª instância deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinarem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais (complementados ou não pelas regras da experiência), formulando assim a sua própria convicção, com observância do princípio do dispositivo, no que respeita à identificação dos pontos de discórdia Vd. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. Atualizada, Almedina, pág. 333 e 334.

A nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objetivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. E isto porque, nessa tarefa, o ajuizado pelo julgador não é arbitrário, nem de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto. Pelo contrário, trata-se de uma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objetivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na, e com, a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, devendo aquela convicção ser explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador, que administra a justiça em nome do povo.

Por ser assim, tal como se disse no acórdão do TCAN de 30.09.2015, tirado do processo 00196/09.6BEAV, diremos nós também que: “Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção”.

Como doutrinado por M. Teixeira de Sousa: “(…) o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).

A esta luz, para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto, deverá ficar demonstrado, como avançamos já, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.

De volta ao caso sujeito, advoga a recorrente que, relativamente à prova testemunhal produzida (quatro testemunhas indicadas pela recorrente e ouvidas pelo Tribunal), aqueles depoimentos impunham que se desse como provadas as relações comerciais vertidas nas faturas consideradas simuladas, afastando toda a matéria de facto relativa à conclusão de relações simuladas, o que além de genérico é conclusivo.

Por outra banda, vendo a motivação de facto, acima transposta, nada pode ser apontado quanto à análise que fez da prova testemunhal (em conjunto com a demais prova), salientando a razão de ciência das testemunhas e aquilo que era pelas mesmas conhecido (ou não), sem que padeça de qualquer crítica aquela motivação e livre convicção.

Não se vê em que medida o Tribunal a quo tenha procedido erradamente na valoração da prova que empreendeu, quando espelhou as razões pelas quais os depoimentos (todos eles vagos e genéricos, quer porque duas das testemunhas eram da área da contabilidade e apenas conheciam o que era espelhado nos documentos, sendo que a testemunha Rui apesar de ser funcionário da impugnante nada sabia acerca das operações relativas às faturas das duas empresas em causa, e a testemunha António …………. era gerente de uma empresa e apenas se referiu ao modo genérico de como eram feitos os pagamentos, esclarecendo a decisão recorrida que a par destes depoimentos genéricos não foram sequer carreados para o processos fluxos financeiros dos alegados pagamentos) não lograram convencer quanto ao vertido em A) e B).

Na verdade, não se vê como poderia o Tribunal poderia ter concluído de outro modo.

De resto, pese embora a discórdia da recorrente, a verdade é que não contraria o juízo motivador da decisão quanto à factualidade considerada não provada, e provada, defendendo, apenas, que, em seu entender, as quatro testemunhas depuseram de modo a lograr provar os factos vertidos nos pontos considerados não provados, sem censurar as considerações que o Tribunal fez acerca dos depoimentos.

Todavia, impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento racional alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”, não bastando referir que o depoimento das testemunhas (cujo depoimento foi analisado “criticamente”) só por si eram bastantes para dar como provada a factualidade considerada não provada.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, o Tribunal ad quem deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa e, não é essa a situação trazida.

Porque assim o entendemos, improcede o apontado erro de facto.

- Da Fundada dúvida (artigo 100º CPPT).

Aduz a recorrente que a prova produzida, nomeadamente considerando os depoimentos das testemunhas, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida, é suscetível de infirmar os factos em que assentou o juízo da AT ou, pelo menos, de sobre ele criar uma fundada dúvida sobre a sua existência.

No entanto, mais uma vez, não logra mérito a aludida alegação, inexistindo qualquer erro de julgamento nesse e para esse efeito.

Ao contrário do apregoado pela recorrente, inexiste qualquer fundada dúvida que possa reclamar a subsunção no artigo 100.º do CPPT, e concreta valoração a favor do sujeito passivo.

Relativamente à fundada dúvida a que alude o artigo 100º do CPPT, importa desde já esclarecer que a mesma não se confunde com a inércia probatória da recorrente. Ora, se o mesmo não demonstrou a veracidade das operações vertidas nas faturas não pode apoiar-se na fundada dúvida, existindo é inercia probatória da sua parte.

Tal como se sumariou no acórdão deste TCAS de 21.11.2024, Processo 553/20.7BEALM (em que a relatora é a mesma):A fundada dúvida acerca do facto tributário e da quantificação, a que se refere o artigo 100º do CPPT, não se confunde com a inércia probatória do administrado/impugnante”.

Decorre do artigo 100º do CPPT (“Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos”) que: “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, resultando, assim, do seu teor literal um princípio estruturante do direito tributário que estabelece, per se, que a fundada dúvida alicerçada na prova produzida -e não na inércia probatória- terá de reverter a favor do contribuinte. Significa isto, então, que não tendo a recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, aplicação da regra ínsita no seu n.º 1, porquanto tal princípio não se compadece com situações de inércia probatória por parte do contribuinte, quando o ónus da prova se encontre na sua esfera jurídica, como in casu.

Como doutrinado por JORGE LOPES DE SOUSA5: “… [T]ambém será de impor ao contribuinte, no processo judicial, o ónus da prova de factos quando ele lhe é imposto no procedimento tributário (…). Sendo de aplicar esta regra também no processo judicial, pelo que se disse, e harmonizando-a com a regra do n.º- 1 do art. 100 .º do CPPT, será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele n.º 1, justificarem a anulação do acto impugnado. Na verdade, o n.º 1 do art. 100.º, do CPPT consubstancia uma norma de carácter geral de que resulta recair sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que relevem para quantificação da matéria tributável. Por isso, nas situações em que a lei, em normas especiais, impõe esse ónus ao contribuinte, fica afastada a aplicação daquela regra de carácter geral”.

De chamar, outrossim, à colação o Aresto do TCAN, prolatado no âmbito do processo n.º 00438/12.0BEPRT, datado de 17 de setembro de 2015, no qual se sumariou, o seguinte:

“1. Nos termos do art. 100.º/1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.

Este preceito constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no art. 74º nº 1 da LGT. Regra que também encontramos no art. 414.º do CPC (anterior art. 516.º) fazendo recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida.

A norma é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário.

A prova produzida de que há-de resultar a «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» deverá ser não só a prova mobilizada pelas partes mas também aquela que o juiz deverá impulsionar (art. 13º nº 1 do CPPT).

A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, especialmente do impugnante, sobre quem recai o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (art. 342º nº 1 do Código Civil)”.

Na situação colocada, a recorrente não logrou, ao contrário do que era seu ónus, demonstrar a efetividade das operações tituladas pelas faturas em causa. Sendo que, como visto, e ora se reitera a aduzida inércia probatória não se confunde, de todo, com a fundada dúvida. E por assim ser, face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede na íntegra o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida.

Neste exato sentido vejam-se os acórdãos deste TCAS de 06.02.2025 e 20.03.2025, tirados dos processos nºs 1141/18.3BELRS e 1125/18.1BELRS que aqui se seguiu de muito perto, por tratar das mesmas questões, abrangendo as mesmas partes.

Assim sendo, e em face do exposto, acolhendo na íntegra os fundamentos da jurisprudência acabada de citar, também aqui se conclui que a sentença em apreço não padece de qualquer erro de julgamento por errada valoração da prova testemunhal, ou na apreciação e aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT.

Nesta conformidade, improcede o recurso na sua integralidade, mantendo-se a decisão recorrida.


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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da recorrente.

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V- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.


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Lisboa, 03 de abril de 2025

Isabel Silva
(Relatora)

Sara Diegas
(1ª adjunta)

Vital Lopes
(2º adjunto)


(1) HELENA CABRITA salienta que, “os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta” – in, A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107.
(2) Neste sentido, vide ANTUNES VARELA, et al, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 391 e 392, e JOSÉ ALBERTO DOS. REIS, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 242.