Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2955/06.2BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DISPENSA DE REMANESCENTE DE TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:i)No que se refere ao momento para a parte deduzir a dispensa/redução da taxa de justiça remanescente, dada a divergência jurisprudencial, o Supremo Tribunal de Justiça, por AUJ nº1/2022 (publicado no DR 1ª Série de 3/1/2022) fixou a seguinte uniformização: “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem lugar, de acordo com o nº 7 do art. 6º do RCP, com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.

ii) Concedida tal dispensa à Fazenda Pública, por igualdade de razão deve ser atribuída à parte contrária.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, após notificado do acórdão proferido nos autos em 07 de Maio de 2020, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, vem, invocando o disposto no n.º 1 do artigo 616.º e no n.º 1 do artigo 666.º, ambos, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a sua reforma quanto a custas, solicitando a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nesta instância recursiva.

Sustentando a sua pretensão, alegou o seguinte:


1.

Nos autos de Impugnação à margem referenciados, o Tribunal Tributário de Lisboa, em 1.ª instancia, julgou a acção improcedente e decidindo que a acção deveria ser sem custas por delas se encontrar isenta a impugnante.

2.

Em sede de recurso, a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública que teve apenas como objecto aquele segmento decisório [condenando em custas a Fazenda Pública].

3.

Ora, tendo em conta o valor da causa (€ 361.816,34), impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respetivo remanescente, em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1ª parte do n.°7 do art.° 6.° do citado diploma legal.

4.

Refira-se a este respeito que, de acordo com o art. 14° n.°9 do RCP (na redacção dada pela Lei 27/2019 de 28 de março) o pagamento do remanescente é imputado a parte vencida, in casu, no que concerne ao recurso, a Fazenda Pública.

5.

Segundo o acórdão do TCA Sul, no processo n.°07140/14, o pagamento do remanescente é considerado na conta a final do processo, salvo casos específicos em que o juiz poderá, atendendo à especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

6.

In casu, o Juiz nunca se pronunciou sobre a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça [nos termos da 2.ª parte do n.° 7 do art.° 6.° do RCP], quando, claramente - atendendo à complexidade da causa e à conduta processual das partes-, a especificidade da situação o justificava.

7.

No que diz respeito à complexidade da causa, é necessário analisar os pressupostos previstos no n.° 7 do art.° 530.° do CPC, para averiguação da existência de questões de elevada especialização ou especialidade técnica, ou, ainda, de questões jurídicas de âmbito muito diverso.

8. 

Quanto a conduta processual das partes, ter-se-á em consideração se esta respeita o dever de boa-fé processual estatuído no art.° 8.° do CPC.

9.

Para averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (art.°530.° n.°7) antecipou três grupos de requisitos, a saber:

>A existência ou não de articulados ou alegações prolixas - vide al. a);

> A questão da causa ser, ou não, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, ou importarem questões de âmbito muito diverso - vide al. b);

> O terceiro e último grupo prende-se com a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas - vide al. c).


10.

A Fazenda Pública entende que adoptou, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa fé.

11.

Resulta claro que, no decurso deste processo, a Fazenda Pública apenas apresentou as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material, não recorrendo ã utilização de quaisquer articulados ou alegações prolixas, nem solicitando quaisquer meios de prova adicionais.

12. 

Relativamente a especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, tratando-se apenas do segmento decisório relativo ã condenação em custas, afigura-se pacífico não ser, a questão da causa, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, não sendo, igualmente, as questões aqui em crise, de âmbito muito diverso, suscetíveis de justificar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente a uma ação no valor de € 361.816,34.

13.

Por essa razão, não deve a Fazenda Pública ser penalizada, em sede de custas judiciais, mas, antes, o seu comportamento incentivado, apreciado e, positivamente valorado.

14.

Assim, solicita a Fazenda Pública que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.° 7 do art.° 6.° do RCP, por forma a dispensar a mesma do pagamento do remanescente das taxas de justiça, reformando-se, nessa parte, o acórdão quanto a custas, ao abrigo do n.° 1 do art.° 616.° do CPC.

15.

Desta forma, devera ordenar-se a reforma quanto a custas, tendo em conta o máximo de € 275,000,00 fixado na TABELA I do RCP, desconsiderando-se o remanescente aí previsto.

Nestes termos e nos demais de Direito, se requer que seja determinada A REFORMA QUANTO A CUSTAS, determinando-se, consequentemente, a dispensa do remanescente da taxa de justiça neste processo.”.

O administrador da massa insolvente da sociedade impugnada foi notificado do requerimento.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu mui douto parecer no qual após se pronunciar sobre a oportunidade do pedido, concluiu no sentido do deferimento do pedido de dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça requerido.

Com dispensa dos vistos legais, por simplicidade, cumpre decidir, em conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Emerge dos autos com relevo para a apreciação do mérito do pedido de reforma, as seguintes ocorrências processuais:
1- E…– Comércio ……….., Lda., entretanto declarada involvente, impugnou o acto de indeferimento da reclamação graciosa que apresentou da liquidação adicional de IRC nº …………..816, relativa ao ano de 1991, no montante global de € 361.816,34.
2- O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 18 de fevereiro de 2019, declarou deserta a instância e julgou a ação sem custas, por delas se encontrar isenta a impugnante, nos termos da alínea u), n.º 1 do artigo 4.º do RCP.
3- Inconformada com a não condenação em custas da sociedade impugnante (insolvente) a Fazenda Pública apelou para este Tribunal Central Administrativo, o qual em acórdão de 07.05.2020, decidiu assim:Termos em que se decide negar provimento ao recurso e, em confirmar a decisão recorrida quanto à condenação em custas. Custas pela Recorrente, nesta instância (…)”

III - APRECIAÇÃO

Da leitura atenta do requerimento que nos vem apresentado decorre que o requerente – o Exmo. RFP -pretende, sob a invocação do n.º 1 do artigo 616.º e no n.º 1 do artigo 666.º, ambos, do Código de Processo Civil de cuja narrativa inequivocamente resulta, não a reforma do acórdão quanto a custas, mas, antes, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça,

Em situação em tudo idêntica à dos presentes autos, entendeu-se no ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/12/2023, tirado no proc.º 11962/21.4T8SNT-A.L1-7, adaptado à situação dos autos, o seguinte:

“(…) Parece evidente o equívoco dos apelantes na invocação do art.º 616.º, ex vi do art.º 666. n.º1.

É que não está aqui em causa a reforma do acórdão quanto a custas.

Dispõe o art.º 1.º, n.º 2, do RCP, que «para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.»

Assim, para efeitos de custas, cada recurso passou a ser considerado um processo autónomo.

Por isso, o acórdão, encarou e decidiu, em definitivo, a responsabilidade pelo pagamento das custas, aplicando ao caso, como não poderia deixar de ser, o que conjugadamente estatuem as disposições contidas nos art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2, dos quais decorre que o coletivo de juízes da Relação deve condenar quem for o responsável no pagamento das custas processuais no âmbito do recurso, estabelecendo a respetiva proporção.

O art.º 527.º contém, quanto ao pagamento das custas, dois princípios, que são de aplicação sucessiva.

- o princípio da causalidade, segundo o qual é condenada nas custas a parte que deu causa ao processo, entendendo-se que dá causa a parte vencida; e,

- o princípio do proveito, segundo o qual, não havendo vencimento, é condenada nas custas a parte que tirou proveito do processo.

Faz-se, atendendo apenas e só ao ocorrido no “processo autónomo” que cada recurso é.

O que ocorreu no caso concreto foi que [a Fazenda Pública ficou vencida] no “processo autónomo” que o presente recurso é.

Ou seja, o recurso foi decidido em sentido contrário ao que [a Fazenda Pública pretendia], donde, por decorrência do princípio da causalidade consagrado no art.º 527.º, a decisão contida no acórdão, de que «as custas da apelação são a cargo [da recorrente]».

Em conclusão, não há, portanto, no acórdão, qualquer erro jurídico ou, sequer, qualquer lapso, na condenação dos apelantes em custas, que importe reformar.

O acórdão observou, na devida forma, o estatuído nos art.ºs 527.º e segs. do Código de Processo Civil.” (negritos nossos).

Donde o que a aqui requerente pretende no requerimento não é a reforma do acórdão quanto a custas, mas a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Estatuiu-se no nº 3 do artigo 193º do CPC que o “o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.” E, assim sendo e por nada a tal obstar convola-se oficiosamente o pedido de reforma de acórdão quanto a custas para simples requerimento tendente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

E, sobre o tema da dispensa do remanescente da taxa de justiça devida nesta instância acompanha-se a linha decisória do ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 06/23/2022, tirado no proc.º 02048/20.0BELSB, no qual se expendeu: “(…)como explanado na decisão singular do Relator (Abrantes Geraldes) de 20/12/2021 (proc. 2104/12.8TBALM.L1.S1) do STJ, disponível em “dgsi.pt”: «(…) Mais problemática é a verificação da amplitude da intervenção judicial, ou seja, se nos casos em que a dispensa ou a redução da taxa de justiça remanescente é apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça (ou, noutros casos, pela Relação), a decisão está circunscrita à taxa ou taxas de justiça remanescentes correspondentes à tramitação que ocorreu nesse grau de jurisdição ou se deve ser alargada a toda a tramitação processual.
(…) parece mais correta a tese segundo a qual o último órgão jurisdicional que intervém deve apreciar não apenas a dispensa ou redução da taxa de justiça no respetivo grau de jurisdição, mas também nos precedentes, como se reconheceu explicitamente nos Acs. do STJ, de 24-5-18, 1194/14 e de 8-11-18, 567/11, em www.dgsi.pt.
Aliás, esta é a única solução que se harmoniza com o regime da taxa de justiça remanescente que agora emerge do nº 9 do art. 14º do RCP que recentemente foi introduzido, nos termos do qual a parte totalmente vencedora na ação - o que apenas se revela com o trânsito em julgado da decisão - fica desonerada do pagamento da taxa de justiça remanescente.
Este preceito revela que a condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros. Por isso, terminando o processo na Relação ou, depois, no Supremo, o apuramento da quantia devida a título de taxas de justiça remanescente, assim como a identificação do interessado a quem é de imputar a responsabilidade pelo seu pagamento estão condicionados pelo resultado que a final vier a ser declarado.
Por exemplo: o R. que na sentença de 1ª instância tenha sido absolvido do pedido não tem qualquer ónus de suscitar a questão da dispensa da taxa de justiça remanescente, a não ser que no posterior recurso de apelação interposto pelo A. a Relação revogue ou modifique a sentença e acabe por julgar a ação total ou parcialmente procedente. O mesmo ocorre, a respeito do A., nos casos em que na 1ª instância a ação é julgada totalmente procedente, sendo revogada ou modificada pela Relação. Resultados que ainda podem ser modificados pelo Supremo se acaso for interposto recurso de revista, pois só então cada um dos sujeitos, em função do resultado definitivo, será confrontado ou não com a obrigação de pagamento da taxa de justiça remanescente.
Acresce ainda que a possibilidade de diferir a apreciação da dispensa ou da redução da taxa de justiça remanescente para a decisão do recurso na Relação ou no Supremo é a que melhor garante que sejam ponderados de uma “forma fundamentada” os fatores previstos no nº 7 do art. 6º, procedendo a uma avaliação global da “especificidade da situação”, tendo em conta designadamente a complexidade da causa, a conduta processual das partes, os resultados que foram alcançados e todos os demais aspetos relevantes.

É, ademais, a solução que melhor se conjuga com os arts. 29º, nº 1, e 30º do RCP, segundo os quais, a “conta é elaborada depois do trânsito em julgado da decisão final” sendo “efetuada de harmonia com o julgado em última instância”. Com efeito, sendo a conta elaborada apenas depois de o processo ser remetido ao tribunal de 1ª instância, deve ser seguido na sua elaboração o que decorra do que foi definitivamente decidido, atendendo designadamente à dispensa automática prevista no nº 9 do art. 14º relativamente à parte que seja totalmente vencedora.
Por isso, mesmo nos casos em que a questão da dispensa ou da redução da taxa de justiça seja apreciada na sentença de 1ª instância, o que acerca dessa questão for decidido acabará por ficar dependente do resultado final que só se estabiliza com o trânsito em julgado, o que tanto pode ocorrer na 1ª instância, como na Relação ou no Supremo”.

Dispõe o art.º 6.º, n.º7 do Regulamento das Custas processuais que «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Trata-se, portanto, de uma dispensa excecional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art.º 7º do mesmo Regulamento, depende de concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão — cf., neste sentido, o acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 15/10/2014, tirado no proc. nº 01435/12.

Ora, constata-se que, no caso, a questão decidida não se revestiu de especial complexidade e que a sua apreciação reclamou uma tramitação processual simples, potenciada pela adequada conduta processual das partes.

Assim, considerando o valor da causa em presença - €361.816,34- a não elevada complexidade da mesma – uma vez que se reconduziu à apreciação da isenção das custas da sociedade impugnante, decretada em 1ªinstância – sem contornos que, in casu, nos permita a qualificação de “um julgamento de especial complexidade” bem como a conduta processual assumida pela Fazenda Pública no processo que foi absolutamente regular e previsível, a que acrescem as razões constitucionais de justiça e proporcionalidade, somos a concluir estarem verificados os pressupostos para que se conceda a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida no recurso, conforme o pedido formulado pelo requerente ao abrigo do disposto no nº 7 do artigo 6º do citado Regulamento.

Nestes termos,

Acorda-se em deferir o pedido formulado pela Fazenda Pública, e em consequência, dispensá-la, nesta instância, do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, que aproveita a ambas as partes.

Sem custas neste incidente.
D.N.
Lisboa, 15 de Julho de 2025


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Vital Lopes



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Rui A. S. Ferreira



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Ângela Cerdeira