Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:201/06.8BEFUN
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
MÁ-FÉ
MULTA
Sumário:
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL – SUBSECÇÃO SOCIAL

I. RELATÓRIO


1. AA, com os sinais dos autos, intentou no TAF do Funchal contra a Universidade da Madeira, uma acção administrativa especial, com vista a obter a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação do Despacho ...al nº ..., de 7-9-2005, da autoria do Magnífico ... daquela universidade, que decidiu não proceder à sua nomeação definitiva como Professora. Pede ainda a condenação da Universidade da Madeira à prática do acto devido, nomeando-a, a título definitivo, como professora auxiliar, de acordo com a Deliberação do Conselho Científico do Departamento de Estudos Romanísticos, de 7 de Abril de 2005 e a regularização da sua situação salarial, com efeitos a partir da aludida deliberação do Conselho Científico.


2. O TAF do Funchal, por sentença datada de 26-9-2013, julgou verificada a excepção dilatória de caducidade do direito de acção e absolveu a entidade demandada da instância, condenando ainda a autora na multa de 6 UC, por litigância de má-fé.


3. Inconformada, a autora reclamou para a conferência, mas o TAF do Funchal, por acórdão datado de 12-4-2014, “reapreciando em conferência os termos do litígio, acorda[ra]m em indeferir a presente reclamação, com os fundamentos de facto e de direito constantes do saneador/sentença” de 25 de Setembro de 2013”.


4. Inconformada com tal decisão, a autora interpôs recurso da mesma para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:


I – A recorrente e mandatário devem ser absolvidos da condenação como litigantes em má-fé porque a mesma é violadora da alínea b) do nº 2 do artigo 542º do CPC porque resulta da literalidade dos documentos subjacentes à mesma, o seguinte:


1 – O Ofício nº ..., é de 7 de Junho de 2006, e é assinado pelo próprio ..., este afirma: “foi enviado ofício da decisão final sobre a negação da sua nomeação negativa em 14 de Setembro de 2005, baseando-se no Despacho-...al nº ..., de 7 de Setembro de 2005” (…).


2 – O ofício a que o ... se refere no ofício identificado no ponto 1 anterior é um ofício com título “Situação Contratual” e que refere apenas literalmente: “serve o presente para informar Vossa Exª que tendo sido negado a Nomeação Definitiva, será contratada por um novo período de igual duração ao da nomeação anterior, sem possibilidade de renovação ou de nomeação definitiva”.


II – Conclui-se que, resulta evidente e literalmente que, a recorrente só tomou conhecimento do acto administrativo que negou o seu provimento definitivo nos termos do artigo 66º, 68º e alínea a) do nº 1 do artigo 70º do CPA, ou seja, do despacho ...al que se menciona no ponto 1 da Conclusão I, quando foi em Junho de 2006 notificada através do seu mandatário forense do ofício referido porque do ofício indicado no ponto 2 da mesma conclusão resulta que é apenas informativo, sem contudo identificar qualquer despacho ...al ou acto administrativo de indeferimento ao provimento definitivo, sem data de decisão e sem indicação do órgão autor e sem ser notificação de acto nos termos previstos nas invocadas normas do CPA – um acto não oponível ao interessado nos termos do artigo 60º do CPTA, por ser meramente informativo de situação contratual.


III – Conclui-se que, não existe prova documental e literal de que tal despacho ...al tenha sido notificado nos termos das normas do artigo 66º, 68º e 70º do CPA à recorrente ou ao seu mandatário antes de Junho de 2006 como se afirma na conclusão anterior, e por isso nestas condições não podia de forma nenhuma condenar por litigância de má-fé a recorrente e o seu mandatário forense, é uma condenação injusta e violadora da lei contaminadora de uma justiça saudável, sempre salvo o devido respeito e melhor opinião.


V – Assim, conclui-se que, o Facto Assente nº 3, constante do acórdão recorrido e decisão saneador/sentença, não é verdadeiro, por ser falso por falta de prova documental total de que a 15-9-2005 a autora, aqui recorrente, foi notificada por carta registada do Despacho ...al nº ..., datado de 7-9-2005 (Facto Assente no ponto 2), ficando tal facto impugnado por resultar de errada interpretação e leitura de documentos.


VI – Conclui-se que, o pedido principal nesta acção administrativa especial é a declaração de nulidade do Despacho ...al, sendo que, o pedido feito é o que a seguir se transcreve:


“1- Declarar-se nulo o Despacho ...al nº ..., de 7 de Setembro, negatório da nomeação definitiva da autora, como professora auxiliar, por vício de forma e falta absoluta de fundamentação nos termos exigidos pela lei”.


VII – Conclui-se que, a falta de forma invalidante de nulidade resulta do incumprimento dos procedimentos de formação de vontade da recorrida através de órgãos próprios e competentes nos termos da lei para decidirem o provimento definitivo de professor auxiliar por violação à norma nº 2 do artigo 25º do ECDU prescreve que “a nomeação definitiva de professores auxiliares efectua-se mediante deliberação do Conselho Científico” (…) e não do ... que é incompetente nesta matéria e procedimento.


VIII – Conclui-se que o ... da recorrida, UMa, é órgão incompetente para:


1 – Em discordância com a deliberação do Conselho Científico avocar para si a decisão final da nomeação definitiva da recorrente;


2 – Decidir a sua nomeação definitiva por ser incompetente em razão da matéria nos termos da lei, face ao disposto do nº 2 do artigo 25º do ECDU.


E por isso conclui-se que, o Sr. ... no uso de um poder discricionário sem qualquer tutela legal porque não lhe está atribuído após a deliberação do órgão competente, in casu, transferir a deliberação colegial para uma reunião ad hoc de professores catedráticos, ocorrida em 11-7-2005, que deliberou por unanimidade dos presentes a intenção de não proceder à nomeação definitiva da recorrente, com base em pareceres enviados por professores universitários que, veio a se verificar, não são da especialidade da recorrente quando o órgão competente já havia deliberado conceder o provimento definitivo à recorrente, sendo por isso, tal decisão é nula nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 133º do CPA, por falta absoluta de forma legal por não ter cumprido o procedimento ad substantian previsto no Estatuto da Carreira Docente Universitária..


IX – Conclui-se que o ... da recorrida, de modo próprio, sem competência legal para o efeito e sem notificação prévia dos eventuais lesados, transferiu a competência legal prevista no nº 2 do artigo 25º do ECDU que é exclusiva do Conselho Científico para o próprio e para uma reunião de professores catedráticos da recorrida, não pertencentes ao Conselho Científico do Departamento de Estudos Romanísticos da UMa que deliberou sem competência legal a negação da pretensão da recorrente que já havia sido deliberado deferir no órgão legal universitário da UMa com exclusiva atribuição para tal decisão , pelo que o acto impugnado – despacho ...al – viola o dever legal de fundamentação constante do artigo 124º do CPA, que obriga a procedimentos legais não cumpridos por o ... ser órgão incompetente em razão das atribuições legais do Conselho Cientifico nesta matéria, sendo certo, o acto administrativo impugnado é infundado, na medida em que, se sustenta em pareceres de professores que não são da especialidade, pareceres irregulares e proferidos em violação de lei, o que inquina o acto com vício de falta de forma legal por incumprimento do dever de fundamentação nos procedimentos legalmente previstos serem realizados por órgãos competentes , nulidade por violação aos artigos 123º, nº 2, alínea d), 124º, 125º e alínea f) do nº 2 e nº 1 do artigo 133º, todos do CPA, nulidade invocável a todo o tempo como previsto no artigo 134º, nº 2 do CPA.


XI – Conclui-se que, sempre e em qualquer caso, o acto impugnado é ilegal em virtude de:


1 – Não respeitou nem se conformou com o provimento da nomeação definitiva da recorrente como professora auxiliar na área científica de linguística francesa dado por deliberação colegial do órgão competente, Conselho Científico do Departamento dos Estudos Romanísticos, de 7-4-2005, devidamente fundamentado em pareceres de professores da especialidade da “Área Científica de Linguística Francesa”;


2 – Não respeitou o “caso resolvido” ou “caso decidido” pelo órgão legalmente competente nos termos do nº 2 do artigo 25º do ECDU;


3 – Foi proferido pelo ... da recorrida que não tem competência legal para deliberar a nomeação definitiva da recorrente, professora auxiliar;


4 – Foi proferido através da avocação ilegal duma atribuição legal exclusiva do Conselho Científico pelo ... da recorrida, UMa, que não detém tal competência decisória prevista na lei nem tem poder discricionário para avocar e decidir matérias que não lhe estão legalmente acometidas;


5 – Foi proferido com base numa deliberação ad hoc tomada por professores catedráticos que não é constituída pelos membros do Conselho Científico do Departamento de Romanísticas da recorrida e que não tem competência para deliberar, nos termos do nº 2 do artigo 25º do EDCU, acerca da nomeação definitiva dos professores auxiliares;


6 – Foi proferido sustentado em pareceres de professores de fonética e linguística geral que não são da especialidade da recorrente que é “área científica de linguística francesa”.


XII – Perante isto, o acto ora impugnado viola o preceituado nas normas do nº 2 do artigo 20º, nº 1, do artigo 21º, nº 2 e do artigo 25º, todas constantes do Estatuto da Carreira Docente Universitária, Lei nº 19/80, e as normas do nº 1 do artigo 9º, aliena d), do nº 2 do artigo 123º, nº 1 do artigo 124º, artigo 125º, alíneas d) e f) do artigo 132º e artigo 138º, todas do CPA.


XIII – Tendo em conta os vícios de violação de lei invocados geradores de nulidade, a presente acção não está caduca porque as nulidades são invocáveis a todo o tempo nos termos do artigo 134º, nº 2 do CPA, e a impugnação dos actos nulos não está sujeita a prazo nos termos do nº 1 do artigo 58º do CPTA, e por esta razão entendemos que o acórdão recorrido, ao declarar a caducidade, violou as normas referidas no artigo anterior.


XIV – Acresce que, mesmo que o acto impugnado, o Despacho ...al, seja meramente anulável, o que não se concorda face ao evidente vício de nulidade, a recorrente entende que apenas foi notificada e tomou conhecimento nos termos do artigo 66º, alínea c), artigo 68º, nº 1, e artigo 70º, nº 1, alínea a), do CPA, no dia 7 de Junho de 2006 quando a recorrente foi notificada através do seu mandatário do documento 1 junto à PI contendo em folhas 5, pela primeira vez do Despacho nº ... de 07/09/2005, o acto recorrido e impugnado nesta acção, sendo esta a única verdade para ela e para o seu mandatário, verdade essa que resulta da documentação profusamente discutida nesta peça recursória em sede da análise da má-fé inexistente, e que tentou provar por requerimento testemunhalmente mas o Tribunal a quo, através do juiz singular no saneador/sentença, e após reclamação para a conferência de juízes, negou tal demonstração através de prova testemunhal apesar de resultar da documentação escrita.


XV – Conclui-se que a recorrente não pode(ia) impugnar o Despacho ...al em questão com base no ofício referido no artigo anterior porque o mesmo não corresponde a notificação de qualquer acto administrativo, do seu conteúdo, do seu texto, dos seus fundamentos de facto e de direito, da data em que foi tomado e do autor do acto e ademais, como vê assinalado com bola vermelha no canto inferior direito, o ofício é constituído por uma só página, tanto que nele está assinalado “1-1”, o que quer dizer que nada mais ia dentro ou com ele.


XVI – Por tudo o que se alegou nesta peça de recurso, que também acaba por ser uma peça de defesa da boa-fé da recorrente e do seu mandatário porque a isso foram empurrados pelas dramáticas e injustas decisões proferidas pelo tribunal a quo, conclui-se que, o acórdão recorrido padece de vício de nulidade por não pronúncia sobre toda a matéria que lhe foi pedida e deve ser revogado e substituído por outro absolvendo a recorrente e o seu mandatário forense aqui subscritor da condenação de litigantes de má-fé e declarando inexistente a excepção de caducidade em virtude da acção ser tempestiva atenta as nulidades invocadas “ab initio” e ser em qualquer caso tempestiva no caso dos vícios serem qualificáveis de anulabilidades, o que não se concede, visto que a recorrente só tomou conhecimento do Despacho ...al impugnado em Junho de 2006 nas condições que reafirma e reafirmará até à eternidade e sua morte por não ter medo da verdade e não se conformar com verdades presumidas”.


5. A Universidade da Madeira, ora recorrida, para tanto notificada, apresentou contra-alegação – sem formular conclusões –, pugnando pelo improvimento do recurso.


6. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi cumprido o disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste TCA Sul emitido douto parecer, no qual conclui que o recurso não merece provimento.


7. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, mas com prévia remessa aos mesmos do projecto de acórdão, vêm os autos à conferência para julgamento.


II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A DECIDIR


8. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nºs 1, 2 e 3, todos do CPCivil, “ex vi” artigo 140º do CPTA, não sendo lícito a este TCA Sul conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.


9. E, tendo em conta o teor das conclusões da alegação de recurso, impõe-se apreciar no presente recurso se o acórdão recorrido, que confirmou a sentença singularmente proferida pelo juiz do processo, incorreu em erro de julgamento, ao julgar verificada a excepção dilatória de caducidade do direito de acção, absolvendo a entidade demandada da instância, e ao condenar ainda a autora, como litigante de má-fé, na multa de 6 UC.


III. FUNDAMENTAÇÃO


A – DE FACTO


10. O saneador-sentença confirmado pelo acórdão recorrido considerou assente a seguinte factualidade:


i. Em 11 de Abril de 2005, a autora dirigiu um requerimento ao ... da Universidade da Madeira solicitando a nomeação definitiva, no Departamento de Estudos Romanísticos da Universidade da Madeira, na Área Científica de Linguística Francesa – cfr. docs. de fls. 3 do processo administrativo;


ii. Em 7 de Setembro de 2005, foi negada a nomeação definitiva à autora, pelo despacho nº ..., da autoria do ... da Universidade da Madeira, nos termos do qual consta:





– cfr. doc. juntos com a p.i. a fls. 24 dos autos;


iii. Em 15 de Setembro de 2005, a autora foi notificada por carta registada com aviso de recepção da decisão referida em ii. supra, nos seguintes termos:








– cfr. docs. a fls. 22-23 dos autos;


iv. Em 7 de Outubro de 2005 foi publicado no Diário da República..., a autorização de renovação, do contrato administrativo de provimento da autora, como professora auxiliar do Departamento de Estudos Anglísticos e Germanísticos, nos seguintes termos:





– cfr. doc. a fls. 25 dos autos;


v. Datado de 31 de Maio de 2006, deu entrada na entidade demandada, um requerimento da autora, alegando a falta de notificação de qualquer decisão, nos seguintes termos:








– cfr. doc. a fls. 37-37/v do processo administrativo;


vi. Em 7 de Junho de 2006, a entidade demandada enviou à autora um ofício de resposta ao requerimento referido em v. supra, nos termos do qual consta:








– cfr. doc. a fls. 36 e 36/vº do processo administrativo;


vii. Em 5 de Setembro de 2006, a autora interpôs a presente acção judicial – cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.


B – DE DIREITO


11. Como decorre dos autos, para concluir pela caducidade do direito de acção e consequente condenação da autora como litigante de má-fé, o acórdão recorrido – confirmativo do despacho saneador-sentença proferido singularmente pelo juiz titular do processo e para cuja fundamentação remeteu – estribou-se nos seguintes fundamentos:


A entidade demandada, na contestação apresentada invoca a intempestividade da propositura da acção pela autora, que alegadamente terá violado o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA.


Por outras palavras, importa verificar se o direito de acção da autora estava caducado, pois a verificar-se tal obsta ao prosseguimento do processo, nos termos do disposto na alínea h) do nº 1 do artigo 89º do CPTA.


Vejamos.


Importa considerar o disposto no artigo 58º do CPTA:


"1. A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo.


2. Salvo disposição em contrário, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de:


a) (...)


b) Três meses, nos restantes casos.


3. A contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil.


4. (...)".


Com pertinência para a análise da questão, dispõe o artigo 138º do CPC:


"1. O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes".


2. Quando o prazo para a prática do acto processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte".


Nos autos, a autora foi notificada da decisão que recusa a nomeação definitiva na Universidade da Madeira a 15 de Setembro de 2005, tendo a acção de impugnação do acto (com condenação à prática do acto devido) sido interposta neste Tribunal, a 7 de Setembro de 2006.


Diga-se, desde já, que é manifesta a verificação da caducidade do direito de acção da autora, pelas seguintes razões, que se passam a enunciar:


Em primeiro lugar, todos os vícios imputados ao acto são geradores de anulabilidade e não de nulidade. Apesar da autora alegar o vício de forma por falta de fundamentação, o mesmo, a verificar-se, é gerador da anulabilidade do acto, e não da sua nulidade, vide artigo 135º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Vide neste sentido Diogo Freitas do Amaral, Volume II, 2011, 2ª Edição, Almedina, pág. 395, e Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares, Almedina, 2012, pág. 212.


No mais, os restantes vícios alegados de violação de lei são geradores de anulabilidade, a qual constitui a sanção regra para os actos administrativos que ofendam princípios ou normas jurídicas, vide artigo 135º do CPA.


Pelo que o prazo de impugnação judicial do acto é de 3 meses, em conformidade com o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA, tendo terminado em 15 de Dezembro de 2005.


Em segundo lugar, apesar de a autora alegar, no artigo 14º da petição inicial, que não foi notificada de qualquer decisão relativa ao procedimento de nomeação definitiva, apenas tendo sido notificada do acto impugnado após o requerimento por si interposto, vide 5. dos factos provados e artigos 15º e 16º da petição inicial, resulta provado que a autora foi efectivamente notificada do acto que indeferiu o pedido de nomeação definitiva por si apresentado, em 15 de Setembro de 2005, vide 3. dos factos provados.


Nestes termos, o requerimento apresentado pela autora e em cuja resposta da entidade demandada pretende ancorar formalmente a presente acção, apenas consubstanciou um expediente para tentar recuperar o prazo entretanto esgotado do direito de acção.


E, efectivamente, a autora não tem forma de negar a notificação do acto (que contém o sentido da decisão e, como tal, é-lhe oponível) e da produção dos seus efeitos, tanto mais que renovou o seu contrato administrativo de provimento, continuando a desempenhar as suas funções ao abrigo do mesmo, entre a data que foi notificada, a 15 de Setembro de 2005 e a data de 31 de Maio de 2006, em que mediante requerimento alega que não foi notificada da decisão do procedimento de nomeação definitiva e que aguarda ulteriores termos do processo.


Ademais, se a autora pretendia ter acesso à fundamentação do acto, ao Despacho nº ..., que alega não ter recebido aquando da notificação da decisão em 15 de Setembro de 2005, tinha ao seu dispor o mecanismo previsto no artigo 60º, nº 2 e nº 3, do CPTA, o que além do mais, tem a virtualidade de interromper o prazo de impugnação do acto. Ora, não consta nos autos que a autora tenha feito uso do mesmo.


Pelas razões supra expostas, a excepção suscitada pela entidade demandada (que sempre seria de conhecimento oficioso) procede e constituindo uma excepção dilatória, obsta ao conhecimento pelo tribunal, do mérito da acção, artigo 89º, nº 1, alínea h) do CPTA e artigo 278º, nº 1, alínea e), artigo 576º, nº 2, ambos do CPC, ex vi do artigo 1º do CPTA.


Fica prejudicado o conhecimento das restantes excepções alegadas pela entidade demandada.


Litigância de má-fé


Face à alegação da entidade demandada (artigo 9º da contestação) foi a autora convidada pelo tribunal a pronunciar-se sobre a litigância de má-fé, tendo a mesma, referido que "não admite que estejam verificados quaisquer pressupostos de má-fé como resulta do despacho do MJ Juiz porque ninguém está de má-fé perante documentos forjados".


Vejamos.


A litigância de má-fé encontra-se regulada no artigo 542º do CPC, que regula os seguintes aspectos: noção, efeitos e título de imputação subjectiva.


Esta figura tem subjacente um princípio de responsabilidade (subjectiva), o que tem como consequência a proibição, para os litigantes, de invocar factos que não se tenham verificado ou que não correspondam à realidade, por deturpação ou omissão.


Pretende-se, pois, proteger e assegurar o cumprimento de dever de verdade que impende sobre todos os sujeitos processuais, mormente, as partes processuais.


Incorre ainda em responsabilidade a parte que tenha violado o dever de cooperação ou que adopte um comportamento processualmente reprovável, no sentido de usar meios processuais para alcançar intentos ilegais, entorpecer ou protelar a acção da justiça e o trânsito em julgado da sentença.


As partes têm, em suma, o dever de proceder de boa-fé.


No caso dos autos, a autora afastou-se conscientemente da verdade, quando na resposta às excepções deduzidas pela entidade demandada, afirma categoricamente que apenas foi notificada do acto impugnado após o requerimento de 31 de Maio de 2006 (vide fls. 42-43 dos autos e 5. dos factos provados), concluindo pela inexistência da caducidade do direito de acção.


Ademais, aquando da pronúncia sobre a verificação dos pressupostos da litigância de má-fé, a autora alega que apenas tomou conhecimento da totalidade dos documentos (que ela própria juntou com a petição inicial), onde se inclui o aviso de recepção que prova a notificação do acto impugnado, vide 3. dos factos provados, após a recepção do ofício nº ... datado de 7 de Junho de 2006, vide 6. dos factos provados.


Ora, tal não corresponde à verdade, pois, como de seguida alega (cfr. fls. 66 dos autos, artigo 10º), e ficou provado, a autora tomou conhecimento do ofício ..., de 09/09/2005, em 15 de Setembro de 2005, vide 3. dos factos provados.


É manifesta e inequívoca a conduta processualmente reprovável da autora, que consciente e intencionalmente visou iludir o julgador.


A sua conduta reprovável iniciou-se, quando tentou fazer renascer o prazo já caducado do direito de acção, mediante requerimento dirigido à entidade demandada, vide 5. dos factos provados, e permaneceu em juízo, mesmo após a invocação da excepção de caducidade do direito de acção pela entidade demandada, e após dado o contraditório pelo tribunal, à verificação dos pressupostos da litigância de má-fé.


Estão, pois, em causa factos, que a autora bem sabia que não correspondiam à realidade ôntica.


Com a sua conduta, a autora alterou a verdade de factos relevantes para a apreciação da causa, nomeadamente para o controlo judicial do direito de acção, pelo que se dá por verificado o pressuposto objectivo da litigância de má-fé, previsto no artigo 542º, nº 2, alínea b) do CPC.


A autora, ao interpor uma acção judicial, exercendo um direito de actividade processual que já não lhe assistia, nas circunstâncias em que o fez, e em insistir na sua permanência ou continuidade em juízo, desmentindo factos provados por documentos trazidos ao processo por ela própria, incorre, na apreciação deste tribunal, numa conduta gravosa e imputável subjectivamente a título doloso.


Desta forma, condena-se a autora na multa de 6 UC por litigância de má-fé, artigo 542º, nº 1 do CPC, e artigo 27º, nº 3 do Regulamento das Custas Processuais.


A autora foi representada por advogado ao longo de todo o processo judicial e a intervenção do mesmo, expressa nos requerimentos dirigidos à entidade demandada, é inequívoca e manifesta.


Atendendo à referida intervenção e à estratégia processual que resulta da actuação da parte, reconhece-se a responsabilidade directa e pessoal do mesmo nos actos reveladores da má-fé, tal como supra exposto.


É evidente nos autos, que o mandatário da autora teve intervenção no requerimento dirigido à entidade demandada, antes da interposição da acção judicial e na elaboração das peças processuais às quais juntou os documentos que provam os factos em que assenta a má-fé.


Assim, ao abrigo do artigo 545º do CPC, e para os devidos efeitos, é dado conhecimento à Ordem dos Advogados, Conselho Distrital da Madeira”.


Vejamos se as críticas dirigidas pela recorrente à decisão recorrida merecem acolhimento.


12. Como decorre do teor da PI, a ora recorrente intentou no TAF do Funchal contra a Universidade da Madeira, uma acção administrativa especial, com vista a obter a declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação do Despacho ...al nº ..., de 7-9-2005, da autoria do ... daquela universidade, que decidiu não proceder à sua nomeação definitiva como professora.


13. Ora, como decorre da matéria de facto dada como assente pelo acórdão recorrido (mediante expressa remissão para o despacho saneador-sentença proferido singularmente pelo juiz titular do processo), em 11-4-2005, a autora dirigiu um requerimento ao ... da Universidade da Madeira solicitando a sua nomeação definitiva no Departamento de Estudos Romanísticos da Universidade da Madeira, na Área Científica de Linguística Francesa – cfr. ponto i. do probatório – tendo tal pretensão sido negada pelo aludido despacho nº ... (despacho impugnado).


14. Demonstra também o probatório que, em 15-9-2005, a autora foi notificada, por carta registada com aviso de recepção (cujo respectivo aviso de recepção se mostra assinado nessa mesma data), dum ofício com a refª ..., datado de 9-9-2005, com o assunto “Situação Contratual”, com o seguinte teor:


Serve o presente para informar Vossa Exª que tendo sido negada a Nomeação Definitiva, será contratada por um novo período de duração igual ao da nomeação anterior, sem possibilidade de renovação ou de nomeação definitiva”.


15. Perante o teor deste documento, e perante a evidência de que o mesmo havia chegado ao conhecimento da autora em 15-9-2005, a decisão recorrida concluiu que o acto impugnado foi efectivamente notificado àquela nessa data, tendo por conseguinte considerado ser esse o termo inicial do respectivo prazo de impugnação. E, por outro lado, assumindo que a autora não podia negar ter sido notificada naquela data, pois que o aviso de recepção correspondente ao dito ofício se mostrava assinado, concluiu que a autora alterou a verdade de factos relevantes para a apreciação da causa, nomeadamente para o controlo judicial do direito de acção, razão pela qual considerou verificado o pressuposto objectivo da litigância de má-fé, previsto no artigo 542º, nº 2, alínea b) do CPCivil.


16. Porém, se atentarmos no teor do referido ofício, resulta evidente que o despacho ...al nº ..., da autoria do ... da Universidade da Madeira – acto objecto de impugnação nos presentes autos e transcrito no ponto ii. do probatório –, a decidir pela negação da nomeação definitiva da autora e a dar-lhe nota que o seu contrato se iria prolongar por mais cinco anos a partir da data final da anterior nomeação, sem possibilidade de renovação ou passagem a nomeação definitiva, não acompanhou o aludido ofício com a refª ..., com data de 9-9-2005.


17. Contudo, estando em causa uma notificação insuficiente, por dela não constar a indicação do autor (o ... da Universidade da Madeira), a data do despacho ou, sequer, os respectivos fundamentos, tal não significa que o aludido acto administrativo não fosse oponível à autora, pois era-o, tendo porém esta a faculdade de requerer à entidade que proferiu o acto a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contivesse, bem como, se necessário, de pedir a correspondente intimação judicial, nos termos previstos nos artigos 104º e segs. do CPTA (cfr. artigo 60º, nº 2 do CPTA e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em anotação ao artigo 60º, 5ª edição, 2021, a págs. 444).


18. Ora, como demonstram os autos, a autora optou por nada fazer, mesmo sabendo que a sua pretensão de obter a nomeação definitiva havia sido negada e que iria ser contratada por um novo período de duração igual ao da nomeação anterior, sem possibilidade de renovação ou de nomeação definitiva, tal como veio a suceder em 7-10-2005, quando foi publicado no Diário da República..., a autorização de renovação do seu contrato administrativo de provimento, como professora auxiliar do Departamento de Estudos Anglísticos e Germanísticos (cfr. ponto iv. do probatório), limitando-se a dar entrada, em 31-5-2006, a um requerimento, no qual reiterava não ter sido notificada até essa data de nenhuma decisão tomada ao abrigo do nº 2 do artigo 25º da Lei nº 19/80 (Estatuto da Carreira Docente) e onde afirmava aguardar “ulteriores termos do procedimento administrativo de nomeação definitiva de Professor Auxiliar”, requerimento esse que não era idóneo para justificar a inoponibilidade do acto de indeferimento da sua pretensão de ser nomeada definitivamente como professora auxiliar.


19. Por conseguinte, na data em a presente acção deu entrada em juízo – 5 de Setembro de 2006 – há muito que se encontrava esgotado o prazo de três meses para a impugnação de actos anuláveis, previsto no artigo 58º, nº 2, alínea b) do CPTA, não merecendo por isso reparo a decisão impugnada que assim decidiu.


* * * * * *


Resta apenas apreciar se a decisão recorrida, na parte em que condenou a autora, a título de litigante de má-fé, na multa de 6 UC’s e determinou, ao abrigo do disposto no artigo 545º do CPCivil, que se desse conhecimento à Ordem dos Advogados, Conselho Distrital da Madeira, padece de erro de julgamento.


20. De acordo com o disposto no artigo 542º do CPCivil, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: (a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; (b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; (c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; (d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.


21. A decisão recorrida integrou a conduta processual da autora na alínea b) do nº 2 do artigo 542º do CPCivil, considerando que a autora alterou a verdade dos factos e/ou omitiu factos relevantes para a decisão da causa, decisão essa que não merece reparo, já que, demonstram os autos, a autora teve efectivo conhecimento de que a sua pretensão de obter a nomeação definitiva havia sido negada (embora sem acesso aos respectivos fundamentos, como se viu), e que iria ser contratada por um novo período de duração igual ao da nomeação anterior, sem possibilidade de renovação ou de nomeação definitiva. Porém, como acima se deixou expresso, a insuficiência na notificação desse acto (nomeadamente quanto ao respectivo autor e quanto à fundamentação) não retirava eficácia à notificação, tornando esse acto administrativo inoponível. Se, perante a ausência dos elementos em falta, a autora tinha dúvidas sobre a autoria do acto respectiva notificação, tinha a faculdade de requerer à entidade que proferiu o acto a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contivesse, bem como, se necessário, de pedir a correspondente intimação judicial, nos termos previstos nos artigos 104º e segs. do CPTA.


22. Porém, não o fez, agindo como se nada lhe tivesse sido comunicado sobre o indeferimento da sua pretensão, até obter, em resposta a um requerimento apresentado em 31-5-2006 – no qual reiterava não ter sido notificada até essa data de nenhuma decisão tomada ao abrigo do nº 2 do artigo 25º da Lei nº 19/80 (Estatuto da Carreira Docente) e onde afirmava aguardar “ulteriores termos do procedimento administrativo de nomeação definitiva de Professor Auxiliar” – o texto integral do despacho que havia indeferido a sua pretensão e com isso pretender contabilizar com essa notificação o termo inicial para impugnar tal acto.


23. Esta conduta processual, mesmo admitindo a inexistência de dolo, não deixa de constituir negligência grave da autora e respectivo mandatário, porquanto omitiram voluntariamente um facto que estava sobejamente provado documentalmente e que era a notificação do indeferimento da pretensão que a autora havia dirigido à entidade demandada, para mais corroborado com a publicação na II Série do Diário da República da autorização de renovação do seu contrato administrativo de provimento, como professora auxiliar do Departamento de Estudos Anglísticos e Germanísticos (cfr. ponto iv. do probatório).


24. No entanto, já nos parece desproporcionado o valor em que foi fixada a multa – 6 UC’s –, parecendo-nos mais razoável, atentos os requisitos previstos no nº 4 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais, fixar tal multa em 4 UC’s, o que se decide.


IV. DECISÃO


25. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente, fixando-se porém a multa aplicada à autora, a título de litigante de má-fé, em 4 UC’s.


26. Custas a cargo da recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPCivil).


Lisboa, 23 de Outubro de 2025


(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)


(Luís Borges Freitas – 1º adjunto)


(Maria Teresa Caiado – 2ª adjunta)