Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:916/09.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:MARIA DA LUZ CARDOSO
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRETOS
Sumário:I - Decorre da interpretação conjugada dos n.ºs 3 do art.º 74º e n.º4 do art.º 77º da LGT que compete à Administração Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, bem como o ónus de indicar e fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável, fazendo assentar o volume da matéria coletável presumida em dados objetivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários, não em meras suspeitas ou suposições.
II - As discrepâncias nos registos das existências, a existência de registos contabilísticos não justificados e a inscrição de preços de venda de produtos sem justificação constituem motivo do recurso à avaliação indireta.
III - Todavia, se o contribuinte logra justificar, no processo judicial, as invocadas discrepâncias, a presunção de veracidade da contabilidade mantém-se, o que significa que os pressupostos da avaliação indireta não logram ser demonstrados.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


A FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente) veio recorrer da sentença proferida a 19.08.2022, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na qual se julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A......... S.A (doravante Recorrida), contra as liquidações adicionais de IVA nºs 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08......... e 08......... referentes aos períodos 0403T a 0612, e das liquidações de juros compensatórios de IVA nºs 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., referentes aos períodos 0403T a 0612, no valor global total de € 453.873,28.

Nas suas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formulou, a final, as seguintes conclusões:

V - CONCLUSÕES

A título prévio

A. Requer-se a V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, se tal for considerado oportuno, se dignem a aferir da suscetibilidade de dispensar o pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor que extravasa o montante de €275.000,00, em sede do presente recurso, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

Prosseguindo,

B. Visa o presente recurso, reagir contra a douta decisão que julgou procedente a Impugnação identificada e, em consequência, determinou a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, melhor identificadas nos autos, referentes aos períodos 0403T a 0612.

C. Pelo que é firme convicção da ora recorrente, que a sentença enferma de erro na interpretação dos factos e, consequentemente na aplicação do Direito aos mesmos, razão pela qual apresenta o presente recurso, com os fundamentos que se aduz

D. A Recorrida foi objeto de uma ação inspetiva externa, aos períodos de 2004, 2005 e 2006, onde houve lugar ao recurso à avaliação indireta da sua matéria tributável, conforme decorre do teor do Relatório Final da Inspeção Tributária [cfr. facto 23) do probatório].

E. Nos termos do Artigo 85º da LGT, a avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta. Isto é, a Administração Tributária, só pode recorrer ao procedimento de avaliação indireta quando aquela não for possível ( cfr artigo 82º nº 2 da LGT).

F. Na avaliação direta procura-se o apuramento da verdade material, a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação [cfr nº 1 do artigo 83º (Fins) da LGT], enquanto que, a avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (cfr nº 2 do mesmo artigo).

G. Na avaliação indireta já não se busca, segundo Joaquim Freitas da Rocha6 , a efetiva verdade material mas apenas, uma “verdade material aproximada”.

H. A determinação da matéria coletável através de métodos indiretos ou presunções, admite sempre prova em contrário (cfr. artigo 73º da LGT), e só pode ter lugar quando verificados os pressupostos para a sua utilização fixados no artigo 87º da LGT.

I. Sendo que, nos termos do nº 3 do artigo 74º da LGT e nºs 2 e 3 do Artigo 100º do CPPT, cabe à Administração Tributária provar a verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos ou presunções, cabendo, por seu lado ao contribuinte, o ónus da prova do erro na quantificação da matéria tributável, isto é, há, neste caso, a inversão do ónus da prova.

J. Ora, in casu, o recurso à avaliação indireta fundou-se no artigo 84.º do CIVA e na verificação dos pressupostos estabelecidos na alínea b) do Artigo 87º e na alínea d) do Artigo 88º, ambos da LGT.

K. E analisado o teor do relatório de inspeção (junto aos autos ) consta, no seu ponto IV.14, que “A existência de manifesta discrepância entre os custos de produção (ponto IV. 1 e IV.2) e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo, a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas, impossibilitam a quantificação directa e exacta da matéria tributável, pelo que estão reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, nos termos dos art°s 87° n° 1 alínea b) conjugado com a alínea d) do art° 88° da Lei Geral Tributária.”.

L. E no ponto VIII.1 “Dos fundamentos invocados pelo sujeito passivo” são mencionados os fundamentos alegados pela Impugnante no exercício do direito de audição prévia.

M. Fundamentos analisados pela Autoridade Tributária no ponto VIII.2 “Da posição da Administração Fiscal” do Relatório de Inspeção, no qual fundamenta detalhadamente o recurso a métodos indiretos, concluindo, no ponto IX do mesmo relatório, que é de manter as correções propostas em sede de IVA.

N. Assim, e salvo melhor entendimento, a Recorrente cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia sobre a verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos para a fixação da matéria coletável, ficando demonstrado que, a seu ver, não era possível determinar a matéria coletável através da contabilidade, e que se encontra fundamentada a fixação da matéria tributável presumida.

O. Entendimento com o qual a Recorrida não concorda, e que foi sufragado pelo douto Tribunal, contudo, não se pode deixar de considerar que o mesmo esteja, devidamente, fundamentado conforme supra se concluiu.

P. E, uma vez verificada a legitimidade do recurso a métodos indiretos de tributação, a Administração Tributária poderia escolher o critério, que a seu ver, melhor se adequasse à situação em causa, estabelecendo o artigo 90º “Determinação da matéria tributável por métodos indiretos” da LGT, o elenco desses critérios.

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6 Lições de Procedimento e Processo Tributário (2019), p 210.

Q. Cabendo, em sequência, à Recorrida o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.

R. E porque relevante para os autos, não pode a Recorrente deixar de invocar a contradição de julgados face à sentença proferida no âmbito dos autos de Impugnação Judicial n.º 758/09.1BELRS7 , relativamente às mesmas partes, onde se discutia os mesmos factos e fundamentos, onde se discutia o IRC.

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7 Cfr. fls. 344 do SITAF.

S. Nesse processo de Impugnação Judicial n.º 758/09.1BELRS, e não obstante os recursos apresentados pelas partes [o recurso da entidade demandada prende-se com erro ou manifesto excesso na matéria tributável encontrada pela AT8 ; já o da Recorrida, o que está em causa neste recurso é a aplicação do critério de indispensabilidade dos gastos(cfr. artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC), aplicado à amortização de um imóvel9 ], o Tribunal entendeu em suma o seguinte:

“ (…) E assim, a Administração Tributária, cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia sobre a verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos para a fixação da matéria coletável, ficando demonstrado que, a seu ver, não era possível determinar a matéria coletável através da contabilidade, e que se encontra fundamentada a fixação da matéria tributável presumida. Entendimento com o qual a Impugnante não concorda, contudo, não se pode deixar de considerar que o mesmo esteja, devidamente, fundamentado conforme supra se concluiu.”

T. Razão pela qual, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta sentença recorrida, revogada e, substituída por douto Acórdão que conclua pela legalidade dos atos tributários consubstanciado nas liquidações impugnadas, mantendo as mesmas na ordem jurídico-tributária, assim se fazendo JUSTIÇA.

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8 Cfr. fls. 407 do SITAF.

9 Cfr. fls. 432 do SITAF.

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Termos em que, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente Recurso proceder, sendo revogada a douta sentença, com o julgamento totalmente improcedente nos presentes autos de impugnação.

Porém, com melhor entendimento Exas., decidindo, farão a costumada justiça”.


*


A Recorrida, notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES

A) Deve o recurso interposto pela AT ser rejeitado na parte relativa à matéria de facto, por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do CPC.

B) Isto porque, não só não é possível descortinar uma discordância efetiva por parte da Recorrente com a matéria de facto dada como provada, como também não são identificados quaisquer factos novos que, no entender da Recorrente, devessem ser aditados ao probatório.

C) Como bem decidido pelo Tribunal a quo, os motivos invocados pela Inspeção Tributária, como fundamento para aplicar os métodos indiretos, não são de molde a tornar impossível o apuramento da matéria tributável pela contabilidade da Impugnante.

D) Com efeito, os SIT sustentaram a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de imposto pelos seguintes motivos:

(i) a existência de manifesta discrepância entre os custos de produção e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo; e

(ii) a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas.

E) Quanto ao primeiro “motivo”, resulta claro nos autos – e foi doutamente confirmado pelo Tribunal a quo – que inexiste qualquer discrepância entre os custos de produção e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo.

F) De resto, são os próprios SIT que afirmam no Relatório de Inspeção que a contabilidade analítica permitia a utilização de um critério mais fiável (tendo inclusivamente efetuado os cálculos).

G) Desta forma, é não só paradoxal, como está eivada de má-fé a afirmação, efetuada pelos SIT, que estavam impossibilitados de quantificar diretamente a matéria coletável por causa do critério de valorimetria utilizado, quando os próprios SIT conseguiram, sem qualquer dificultada, efetuar os cálculos que consideraram corretos com base nessa mesma contabilidade.

H) Acresce que os próprios SIT concluíram, implicitamente, que a Recorrida não “manipulava” os critérios de valorimetria de modo a conseguir sempre um qualquer resultado fiscalmente vantajoso, já que o critério utilizado tanto originou subvalorizações como sobrevalorizações das existências, face ao critério que os SIT consideraram correto.

I) Também o segundo “motivo” identificado pelos SIT para fundamentar o recurso a métodos indiretos é totalmente improcedente.

J) Na verdade, os registos contabilísticos que, nos três períodos de tributação em causa, mereceram a suspeita dos SIT são apenas dois (e

todos eles referentes ao exercício de 2005):

(i) o lançamento n.º 2379 de 31.12.2005 referente ao ajustamento de existências; e

(ii) o lançamento n.º OD2377/OD2378 de 31.12.2005 referente à alienação de uma quota leiteira.

K) Relativamente ao primeiro registo contabilístico, o ajustamento efetuado pela Recorrida é, não só é de aceitar, como imposto por lei, a quanto acresce que o Tribunal a quo concordou com a correspondência entre o lançamento contabilístico n.º 2379, de 31.12.2005, referente ao ajustamento de existências, e as operações praticadas pela ora Recorrida.

L) Relativamente ao segundo registo contabilístico, o Tribunal a quo não teve quaisquer dúvidas quanto à correspondência entre os registos contabilísticos relativos à quota leiteira e as operações realizadas pela ora Recorrida.

M) Em qualquer caso, mesmo que estes ajustamentos não estivessem corretos – e ficou comprovado que estavam – nenhum deles era de molde a impossibilitar uma simples correção.

N) De resto, estes movimentos dizem apenas respeito ao exercício de 2005, nunca sendo explicado pelos SIT por que razão são também motivo para aplicar métodos indiretos nos exercícios de 2004 e 2006.

O) Ora, como é de mediana clareza, os SIT em momento algum lograram demonstrar a verificação dos dois pressupostos de que, ex vi do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 88.º da LGT, dependeria a aplicação da avaliação indireta da matéria coletável ao presente caso.

P) De facto, e como conclui também o Tribunal a quo, “[a] Entidade Demandada não demonstrou que os elementos constantes da contabilidade da Impugnante impediam a correção através de métodos directos” (cfr. pág. 84 da Sentença).

Q) É, pois, forçoso concluir do exposto que os SIT, face à manifesta falta de fundamento legal para aplicar os métodos indiretos tão avidamente pretendidos, limitaram-se a escolher uma das alíneas do artigo 88.º da LGT ao acaso, já que o que importava verdadeiramente era efetuar as chorudas liquidações de IVA (aqui impugnadas) e de IRC.

R) Termos em que, como resulta cristalino da Sentença, é ilegal o recurso a métodos indiretos na avaliação da matéria tributável da ora Recorrida, sendo, por conseguinte, ilegais as liquidações impugnadas nos autos, por violação do artigo 88.º da LGT.

S) Adicionalmente, os SIT aplicam uma dupla presunção legal, aplicando incorretamente o disposto no artigo 86.º do Código do IVA. Com efeito, os SIT apuraram um determinado montante de vinho presumidamente produzido e, em segundo lugar, presumem que o “vinho presumido” foi vendido pela Recorrida.

T) Ora, como oportunamente assinalou o TCA Sul, em acórdão proferido no processo n.º 885/07.0BELRS, é pressuposto da aplicação da presunção de transmissão prevista no artigo 86.º do Código do IVA a prévia realização de uma inventariação física dos bens o que, como resulta demonstrado dos autos, não foi realizado no presente caso.

U) Em caso de procedência do recurso (o que somente se equaciona, sem conceder, por cautela de patrocínio), requer-se a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do artigo 636.º do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, de modo a ser apreciada a questão errada quantificação da matéria tributável apurada por métodos indiretos.

V) Resulta dos factos provados que houve lugar a uma errónea quantificação da matéria tributável relativamente ao vinho produzido e vendido pela Recorrida, o que determina a ilegalidade das liquidações impugnadas, como bem decidido pelo Tribunal a quo.

W) Com efeito, em primeiro lugar, ficou provado nos autos que os SIT, ao invés de utilizarem as informações disponíveis relativas ao sector do vinho, às castas e à região na qual se insere a Recorrida, resolveram antes determinar a quantidade de vinho que a Recorrida produziu através das borras declaradas, socorrendo-se de informação fornecida pelo IVV que se revelou ser inadequada ao caso concreto.

X) Tal como é mencionado no Relatório de Inspeção, a pedra-de-toque do método indiciário utilizado tem “em conta a relação da quantidade de borra/vinho produzido com a borra e o vinho declarados pelo sujeito passivo”, relação esta que, tal como ficou provado nos autos, é totalmente inapta para concluir que foi produzido vinho que não estava contabilizado e foi vendido ilegalmente (como conclui, embora sempre de forma sub-reptícia e não expressa, a AT).

Y) E se em parte alguma do Relatório de Inspeção é afirmado expressamente que a Recorrida omitiu vendas, esta conclusão resulta cristalina das conclusões do Relatório de Inspeção, tendo em conta que a AT concluiu por um aumento do valor das vendas de vinho.

Z) Ora, as omissões de vendas constituem irregularidades graves, sobretudo no sector do álcool, configurando inclusivamente um crime punível com pena de prisão efetiva – no entanto, nunca a Impugnante adotou tal conduta, insurgindo-se, naturalmente, contra esta acusação caluniosa (ainda que efetuada de forma totalmente velada).

AA) A jurisprudência deste Venerando Tribunal é clara ao exigir que a ocultação de vendas tem de estar alicerçada em outros indícios (cfr. Acórdão de 15.02.2005, proferido no processo n.º 359/04), sendo que, no presente caso tal omissão de vendas nem sequer surge referida – apenas resulta das conclusões a que chegou a AT!

BB) Ora, passar de uma produção de borras superior a uma alegada média, para concluir (ainda que implicitamente) para uma omissão de vendas é um salto que nem a lei, nem o senso comum, admitem.

CC) Em segundo lugar, ficou sobejamente demonstrado que as quantidades de vinho presumidamente produzido pela Recorrida de acordo com os SIT, são exorbitantes, provando-se a manifesta desproporção do método utilizado pela Recorrente e a errada quantificação da matéria tributável.

DD) Conforme os SIT sabiam, nem toda a área de vinha da Recorrida estava plantada, ao contrário do pressuposto para os cálculos que os SIT efetuaram.

EE) Mais: resulta do próprio Relatório de Inspeção, a produção de vinho no concelho do Cartaxo diminuiu 10,67% entre 2004 e 2005, e 6,31% entre 2005 e 2006 mas, segundo os cálculos efetuados pelos SIT, a ora Recorrida, em vez de registar uma diminuição da produção entre 2004 e 2005 próxima dos 10,67%, registaria, pelo contrário, um aumento brutal de produção na ordem dos 15,36%.

FF) Ou seja, enquanto todo o concelho do Cartaxo registou uma quebra de produção, resultaria do método utilizado pelos SIT para quantificar a matéria tributável apurada por métodos indiretos que a Recorrida não só não teria registado qualquer diminuição, como teria antes tido um espantoso aumento de produção de 15%.

GG) Em terceiro lugar, os SIT partiram de dados que não refletiam a realidade concreta da Recorrida. Com efeito, os SIT aplicaram à quantidade presumida de vinho produzido o preço unitário constante de uma mera folha informativa fornecida pelo IVV (a tabela que consta da alínea U) da matéria de facto dada como provada na sentença) para todos os vinhos produzidos em Portugal durante 6 anos (de 2000 a 2006).

HH) Sublinhe-se a simplicidade (ou má-fé) da AT, ao considerar que, em apenas uma página de uma tabela do IVV, é possível aferir e demonstrar qual o preço de mercado de todos os tipos de vinho produzidos em Portugal Continental em 6 anos diferentes!

II) Esta folha do IVV apresenta apenas preços médios de todo o vinho produzido em Portugal, que pouco ou nada significam para o presente caso, pois uma média não reflete minimamente a amplitude dos valores que compõem essa média.

JJ) Este método é tão tosco (com o devido respeito) que permitiria dizer que, por exemplo, os veículos vendidos por uma marca de automóveis de luxo e uma marca de automóveis utilitários têm um preço de mercado idêntico, por referência a uma tabela com o preço médio de venda de automóveis em Portugal!

KK) Termos em que, revelando-se errada e ilegal a quantificação da matéria tributável apurada por métodos indiretos, são ilegais as liquidações impugnadas, as quais devem, em qualquer caso, ser anuladas.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.”



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O ministério público neste Tribunal Central Administrativo Sul, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais (artigo 657º, n. º2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)), cumpre apreciar e decidir.
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Delimitação do objeto do recurso

Em ordem ao consignado no artigo 639º do Código de Processo Civil (CPC) e em consonância com o disposto no artigo 282º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:

i) Se a decisão recorrida padece de erro na interpretação dos factos e, na aplicação do Direito.

ii) Se a sentença recorrida padece de contradição de julgados face à sentença proferida no âmbito dos autos de Impugnação Judicial n.º 758/09.1BELRS7, relativamente às mesmas partes, onde se discutia os mesmos factos e fundamentos, relativos a IRC.


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Vem a Recorrida nas suas contra-alegações, requerer que, caso este Tribunal venha a dar provimento ao recurso, seja ampliado o seu âmbito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636º do CPC, por forma a incluir a apreciação da questão da errada quantificação da matéria tributável apurada por métodos indiretos.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1- De facto

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

C. Da Fundamentação:

C.1. Da Fundamentação de Facto:

A) Dos Factos Provados:

Para conhecimento do presente litígio torna-se necessário fixar a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante foi fundada em 1995 e dedica-se à exploração agrícola e pecuária, nomeadamente à recolha, tratamento, produção e comercialização de leite, bem como à produção e comercialização de vinhos próprios, assim como à fruticultura e montado de sobro (acordo).

2. A propriedade da Impugnante dedicada à produção de vinho localiza-se no Ribatejo e é composta por vários artigos matriciais que foram sendo adquiridos ao longo dos anos, o primeiro em 1995 e o último em 2004, estando, na altura da aquisição, alguns destes artigos já vocacionados para a vinha, mas a maioria estava ao abandono (cfr. prova testemunhal - depoimento das testemunhas P.........e J.........).

3. Entre 1995 e 2007, a Impugnante procedeu à recuperação das vinhas velhas existentes e ao plantio de novas vinhas, adquirindo para o efeito direitos de plantio a terceiros, sempre que disponíveis no mercado e para esta região em concreto, tendo obtido, em 1998, o estatuto de Depositário Autorizado e de Entreposto Fiscal (cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático e depoimento das testemunhas P.........e J.........).

4. Na Quinta …, a Impugnante possuía um edifício designado por “Complexo H…”, destinado ao desenvolvimento de atividades de promoção e comercialização dos vinhos ( cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático e toda a prova testemunhal).

5. Entre 1995 e 2007, a Impugnante procedeu à recuperação das vinhas velhas e ao plantio de novas vinhas, adquirindo para o efeito direitos de plantio a terceiros, tendo obtido, em 1998, o estatuto de depositário autorizado e de entreposto fiscal, (cfr prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático e prova testemunhal – depoimentos de P.........e J.........).

6. Em 2007, foi efetuado o plantio de cerca de 8 HA que ainda não haviam sido, em 2009, enxertados, estando por isso totalmente improdutivos (cfr. prova testemunhal- depoimento das testemunhas P.........e J.........).

7. O processo de plantio de vinha tem especificidades próprias e é bastante demorado, só atingindo a produção plena, na generalidade dos casos, após o 10.º ano a contar do plantio do bacelo (cfr. prova testemunhal - depoimento das testemunhas P.........e J.........).

8. Do total da área dedicada à produção de vinho, 64,78 ha, propriedade da Impugnante, foram plantados, em 2006, 5 hectares de vinha nova, e outros 8 hectares, em 2007, existindo ainda uma área de mais 5 hectares sem plantação ( cfr prova testemunhal, depoimentos de P.........e J.........).

9. O facto de o terreno ser constituído por uma diversidade tão grande de artigos matriciais adquiridos individualmente, teve como consequência a mistura de vinha velha com vinha nova, e de várias castas diferentes, o que impossibilita a exploração mecanizada e seletiva dos frutos (cfr. prova testemunhal- o depoimento das testemunhas P.........e J.........).

10. A produção de borras depende de vários fatores, nomeadamente os inerentes às variedades, estado de maturação e estado sanitário das uvas, fatores climáticos e técnicas de vinificação (cfr. prova testemunhal -depoimentos de P.........e J.........)

11. Um número elevado de trasfegas de vinho aumenta a quantidade de borra obtida, embora à medida que aumenta o número de trasfegas a quantidade de boras tenderá a reduzir-se, ( cfr. prova testemunhal – depoimentos de P.........e J.........).

12. Em 16.07.2004 a Impugnante, através de um acordo de cessão de quotas com a empresa V........., Lda, adquiriu uma quota leiteira, no valor de € 952.000,00 ( cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático, acordo e prova testemunhal - depoimentos de M........., J......... e J.M.........).

13. No mesmo dia, 16.07.2004, a Impugnante cedeu a referida quota leiteira à sociedade A........., Lda, pelo valor total de €1.132.880,00 tendo por base o valor unitário de €0,272 (cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático, acordo e prova testemunhal - depoimentos de M........., J......... e J.M.........).

14. Em 2005, 2006 (e 2008), a Impugnante vendeu vinho a granel das colheitas dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003, pelos valores unitários de 0,42 e 0,43 por litro, preço abaixo do custo de produção (cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático e prova testemunhal, depoimentos de P.........e J.........).

15. O mencionado vinho das colheitas dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003 foi vendido a granel e por um preço abaixo do custo de produção, porque a Impugnante não conseguiu escoar, em tempo, tal produção (cfr prova testemunhal - depoimentos de P.........e J.........).

16. Em 31.12.2005, a Impugnante através do lançamento nº 2379 procedeu ao ajustamento pelo valor de mercado, de parte das existências de vinho a granel das campanhas de 2003 e 2004, no montante de €1.026.904,00, tendo sido utilizadas para o efeito as contas POC 59 e 33 (cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático e prova testemunhal- depoimentos J.M......... e M.J........).

17. E, no mesmo dia, através dos lançamentos OD2377 e OD2378, igualmente reavaliou a sua quota leiteira, com base no seu valor de mercado, considerando o valor unitário de 0,272, (cfr.prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático junto com a petição inicial, e prova testemunhal, depoimentos de J.M......... e M.J........).

18. Em Setembro de 2006, a Impugnante adquiriu instalações próprias para armazenagem em Vila Chã de Ourique e iniciou o transporte de parte do vinho (159.668 litros) armazenado na C........, Lda ( cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático e prova testemunhal - depoimentos de P.........e J.........).

19. Do vinho armazenado na C........ Lda, a Impugnante vendeu, em Setembro de 2006, 313.770 litros às V........, S.A, pelos valores unitários de 0,42 e 0,43 por litro (cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático e prova testemunhal, depoimentos de P.........e J.........).

20. De 2004 a 2008, a Impugnante vendeu vinho engarrafado por valores unitários, de €3,00 a €51,00 /garrafa (cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático prova testemunhal, depoimentos de P.........e J.........).

21. O preço do vinho varia em função da marca, casta e qualidade (prova testemunhal, depoimentos de P.........e J.........).

22. Em cumprimento das Ordens de Serviço n.° 01.200702006, 01.200702007 e 01.200702008, datadas de 13.07.2007, a Impugnante foi alvo de uma inspeção externa tributária que abrangeram os exercícios de 2004, 2005 e 2006 (cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático).

23. Do Relatório Final da Inpecção Tributária consta designadamente o seguinte:


“(texto integral no original; Imagem)”

24. A Impugnante solicitou a revisão do imposto apurado (acordo e prova documental cfr. fls 1415 e seguintes do processo administrativo).

25. No âmbito do procedimento de revisão os peritos não chegaram a acordo (prova documental cfr. fls 1415 e seguintes do processo administrativo).

26. Na sequência, do mencionado nos factos provados anteriores, foi a Impugnante notificada, do resultado do procedimento de revisão do qual resultou a manutenção da matéria tributável apurada na inspecção tributária e do teor das respectivas actas (prova documental cfr. fls 1415 e seguintes do processo administrativo).

27. As liquidações impugnadas têm o seguinte teor: ( cfr. prova documental fls 97 e seguintes dos autos em suporte informático)


“(texto integral no original; Imagem)”

28. Mediante email de resposta à Impugnante, datado de 6.03.2014 sobre o assunto “Preço médio vinho regional Ribatejo” a Adega Cooperativa do Cartaxo, CRL informou, que o preço médio do vinho regional ribatejano a granel (Litro base de 12º) era, em 2005, de aproximadamente 0,40 € (cfr documentos juntos na audiência de produção de prova testemunhal ).”

*

Factos não provados

“B) Dos Factos Não Provados:

Não se detecta a alegação de factos essenciais relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados como não provados.”

*

Motivação

C) Da Motivação:

Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto.

Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos “factos provados”, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como à posição das partes sobre a matéria alegada.

No concerne aos factos provados nº2 a 21 foi considerado relevante os depoimentos das testemunhas inquiridas na medida em que os mesmos se mostraram coerentes com a demais prova existente nos autos, designadamente a prova documental indicada em cada ponto do probatório, e, por terem relevado um conhecimento directo dos factos, considerando as funções que desempenhavam na Impugnante, prestado depoimentos claros, objectivos e isentos.

J........, Técnico Oficial de contas da Impugnante esclareceu como foram efectivados os registos contabilísticos dos custos, o critério de volumetria utilizado pela Impugnante, os ajustamentos efetuados relativamente ao vinho vendido a granel, à quota leiteira e aos investimentos em terrenos e licenças de plantação.

M........, responsável pela adega da Impugnante, descreveu o processo de plantação e produção da vinha (anos, castas), o processo de produção de vinho desde a sua colheita até ao engarrafamento e venda, os preços de venda e suas vicissitudes em função das castas e escoamento do mercado, o processo de produção de borras e as implicações das trafegas para a quantidade de borras produzidas, a necessidade de contratar armazenagem para o vinho não escoado, a relação próxima e actualizada entre a área da produção e a contabilidade.

Tendo ainda esclarecido o uso dado pela Impugnante ao designado “complexo h…” no âmbito da actividade desenvolvida por aquela na Quinta ….

F........, trabalha como administrativo para a Impugnante desde 1997, demonstrou ter conhecimento das actividades desenvolvidas nas diversas quintas propriedade da Impugnante.

O seu depoimento foi esclarecedor sobre a compra de terrenos e vinhas por parte da Impugnante e no preço do litro de venda do vinho a granel, e a sua justificação,

Mais esclareceu sobre a compra e venda da quota leiteira e da independência da empresa que adquiriu a mesma, para além de esclarecer as questões da capacidade de armazenagem de vinho não escoado e a sua venda em parte à quinta Romeira e às V.........

G........, Revisor Oficial de Contas da Impugnante há 20 anos, esclareceu os ajustamentos efetuados relativamente ao vinho vendido a granel e à quota leiteira.”


*

II.2 - De direito

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela A......... SA, doravante Recorrida, e, em consequência determinou a anulação das as liquidações adicionais de IVA nºs 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08......... e 08......... referentes aos períodos 0403T a 0612, e das liquidações de juros compensatórios de IVA nºs 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., 08........., referentes aos períodos 0403T a 0612, no valor global total de € 453.873,28.

Discorda a Recorrente do teor da sentença recorrida, porquanto considera que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço.

Na sua petição de impugnação, defendeu a Impugnante (ora Recorrida), em síntese:

Incongruência sobre o método utilizado para liquidar o imposto, na medida em que as liquidações impugnadas fundamentam-se no artigo 87º do CIVA e o Relatório de Inspecção Tribtária refere que o IVA a liquidar foi apurado por métodos indirectos por aplicação do artigo 90º do CIVA, o que acarreta falta de fundamentação dos actos tributários impugnados;
Erro nos pressupostos de facto e de direito;
Ilegalidade do método indirecto;
Erro na quantificação da matéria tributável fixada;

O Tribunal a quo entendeu iniciar o conhecimento dos vícios alegados pelo erro nos pressupostos de facto e de direito, o que não foi posto em causa no presente recurso, tendo concluído que:

“A Entidade Demandada não demonstrou que os elementos constantes da contabilidade da Impugnante impediam a correcção através de métodos directos.”
Isto é, falta uma das premissas estruturantes para a aplicação da avaliação indirecta.

De todo o exposto decorre que não estavam reunidos os pressupostos para a tributação pelo método indireto a que aludem os artigos 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º, alínea d), segunda parte, ambos da Lei Geral Tributária.

Pelo que, os actos tributários impugnados padecem, efectivamente, de vício invocado que importa a sua anulação e consequentemente a anulação das liquidações referentes aos juros (nos termos do artigo 35º da Lei Geral Tributária).

Ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos nos termos do artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil ex vi do artigo 2º al. e) do CPPT.”

A Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido.

Alega a Recorrente, nas suas alegações e conclusões de recurso, que “…a Recorrente cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia sobre a verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos para a fixação da matéria coletável, ficando demonstrado que, a seu ver, não era possível determinar a matéria coletável através da contabilidade, e que se encontra fundamentada a fixação da matéria tributável presumida.”

Sublinhando ainda, que, em sequência, competia à ora Recorrida o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação.

Considera a Recorrente, que se verifica contradição de julgados face à sentença proferida no âmbito dos autos de Impugnação Judicial n.º 758/09.1BELRS, relativamente às mesmas partes, onde se discutia os mesmos factos e fundamentos, relativos a IRC e na qual entendeu o Tribunal:

“(…) E assim, a Administração Tributária, cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia sobre a verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos para a fixação da matéria coletável, ficando demonstrado que, a seu ver, não era possível determinar a matéria coletável através da contabilidade, e que se encontra fundamentada a fixação da matéria tributável presumida. Entendimento com o qual a Impugnante não concorda, contudo, não se pode deixar de considerar que o mesmo esteja, devidamente, fundamentado conforme supra se concluiu.”

Mais requer que seja dispensado o pagamento da taxa de justiça correspondente ao valor que extravasa o montante de €275.000,00, em sede do presente recurso, nos termos do artigo 6º, n.º 7 do RCP.

Vejamos de que lado está a razão.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem ao consignado no artigo 640º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento ou supressão do competente acervo probatório, razão pela qual a mesma se encontra devidamente estabilizada.

O Tribunal a quo após elencar os pressupostos que legitimavam o recurso aos métodos indiretos conclui pela falta de demonstração dos pressupostos para o recurso aos métodos indiretos.

A sentença proferida nestes autos dissertou o seguinte:

No caso em apreço, a Administração Tributária sustentou, a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, pelos seguintes motivos:

(i) a existência de manifesta discrepância entre os custos de produção e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo; e
(ii) a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas.

Vejamos.

No concerne à alegada existência de manifesta discrepância entre os custos de produção e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo, é manifesto que a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto não se verifica.

Na verdade, a Entidade Demandada constatou que a Impugnante dispõe de contabilidade analítica ( cfr. facto provado nº23) e como tal deveria ter valorizado as existências pelo custo efectivo de produção.

Ora, se está na contabilidade permite comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.

Aliás, a Entidade Demandada para apurar a diferença entre o valor efetivamente apurado pela Impugnante (através do método que foi empregue) e o valor que a Inspeção Tributária considera que esta deveria ter apurado, utilizando para o efeito apenas a contabilidade analítica da Impugnante (cfr. pontos IV. 1 e IV.2 do RIT in fine).

Importa, assim aferir se o segundo motivo invocado pela Entidade Demandada para aplicação de métodos indirectos em virtude de ocorrer a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto se verifica.

A Entidade Demandada sustenta a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas.

Os registos contabilísticos em apreço são apenas dois, a saber:

(i) o lançamento n.º 2379 de 31.12.2005 referente ao ajustamento de existências (referido nos pontos IV.4 a IV.7 do RIT); e

(ii) o lançamento nº OD2377/OD2378 de 31.12.2005 referente à alienação de uma quota leiteira (referido nos pontos IV.8 a IV.10 do RIT).

No concerne ao lançamento n.º 2379 de 31.12.2005 referente ao ajustamento de existências, a Entidade Demandada sustenta:

“Em 31/12/2205, através do lançamento nº 2379 (anexo XI), o sujeito passivo procedeu ao ajustamento de parte das existências do vinho a granel das campanhas de 2003 e 2004, no montante de € 1.026.904,00 o histórico do lançamento refere que se trata de um ajustamento pelo “Valor de Mercado”, tendo sido utilizadas para o efeito as contas do POC 59 (a débito) e 33 (a crédito) – cfr. ponto IV.4 do RIT.

“Embora não influenciando o resultado líquido de 2005, uma vez que a transferência para a conta 81 já tinha ocorrido, procedeu a uma descapitalização da empresa, influenciando, definitivamente, o valor das existências e, consequentemente, os resultados dos exercícios posteriores”.

E, refere, ainda, que a Impugnante apresentou, após solicitação para o efeito, prova do valor de mercado utilizado para efetuar o ajustamento (cfr. ponto IV.5 do RIT).

Perante esta prova, é mencionado no RIT, que os funcionários da Entidade Demandada contactaram o IVV para consultas sobre o preço de mercado, tendo sido fornecido uma tabela de preços entre os anos 2000 a 2006.

E, da análise efectuada à mesma tabela constatamos que o sujeito passivo utilizou preços de mercado próximos dos preços de vinho a granel, de mesa, de baixa qualidade (cerca de € 0,35 para o vinho tinto). No entanto, a sua produção é de vinho regional, conforme se pode verificar pelas declarações de colheita enviadas para o Instituto da Vinha e do Vinho (anexo XV), cujo preço de mercado é 6 vezes superior”.

Pelo princípio da prudência, pelos critérios de valorização das existências e pela alínea b) do n.º 1 do artigo 34º do CIRC, decorre que: sempre que o preço de mercado for menos que o custo de produção, os produtos devem ser valorizados pelo preço de mercado”, mas depois conclui que “Para tal, há a conta 39 – ajustamento de existências”.

Ou seja, a Entidade Demandada suscita duas questões (i) por um lado, considera que o valor de mercado utilizado pela Impugnante para efectuar o ajustamento foi muito abaixo do real valor de mercado e (ii), por outro, consideram que deveria ter sido utilizada a conta 39 do POC.

Ora, é manifesto que o preço do vinho praticado em Portugal não é homogéneo em todo o território e tabelado pelo IVV.

Na verdade, o valor do vinho varia de marca para marca, de casta para casta, de região para região, de qualidade para qualidade e de graduação para graduação.

O facto de a folha do IVV referir que o preço unitário do vinho de mesa regional em 2005 era de 2,09€ por litro não significa, estatisticamente, que não tenha havido vinhos regionais vendidos a 20€ euros por litro e outros que tenham sido vendidos a 0,42€.

Acresce, encontra-se provado que a Impugnante não conseguiu escoar a produção no tempo devido o que teve influência no preço do vinho ( cfr. facto provado nº15).

Além de que, não se consegue vislumbrar em que medida a não inscrição numa determinada conta é susceptível de fundamentar o recurso à avaliação indirecta que tem carácter supletivo.

Pelo que, também não se verifica o pressuposto para aplicação da avaliação indirecta.

Relativamente, ao segundo movimento contabilístico que suscitou dúvidas aos SIT foi o lançamento nº OD2377/OD2378 de 31.12.2005 referente à cedência de uma quota leiteira (referido nos pontos IV.8 a IV.10 do RIT).

Conforme se refere no RIT, a Impugnante procedeu à reavaliação da sua quota leiteira para efeitos contabilísticos, tendo reavaliado esta em mais de 2.461.870,55€.

A quota leiteira faz parte do activo imobilizado da Impugnante, pelo que a sua reavaliação para um valor superior não tem – nem poderia ter – qualquer relevância fiscal, visto expressar apenas uma mais-valia latente que não concorre para a formação do lucro tributável (cfr. artigo 21.º n.º 1 b) do Código do IRC).

A pedido da Entidade Demandada, a Impugnante demonstrou o valor de mercado da sua quota leiteira através da venda que efectuou, em 16.07.2004, de uma quota leiteira à Sociedade A......... Lda, pelo valor de € 952.000,00+€180.880,00 (IVA) num total de € 1.132.880,00, sendo o preço unitário de 0,272 que serviu de suporte à reavaliação da quota leiteira da Impugnante (cfr. ponto IV.8 do RIT).

O RIT refere também que “As quotas leiteiras são atribuídas e controladas pelo IFAP (Instituto de Financiamento à Agricultura e Pescas). Em resultado da consulta efectuada àquela instituição verificámos que, da operação de compra e venda da quota leiteira operada na contabilidade da A......... não existe qualquer registo. Apenas consta a venda da quota leiteira efectuada directamente entre a V........ Lda e a Sociedade A......... Lda.” (cfr. ponto IV.10 do RIT).

Ademais, refere o RIT que “De acordo com a informação prestada pelo IFAP, as empresas não necessitam de autorização para transaccionarem as quotas leiteiras entre si. No entanto, são obrigadas, à posteriori, a comunicar ao IFAP as transacções efectuadas” (cfr. ponto IV.10 do RIT).

Concluindo, verifica-se, assim, a existência de registos contabilísticos que não correspondem a operações efectivas, mas que serviram para suportar a reavalização do imobilizado incorpóreo no montante de € 2.461.870,55” (cfr. ponto IV.11 do RIT).

Ora, o facto de a transação não ter sido comunicada ao IFAP não implica, obviamente, a invalidade ou inexistência da compra e venda realizada entre as partes.

Aliás, é a própria Entidade Demandada que no RIT que refere que as empresas não necessitam de autorização do IFAP para transacionarem as quotas leiteiras entre si, existindo apenas obrigação de as comunicar posteriormente.

No caso em apreço, a Impugnante, tendo adquirido a quota leiteira e tendo vendido esta no próprio dia, não efetcuou, obviamente, qualquer exploração económica da referida quota.

Sendo que, o facto de a Impugnante não ter comunicado a aquisição da quota leiteira e a sua venda nesse mesmo dia ao IFAP não pode ter como consequência jurídica ou contabilística a inexistência da aquisição da quota e sua alienação pela Impugnante

A Impugnante deu efetivamente a tributar, em sede de IRC, a mais-valia que apurou na venda da quota leiteira em apreço ( cfr. facto provado nº23).

Acresce, conforme supra exposto não basta à Entidade Demandada referir que a contabilidade tem irregulariedades é necessário que demonstre (sendo insuficientes meras conclusões) que essas irregulariedades são de tal forma graves que não permitem a correcção através da avaliação directa.

Ora, tal não ocorreu.

A Entidade Demandada não demonstrou que os elementos constantes da contabilidade da Impugnante impediam a correcção através de métodos directos.

Isto é, falta uma das premissas estruturantes para a aplicação da avaliação indirecta.” (fim de citação)

Vejamos, então, se a decisão recorrida merece a censura que lhe é endereçada.

Para o efeito, há, desde logo, que atentar no respetivo regime normativo, e aquilatar em que situações é legítimo lançar mão dos métodos indiretos de fixação da matéria tributável, e estabelecer depois a competente transposição para o caso sub judice.

Atentemos, então, no quadro normativo, tecendo os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente.

O recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual (cfr. artigo 85º, n.º 1, da LGT). Uma “ultima ratio fisci”, para que a AT possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos.

Nos termos do artigo 81º da Lei Geral Tributária (LGT):

1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Por seu turno, o artigo 83º do mesmo diploma determina que:

1 - A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.
2 - A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

É desiderato constitucionalmente consagrado que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP)).

Reflexo desse princípio determina o artigo 85º, n.º 1, da LGT, que a avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta.

Portanto, temos que a avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o artigo 75º, n.º 1, da LGT.

Contudo, como decorre desse mesmo normativo, no seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Atenha-se, todavia, que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

Logo, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos. Ou seja, sendo certo que a avaliação direta parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, a mesma ainda assim pode fundar-se noutros elementos objetivos, que permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta afastando o recurso a avaliação indireta, aliás o que a lei privilegia.
Temos então, que o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta, esta a primeira premissa a reter, da qual se infere que o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção discricionária da AT: ou se verificam condições para a avaliação direta ou, não existindo, nos termos já assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indireta.

Daí o carácter subsidiário da avaliação indireta, previsto no artigo 85º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos artigos 87º e 89º do mesmo diploma legal.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, segunda premissa, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fácticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação.

Assim, nos termos do artigo 87º, n.º 1, da LGT:

A avaliação indirecta só pode efetuar-se em caso de:
(…)
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto…”.

Esta situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o artigo 88º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.
In casu, de acordo com o RIT e decisão de Revisão, o recurso aos métodos indiretos, em termos de fundamentação legal, baseou-se no disposto no artigo 87º, n.º 1, alínea b), da LGT, conjugado com a alínea d) do artigo 88º da LGT [alínea 23. dos factos provados].

Feito este enquadramento, que não difere do pré-estabelecido pelo Tribunal a quo, vejamos dos indícios.

No presente caso, os SIT sustentaram a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de imposto pelos seguintes motivos:

(i) a existência de manifesta discrepância entre os custos de produção e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo; e
(ii) a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas.

Ora, adiante-se desde já, que, como conclui o Tribunal a quo, nenhum dos dois putativos fundamentos aventados pelos SIT se verifica in casu, tão-pouco podendo legitimar o recurso à avaliação indireta da matéria coletável.

Sucede que sobre esta mesma questão já se pronunciou este Tribunal Central Administrativo Sul, ao apreciar uma situação em tudo similar à que aqui nos ocupa, no Acórdão proferido em 2024-12-05, no proc. 758/09.1BELRS.

Processo esse, referido pela Recorrente nas duas alegações de recurso, para invocar a contradição de julgados face à sentença proferida no âmbito dos autos de Impugnação Judicial n.º 758/09.1BELRS7, relativamente às mesmas partes, onde se discutia os mesmos factos e fundamentos, apenas diferindo o tributo.

No identificado processo a sentença recorrida considerou que «a Administração Tributária, cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia sobre a verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos para a fixação da matéria coletável, ficando demonstrado que, a seu ver, não era possível determinar a matéria coletável através da contabilidade, e que se encontra fundamentada a fixação da matéria tributável presumida».

No entanto, o supra referido Acórdão, entendeu que, “Assim, a AT não logrou comprovar a impossibilidade do recurso à avaliação directa da matéria colectável, porquanto não demonstrou, como era seu ónus, que os erros e vícios detectados na contabilidade são de tal modo graves que impossibilitam a avaliação directa da matéria colectável (artigo 74.º/3, da LGT). Pelo que as liquidações adicionais em apreço devem ser anuladas, nesta parte, com este fundamento.”

O que desde já, é demonstrativo de que a Recorrente não tem razão quando alega nas suas conclusões de recurso a contradição de julgados face à sentença proferida no âmbito dos autos de Impugnação Judicial n.º 758/09.1BELRS7.
Jurisprudência na qual nos revemos inteiramente e considerando o comando constante do nº 3 do artigo 8º do Código Civil (CC) – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - acolhemos o decidido naquele Acórdão, aderindo integralmente ao seu discurso fundamentador, aqui aplicável, com as devidas adaptações, passando a transcrever-se os fundamentos da decisão ali proferida sobre esta matéria.

“Vejamos.
Do relatório Inspectivo resulta o seguinte:
«IV- Motivos e Extensão dos Factos que Implicam o Recurso a Métodos Indirectos
IV-1 - Determinação dos preços por litro de vinho
O sujeito passivo dispõe de contabilidade analítica de custos.
Dos extractos da conta 92 (VIII) retirámos a seguinte informação sobre os custos incorridos com as campanhas vinícolas dos exercícios em análise.

Com o recurso aos litros de vinho declarados por cada uma das campanhas, conforme os inventários (anexo IX) determinámos o preço unitário.
IV.2 - Comparando os valores das existências no balanço em 31/12 com os obtidos no ponto anterior, verificamos que o valor da produção da campanha anual de 2004 está sobreavaliada enquanto os valores das campanhas de 2005 e 2006 estão subavaliadas.


IV.3 - Na nota 3 do anexo ao balanço e à demonstração de resultados (anexo X), consta como critério de valorimetria dos Produtos Acabados e Intermédios - Vinho, o “Valor de Realização apurado com base no preço expectável de venda deduzido dos custos de finalização e da margem normal de venda”.

Questionado o TOC sobre qual a “margem normal de venda” o mesmo referiu que, efectivamente, não existe uma margem fixada, uma vez que o preço de venda é determinado de acordo com a negociação e em função das quantidades vendidas.

Esta situação aplica-se no vinho a granel, mas também no vinho engarrafado O n° 4 do artigo 26° do CIRC refere o critério do “preço de venda deduzido da margem de lucro só pode ser aplicado nos sectores de actividade em que o cálculo do custo de aquisição ou do custo de produção se torne excessivamente oneroso ou não possa ser determinado com razoável rigor.

Não é o caso do sujeito passivo, pois este dispõe de contabilidade analítica.
IV.4 - Em 31/12/2005, através do lançamento n°2379 (anexo XI), o sujeito passivo procedeu ao ajustamento de parte das existências do vinho a granel das campanhas de 2003 e 2004, no montante de € 1.026.904,00. O histórico do lançamento refere que se trata de um ajustamento
pelo “Valor de Mercado”. As contas do POC utilizadas para o referido ajustamento foram:
DebitoCrédito
59 - Resultados Transitados33 - Produtos Acabados e Intermédios
Embora não influenciando o resultado líquido de 2005, uma vez que a transferência para a conta 81 já tinha ocorrido, procedeu a uma descapitalização da empresa, influenciando, definitivamente, o valor das existências e, consequentemente, os resultados dos exercícios posteriores.
IV.5 - Em 17 de Setembro de 2008, o sujeito passivo foi notificado para justificar, inequivocamente, o valor de mercado utilizado no referido ajustamento (anexo XII).
Em resposta à notificação, datada de 22 de Setembro, o sujeito passivo no ponto 3 refere que o ajustamento até deveria ter sido por um valor superior em virtude de possuir elevados stocks face aos preços praticados no mercado (anexo XIII).
E, para justificar os preços de mercado, juntou as facturas de venda à Sociedade Agrícola da Quinta da R ……….. SA (preço de venda € 0,43 o litro) e às Caves V……… SA (preço de venda € 0,42 o litro), únicas vendas declaradas de vinho a granel, em 2005 (186.530 litros). Contactado o Instituto da Vinha e do Vinho para consultas sobre o preço de mercado foi-nos fornecida uma tabela de preços (anexo XIV) entre os anos de 2000 a 2006).

Da análise efectuada à mesma constatamos que o sujeito passivo utilizou preços de mercado próximos dos preços de vinho a granel, de mesa, de baixa qualidade (cerca de €0,36 para o vinho tinto). No entanto, a sua produção é de vinho regional, conforme se pode verificar pelas declarações de colheita enviadas para o Instituto da Vinha e do Vinho (anexo XV), cujo preço de mecardo é seis vezes superior.
IV.6 - Pelo princípio de prudência, pelos critérios de valorização das existências e pela alínea b) do nº1 do artigo 34” do CIRC, decorre que: sempre que o preço de mercado for menor que o custo de produção, os produtos devem ser valorizados pelo preço de mercado. Para tal, há a conta 39 - Ajustamentos de existências a qual apresenta sempre um saldo credor e surge no balanço do lado do activo, mas com sinal negativo, para que, em caso de deixar de se verificar as situações que o originaram, se proceder a uma Reversão do Ajustamento de Existências.

IV.7 - Relativamente à utilização da conta 59 - Resultados Transitados, o POC refere que, excepcionalmente, esta conta pode registar regularizações não frequentes de grande significado, que devam afectar, positiva ou negativamente, os capitais próprios. Por sua vez, a Directriz Contabilística nº8 vem clarificar a expressão " Regularizações não frequentes de grande significado" referindo que deve apenas incluir os erros fundamentais. Considerando que, estes são os que forem detectados no período corrente e que sejam de tal magnitude, que afectem a credibilidades das anteriores demonstrações financeiras.
IV.8 - Ainda em 31/12/2005, através dos lançamentos OD2377 e OD2378 (anexo XVI), foi reavaliada a quota leiteira detida pela sociedade em mais € 2.461.870,55. O histórico do lançamento, refere que o ajustamento teve por base o valor de mercado.
As contas movimentadas foram as seguintes.

DébitoCrédito
42 - Imobilizado Incorpóreo57 - Reservas Livres
57 - Reservas Livres59 - Resultados Transitados

Na nota 3 do anexo ao balanço e à demonstração de resultados, consta como critério de valorimetria das imobilizações incorpóreas, concretamente da quota leiteira, o preço expectável de venda (anexo XVII).

Na certificação legal de contas o ROC coloca “Ênfase” nestes dois ajustamentos com base no preço de mercado, referindo que dele resultou um ajustamento líquido positivo na conta de Resultados Transitados no montante de € 1.434.966,05 (€ 2.461.870,55 - € 1.026.904,00).
IV.8 — O sujeito passivo foi notificado em 17 de Setembro de 2008 (anexo XII) para apresentar o suporte inequívoco do “preço expectável de venda" (conforme nota 3 do anexo ao balanço e à demonstração de resultados) utilizado para efectuar o ajustamento da quota leiteira, bem como para apresentar a cópia do relatório de auditoria do ROC.
Em 22 de Setembro, em resposta à notificação foram apresentados os lançamentos nºs 1201 e 1205 (anexo XVIII), os quais serviram de suporte ao cálculo do preço expectável de venda.

Pelo lançamento nº 1201, correspondente à factura nº 64 datada de 16/07/2004, emitida pela V…………. Lda, contribuinte nº …………………., esta cede à A.................. a quota leiteira por € 800.000,00 + €152.000,00 (IVA) num total de € 952.000,00.
Pelo segundo lançamento nº 1205, correspondente à factura nº 2573 de 16/07/2004, emitida pela A.................., esta cede à Sociedade Agrícola Quinta do P……….., Lda, contribuinte nº ………………….., a quota leiteira pelo valor de € 952.000,00+€180.880,00 (IVA) num total de € 1.132.880,00. É o preço unitário de 0,272 mencionado nesta factura, que vai servir de suporte à reavaliação da quota leiteira.
Quanto à cópia do relatório de auditoria do ROC, solicitado na notificação, não nos foi apresentado.
IV.9 - As duas facturas mencionadas no ponto anterior não referem a venda da quota leiteira. Ambas referem “Apoio Administrativo e Técnico à gestão da Quota leiteira - Cedência". Na notificação de 17 de Setembro (anexo XII) questionou-se o sujeito passivo sobre qual o significado da referida frase.
Em resposta fomos informados (ponto 5 da resposta à notificação-anexo XIII) que se tratou da cedência definitiva da quota leiteira adquirida, na mesma data, à V.................. Lda.
IV. 10 - As quotas leiteiras são atribuídas e controladas pelo IFAP (Instituto de Financiamento à Agricultura e Pescas). Em resultado da consulta efectuada àquela instituição verificámos que, da operação de compra e venda da quota leiteira operada na contabilidade da A.................., não existe qualquer registo. Apenas consta a venda da quota leiteira efectuada directamente entre a V.................. Lda e a Sociedade Agrícola Quinta da P………… Lda.

De acordo com a informação prestada pelo IFAP, as empresas não necessitam de autorização para transaccionarem as quotas leiteiras entre si. No entanto, são obrigadas, a posteriori, a comunicar ao IFAP as transacções efectuadas.
IV.11 - Verifica-se, assim, a existência de registos contabilísticos que não correspondem a operações efectivas, mas que serviram para suportar a reavaliação do imobilizado incorpóreo no montante de € 2.461.870,55. Por sua vez a reavaliação permitiu que, o Ajustamento negativo operado na conta de Resultados Transitados, por desvalorização das existências de vinho (€ 1.026.904,50), se transformasse num Ajustamento positivo (€ 1.434.966,05), conforme a Ênfase colocada pelo ROC na Certificação Legal de Contas (anexo XIX).
IV.12 - Análise Comparativa da Produção de Vinho e Subprodutos Declarados
O sujeito passivo declarou nas campanhas vinícolas dos exercícios em análise a quantidade abaixo indicada de vinho e de subprodutos:
Designação20042005Variação

2005/04

2006Variação

2006/05

Variação

2006/04

Vinho291000238000-18,02%227000-4,62%-21,99%
Bagaço320004138029,31%419401,35%31,06%
Borras250903043021,28%15640-48,60%-37,66%
As borras apenas constam do inventário de 2005. A quantidade mencionada no mapa relativa às borras e ao bagaço, foi retirada das facturas de venda, junto das quais está anexo um documento de acompanhamento de produtos vinícolas que refere a campanha a que pertence o subproduto
(anexo XX).

Analisando o mapa acima constatamos a existência de incoerências nas variações entre a produção de vinho e de subprodutos.
Entre 2005 e 2004 a produção de vinho decresce 18,02% enquanto a borra sobe 21,28%, entre 2006 e 2004 a produção de vinho decresce 22,79% enquanto a borra decresce 37,66%. Relativamente ao bagaço verifica-se que entre 2004 e 2005 o vinho decresce 19,05% enquanto o bagaço cresce 29,31%. Entre 2006 e 2005 o vinho decresce 4,62% enquanto o bagaço cresce 1,35%. Comparando a produção entre 2006 e 2004 o vinho decresce 21,99% e o bagaço cresce 31,06%.
IV.13 - Análise comparativa da produção no Concelho do C................. com a produção do sujeito passivo

IV. 13.1 - O sujeito passivo declarou ao Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) que produziu vinho branco e tinto, conforme o quadro abaixo:

Dado que a área de produção da vinha não sofreu variações entre 2004 e 2006 (conforme as declarações de colheita — anexo XV), e porque a produção do sujeito passivo vem descendo ao longo dos anos, dirigimo-nos ao Instituto da Vinha e do Vinho, no sentido de encontrar justificações climatéricas ou outras para tal comportamento na produção.
IV. 13.2 - Fomos informados que, efectivamente, no Concelho do C................., a produção tem vindo a baixar (anexo XXI), conforme o quadro a seguir:

Designação2005/20042006/20052006/2004
Comportamento Produção Global- C.................-10,67%-6,31%-16,30%
Comportamento Produção V. Tinto- C.................-7,10%-3,75%-10,59%
Comportamento Produção V. Branco --C.................-16,82%-11,24%-26,17%

IV.13.3 - O comportamento do sujeito passivo foi o seguinte:
Designação2005/20042006/20052006/2004
Comportamento Produção Global- SP-18,71%-3,77%-21,77%
Comportamento Produção Tinto-SP-27,29%-6,92%-30,93%
Comportamento Produção Branco - SP395,90%10,99%450,40%
Desprezando a produção do sujeito passivo de vinho branco, já que está no início, verifica-se que, no vinho tinto, as quebras representam o dobro ou mais das verificadas no Concelho.

Designação2005/20042006/20052006/2004
C. C.................-7,10%-3,75%-10,59%
S. Passivo-27,29%-6,92%-30,93%

IV. 14 - A existência de manifesta discrepância entre os custos de produção (ponto IV. 1 e IV.2) e os critérios de valorimetria das existências utilizados pelo sujeito passivo, a existência de registos contabilísticos sem correspondência com operações realmente praticadas, impossibilitam a quantificação directa e exacta da matéria tributável, pelo que estão reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, nos termos dos artºs 87º nº1 alínea b) conjugado com a alínea d) do artº 88º da Lei Geral Tributária».

De relevar é também o ponto “VIII. 2. Da posição da Administração Fiscal do Relatório Inspectivo” (4).

Os fundamentos para o recurso à avaliação indireta são, em síntese, os seguintes:
i) O preço de venda do vinho utilizado pela empresa (na contabilidade), não resulta das condições normais de venda, mas da negociação com uma única empresa e é muito inferior ao preço de mercado apurado pelas instituições oficiais, daí não ser considerado idóneo e de controlo inequívoco conforme nº 3 do artº 26º do CIRC (pontos IV.1. a IV.7. do relatório inspectivo).
ii) Ajustamento das existências de 2003 e 2004, a preços de mercado, sem justificação (pontos IV.4, a IV.6. e IV.11. do relatório inspectivo).
iii) Reavaliação do imobilizado incorpóreo sem justificação (pontos IV.8. a IV.11. do relatório inspectivo).
iv) Incoerências na variação de produção entre a produção de vinho e a produção de subprodutos (borras/bagaço) (ponto IV.12. do relatório inspectivo).
v) As quebras na produção representam o dobro ou mais das verificadas no concelho onde exerce a actividade (ponto IV.13. do relatório inspectivo).

a) No que respeita ao fundamento referido em
i), do probatório resulta que «[n]os anos de 2004 a 2006, a Impugnante possuía contabilidade analítica de custos» (alínea K).
A AT põe em causa o critério de valorimetria das existências da empresa, no entanto, não densifica, com recurso a elementos de prova, a sua discordância dos critérios em causa. Estes possuem respaldo na realidade da empresa, como se verá nos itens seguintes.
b) No que respeita ao fundamento referido em
ii), do probatório resulta o seguinte:
i) Em 31.12.2005, a Impugnante através do lançamento nº2379 procedeu ao ajustamento pelo valor de mercado, de parte das existências de vinho a granel das campanhas de 2003 e 2004, no montante de €1.026.904,00, tendo sido utilizadas para o efeito as contas POC 59 e 33 (alínea N).
ii) Em 2005, 2006 (e 2008), a Impugnante vendeu vinho a granel das colheitas dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003, pelos valores unitários de 0,42 e 0,43 por litro, preço abaixo do custo de produção (alínea L).
iii) O mencionado vinho das colheitas dos anos 1999, 2000, 2001 e 2003 foi vendido a granel e por um preço abaixo do custo de produção, porque a Impugnante não conseguiu escoar, em tempo, tal produção (alínea M).
Ao invés do postulado pela AT, como resulta do probatório, a contribuinte justificou os ajustamentos em causa, dado tratar-se de vinho vendido abaixo do preço de custo de produção.
c) No que respeita ao fundamento referido em iii), do probatório resulta o seguinte:
i) Em 16.07.2004 a Impugnante, através de um acordo de cessão de quotas com a empresa V................., Lda, adquiriu uma quota leiteira, no valor de € 952.000,00, (alínea H).
ii) No mesmo dia, 16.07.2004, a Impugnante cedeu a referida quota leiteira à sociedade Agrícola Quinta do P……, Lda, pelo valor total de €1.132.880,00 tendo por base o valor unitário de €0,272 (alínea I).

Verifica-se que a contribuinte logrou justificar/comprovar a efectividade da operação (bem como os valores praticados) o que infirma os pressupostos do relatório inspectivo.
d) No que respeita ao fundamento referido em
iv), do probatório resulta o seguinte:
i) A produção de borras depende de vários fatores, nomeadamente os inerentes às variedades, estado de maturação e estado sanitário das uvas, fatores climáticos e técnicas de vinificação (alínea F).

ii) Um número elevado de trasfegas de vinho aumenta a quantidade de borra obtida, embora à medida que aumenta o número de trasfegas a quantidade de borras tenderá a reduzir-se (alínea G).
As alegadas incoerências entre a produção de vinho e a produção de subprodutos não resistem à análise dos factores que influenciam a produção de subprodutos. Atenta a variabilidade dos mesmos não pode a aludida discrepância ser usada como factor de descredibilização da contabilidade.
e) No que respeita ao fundamento referido em v), do probatório resulta o seguinte:
i) Em 2004, a Impugnante era proprietária de 64,78 ha, constituídos por vários artigos matriciais, localizados no Ribatejo, adquiridos de 1995 a 2004, e dedicados à produção de vinho, nos quais existiam vinhas com características diferentes, vinha velha, vinha nova, e de castas diferentes, assim como alguns hectares em pousio, sem produção (alínea B).
ii) Entre 1995 e 2007, a Impugnante procedeu à recuperação das vinhas velhas e ao plantio de novas vinhas, adquirindo para o efeito direitos de plantio a terceiros, tendo obtido, em 1998, o estatuto de depositário autorizado e de entreposto fiscal, (alínea D).
iii) Do total da área dedicada à produção de vinho, 64,78 ha, propriedade da Impugnante, foram plantados, em 2006, 5 hectares de vinha nova, e outros 8 hectares, em 2007, existindo ainda uma área de mais 5 hectares sem plantação (alínea E).

A comparação da média do concelho onde se inscreve a área de implantação da contribuinte com a produção da mesma deixa na sombra os factores de diferenciação, elencados no probatório, como sejam as diferentes fases de produção ou os diferentes tipos de vinha cultivados, em que se inserem as parcelas em causa, factores que permitem explicar as diferenças no decréscimo da produção.

Pelo que o fundamento em exame não permite justificar o recurso à avaliação indirecta da matéria colectável.

Do exposto resulta que a AT não logra demonstrar as alegadas incongruências que inquinariam a contabilidade da contribuinte. Ao invés, os pressupostos em que assenta o recurso à avaliação indirecta são postos em crise pelos elementos recolhidos no probatório, o que significa que a presunção de veracidade da contabilidade não logra ser afastada. Assim, a AT não logrou comprovar a impossibilidade do recurso à avaliação directa da matéria colectável, porquanto não demonstrou, como era seu ónus, que os erros e vícios detectados na contabilidade são de tal modo graves que impossibilitam a avaliação directa da matéria colectável (artigo 74.º/3, da LGT).
Pelo que as liquidações adicionais em apreço devem ser anuladas, nesta parte, com este fundamento.
Ao decidir no sentido apontado, a sentença recorrida deve ser confirmada, nesta parte, ainda que com a presente fundamentação.” (sublinhado nosso).

Em suma, como conclui também o Tribunal a quo, “[a] Entidade Demandada não demonstrou que os elementos constantes da contabilidade da Impugnante impediam a correção através de métodos directos”.

Do exposto resulta que a AT não logra demonstrar as alegadas incongruências que inquinariam a contabilidade da contribuinte.

Ao invés, os pressupostos em que assenta o recurso à avaliação indireta são postos em crise pelos elementos recolhidos no probatório, o que significa que a presunção de veracidade da contabilidade não logra ser afastada.

Assim, a AT não logrou comprovar a impossibilidade do recurso à avaliação direta da matéria coletável, porquanto não demonstrou, como era seu ónus, que os erros e vícios detetados na contabilidade são de tal modo graves que impossibilitam a avaliação direta da matéria coletável (artigo 74º, n.º3, da LGT).

Pelo que as liquidações adicionais em apreço devem ser anuladas, nesta parte, com este fundamento.

Ao decidir no sentido apontado, a sentença recorrida deve ser confirmada.

Conclui-se, assim, pela ilegalidade do ato de liquidação, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.

Improcedem, por isso, as conclusões de recurso.

Pelo que, a sentença que assim decidiu não padece de qualquer erro de julgamento, devendo, por isso, ser confirmada.
*

Relativamente à apelidada ampliação do recurso, importa desde já esclarecer que em causa não está qualquer ampliação de recurso na medida em que a recorrida não decaiu nas questões que ficaram por conhecer, o que ficou prejudicado, pelo que, em bom rigor inexistiria ampliação de recursos nos termos do artigo 636º do CPC, mas, julgamento em substituição, nos termos consagrados no artigo 665º nº 2 do CPC (vd. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Almedina, pag. 153.)

Todavia, como o ajuizado será de manter, não haverá que enfrentar a pretensão da recorrida.

*
Uma última nota quanto à dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça.

No caso sub judice, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, e ainda que o processo se revista de densidade, quer, no domínio, da impugnação da matéria de facto, quer na concreta apreciação dos pressupostos de direito, entende-se adequado e proporcional face ao concreto valor do processo [€453.873,28] a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6º, n.º 7, do RCP, na parte em que excede os €275.000,00.
*

III. DECISÃO


Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de outubro de 2025.
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[Maria da Luz Cardoso]

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[Ângela Cerdeira]
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[Isabel Silva]