Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1086/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/16/2025
Relator:CRISTINA COELHO DA SILVA
Descritores:FALTA FUNDAMENTAÇÃO – REGIME DA MARGEM – VENDA AUTOMÓVEIS USADOS.
Sumário:I – Como bem sabemos os atos administrativos e particularmente os atos tributários estão sujeitos a fundamentação, desde logo por imperativo constitucional consagrado no artigo 268º, nº 3 da CRP, norma esta que veio a ser transposta a a legislação ordinária, passado a estar contemplada no artigo 77º da Lei Geral Tributária. Para que se possa considerar o ato devidamente fundamentado do mesmo têm de constar de forma clara, suficiente e coerente os motivos que conduzem à correção, permitindo ao destinatário a compreensão da mesma.

II – Não se pode considerar fundamentado um ato quando as explicações que são avançadas não são coerentes, nem com os valores indicados, nem com a primeira explicação avançada que refere expressamente que não seria de aceitar a aplicação do regime especial da margem.

III - Para sustentar uma correção nos moldes em que resultam no quadro elaborado no relatório inspetivo, teria de ter sido explicado o motivo pelo qual não se aceita que no cálculo do IVA a entregar, de acordo com o regime especial da margem.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul



I – RELATÓRIO

João …………………, com demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007.


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O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença de 19 de Março de 2013 julgou a impugnação procedente.



***

Inconformada com a decisão, a Fazenda Pública, ora Recorrente, interpõe o presente recurso, formulando na respetiva motivação as seguintes conclusões:
“4- Conclusões:

I - O presente recurso visa reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por João ………………... NIF: ………….. contra as liquidações adicionais de IVA de vários períodos dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, liquidações provenientes duma acção inspectiva, nos termos da qual foram efectuadas diversas correcções técnicas.
II - No caso sub judice estão em causa liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios de vários períodos dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, na sequência de acção inspectiva à firma extinta e responsável originário João …………..Unipessoal. Lda. NIPC …………..
III- A Representante da Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo foi baseada numa errónea interpretação da lei aplicável aos presentes autos
IV - Afirma a Impugnante que adoptou o regime da margem na liquidação do IVA devido a ser esse o adoptado pelos seus fornecedores comunitários, utilizava também, esse regime especial (apesar de estar colectada pelo regime normal) de liquidação do IVA na revenda dos veículos aos seus clientes e sujeitos passivos de Imposto em Portugal
V - Ora, na verdade, para poder beneficiar daquele regime especial da tributação da margem, a impugnante deveria ter verificado se estavam reunidas as condições exigidas pelo n °1 do art. 3o do Regime especial de tributação dos bens em segunda mão,
VI -O que não se verificou no caso concreto.
VII - Pelo que com o devido respeito, é visível o erro interpretativo do ora impugnante, e por reflexo, do Tribunal a quo.
VIII - Porquanto o acto está efectivamente fundamentado de facto e de direito,
IX -Com o efeito, o Tribunal a quo ao julgar procedente a Impugnação, anulando-se o acto do liquidação adicional do IVA por vicio de forma por falta de fundamentação, não tomou a melhor decisão.
X - O Relatório/Conclusões da Inspecção Tributária, foi elaborado de acordo com o estipulado no art. 62° do RCPIT e contendo todos os requisitos, legalmente exigidos, quer a nível constitucional, quer a nível da lei ordinária,
XI - E apresenta uma fundamentação clara, expressa e suficiente quer em matéria de facto quer em matéria de direito
XII - No capitulo III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções - do Relatório da Inspecção, posto em causa pelo Impugnante, é feita uma descrição exaustiva do quadro jurídico aplicável às transacções intracomunitárias de bens e mais concretamente do IVA a liquidar pelas aquisições e alienações intracomunitárias de veículos usados
XIII - Dali resulta, pormenorizadamente, o complexo modo de funcionamento do IVA intracomunitário o que deveria ser feito nos termos legais aplicáveis, e o que de facto foi feito pelo ora impugnante,
XIV - Sendo ali mencionadas todas as normas jurídicas aplicáveis, estando assim satisfeita a necessidade de fundamentação de direito e de facto
XV - Esclarece, ainda, o Relatório de forma perfeitamente perceptível a qualquer comum destinatário, que a impugnante estava sujeita à tributação por força das regras da incidência subjectiva contida na alínea a) do n.° 1 do artigo 2o do RITI, da incidência objectiva do art. 1o do RITI, e obrigada a proceder à autoliquidação, emissão de factura e entrega de declarações periódicas, em cumprimento do disposto no art. 23° n.°1 a) do RITI.
XVI - é também claro, suficiente e de forma expressa indicado no Relatório que a Impugnante não cumpriu o determinado no art. 13° n.° 1 alinea b) e no art. 17° n.°3 do RITI.
XVII - Pelo que é forçoso concluir que houve preterição de qualquer formalidade essencial, dado que o Relatório apresenta uma fundamentação sucinta, clara e suficiente, quer em termos de razões de facto quer de direito
XVIII - Assim, na sentença recorrida não foi obtido o melhor julgamento, pelo que acompanhando o douto Parecer do Digníssimo Magistrado Público, junto deste Processo, pugna-se pela substituição daquela decisão por uma outra que, com as legais consequências, considere totalmente correcta e fundamentada a posição da Administração Fiscal na Liquidação adicional de IVA e Juros Compensatórios referentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada e a impugnação judicial declarada totalmente improcedente.”

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A Recorrida, devidamente notificada, apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES

Quanto às questões prévias - delimitação do objecto e conhecimento do recurso
A) Das conclusões do recurso, que delimitam o seu âmbito e objecto (cf. artigo 684.°, n° 3 do C.P.C., subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 2.°, al. e), do C.P.P.T) constata-se que em nenhuma delas se aponta algum vício à douta sentença recorrida, em concreto, e.g. vício relativo à fundamentação, conformidade com as disposições legais, ou interpretação conforme ao direito;
B) Com efeito, as conclusões iniciais da Recorrente constituem considerações meramente introdutórias (conclusões I a II), ou incompatíveis com o caso dos autos (conclusões III a VIII), restando meras considerações da Recorrente quento ao seu próprio Relatório de Inspecção — não da decisão recorrida.., e descrições desse mesmo Relatório (conclusões X a XVIII), pelo que a parte aparentemente significativa das conclusões da Recorrente FP resume-se ao vertido nas conclusões IX e XVIII, que se limitam a considerar que a decisão não recorrida foi “a melhor”, sem contudo apontar qualquer crítica concreta à decisão recorrida.
C) Deve pois concluir-se que o tribunal ad quem não está habilitado a conhecer do recurso por falta de objecto, não só face às conclusões de recurso (que nada apontam de concreto ao julgado) — como do próprio articulado das alegações de recurso (totalmente omissas neste ponto) — pelo que neste ponto o tribunal ad quem não pode senão julgar esta matéria excluída do objecto do recurso, pelo que dela nào pode conhecei.
D) Com efeito, nas conclusões da Recorrente não se descortina qualquer matéria susceptível de constituir a alegação de um único vício imputado à sentença recorrida, nem o hipotético fundamento — que não existe — para que a sentença não tivesse sido “a melhor”, fundamento que a Recorrente não chega sequer a alegar - e muito menos demonstrar - conforme dispõe o artigo 685.°-A do CPC aplicável ex vi artigo 2.° alínea c) do CPPT.
E) Cabendo em sede de recurso jurisdicional ao tribunal ad quem sindicar se se verificam ou não eventuais vícios apontados à sentença recorrida, perante a ausência da invocação de tais vícios que habilite o tribunal de recurso a extrair questões a decidir sobre a sentença sindicada, afigura-se desprovido de objecto o presente recurso, impedindo o seu conhecimento pelo tribunal de recurso;
F) Caso assim não se entenda e, ao invés, se considere que a Recorrente suscita, ainda que implicitamente, alguma questão de desconformidade da sentença com a ordem jurídica, haveria então que averiguar se, em função dessa hipotética questão, o Tribunal de recurso deve considerar-se competente - afigurando-se que a resposta, in casu, não pode deixar de ser negativa;
G) Com efeito, é evidente que nas conclusões da Recorrente, ou mesmo no articulado das suas alegações de recurso, inexiste a mínima afloração de qualquer questão de facto, ou sequer relativa a matéria de facto, muito menos relativa à concreta interpretação que a sentença extraiu dos factos provados, versando as alegações da Recorrente eventuais questões exclusivamente de direito, razão acrescida para que V. Exas. decidam pelo não conhecimento do recurso, por ser nessa medida competente a Secção do contencioso Tributário de Supremo Tribunal Administrativo;
H) Na eventualidade de as conclusões antecedentes virem a ser julgadas improcedentes, o Recorrido sustenta nesta sede a bondade da sentença em tudo quanto constitui a ratio decidendi da procedência da impugnação, sem prejuízo de também sustentar que a idêntico resultado deveriam conduzir os demais vícios que imputou aos actos tributários impugnados;
I) A fundamentação da sentença recorrida, de facto e de direito, para concluir pela procedência da impugnação é irrepreensível à luz das normas e princípios – e do imperativo constitucional — que impõe dever de fundamentação dos actos lesivos dos direitos e garantias dos contribuintes praticados em matéria tributária.
J) Com efeito, a sentença recorrida identificou com precisão as diversas contradições patentes no Relatório de Inspecção, constatando mesmo que tais contradições não podem ser mais evidentes, concluindo que são geradoras de vício de forma ofensivo do disposto nos artigos 268.° n.° 3 da CRP e 77.° da JLGT.
K) Em qualquer caso, sempre se deverá concluir, acompanhado a douta sentença recorrida, que a fundamentação das liquidações em causa é insuficiente, pelo que, também a este título, os actos de liquidação em crise não se encontram devidamente fundamentados.
L) Acresce que nenhum dos fundamentos da sentença a quo para assim decidir foi minimamente refutado ou sequer posto em causa pelas alegações da Recorrente, que se limitou e referir de forma conclusiva que o Relatório continha fundamentação descrevendo aliás citações do RITI totalmente inaplicáveis ao caso, sem nunca se referir às concretas incongruências e contradições patentes no relatório de Inspecção, constatadas pelo tribunal recorrido como motivo de anulação dos actos impugnados.
M) Pelo que a sentença recorrida, assim tendo decidido, não merece qualquer censura, devendo em consequência ser negado provimento ao presente recurso;
Subsidiariamente, quanto aos demais vícios dos actos tributários impugnados
N) Caso porventura não seja confirmada a sentença recorrida, cumpre apreciar então as razões pelas quais se deveria modificar ou não a decisão em primeira instância, mantendo ou não a anulação dos actos impugnados, em virtude de padecerem de outros vícios não apreciados pela sentença a quo, assim se requerendo o seu conhecimento ao abrigo dos poderes de cognição conferidos ao Tribunal ad quem pelos artigos 712.° e 715.° do CPC, aplicáveis ex m artigos 2.° al. e) e 281.° do CPPT;
O) Com efeito, os actos impugnados e anulados pelo tribunal a quo por vício de forma, incorreram ainda em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicação do regime especial da margem de lucro em sede de IVA;
P) Com efeito, mesmo que se aceitassem os pressupostos — errados — em que assentam as liquidações impugnadas, não há uma única liquidação cujo valor corresponda sequer ao valor que a própria AT se propôs liquidar;
Q) A título de exemplo do que se pode verificar em relação à totalidade dos veículos, veja-se que em relação ao primeiro veículo (...........-ZT) referido nos quadros construídos no Relatório de Inspecção para apuramento do suposto IVA em falta, mesmo partindo da base tributável arbitrada pela AT — já por si errada — de € 26.750,00, aplicando a esta base a taxa de 19% então vigente, teríamos um valor de IVA a liquidar de € 5.082,05. Ora deduzindo a este valor os €118,63 de IVA que já havia sido liquidado pelo Impugnante, obteríamos o valor de € 4.963,87 — e nunca os € 5.059,96 arbitrados pela AT! (cf. “quadro” de fls. 16-18 do Relatório de Inspecção).
R) Face à conclusão antecedente, e que pode verificar-se em relação à totalidade dos veículos em causa (com ou sem desconsideração do regime da margem), é manifesto que o valor das liquidações impugnadas, resultando de um somatório de valores totalmente errados e sem nenhuma correspondência com a realidade, conduziu necessariamente a uma errónea quantificação da matéria colectável.
S) Consequentemente, para além de assentarem em pressupostos errados, são também ilegais as liquidações impugnadas por assentarem em cálculos totalmente errados e não fundamentados, e também por esta razão não podem deixar de ser anuladas, face ao comando legal expresso no artigo 100.°, n.º 1 do CPPT, ao dispor que “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”;
T) A AT incorreu também em erro sobre os pressupostos de facto e de direito da aplicabilidade do regime do IVA nas transacções intracomunitárias (RITI), posto que as liquidações anuladas pelo tribunal a quo se referiam exclusivamente a transacções internas, i.e. realizadas em território nacional entre sujeitos passivos do imposto em Portugal;
U) Improcede, pois, a alegada aplicação ao caso dos presentes autos das disposições do RITE invocadas no Relatório de Inspecção e reiteradas nas alegações da Recorrente, por manifesta inaplicabilidade daquele regime exclusivo das transacções intracomunitárias;
V) Acresce que as únicas transacções intracomunitárias que poderiam estar em causa foram as aquisições intracomunitárias que precederam a revenda dos veículos a quês e reportam os presentes autos, realizadas ao abrigo do regime da margem de lucro, as quais não são tributáveis em IVA, por força da derrogação imposta pelo artigo 14.° daquele regime especial, aprovado pelo Decreto-lei n.° 199/96 de 18 de Outubro, ao disposto na alínea a) do n.° 1 do Artigo 2.° do RITI que a AT pretende aplicável (cf. conclusão XV das alegações da Recorrente).
W) Tal exclusão da tributação em IVA é a também a única solução conforme ao disposto no Artigo 4.°, alínea a) da Directiva do IVA 2006/112/CE, de 28 de Novembro de 2006 (anterior Artigo 26.° A, ponto D, alínea b) da Sexta Directiva).
X) É pois manifesto que a tese da AT importa a violação frontal das referidas normas internas e comunitárias e não tem qualquer sustentação legal, nem apoio em qualquer interpretação e aplicação do direito interno ou da sua matriz comunitária, emanada das Directivas União Europeia maxime da Directiva do IVA, tomando desnecessário o reenvio prejudicial.
Y) Em caso de dúvida, o que face ao fundado juízo do tribunal a quo se admite por mera cautela e dever de patrocínio, devem as pertinentes questões de compatibilidade do direito interno com o direito da União Europeia suscitadas ser submetidas ao TJUE a título do requerido reenvio prejudicial {cf. supra, capítulo IV das presentes contra- alegações).
Z) Do mesmo modo, caso não se mantivesse a anulação das liquidações em causa seriam desrespeitadas as normas e princípios constitucionais em que assenta o princípio do primado do direito da União Europeia em particular em matéria de IVA, razão acrescida para que se mantenha a anulação dos actos de liquidação em crise;
AA) Os actos tributários anulados pelo tribunal a quo violaram também as regras aplicáveis de determinação do valor tributável em sede de IVA, designadamente as disposições do artigo 16º do Código do IVA conjugadas com o disposto no artigo 4.° do Decreto-lei n.° 199/96 de 18 de Outubro e correspondentes disposições das directivas comunitárias, baseando-se ao invés em tabelas de cálculos incompreensíveis, contraditórias nos seus próprios termos e não fundamentados, como também decorre da fundamentação irrepreensível da sentença recorrida;
BB) Acresce ainda que tais actos consistem em liquidações adicionais que ofendem gravemente as normas e princípios do direito da União Europeia em que assenta o sistema comum do IVA, pelo que a anulação dos actos de liquidação em crise têm forçosamente de manter-se por essa razão acrescida à já sindicada pela sentença a quo;
CC) Do mesmo modo, uma solução contrária à manutenção da anulação de tais actos ofenderia as normas e princípios constitucionais em que assenta o princípio do primado do direito da União Europeia em particular em matéria de IVA, pelo que a anulação dos actos de liquidação em crise tem forçosamente de manter-se na ordem jurídica;
DD) Na ordem constitucional interna é reconhecido que «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático» — cf. artigo 8 o, n.° 4, da CRP (cit.);
EE) E a primazia do direito comunitário, no que respeita ao sistema fiscal português é incontestada no campo específico do IVA, e reconhecida pela mais reputada doutrina constitucionalista: «não poderão deixar de ser tidas em consideração as disposições do Tratado CEE em matéria de impostos indirectos e harmonização fiscal (art.° 93.°), bem como as regras comunitárias obrigatórias sobre o regime do IVA, que condicionam a liberdade de conformação legislativa interna nesta matéria» - cf JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Coimbra, 2007) Constituição da República Portuguesa Anotada,4 Vol. I, p. 1101 (cit.)
FF) Pelo que também os citados normativos não foram respeitados pelos actos de liquidação de IVA em crise na presente impugnação, gerando a interpretação que deles foi feita um vício de inconstitucionalidade material, invocado para todos os efeitos legais;
GG) Por fim, as liquidações anuladas pelo tribunal a quo a título de juros compensatórios foram também estruturadas de forma ilegal, por erro sobre os pressupostos de facto e direito da imputação da responsabilidade por juros compensatórios, pelo que enfermam desse vício de violação da lei (artigos 89.° - actual 96.° - do CIVA e 35.°, n.°s 1 e 2 da Lei Geral Tributária), pelo que também por essa razão deve ser mantida a sua anulação;
HH) E a Administração fiscal não logrou demonstrar a culpa—pois nem sequer o alegou — para fundamentar o acto tributário de liquidação adicional a título de juros compensatórios em causa;
II) Em face de todo o exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se sentença recorrida, ou sindicados primeira instância os demais vícios que igualmente determinantes para que se mantenha a anulação integral dos actos tributários impugnados, com todas as consequências legais.

VI. DO PEDIDO

Termos em que se requer a V. Exas.:

i) Se dignem não conhecer do recurso, ao abrigo do disposto do n.° 2 do artigo 685.°-A do CPC, aplicável ‘ex vi’ artigos 2.° alínea e) e 281.° do CPPT, por falta de objecto em virtude de ausência de concreta censura à sentença recorrida, e ao abrigo no disposto no n.° 1 do artigo 280.° do CPPT, por ser competente a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo;
ii) Se assim não for desde logo entendido, que V. Exas. se dignem negar provimento ao presente recurso jurisdicional interposto pela AT, confirmando in totum a sentença recorrida, face à irrepreensível fundamentação de facto e de direito de tudo quanto constitui a ratio decidendi da anulação dos actos tributários em crise por vício de forma, em razão de falta de fundamentação;
iii) Subsidiariamente, ainda no caso de assim não ser entendido, que seja admitido o requerido reconhecimento dos restantes vícios não apreciados pelo tribunal a quo incluindo a eventual necessidade do reenvio requerido ao TJUE das questões pertinentes a título prejudicial, e mantida a decisão de os anular integralmente, com todas as consequências legais.
Só assim decidindo, farão V, Exas respeitar o DIREITO e a consagrada JUSTIÇA,”

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.

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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.

No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber se:
i) O recurso não tem objeto;
ii) Este Tribunal é competente, em razão da hierarquia, para conhecer do mesmo;
iii) Se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter considerado o ato não fundamentado;
iv) Se a sentença deve ser mantida, não com base na falta de fundamentação do ato, mas por existir vício de violação de lei que enferme o ato de liquidação.

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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Com interesse para a decisão da causa resulta assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:
A) A Impugnante comunicou o exercício de atividade de comércio dos veículos automóveis – CA 45.110.
B) Em 27.09.2007, foi comunicada a cessação de atividade em sede de IVA e imposto sobre o rendimento, em resultado da dissolução e liquidação da sociedade.
C) Em cumprimento das Ordens de Serviço OI200804044/5, abertas por despacho de 21.08.2008 e OI 200803840, aberta por despacho de 20.07.2008, foi a Impugnante objeto de uma ação de inspeção interna de âmbito parcial (IVA) abrangendo os exercícios de 2005, 2006 e 2007.
D) Na sequência da ação de inspeção a que alude a al.C) do probatório foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) do qual se destaca:

1.1 -IVA a liquidar pelas aquisições intracomunitárias dos veículos
Através da análise efectuada à informação recolhida dos documentos tratados contabilisticamente e respectivos registos, constatamos que foram legalizados perante a autoridade aduaneira veículos automóveis usados adquiridos no decurso dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, perante operadores económicos registados noutros Estados-membros.
Nalgumas facturas consta que o imposto foi liquidado pelo regime normal à taxa vigente no Estado de registo do sujeito passivo (fls. 12 e 13 do anexo, a título exemplificativo). A Directiva 91/680/CEE do Conselho, de 16 de Dezembro de 1991, define que a tributação das operações intracomunitárias efectuadas por sujeitos passivos não isentos tem lugar nos Estados membros de destino, de acordo com as taxas e as condições destes, por aplicação do regime transitório de tributação das trocas comerciais entre Estados-membros, comummente conhecido como "reverse-charge", pelo que não se pode optar pelo lugar de tributação em sede de IVA, o que originaria distorção no mercado comunitário com efeitos fiscais indesejáveis no esforço de harmonização em curso na União Europeia, prejudicando ainda os Estados membros com taxas de imposto mais elevadas.
Temos assim que nas facturas emitidas à sociedade não deveria haver liquidação de IVA, mas sim uma transmissão intracomunitária isenta de imposto, com origem na Estado-membro de registo do operador e destino Portugal. Como estamos perante uma operação intracomunitária com destino a sujeito passivo validamente registado em Portugal para efeitos de aquisições intracomunitárias, é deste a responsabilidade da liquidação do IVA correspondente à aquisição do bem, que incide sobre o seu valor líquido (excluído o imposto liquidado na origem).
De acordo com o estabelecido na oitava directiva do Conselho (79/1072/CEE), de 6 de Dezembro, o reembolso do IVA pago na origem poderá ser solicitado junto da administração fiscal do Estado de origem, dentro dos prazos legalmente estabelecidos.
Através da consulta efectuada ao sistema VIES (vat informations exchange system) - base de dados que permite aferir da coerência de aquisições intracomunitárias declaradas pelo sujeito passivo e pelas empresas com domicilio fiscal noutros Estados-membros da União Europeia, verifica-se que nenhum fornecedor declara qualquer transmissão isenta de IVA.
É obrigação do contribuinte português, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 23° do RITI, proceder à "autoliquidação" do imposto associado às aquisições intracomunitárias, devendo mencionar o valor das aquisições, bem como o correspondente imposto a favor do Estado, nas declarações periódicas relativas a cada período de imposto. Os veículos automóveis adquiridos pelo sujeito passivo nacional constantes da seguinte tabela foram objecto de aquisição intracomunitária, de acordo com o art° 3° do RITI, encontrando-se sujeitas a IVA no território nacional, nos termos do nº 1 do art° 8º, conjugado com a alínea a) do art° 1°, ambos do RITI. O sujeito passivo do imposto é o adquirente, nos termos da alínea a) do nº 1 do art° 2° do RITI, sendo o imposto exigível na data de emissão da factura, de acordo com o estatuído na alínea b) do nº 1 do artº 13° do RITI. O valor tributável é determinado nos termos do n.º 3 do art.s 17° do RITI, incluindo o imposto automóvel, ainda que não liquidado simultaneamente.
« Quadro no original»

(a) Considera-se que a aquisição está sujeita a imposto em Portugal, tendo em conta que a referência constante na factura ao regime da margem foi aposta mediante carimbo, sendo também indicado que o imposto foi liquidado por aplicação do regime normal (fls 14 do anexo). Acresce referir que o veículo foi revendido através da factura n.º 2, datada de 16/05/2005 à empresa R………….- Comercio ……………. Lda, tendo o pagamento sido efectuado com cheque endereçado ao sócio gerente da sociedade, M …………………, L.da, NIPC …………….., com inicio de actividade em 20/01/2005 e cessação em sede de IVA reportada a 16/11/2007, P ………………….., NIF …………. (fls. 15 e 16 do anexo). O técnico oficial de contas desta sociedade é também J ………………….:
Através da analise ao extracto da conta de IVA liquidado, 2433142 - mercado intracomunitário, temos que foi liquidado imposto em relação a todos os veículos adquiridos no exterior, através das declarações periódicas submetidas, com desfasamento temporal em relação ao prazo vertido na alínea b) do n° 1 do art° 13° do RITI, sem inclusão no valor tributável do imposto automóvel, ao arrepio do estabelecido no artigo 17.° n.º 3, do RITI, tendo deduzido o IVA liquidado, com base nos lançamentos contabilísticos.
Em relação aos veículos constantes da tabela supra, o facto de o IVA a liquidar sobre o IA ser dedutível, por força do disposto no artigo 19.° n.º 1 do RITI, não extingue a obrigação de declaração e autoliquidação, a que o sujeito passivo faltou. No entanto, tendo em conta que estamos perante uma operação de natureza contabilística assistindo ao sujeito passivo o direito à dedução do imposto, não se propõe a liquidação do imposto em falta, pese embora estejamos perante uma inexactidão, punível pelo art.º 119.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
Relativamente ao imposto que foi liquidado (e deduzido) contabilisticamente e incidiu sobre os veículos cujas facturas indicam que foi aplicado o regime especial da margem, portanto não enquadráveis como aquisições intracomunitárias sujeita a imposto em Portugal, ponderando o facto de ter sido liquidado e deduzido o imposto - pelo que temos um impacto neutro - não se propõe qualquer correcção, ainda que estejamos perante inexactidões.
1.2 - Imposto a liquidar pela alienação dos veículos
A empresa tem a obrigação de proceder ao apuramento e pagamento do imposto nos termos dos artigos 19° a 25°,26° e 71° do CIVA, entregar as declarações consignadas no art.° 28°, nos prazos definidos no art.º 40° do mesmo diploma legal. O sujeito passivo, para os exercícios em análise, procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA.
Os veículos usados referidos no ponto anterior, adquiridos enquanto aquisições intracomunitárias de bens, pela sua alienação, configuram uma transmissão de bem enquadrada no nº 1 do artº 3° do CIVA, sendo o imposto exigível nos termos do artº 8° do mesmo código, e o valor tributável constituído pela contraprestação obtida do adquirente, conforme estatui o art. ° 16° do CIVA.
O regime especial de apuramento de IVA não é aplicável à comercialização dos veículos automóveis constantes da tabela supra, uma vez que não se enquadram em nenhuma das condições referidas no nº 1 do art° 3° do aludido regime. Consequentemente a subsequente venda destas viaturas no mercado nacional, efectuadas pelo sujeito passivo de imposto, configura-se como uma transmissão de bens abrangida pela norma de incidência constante da alínea a) do nº 1 do art° 1° do CIVA, segundo o regime geral previsto no CIVA.
O sujeito passivo, na generalidade das facturas por si emitidas para a revenda de veículos inscreve «IVA - regime de bens em segunda mão» (vide fls. 15 do anexo a titulo exemplificativo ).
Em relação a todas as facturas emitidas o imposto é apurado nos mesmos moldes, independentemente de constar das facturas que o imposto é liquidado por aplicação do regime normal ( fls.2 do anexo, a titulo exemplificativo):
IVA apurado=(Preço de venda – ( valor aquisição+ imposto automóvel))/ (1+tx IVA*) TX IVA indicados.

« Quadros no original»

A taxa de IVA é de 19% até 30 Junho de 2005 e de 21% a partir desta data, conforme resulta da lei 39/2005, de 24 de Junho.
(a) Em relação ao apuramento do imposto em falta temos 2 situações (vide ultima coluna da tabela constante a fls. 48 e 49 do anexo, para efeitos de escrutínio do regime de IVA aplicável):
Veículos constantes da tabela do ponto 1.1: (valor factura venda - IVA liquidado pela venda) * taxa IVA
Veículos em que é aplicável o regime especial na revenda: (valor factura venda - valor factura aquisição) / (1 + taxa IVA) • Taxa IVA, em consequência da aplicação do art° 4° do regime especial.
(b) Em relação a alguns veículos facturados à sociedade, M………… Comercio …………. SA, NIPC …………….., o imposto foi liquidado pelo regime normal, embora contabilisticamente seja apurado nos mesmos moldes dos restantes:
Veículo com a matricula "…….-98" (fls. 17 a 19 do anexo), em relação ao qual 'temos que o pagamento do IA é efectuado directamente pela M....................... O valor da factura de aquisição adicionado do IA é superior ao valor global da venda, que inclui IVA liquidado pelo regime normal;
Veículo com a matricula "…….-01" (fls. 17 e 18 do anexo), em relação ao qual temos que o pagamento do IA é efectuado directamente pela M......................;
A aquisição do veículo "……-02" foi contabilizada em Dezembro de 2006 com suporte na factura n° 54, sem data (fls. 22 do anexo) de Nuno ……………, NIF …………, constando "IVA isento regime de bens em 2ª mão". Para a revenda foi emitida a factura n° 57, datada de 22/12/2006 (fls. 23 do anexo), cujo duplicado de suporte ao registo contabilístico da venda nada refere quanto ao tratamento em sede de IVA. Na contabilidade do adquirente encontra-se factura onde é indicado que o imposto foi liquidado pelo regime normal (fls. 24 do anexo). O IA devido pela legalização do veículo foi pago através de cheque emitido pela M...................... (fls. 25 do anexo);
Em relação ao veículo com a matricula "……..-07” temos que adicionando ao montante da factura de aquisição o IA obtemos o valor de e € 35.737,37, sendo o veiculo facturado por € 36.000,00, com IVA liquidado pelo regime normal (fls. 26 e 27 do anexo). O IA devido pela legalização do veículo foi pago com cheque emitido pela M...................... (fls. 28 do anexo):
Em relação ao veículo com a matricula "……….-36" temos que adicionando ao montante da factura de aquisição o IA obtemos o valor de e € 37.604,66, superior ao montante da factura de revenda, emitida com IVA liquidado pelo regime normal (fls. 29 e 30 do anexo - factura constante da contabilidade do cliente e duplicado da contabilidade do transmitente, constatando-se diferença no preenchimento da valor da taxa de IVA);
Em relação ao veículo com a matricula "………-91" temos que adicionando ao montante da factura de aquisição o IA obtemos o valor de e € 32.819,57, superior ao montante da factura de revenda, com IVA liquidado pelo regime normal (fls. 31 e 32 do anexo - factura constante da contabilidade do cliente e duplicado da contabilidade do transmitente, constatando-se diferença no preenchimento da valor da taxa de IVA). O IA devido pela legalização do veículo foi pago com cheque emitido pela M...................... (fls. 33 do anexo);
Quanto ao veículo com a matricula "……….-23" temos que adicionando ao montante da factura de aquisição o IA obtemos o valor de € 26.959,69, aproximado ao montante da factura de revenda, com IVA liquidado pelo regime normal (fls. 34 e 35 do anexo - factura constante da contabilidade do cliente e duplicado da contabilidade do transmitente, constatando-se diferença no preenchimento da valor da taxa de IVA). O IA devido pela legalização do veículo foi pago com cheque emitido pela M...................... (fls. 36 do anexo);
Quanto ao veículo com a matricula "………..-16" temos que adicionando ao montante da factura de aquisição o IA obtemos o valor de e € 33.459,69, aproximado ao montante da factura de revenda, com IVA liquidado pelo regime normal (fls. 37 e 38 do anexo - factura constante da contabilidade do cliente e duplicado da contabilidade do transmitente, constatando-se diferença no preenchimento da valor da taxa de IVA). O IA devido pela legalização do veículo foi pago com cheque emitido pela M...................... (fls. 39 do anexo);
(c) Da factura não consta o regime de IVA, pelo que vamos considerar que foi aplicado o regime especial, que é o regime subjacente à aquisição (fls. 40 e 41 do anexo). Da factura n° 79 remetida pelo cliente consta regime especial (fls. 41A do anexo);
(d) O valor vertido para a declaração periódica do período engloba também o montante de imposto liquidado na factura nº 88, emitida para a afectação a uso próprio do veículo "………..-10·, adquirido para o imobilizado da sociedade, em que foi liquidado imposto no valor de € 2.387,17.
(e) Estes veiculas foram adquiridos e legalizados perante a autoridade aduaneira em nome da sociedade, H………….Unipessoal L.da, NIPC ……….. As facturas respeitantes a estas compras e revendas não constam da contabilidade da João …………………, Lda. Circularizado o cliente foram obtidas fotocópias das facturas e comprovativos de pagamento (fls. 42 a 46 do anexo). (f) A aquisição do veículo com a matricula "……….-82" (fls. 53 do anexo) não está relevada contabilisticamente. Também a alienação à Ato …………………, L.da (fls. 54 do anexo) não colhe tratamento contabilística ou fiscal. Acresce referir que o veículo foi pago à Ato …………. pela C…………. ……………… L.da, NIPC ……………., com cheques datados de Maio e Junho de 2007 (fls. 55 do anexo).
(…)

(…)
Em 07 de Abril de 2009 procedeu o sujeito passivo à entrega de declarações periódicas de IVA de substituição ( fls. 56 a 58 do anexo) mediante as quais procedeu á revelação do IVA apurado (i) por aplicação do regime especial nas operações em que tal consta da factura de revenda por si emitida e (iii) pelo regime geral quando este consta das facturas por si emitidas, pelo que temos ( valores Obtidos a partir da tabela a fls. 59 e 60 doa anexo).

«Quadro no original»


Na presente tabela quando se refere IVA liquidado pela venda estamos a reportar-nos ao imposto inicialmente apurado na contabilidade e transposto para as declarações de imposto entregues inicialmente. O IVA regularizado reporta-se ao vertido para as declarações de substituição entretanto entregues pelo sujeito passivo.
Temos que as correções ao IVA propostas passam a ser as constantes da última coluna da tabela supra, que se tornam definitivas. (Doc. fls. 446/468 do processo administrativo tributário)
E) No Relatório de Inspeção Tributária foi aposto o seguinte parecer: “ Confirmo as correcções propostas de natureza aritmética, em sede de IVA, nos montantes de 11,881,92 e 46.940,06 com referência aos exercícios de 2005 e 2006, respetivamente, conforme exposto nos Capítulos III e IX.
O sujeito passivo não exerceu o seu direito de audição, para o qual foi notificado, nos termos dos art.s 60º da LGT e RCPIT, mas, dentro do prazo que lhe foi concedido para tal, procedeu á entrega de declarações periódicas de substituição dos períodos 2005.06T a 2008.09T, regularizando voluntariamente parte do IVA corrigido, nos montantes de € 26.070,35, de 2005, € 52.964,31, de 2006, e a totalidade de 2007, no montante de € 84.379,08, conforme consta nos Capítulos III e IX, e folhas 56 a 60 do anexo.(…).” (Doc.fls. 446/468 do processo administrativo tributário)
F) Em 21.04.2009, o Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa exararou no Relatório de Inspeção Tributária o seguinte despacho: “ CONCORDO. PROCEDER COMO SE PROPÕE”. (Doc.fls. 446/468 do processo administrativo tributário)
G) Com base nas correções efetuadas foram emitidas as seguintes liquidações:

«Quadro no original»

( Doc. n.º1 a 28 junto á p.i.)
H) Em 29.09.2009, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. fls. 2 dos autos)”
***
A sentença recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções constituem conclusões de facto e/ou direito.
***
A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
“FACTOS PROVADOS
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas do probatório.”.
***
III. Do Direito
Na presente sede recursiva, a primeira questão que urge solucionar é a de saber se, como pretende a Recorrida nas suas contra-alegações, o presente recurso não tem objeto por, na verdade, nenhum erro seja imputado pela Recorrente à sentença sob escrutínio.
Não acompanhamos o sustentado pela Recorrida.
Na verdade, da leitura das alegações de recurso, bem como das conclusões que se lhe seguem, resulta claro que a apelante imputa à decisão recorrida erro de Direito por uma errada interpretação dos factos e consequente aplicação do Direito. Efetivamente, bem ou mal, a tese defendida pela Recorrente é que o ato de liquidação que encontrou amparo no relatório inspetivo se encontra devidamente fundamentado, contrariamente ao que é decidido pelo Tribunal a quo.
Dito isto, facilmente se conclui que não pode proceder a alegação da Recorrida.
Mais advoga a Recorrida que nunca seria este Tribunal o competente em razão da hierarquia para apreciar o presente salvatério porquanto em causa apenas se encontraria uma questão de Direito.
Também aqui, com todo o respeito por opinião contrária, nenhuma razão assiste à Recorrida.
Senão vejamos.
A questão da competência em razão da hierarquia é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra [cf. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro]. Cumpre, designadamente, aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cf. art. 16.º do CPPT).
Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma exceção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer “dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º” (art. 38.º, alínea a), do ETAF), na versão aplicável aos autos.
Deste modo, por forma a aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, temos de atender às conclusões da alegação de recurso e verificar se as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, quer estas se prendam com questões de insuficiência, excesso ou erro da matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se argua que os factos levados ao probatório não estão provados, ou porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (cfr. Acórdãos do STA de 16/12/2009, proc. nº 738/09; de 21/04/2010, proc. nº 189/10, bem como de 09/04/2014, no proc. 161/14).
Como é afirmado pelo STA, no seu Aresto de 18/11/2020, proc. 02169/05.9BELSB: “o critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma de facto, emergente de diversas disposições legais, passa por saber se o recorrente faz apelo, na causa de pedir, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na decisão recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação ou se também à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso. Nessa óptica, o que é verdadeiramente determinante é o efeito que o recorrente pretenda retirar de tais asserções cujo conhecimento envolva a elaboração de um dado juízo probatório que não se resolva por meio de uma simples constatação sobre se existiu ofensa de uma disposição legal expressa que implique uma dada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de certo meio de prova, caso em que a competência caberá já não ao tribunal de revista, mas ao Tribunal Central Administrativo por força do artº 41º, nº 1, al. a) do ETAF.
No caso aqui em apreço discute-se a questão de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de Direito ao ter considerado que o ato de liquidação de IVA aqui em dissidio enferma de vício de falta de fundamentação do ato.
Tal circunstância obriga a uma apreciação da prova produzida, pelo que não se impõe um mero conhecimento de Direito, mas também aferir da conformidade da matéria de facto.
Ora, sendo certo que o conhecimento dessas questões impõe uma apreciação da prova e conformidade da mesma com a decisão, é de considerar que o recurso não tem por fundamento exclusivo matéria de Direito, pelo que a competência pertence a este Tribunal.
Assim sendo, improcede a alegação da Recorrida, sendo este Tribunal Central Administrativo Sul competente para conhecer do presente recurso.
Prosseguindo.
Em causa nos presentes autos estão liquidações de IVA relativas aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, cujas correções se encontram vertidas no relatório inspetivo e se prendem com a transmissão intracomunitária de bens, a aplicação do regime da margem, bem como a existência de discrepâncias no valor de incidência daquele imposto.
O Tribunal a quo considerou que os atos de liquidação impugnados não se encontravam devidamente fundamentados, pois o próprio relatório inspetivo era contraditório e não eram indicadas as razões para proceder às liquidações adicionais de forma clara, suficiente e coerente, acolhendo, desta forma, a tese da impugnante.
Já a aqui apelante considera que resulta claro os motivos que estiveram na origem das liquidações adicionais impugnadas
Advoga que no capitulo III do Relatório da Inspeção é feita uma descrição exaustiva do quadro jurídico aplicável às transações intracomunitárias de bens e mais concretamente do IVA a liquidar pelas aquisições e alienações intracomunitárias de veículos usados, resultando também do mesmo o modo de funcionamento do IVA intracomunitário, o que deveria ser feito nos termos legais aplicáveis e o que, de facto, foi feito pelo ora impugnante, sendo mencionadas todas as normas jurídicas aplicáveis, estando assim satisfeita a necessidade de fundamentação de direito e de facto.
Prossegue sustentando que o Relatório esclarece de forma perfeitamente perceptível a qualquer comum destinatário, que a impugnante estava sujeita à tributação por força das regras da incidência subjectiva contida na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RITI, da incidência objetiva do art. 1º do RITI, e obrigada a proceder à autoliquidação, emissão de fatura e entrega de declarações periódicas, em cumprimento do disposto no art. 23º nº1, a) do RITI, bem como que a Impugnante não cumpriu o determinado nos arts. 13º nº 1 alínea b) e 17º nº 3 do RITI.
Apreciando.
Como bem sabemos os atos administrativos e particularmente os atos tributários estão sujeitos a fundamentação, desde logo por imperativo constitucional consagrado no artigo 268º, nº 3 da CRP, norma esta que veio a ser transposta a a legislação ordinária, passado a estar contemplada no artigo 77º da Lei Geral Tributária.
Como tem vindo a ser posição dos nossos Tribunais Superiores, designadamente este Tribunal Central e o Supremo Tribunal Administrativo, para que se possa considerar o ato devidamente fundamentado do mesmo têm de constar de forma clara, suficiente e coerente os motivos que conduzem à correção.
Significa isto que a fundamentação do ato tem de possibilitar ao destinatário a compreensão da mesma.
In casu, o Tribunal a quo considerou que o ato continha incoerências que impossibilitavam que o seu destinatário compreendesse o sentido e o alcance das correções efetuadas em sede inspetiva.
Será que o fez acertadamente? Adiantamos desde já que sim.
Senão vejamos.
Ancora a AT a sua correção no seguinte discurso fundamentador:
Temos assim que nas facturas emitidas à sociedade não deveria haver liquidação de IVA, mas sim uma transmissão intracomunitária isenta de imposto, com origem na Estado-membro de registo do operador e destino Portugal. Como estamos perante uma operação intracomunitária com destino a sujeito passivo validamente registado em Portugal para efeitos de aquisições intracomunitárias, é deste a responsabilidade da liquidação do IVA correspondente à aquisição do bem, que incide sobre o seu valor líquido (excluído o imposto liquidado na origem).
De acordo com o estabelecido na oitava directiva do Conselho (79/1072/CEE), de 6 de Dezembro, o reembolso do IVA pago na origem poderá ser solicitado junto da administração fiscal do Estado de origem, dentro dos prazos legalmente estabelecidos.
Através da consulta efectuada ao sistema VIES (vat informations exchange system) - base de dados que permite aferir da coerência de aquisições intracomunitárias declaradas pelo sujeito passivo e pelas empresas com domicílio fiscal noutros Estados-membros da União Europeia, verifica-se que nenhum fornecedor declara qualquer transmissão isenta de IVA.
É obrigação do contribuinte português, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 23° do RITI, proceder à "autoliquidação" do imposto associado às aquisições intracomunitárias, devendo mencionar o valor das aquisições, bem como o correspondente imposto a favor do Estado, nas declarações periódicas relativas a cada período de imposto. Os veículos automóveis adquiridos pelo sujeito passivo nacional constantes da seguinte tabela foram objecto de aquisição intracomunitária, de acordo com o art° 3° do RITI, encontrando-se sujeitas a IVA no território nacional, nos termos do nº 1 do art° 8º, conjugado com a alínea a) do art° 1°, ambos do RITI. O sujeito passivo do imposto é o adquirente, nos termos da alínea a) do nº 1 do art° 2° do RITI, sendo o imposto exigível na data de emissão da factura, de acordo com o estatuído na alínea b) do nº 1 do artº 13° do RITI. O valor tributável é determinado nos termos do n.º 3 do art.s 17° do RITI, incluindo o imposto automóvel, ainda que não liquidado simultaneamente.
(…)
Através da analise ao extracto da conta de IVA liquidado, 2433142 - mercado intracomunitário, temos que foi liquidado imposto em relação a todos os veículos adquiridos no exterior, através das declarações periódicas submetidas, com desfasamento temporal em relação ao prazo vertido na alínea b) do n° 1 do art° 13° do RITI, sem inclusão no valor tributável do imposto automóvel, ao arrepio do estabelecido no artigo 17.° n.º 3, do RITI, tendo deduzido o IVA liquidado, com base nos lançamentos contabilísticos.
Em relação aos veículos constantes da tabela supra, o facto de o IVA a liquidar sobre o IA ser dedutível, por força do disposto no artigo 19.° n.º 1 do RITI, não extingue a obrigação de declaração e autoliquidação, a que o sujeito passivo faltou. No entanto, tendo em conta que estamos perante uma operação de natureza contabilística assistindo ao sujeito passivo o direito à dedução do imposto, não se propõe a liquidação do imposto em falta, pese embora estejamos perante uma inexactidão, punível pelo art.º 119.° do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
Relativamente ao imposto que foi liquidado (e deduzido) contabilisticamente e incidiu sobre os veículos cujas facturas indicam que foi aplicado o regime espacial da margem, portanto não enquadráveis como aquisições intracomunitárias sujeita a imposto em Portugal, ponderando o facto de ter sido liquidado e deduzido o imposto - pelo que temos um impacto neutro - não se propõe qualquer correcção, ainda que estejamos perante inexactidões.
Significa isto que numa primeira parte do relatório inspetivo a AT, embora considerando que as transações intracomunitárias de veículos automóveis apenas deveriam ter sido objeto de tributação em Portugal, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, alínea b), º, nº1, alínea b), 3º, 8º, nº 1, 13º, nº1, al. b) e 23º, nº 1, al. a), todos do RITI, o imposto proveniente de transações intracomunitárias, deve ser tributado no lugar do destino dos bens, que no caso seria o território português, sendo que este imposto deveria ser autoliquidado pela aqui recorrida.
No entanto, como não se verifica existir qualquer falta de imposto a entregar nos cofres do Estado, porquanto aquela operação de autoliquidação, conjugada com o direito à dedução que assistia à Recorrida, redunda numa mera operação contabilística, que não dá origem a qualquer falta de pagamento de imposto e, nessa medida, configuraria uma mera irregularidade.
Ou seja, nesta sede, apenas temos o apuramento de responsabilidade contraordenacional que aqui não se discute.
Decorre do acima exposto que, in casu, e apenas no que respeita a esta parte do aludido relatório inspetivo, o ato se encontra perfeitamente fundamentado, dando a conhecer de forma clara e cristalina, o motivo pelo qual, não obstante tenha havido uma irregularidade nos lançamentos contabilísticos e no preenchimento das declarações, tal não importou qualquer perda de imposto a favor do Estado, pelo que nenhuma correção em termos de liquidação adicional é efetuada.
A questão da falta de fundamentação por incongruência, coloca-se na segunda parte do relatório.
Na sequência destas aquisições intracomunitárias de bens, verificou-se que no momento da alienação dos veículos em referência lhes foi aplicado um regime especial da margem.
É exatamente nesta sede que ocorrem as liquidações adicionais.
O discurso fundamentador das liquidações adicionais é o seguinte:
A empresa tem a obrigação de proceder ao apuramento e pagamento do imposto nos termos dos artigos 19° a 25°, 26° e 71° do CIVA, entregar as declarações consignadas no art.° 28°, nos prazos definidos no art.º 40° do mesmo diploma legal. O sujeito passivo, para os exercícios em análise, procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA.
Os veículos usados referidos no ponto anterior, adquiridos enquanto aquisições intracomunitárias de bens, pela sua alienação, configuram uma transmissão de bem enquadrada no nº 1 do artº 3° do CIVA, sendo o imposto exigível nos termos do artº 8° do mesmo código, e o valor tributável constituído pela contraprestação obtida do adquirente, conforme estatui o art. ° 16° do CIVA.
O regime especial de apuramento de IVA não é aplicável à comercialização dos veículos automóveis constantes da tabela supra, uma vez que não se enquadram em nenhuma das condições referidas no nº 1 do art° 3° do aludido regime. Consequentemente a subsequente venda destas viaturas no mercado nacional, efectuadas pelo sujeito passivo de imposto, configura-se como uma transmissão de bens abrangida pela norma de incidência constante da alínea a) do nº 1 do art° 1° do CIVA, segundo o regime geral previsto no CIVA.
O sujeito passivo, na generalidade das facturas por si emitidas para a revenda de veículos inscreve «IVA - regime de bens em segunda mão» (vide fls. 15 do anexo a título exemplificativo).
Em relação a todas as facturas emitidas o imposto é apurado nos mesmos moldes, independentemente de constar das facturas que o imposto é liquidado por aplicação do regime normal (fls. 2 do anexo, a título exemplificativo):
IVA apurado = (Preço de venda – (valor aquisição+ imposto automóvel))/ (1+tx IVA*) TX IVA.
Perante o inadequado apuramento do imposto propõe-se correção oficiosa nos moldes a seguir indicados: (…)”
A esta explicação segue um quadro com valores de aquisição, valores de Imposto sobre automóveis, data e número da fatura, seguido do valor da venda, do IVA que foi liquidado pela aqui Recorrida e a indicação do IVA que deveria ser liquidado e, finalmente, a diferença entre estes dois últimos.
Este quadro contém algumas notas cuja explicação se encontra abaixo.
Acontece, porém, que essas explicações não são coerentes, nem com os valores indicados, nem com a primeira explicação avançada que refere expressamente que não seria de aceitar a aplicação do regime especial da margem. No entanto, das várias contas que são efetuadas no quadro já mencionado, tudo leva a quer que é aceite o regime especial da margem, embora o que verdadeiramente origina a correção é o facto de não se considerar como passível de aceitação que o valor do Imposto Automóvel (doravante IA) suportado para a introdução das viaturas no mercado português possa ser considerado para efeitos de apuramento do IVA a entregar nos cofres do Estado através do regime especial da margem.
Na verdade, para sustentar esta correção nos moldes em que resultam no quadro elaborado, teria de ter sido explicado o motivo pelo qual não se aceita que no cálculo do IVA a entregar, de acordo com o regime especial da margem, não se poderia aceitar que o valor do IA suportado na aquisição integrasse o valor de aquisição, invocando-se o disposto no artigo 4º, n.º 1 do Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, de 18/10/1996 e demais legislação comunitária que ancoraria tal posição.
Vejamos alguns exemplos.
No que respeita ao veículo com a matrícula ………..-56 temos a indicação de que ele foi vendido pela quantia de € 25.800,00 e o seu preço de aquisição, com IVA da compra incluído, foi de € 17.500,00. Só admitindo-se ser aplicável o regime especial da margem é que chegamos ao valor de IVA em falta de € 1.325,21. No entanto, para este cálculo estar correto teríamos de considerar que o IA não pode influenciar o valor de aquisição. Na verdade, se aos 25.800,00 retirarmos o valor de € 17.500,00 temos um ganho de € 8.300,00 que expurgado do IVA corresponderia a € 6.974,79. Significa isto que o IVA a entregar nos cofres do Estado teria de corresponder à diferença entre os € 8.300,00 e os 6.974,79, ou seja, os € 1.325,21 considerados com IVA devido. Se a este valor for deduzido do IVA efetivamente liquidado pela Recorrida resultaria um imposto em falta de € 1.174,65, como apurado no quadro.
O mesmo acontece relativamente ao veículo com a matrícula ………….-ZZ. Só depois de aplicar o mesmo raciocínio que aplicamos acima encontramos um imposto em falta de € 1.305,16.
É assim acontece relativamente a quase todos os demais veículos.
Ou seja, as contas que resultam aplicadas no quadro para encontrar o IVA em falta, não se prendem com a circunstância de não se aceitar a aplicação do regime especial da margem, como é evidenciado na fundamentação do relatório e supra transcrita, mas na circunstância de não se aceitar que ao preço de aquisição seja acrescido o IA suportado.
Ora, isto conduz a uma clara contradição e incongruência na fundamentação do ato de liquidação.
Afinal aceitamos a aplicação do regime especial da margem ou não o aceitamos? Se o aceitamos, então o que está em causa é a forma como é efetuado o cálculo da margem, quais os elementos a considerar como incluídos no preço de aquisição, e, nessa medida, qual o verdadeiro IVA a entregar nos cofres do Estado.
Coisa diferente seria se não aceitássemos a aplicação de tal regime, circunstância que implicaria imposto a entregar de valor substancialmente superior ao apurado.
Por outro lado, existem contas que não se conseguem entender mesmo conjugando os quadros que constam do ponto 1.1 do relatório e este último a que nos termos vindo a reportar, como nos indicam as explicações do quadro.
Por exemplo, não se consegue entender como relativamente ao veículo com a matrícula ………-ZT se apura com IVA a liquidar na quantia de € 5.059,96.
Caso se admitisse que, neste caso, não seria de aplicar o regime especial da margem o valor do IVA, se for calculado “por fora”, corresponderia a € 5.082,50 (de notar que em nenhum momento é avançada qualquer explicação para a diferença de método utilizado); se o IVA fosse calculado “por dentro”, como acontece com as demais contas apresentadas no quadro, teria de corresponder a € 4.271,01, nunca se conseguindo encontrar o valor de € 5.059,96. Se pelo contrário aplicarmos o regime especial da margem, como acontece nas demais situações, o valor do IVA seria substancialmente menor. Senão vejamos: se subtrairmos aos € 26.750,00 o valor da aquisição com IVA teríamos o valor de € 8.100,00, calculando o valor do IVA “por dentro”, como foi feito nos demais casos, encontraríamos um valor de IVA apurado de € 1.293,28. Ou seja, em qualquer das situações não se consegue saber a que IVA corresponde a quantia indicada como IVA apurado.
O mesmo acontece relativamente ao veículo com a matrícula ………-ZZ. Também aqui não terá sido aceite o regime especial da margem, sem que se avance qualquer justificação para tal, sendo que também fica por saber se o IVA apurado foi “por fora” ou “por dentro” com evidentes reflexos no montante de imposto a apurar.
Também aqui não existe qualquer explicação para que neste caso não tivesse sido aplicado o regime especial da margem, aplicando-se o regime geral, ficando ainda por explicar como foi apurado o IVA em falta. Por que motivo neste caso se considerou que não era aplicável o regime especial da margem como acontece com as situações seguintes? Neste caso, contrariamente a todas as demais situações, o IVA foi calculado “por fora”? Porquê? Se sim, há apenas um erro no cálculo?
Todas estas questões ficam por resolver, desconhecendo-se, assim, qual a fundamentação dos atos de liquidação.
Mais acresce que as próprias explicações do quadro constituem uma incongruência relativamente ao texto antecedente que pretende sustentar as correções.
Na verdade, e não obstante aquele texto faça menção à circunstância de não ser aplicável o regime especial da margem, a alínea a) das mesmas parece fazer uma destrinça entre as situações em que seria aplicável o regime especial da margem e as restantes, como, aliás, resulta das correções efetuadas no quadro, sem que nunca se adiante como nem porquê de numas situações se aplicar o regime geral e noutras o regime especial da margem. Mais, nas explicações a que se reportam as alíneas b) e c) é também claramente afirmado que irá ser aplicado o regime especial da margem.
Voltamos à pergunta inicial: é admissível a aplicação do regime especial da margem ou não é? Se é, em que situações? Qual o motivo para numas situações ser admissível e noutras não?
Tudo isto fica por explicar neste relatório inspectivo.
Acresce ainda que nas explicações que são indicadas como “b” não se entende o contexto em que foram propostas as correções.
Por exemplo, relativamente aos veículos com as matrículas ……..-98, ………..-07, ……….-36, ……….-91, ……….-23 e ……..-16 para os quais foi apurado IVA “por dentro” (contrariamente ou que aconteceu noutras situações), parece querer indicar que há uma situação de simulação de preço sem que, no entanto, seja retirada qualquer consequência. Por que motivo foi feita a correção? Por o valor de venda ser muito próximo ou mesmo inferior ao valor de aquisição com o IA incluído? Mas nenhuma correção é proposta com este fundamento. Será por no regime especial da margem ter sido considerado o valor do IA? Pois não se consegue descortinar.
O mesmo acontece com o veículo com matrícula ………-02 em que a única menção é que o IA foi pago pela adquirente e que a fatura indicaria o regime geral do IVA. Ou seja, neste caso, a correção não tinha já nada a ver com a circunstância de o IVA não puder incluir o valor do IA porque este foi pago pela adquirente, mas sim, aparentemente, pelo facto da fatura de venda fazer menção a IVA pelo regime geral. Afinal, no regime especial da margem o IA apenas é de desconsiderar quando este é pago pela adquirente? Não se compreende.
Significa isto que ao longo das várias explicações que são dadas ao quadro existem outros distintos motivos para efetuar as correções, sem se as mesmas sejam sustentadas de forma clara, suficiente e coerente quer do ponto de vista dos factos, quer do Direito aplicável.
A Recorrida embora não tenha exercido o direito de audição prévia, apresentou declarações de substituição.
Ora, estas declarações de substituição foram tidas em consideração no apuramento final do imposto em falta, sendo afirmado no aludido relatório o seguinte:
Em 07 de Abril de 2009 procedeu o sujeito passivo à entrega de declarações periódicas de IVA de substituição ( fls. 56 a 58 do anexo) mediante as quais procedeu á revelação do IVA apurado (i) por aplicação do regime especial nas operações em que tal consta da factura de revenda por si emitida e (iii) pelo regime geral quando este consta das facturas por si emitidas, pelo que temos ( valores Obtidos a partir da tabela a fls. 59 e 60 doa anexo).
Na presente tabela quando se refere IVA liquidado pela venda estamos a reportar-nos ao imposto inicialmente apurado na contabilidade e transposto para as declarações de imposto entregues inicialmente. O IVA regularizado reporta-se ao vertido para as declarações de substituição entretanto entregues pelo sujeito passivo. Temos que as correções ao IVA propostas passam a ser as constantes da última coluna da tabela supra, que se tornam definitivas.
Como é bom de ver, não se encontrando fundamentadas de forma suficiente e clara as correções iniciais, não se pode considerar que esse novo mapa, embora com elementos distintos e aparentemente devidamente fundamentados, se possa considerar corretamente fundamentado, pois a sua base não o está.
Resulta do exposto que nem em relação aos cálculos, nem em relação à fundamentação, podemos considerar que o relatório inspetivo esclarece de forma clara, suficiente e congruente a sustentação do ato não sendo possível a um bonus pater familie conhecer o iter cognoscitivo que presidiu à correção.
A ser assim, a decisão aqui criticada nenhuma censura merece, devendo o presente salvatério improceder.

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CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, atendendo à total recusa de provimento, são da responsabilidade da Recorrente. [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].

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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 16 de Outubro de 2025.

Cristina Coelho da Silva (Relatora)

Teresa Costa Alemão

Vital Lopes