Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:136/25.5BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:06/06/2025
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
FUTSAL
TREINADOR
FUMUS BONI IURIS
ILÍCITO DISCIPLINAR
CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES
Sumário:Se o alegado pelo Requerente enquanto atenuante é quase transformado numa circunstância agravante, ao arrepio do que decorre do RDFPF, considera-se preenchido o pressuposto do fumus boni iuris.
Votação:DECISÃO SINGULAR
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Decisão

[art.º41.º, n.º 7, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (1) (TAD)]


I. Relatório

N……………………(doravante Requerente) intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), contra a Federação Portuguesa de Futebol (doravante Requerida ou FPF), uma ação arbitral, com requerimento de providência cautelar, pedindo, nesta última, que seja decretada a suspensão da eficácia do Acórdão da Secção não Profissional do Conselho de Disciplina (CD) da Requerida, datado de 23.05.2025.

Para sustentar a sua pretensão, invocou, em síntese:

¾ Quanto ao fumus boni iuris:

- O CD, ao não valorar as circunstâncias atenuantes previstas do art.º 44.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Regulamento de Disciplina da FPF (RDFPF), considerando o caso concreto, está, na verdade, a excluir a sua aplicabilidade, violando o princípio da igualdade;

- “Acresce que o CDSNP incorre num erro interpretativo grosseiro ao considerar que o estatuto do Requerente agrava a sua culpa, afirmando expressamente que a sua carreira e o seu exemplo o “responsabilizam ainda mais intensamente”, invertendo, deste modo, a finalidade da norma prevista no artigo 44.º do RDFPF”;

- “[C]arece de fundamentação a própria medida da sanção aplicada, visto que o CDSNP se limita a tecer considerações genéricas sobre a ilicitude, culpa de grau significativo e exigências de prevenção especial do Requerente e as exigências de prevenção geral, sem concretizar em que medida é que estas justificam o afastamento da sanção de suspensão pelo número mínimo de dias aplicável, que – por tudo quanto ficou explanado – seria de 8 dias ao invés de 15”;

¾ Quanto ao periculum in mora:

- A procedência da ação perde todo o efeito útil, caso não seja decretada a providência;

- “Para além disso, tal afastamento constitui uma limitação ao exercício da atividade profissional do Requerente, impedindo-o de cumprir as funções que regulamentar e contratualmente lhe estão atribuídas como treinador principal da equipa – desde a preparação, liderança, gestão e intervenção nos jogos oficiais da Liga Placard”;

¾ O prejuízo resultante da providência a decretar não excede o dano que com ela se pretende evitar.

II. Da intervenção da Presidente do TCAS

Por despacho do Ex.mo Presidente do TAD, de 05.06.2025, foram os autos remetidos a este TCAS, para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral.

O mencionado despacho tem o seguinte teor:

“…

«Texto no original»




…”.

O art.º 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que, “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Como já referido, vem mencionada, in casu, a impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo útil, atentos os prazos legalmente estabelecidos.

Reiterando os fundamentos constantes do despacho transcrito e considerando a necessidade de cumprimento das regras adjetivas previstas na Lei do TAD, de que resultaria a preclusão da tutela efetiva do direito invocado, não pode senão concluir-se no sentido de que está preenchido o requisito de que depende a intervenção da Presidente do TCAS, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. art.º 41.º, n.º 7, da Lei do TAD).

III. Da dispensa de audição da requerida e da suficiência da prova junta

Nos termos do art.º 41.º, n.º 5, da Lei do TAD:

“A parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

Este prazo é injuntivamente fixado, não podendo, pois, ser legalmente encurtado.

Tal circunstância importa que, in casu, seja suscetível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, uma vez que o Requerente alega que a utilidade da ação cautelar impõe que se tome a decisão até à data dos próximos jogos que, com toda a segurança, serão disputados pelo clube treinado pelo Requerente, agendados para os próximos dias 7 e 10 de junho.

Face ao exposto, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.

Após a análise sumária da prova junta, entende-se que nenhuma outra carece de ser produzida, sendo a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa.

IV. Da Instância

As partes são legítimas.

O processo é o próprio.

Inexistem exceções ou outras questões prévias que devam ser conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida

Fixa-se aos autos o valor de 30.000,01 Eur., atenta a natureza de valor indeterminável dos interesses em apreciação (art.º 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA).

V. Fundamentação de facto

V.A. Factos Provados

Para a apreciação da presente providência cautelar, estão indiciariamente provados os seguintes factos:

1) O Requerente está inscrito, na época desportiva 2024/2025, pelo S.............. CP, como treinador principal da equipa de futsal sénior masculino (não controvertido).

2) Foi instaurado, contra o Requerente, processo disciplinar, ao qual foi atribuído o n.º 176 – 2024/2025 (facto que se extrai do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial).

3) No âmbito do processo disciplinar referido em 1), o Requerente apresentou requerimento, através dos seus mandatários, a 16.05.2025, do qual se extrai o seguinte, no tocante à alegação de circunstâncias atenuantes:

“4. Ademais, é imprescindível que este Conselho de Disciplina atenda à presença de circunstâncias atenuantes na determinação da medida da sanção:

a. A prestação de serviços relevantes ao futsal

5. Com uma carreira de quase duas décadas enquanto treinador principal de futsal, o arguido consolidou um palmarés ímpar e contribuiu activamente para elevar o futsal português a um nível de excelência.

6. Entre os muitos elementos que sustentam esse contributo, destacamos as conquistas de duas UEFA Futsal Champions League nas épocas 2018/2019 e 2020/2021, para além de 29 títulos nacionais conquistados ao serviço do S.............. (…).

7. O trabalho do arguido enquanto treinador principal do S.............. potenciou o crescimento e desenvolvimento de vários jogadores que se tornaram peças-chave das conquistas da selecção nacional de futsal, designadamente durante o mundial de futsal de 2021 e dos dois europeus de futsal de 2018 e 2022.

8. Posto isto, em face de uma carreira de qualidade assinalável, com quase 20 anos de duração e sempre ao mais alto nível, coroada pela conquistas de títulos nacionais e internacionais, resulta provado que o arguido prestou serviços relevantes ao futsal.

b. O louvor por mérito desportivo

9. Soma-se o reconhecimento institucional que o arguido tem vindo a merecer ao longo da sua carreira.

10. Com efeito, realçamos, entre outras tantas, as seguintes atribuições e distinções:

a. Quinas de Ouro pela Federação Portuguesa de Futebol nos anos de 2017 e 2018;

(…)

b. O galardão de mérito profissional (2016) e os prémios de Treinador do Ano atribuídos pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol ao longo dos anos (desde 2016/2017 a 2023/2024) (Docs. 1 a 3 referentes aos prémios conquistados nas últimas 3 épocas desportivas);

c. O prémio de melhor treinador do mundo atribuído pelo conceituado portal Futsal Planet (…);

d. O reconhecimento de mérito desportivo atribuído pela Câmara Municipal de Anadia pelas épocas desportivas 2015/2016, 2018/2019 e 2023/2024;

(…)

e. A distinção de Personalidade Desportiva do Ano atribuída pela Câmara Municipal de Cantanhede, bem como o voto de louvor pela mesmo Município em 2019;

(…)

f. O reconhecimento por mérito desportivo atribuído pela Câmara Municipal de Alcobaça em 2023;

g. A atribuição do título de Professor Especialista Honoris Causa pelo ISCE – Instituto Superior de Lisboa e Vale do Tejo.

(…)

11. Em suma, perante o antecedentemente exposto, é indubitável concluir-se pela verificação das circunstâncias atenuantes previstas no artigo 44.º n.º 1 als. c) e d) do RDFPF.

12. Por conseguinte, por força do artigo 44.º n.º 5 do RDFPF, deverão determinar a redução para metade dos limites mínimos e máximos das sanções aplicáveis, sem prejuízo dos efeitos da confissão à luz do artigo 244.º n.º 2 do mesmo regulamento” (cfr. documentos n.ºs 1 e 2, juntos com o requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

4) No âmbito do processo disciplinar referido em 1), o Requerente apresentou requerimento, designado de “requerimento confessório”, no qual afirmou “confessar integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados na acusação” e no qual subscreveu o requerimento apresentado pelos seus mandatários a 16.05.2025 (cfr. documento n.º 3, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

5) Foi proferido Acórdão, a 23.05.2025, na Secção não Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, no qual foi julgada totalmente procedente a acusação e, em consequência, condenado o ora Requerente pela prática da infração disciplinar prevista e sancionada pelo n.º 1 do artigo 130.º do RDFPF, “aplicando-lhe, em resultado, a sanção de suspensão por 22 (vinte e dois) dias e, cumulativamente, a sanção de multa fixada em 3,5 UC, o que perfaz o montante de € 357,00 (trezentos e cinquenta e sete euros)”, constando do mesmo designadamente a seguinte:

“IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

§1. Factos provados

27. Apreciados todos os elementos probatórios constantes dos autos à luz das regras da experiência comum e da livre convicção do CDSNP, como comanda o n.º 2 do artigo 220.º do RDFPF, resultam provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1. O S.............. …………, na época desportiva 2024/2025, disputa, entre outras competições, a Liga Placard, prova de futsal sénior masculino organizada pela FPF.

2. O Arguido N …………… …….., titular do NIC …………., está inscrito, na época desportiva 2024/2025, pelo S.............. CP como treinador principal da equipa de futsal sénior masculino.

3. No dia 230.04.2025, realizou-se o jogo oficial n.º 510.01.125, no Pavilhão do Centro Comunitário das C............., nas C............., em Vila do Conde, jogo esse disputado entre o ADCR C............. P.......... Barca e o S.............. CP a contar para a 21.ª jornada da Liga Placard da época desportiva 2024/2025.

4. A equipa de arbitragem que dirigiu o jogo oficial suprarreferido foi constituída pelo árbitro C ………………………, pelo 2.º árbitro J……………………., pelo Cronometrista L …………………. e pelo 3.º árbitro R …………...

5. No jogo em causa estiveram presentes aproximadamente 635 espectadores.

6. O resultado do encontro foi de ADCR C............. P.......... Barca: 2 x S.............. CP: 3.

7. Para o jogo referido no facto provado n.º 3, o S.............. CP inscreveu e fez constar na ficha de jogo o Arguido N....... ………….. como treinador principal.

8. No dia 26.04.2025, realizou-se o jogo oficial n.º 510.01.119, no Pavilhão …………….., em Lisboa, disputado entre o S.............. CP e o E... FC a contar para a 20.ª jornada da Liga Placard da época desportiva 2024/2025.

9. A equipa de arbitragem que dirigiu o jogo oficial suprarreferido foi constituída pelo árbitro W ………………., pelo 2.º árbitro B ………………, pelo Cronometrista H ……………… e pelo 3.º árbitro G ……………...

10. No jogo em causa estiveram presentes aproximadamente 1313 espectadores.

11. O resultado do encontro foi de S.............. CP: 3 x E.........CP: 3.

12. Para o jogo identificado no facto provado n.º 8, o S.............. CP inscreveu e fez constar na ficha de jogo o Arguido N …………………. como treinador principal.

13. No dia 28.04.2024, em declarações à imprensa, o Arguido N ………………., treinador principal do S.............. CP, proferiu as seguintes declarações sobre as arbitragens dos jogos acabados de identificar:

«[…] Estou a tentar escolher palavras para não ser demasiado agressivo, mas eu sinto e os jogadores sentem que o S.............. está a ganhar há muito tempo e provavelmente muita gente não está a gostar, muitos intervenientes não estão a gostar, e estão a acontecer coisas muito estranhas. Até a forma como lidam connosco no banco. Sinto que a forma como lidam comigo no banco é ridícula, é inacreditável a forma como se comportam e como reagem a qualquer coisa que digo. Olho para os outros jogos e não vejo isso dessa forma, não vejo as expulsões que vejo e os cartões amarelos – cirúrgicos, a jogadores cirúrgicos (…) É estranho, posso estar a ser injusto, mas sinto que estamos a ganhar há muito tempo e não querem que isso aconteça, querem mudanças, coisas diferentes. Olhem para a expulsão do W……… na Taça, para a expulsão do Z…………., para os amarelos. Com o C............. o Taynan leva amarelo numa falta em que nem sequer toca. Erros todos temos, tive erros no último jogo e não há problema em assumir quando estou mal, mas acho que os intervenientes do jogo deviam assumir quando fazem mal e isso não acontece. Há sempre uma desculpa, há sempre algo a dizer para tentar justificar aquilo que estão a fazer. A forma como estamos a ser tratados muitas vezes é que acho esquisita […]». [destacados conforme a acusação]

14. As declarações ora transcritas foram amplamente difundidas na comunicação social, designadamente na imprensa desportiva de maior alcance nacional, como o jornal “Record” e o jornal “A Bola”, entre outros.

15. O Arguido, ao ter proferido na comunicação social as expressões acima transcritas e destacadas com ênfase gráfico, agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tais declarações eram aptas a ofender a honra, a consideração e a dignidade de cada uma das equipas de arbitragem dos dois jogos supra identificados, o que fez e quis fazer, ciente de que com a sua conduta violava os deveres previstos no RDFPF, nomeadamente os de probidade, urbanidade e lealdade e os princípios da ética e da defesa do espírito desportivo e, ainda assim, consciente da natureza ilícita da sua conduta, não se absteve de a realizar.

16. O Arguido N ………………., com referência à competição Liga Placard, apresenta cadastro disciplinar, na presente época desportiva, e nas imediatamente anteriores em que esteve inscrito naquela competição.

17. Com efeito, na época desportiva 2024/2025 está averbada ao seu cadastro a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo n.º 1 do artigo 138.º do RDFPF. Na época desportiva 2021/2022 está averbada ao seu cadastro a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo n.º 1 do artigo 138.º do RDFPF. Na época desportiva 2017/2018 está averbada ao seu cadastro a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo n.º 1 do artigo 138.º do RDFPF. Na época desportiva 2016/2017 está averbada ao seu cadastro a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo n.º 1 do artigo 138.º do RDFPF.

§2. Factos não provados

28. Com interesse para a decisão, não foram dados como não provados quaisquer factos.

§3. Motivação

29. Além da confissão por parte do Arguido (fls. 107), que, por ser integral, abarca a totalidade dos factos descritos na acusação, este órgão disciplinar fundou a sua convicção, no que respeita à factualidade provada, na conjugação dos elementos documentais juntos aos autos.

(…)

V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

§ 1. Do ilícito disciplinar previsto no artigo 130.º do RDFPF

36. Ao Arguido N....... … vem imputada uma infração disciplinar grave prevista e sancionada pelo n.º 1 do artigo 130.º do RDFPF, sob a epígrafe «Ameaças e ofensas à honra, consideração ou dignidade», à qual corresponde, em abstrato, a sanção de suspensão de 1 mês a 1 ano e, cumulativamente, a sanção de multa de entre 5 e 10 UC.

(…) 65. Assim, encontram-se preenchidos todos os elementos do tipo objetivo sancionatório, conclusão que vale também para o tipo subjetivo, que, neste caso, é doloso. Há consenso na doutrina e na jurisprudência penais no sentido de que o animus difamandi não integra o tipo subjetivo do crime de difamação. Estas asserções relevam no plano da responsabilidade disciplinar, onde o direito penal é subsidiariamente aplicável, ex vi do artigo 11.º do RDFPF.

66. Nestes termos, e sem necessidade de considerações adicionais, conclui-se que o Arguido N....... …. praticou, a título doloso e por uma vez, o ilícito disciplinar grave previsto e sancionado pelo n.º 1 do artigo 130.º do RDFPF.

VI – DA MEDIDA E GRADUAÇÃO DAS SANÇÕES

67. Qualificados juridicamente os factos e operada a sua subsunção aos preceitos sancionadores, importa, pois, proceder à determinação da medida concreta da sanção a aplicar ao Arguido. Vejamos:

68. O n.º 1 do artigo 130.º do RDFPF estatui como sanção para a prática do ilícito disciplinar ali descrito, a sanção de suspensão de 1 mês a 1 ano e, cumulativamente, a sanção de multa entre 5 e 10 UC.

69. Por seu turno, o n.º 1 do artigo 42.º do RDFPF estatui que a determinação da medida da sanção, dentro das molduras sancionatórias abstratas previstas no RDFPF, é feita, em condições em tudo semelhantes à lei penal, em função da culpa do agente, cuja medida atuará como limite intransponível da concreta sanção, e das exigências de prevenção geral e especial positiva.

70. Já o n.º 2 do artigo 42.º do RDFPF prevê um conjunto de fatores da medida da sanção (não integrando o tipo objetivo sancionatório) que auxiliam na sua determinação concreta. São eles a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, b) a intensidade do dolo ou negligência, c) os fins ou motivos que determinaram a prática da infração, d) as condutas anterior e posterior ao facto, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências da infração, e) as especiais e singulares responsabilidades do agente na estrutura desportiva, e f) a situação económica do infrator.

71. Previamente, porém, deve ponderar-se a eventual verificação, no caso concreto, de algumas das circunstâncias – atenuantes e agravantes – previstas nos artigos 43.º e 44.º do RDFPF, e determinantes do agravamento ou a atenuação da moldura sancionatória.

72. O Arguido, por força do seu cadastro disciplinar (cfr. factos provados n.ºs 16 e 17), não se pode considerar reincidente, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do RDFPF. Todavia, também não pode beneficiar da circunstância atenuante prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do RDFPF.

73. No requerimento que apresentou aos autos (fls. 79 e 89), o Arguido veio requerer que lhe sejam aplicadas as circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 44.º do RDFPF, ou seja, a prestação de serviços relevantes ao futebol e o louvor por mérito desportivo. Para o efeito, o Arguido alega ter uma carreira de quase duas décadas enquanto treinador principal de futsal, onde granjeou um palmarés ímpar e contribuiu ativamente para elevar o futsal português a um nível de excelência.

74. Em concreto, aponta a conquista de duas UEFA Futsal Champions League nas épocas desportivas 2018/2019 e 2020/2021, para além de 29 títulos nacionais conquistados ao serviço do S.............. CP.

75. Além disso, o trabalho do Arguido enquanto treinador do S.............. terá alegadamente contribuído para a formação de vários jogadores que, posteriormente, se revelaram «peças-chave das conquistas da seleção nacional de futsal, designadamente durante o mundial de futsal de 2021 e de dois europeus de futsal de 2018 e 2022».

76. Relativamente ao mérito desportivo, o Arguido elenca um conjunto de distinções que lhe foram atribuídas, especificamente:

a) Quinas de Ouro (FPF) nos anos de 2017 e 2018;

b) Galardão de mérito profissional em 2016 e os prémios de Treinador do Ano de 2016/2017 a 2023/2024 (Associação Nacional de Treinadores de Futebol); c) Prémio de melhor treinador do mundo atribuído pelo portal “Futsal Planet”;

d) Reconhecimento de mérito desportivo atribuído pela Câmara Municipal de Anadia pelas épocas desportivas 2015/2016, 2018/2019 e 2023/2024;

e) Distinção de Personalidade Desportiva do Ano atribuída pela Câmara Municipal de Cantanhede, bem como o voto de louvor pela mesmo Município em 2019;

f) Reconhecimento por mérito desportivo atribuído pela Câmara Municipal de Alcobaça em 2023;

g) Atribuição do título de Professor Especialista Honoris Causa pelo ISCE – Instituto Superior de Lisboa e Vale do Tejo.

77. Vejamos se lhe assiste razão: na repetida fórmula de FIGUEIREDO DIAS, circunstâncias modificativas correspondem a «pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo diretamente respeito nem ao tipo-de-ilícito (objetivo ou subjetivo), nem ao tipo-de-culpa, nem mesmo à punibilidade em sentido próprio, todavia contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam por isso diretamente para a doutrina da determinação da pena» .

78. Assim, do ponto de vista teleológico, o reconhecimento de uma circunstância modificativa, neste caso atenuante, tem necessariamente de encontrar justificação na menor gravidade da infração disciplinar ou do facto mediante uma valoração global do caso.

79. O regulamentador, nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 44.º do RDFPF, entendeu que tanto a prestação de serviços relevantes ao futebol como o louvor por mérito desportivo são suscetíveis de conferir ao facto, globalmente valorado, um menor grau de gravidade, justificando um abaixamento da moldura sancionatória abstrata.

80. Sem embargo, o regulamentador não cuidou de definir ou oferecer exemplos padrão para o que entenda serem «serviços relevantes ao futebol» ou o «louvor por mérito desportivo», deixando deliberadamente essa tarefa ao intérprete-aplicador. Tratando-se, como se tratam, de conceitos indeterminados, só podem os mesmos ser plenamente integrados em face do caso concreto, sendo as tentativas de os densificar em abstrato meras aproximações ou esquissos de uma teoria sempre incompleta e em desenvolvimento.

81. De todo o modo, sempre diremos que a interpretação que se faça destes conceitos terá de ser restritiva, de modo a só equacionar excecional e parcimoniosamente a aplicação destas circunstâncias atenuantes. Assim, não é qualquer serviço ao futebol nem qualquer mérito desportivo que pode mobilizar a atenuação. Antes, é necessário concluir que os serviços e méritos em causa são, pela sua natureza, pela sua abrangência, pela sua escala, pela sua singularidade e infrequência, pela sua relevância e impacto e pelas suas repercussões e consequências, capazes de conferir ao facto, globalmente considerado, a imagem ou impressão de um menor grau de gravidade, justificando a redução da moldura abstrata. Doutra forma, caso se perfilhasse uma interpretação lata daquilo que sejam «serviços relevantes ao futebol» ou «louvor por mérito desportivo» estar-se-ia, no limite, a defraudar o regulamentador e a valoração que este fez aquando da construção das molduras sancionatórias abstratas com base na gravidade dos factos ilícitos.

82. Revertendo as presentes considerações para o caso concreto, e sem qualquer tipo de depreciação (muito pelo contrário!) pela carreira, pelo currículo, pelos palmarés e pelas distinções atribuídas ao Arguido, a verdade é que entendemos que nenhuma dos quatro, e dando por bom o alegado, é suficiente para preencher as circunstâncias atenuantes a que aludem a al. c) e d) do n.º 1 do artigo 44.º do RDFPF.

83. Realmente, salientando a natureza excecional que deve ter a aplicação daquelas atenuantes, a verdade é que a carreira, o currículo desportivo, os palmarés e as distinções do Arguido, se estão certamente acima da média, não são de molde a concluir pelo preenchimento dos requisitos orientadores a que aludimos no antecedente § 81, designadamente por não assumirem a escala, a abrangência (nomeadamente pela sua projeção para o todo nacional e internacional), a singularidade ou raridade que confiram ao facto, globalmente considerado, um menor grau de gravidade. Pelo contrário, a carreira e as distinções de que o Arguido foi objeto responsabilizam-no ainda mais intensamente perante os seus pares e a comunidade desportiva, por o elevarem a exemplo e modelo para outros que aspirem a semelhantes conquistas, acrescentando à censura pelas declarações em que coloca em causa a imparcialidade da arbitragem.

84. Nestes termos, entende-se e decide-se não reconhecer ao Arguido N....... ……..nenhuma das circunstâncias atenuantes a que alude o n.º 1 do artigo 44.º do RDFPF, particularmente as previstas nas alíneas c) e d).

85. De todo o modo, e como vimos, a confissão do Arguido foi nestes autos valorada como uma confissão integral e sem reservas, dando lugar, por isso, à aplicação do n.º 2 do artigo 244.º do RDFPF, com a consequente redução para metade dos limites mínimo e máximo das sanções aplicáveis.

86. Ou seja, no caso da sanção de suspensão, a moldura abstrata reduz-se, no seu limite mínimo, para 15 dias, e no seu limite máximo para 6 meses. Já quanto à sanção de multa, reduz-se para entre 2,5 e 5 UC.

87. No caso da multa, e por a infração não ter sido praticada por ocasião de jogo oficial, não há lugar a qualquer redução prevista no n.º 4 do artigo 25.º do RDFPF, conforme prevê o n.º 5 da mesma norma.

88. Estamos, pois, em condições de determinar a medida concreta das sanções por apelo aos fatores da sua determinação, conforme elencados no n.º 2 do artigo 42.º do RDFPF.

89. In casu, importa sublinhar que o RDFPF determina que a infração descrita no artigo 130.º do RDFPF corresponde a uma infração disciplinar grave que se destina a proteger os valores desportivos. Deste modo, quando construiu a moldura sancionatória abstrata, o legislador já teve em devida conta o grau de ilicitude do facto, considerando-o grave, pelo que não faremos operar esse fator de medida da sanção.

90. De igual modo, o regulamentador também já valorou positivamente a circunstância de o Arguido ter reconhecido e assumido a responsabilidade pelos factos, confessando-os integralmente e sem reservas, pelo que, igualmente, não se irá novamente considerar tal circunstância.

91. Em todo o caso, sempre se dirá que a circunstância de o facto ter sido praticado dolosamente e de se terem levantado suspeitas graves de um qualquer conluio conspirativo da arbitragem com o único fito de prejudicar o S.............. CP revela uma ilicitude e culpa de grau significativo, não sendo despiciendas as exigências de prevenção especial aplicáveis ao caso.

92. Já do ponto de vista da prevenção geral, há que considerar, por um lado, que as declarações foram proferidas e difundidas por órgãos de comunicação social, as quais lhe deram projeção, amplificação e destaque, e, por outro lado, não se pode ignorar que o Arguido procurou fórmulas linguísticas que camuflassem tanto quanto possível o real e pretendido sentido das suas palavras, o que agrava as necessidades de prevenção geral que ao caso cabe, na medida em que se torna imprescindível, perante a comunidade, a reafirmação contrafática da vigência da norma disciplinar violada.

93. Aqui chegados, considerando o circunstancialismo dos factos em causa e conjugando as exigências de prevenção, geral e especial, sopesada igualmente toda a materialidade dada como provada e os fatores orientadores da dosimetria da sanção, entende-se adequado e suficiente, pela prática, a título doloso e por uma vez, de uma infração grave prevista e sancionada n.º 1 do artigo 130.º do RDFPF, aplicar ao Arguido N....... ……..a sanção de suspensão de 22 (vinte e dois) dias, e, cumulativamente, a sanção de multa que se fixa em 3,5 UC, o que perfaz o montante de € 357,00 (trezentos e cinquenta e sete euros)…” (cfr. documento n.º 1, junto com o requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6) A FPF divulgou, no seu sítio da Internet, o calendário desportivo da 2.ª Fase – Play Off - Liga Placard – Futsal, do qual consta o designadamente seguinte para as 2.ª e 3.ª eliminatórias:


“Tabelas no original»


(informação pública – https://resultados.fpf.pt/Competition/Details?competitionId
=25257&seasonId=104
, para que remete o Requerente).

V.B. Factos Não Provados

Não existem factos indiciariamente não provados relevantes para a apreciação.

V.C. Motivação

A decisão proferida sobre a matéria de facto sustenta-se na prova documental junta aos autos, conforme indicado junto a cada um dos factos.

O facto 6) sustenta-se ainda em informação pública, constante do sítio da Internet da FPF.

VI. Fundamentação de Direito

Considera o Requerente que estão reunidos os requisitos para deferimento da presente providência.

Assim, de um lado, entende que, no caso, o CD errou ao não valorar as circunstâncias atenuantes previstas no art.º 44.º, n.º 1, alíneas c) e d), do RDFPF, atentando contra o princípio da igualdade. Erradamente, aquele Conselho considerou que o estatuto do Requerente agrava a culpa. Ademais, “carece de fundamentação a própria medida da sanção aplicada, visto que o CDSNP se limita a tecer considerações genéricas sobre a ilicitude, culpa de grau significativo e exigências de prevenção especial do Requerente e as exigências de prevenção geral, sem concretizar em que medida é que estas justificam”.

Quanto ao periculum in mora, refere, de um lado, que a procedência da ação perde todo o efeito útil, caso não seja decretada a providência, além de constituir, por outro lado, uma limitação ao exercício da sua atividade profissional.

Vejamos, então.

Nos termos do art.º 41.º da Lei do TAD:

“1 - O TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo.

2 - No âmbito da arbitragem necessária, a competência para decretar as providências cautelares referidas no número anterior pertence em exclusivo ao TAD.

(…)

6 - O procedimento cautelar é urgente, devendo ser decidido no prazo máximo de cinco dias, após a receção do requerimento ou após a dedução da oposição ou a realização da audiência, se houver lugar a uma ou outra.

(…)

9 - Ao procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil [CPC]”.

Atenta, pois, a disciplina prevista no CPC nesta matéria, somos remetidos para o seu art.º 368.º, nos termos do qual:

“1 - A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”.

Nas palavras de Alberto dos Reis, no que concerne ao 1º requisito pede-se ao Tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança; quanto ao 2º pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo, senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1980, p. 621].

Como é pacífico na jurisprudência deste TCAS sobre a matéria, são requisitos essenciais de verificação cumulativa das providências cautelares como a presente os seguintes:

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Refere-se, a este propósito, na decisão deste TCAS de 20.01.2023 (Processo: 17/23.7BCLSB):

“[E]sta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”.

(…)

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11.02.2021 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – desta forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no ac. 14.06.2018 do STA, proc. 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.”.

Feito este introito, cumpre apreciar.

Como já se referiu, a procedência de uma providência cautelar como a presente depende da verificação cumulativa dos seus requisitos.

In casu, o Requerente apenas ataca a sanção de 22 dias de suspensão aplicada, pela prática de 1 (uma) infração disciplinar, prevista e sancionada no art.º 130.º, n.º 1, do RDFPF.

Do fumus boni iuris

Comecemos, então, pela apreciação do fumus boni iuris.

Como visto, não é posta em causa a prática do ilícito disciplinar p. e p. pelo art.º 130.º, n.º 1, do RDFPF, mas, sim, a circunstância de, na perspetiva do Requerente, não terem sido consideradas as circunstâncias atenuantes invocadas.

Como decorre do n.º 1 do art.º 130.º do RDFPF, a moldura aplicável ao ilícito em causa, no tocante à suspensão, situa-se entre 1 mês e 1 ano.

No caso em concreto, atenta a confissão, esta moldura ficou reduzida a metade, por força do disposto no art.º 244.º, n.º 2, do mesmo regulamento.

Em termos de medida da sanção, é ainda de ter em conta a existência de circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas, respetivamente, nos art.ºs 43.º e 44.º do RDFPF.

Nos termos do art.º 44.º do RDFPF:

“1. Constituem circunstâncias atenuantes

(…) c) A prestação de serviços relevantes ao futebol;

d) O louvor por mérito desportivo.

(…) 5. A verificação de circunstância atenuante determina a diminuição para metade dos limites mínimos e máximos das sanções aplicáveis, salvo expressa disposição em contrário no tipo disciplinar.

6. Ocorrendo mais do que uma circunstância atenuante apenas será considerada uma delas para efeitos da atenuação, sendo as demais consideradas como circunstâncias comuns a considerar para efeitos da determinação da medida da sanção, nos termos do artigo 42.º”.

Portanto, as circunstâncias atenuantes podem conduzir a diminuição dos limites mínimos e máximos das sanções aplicáveis (cumulável com a diminuição idêntica resultante da confissão, já mencionada anteriormente, dado nada decorrer do RDFPF em sentido contrário). Havendo mais do que uma circunstância atenuante, só uma delas conta para efeitos de atenuação, mas a ou as demais são consideradas na determinação da medida da pena.

In casu, as circunstâncias atenuantes alegadas pelo Requerente em sede de processo disciplinar foram as referidas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 44.º do RDFPF e transcritas supra.

No Acórdão proferido, nada consta, em termos de factos provados, a este propósito. No entanto, nos seus pontos 73 a 76, é considerado o alegado pelo Requerente enquanto circunstâncias passíveis de consubstanciar “prestação de serviços relevantes ao futebol” e “louvor por mérito desportivo”, não sendo posta em causa a sua efetividade (cfr. ponto 82 do referido Acórdão: “dando por bom o alegado”).

No mesmo Acórdão, e depois de um enquadramento teórico em torno do conceito de circunstâncias atenuantes e da interpretação que se considera a adequada dos conceitos de “serviços relevantes ao futebol” ou “louvor por mérito desportivo”, refere-se, nos seus pontos 82 a 84:

82. Revertendo as presentes considerações para o caso concreto, e sem qualquer tipo de depreciação (muito pelo contrário!) pela carreira, pelo currículo, pelos palmarés e pelas distinções atribuídas ao Arguido, a verdade é que entendemos que nenhuma dos quatro, e dando por bom o alegado, é suficiente para preencher as circunstâncias atenuantes a que aludem a al. c) e d) do n.º 1 do artigo 44.º do RDFPF.

83. Realmente, salientando a natureza excecional que deve ter a aplicação daquelas atenuantes, a verdade é que a carreira, o currículo desportivo, os palmarés e as distinções do Arguido, se estão certamente acima da média, não são de molde a concluir pelo preenchimento dos requisitos orientadores a que aludimos no antecedente § 81, designadamente por não assumirem a escala, a abrangência (nomeadamente pela sua projeção para o todo nacional e internacional), a singularidade ou raridade que confiram ao facto, globalmente considerado, um menor grau de gravidade. Pelo contrário, a carreira e as distinções de que o Arguido foi objeto responsabilizam-no ainda mais intensamente perante os seus pares e a comunidade desportiva, por o elevarem a exemplo e modelo para outros que aspirem a semelhantes conquistas, acrescentando à censura pelas declarações em que coloca em causa a imparcialidade da arbitragem.

84. Nestes termos, entende-se e decide-se não reconhecer ao Arguido N....... ……..nenhuma das circunstâncias atenuantes a que alude o n.º 1 do artigo 44.º do RDFPF, particularmente as previstas nas alíneas c) e d)”.

Ora, numa análise perfunctória inerente à tutela cautelar, desde já se refira que se acompanha o entendimento do Requerente.

Com efeito, atento o discurso argumentativo do CD (de caráter iminentemente conclusivo e sem circunscrição detalhada), é possível percecionar que o aspeto essencial desse discurso radica na responsabilidade acrescida que o CD entende que a carreira e as distinções do Requerente lhe trazem.

Ou seja, se, num primeiro momento, o CD refere, ainda que conclusivamente, que o alegado pelo Requerente não é de molde a ser considerado como circunstância atenuante, num segundo momento afirma que “a carreira, o currículo desportivo, os palmarés e as distinções do Arguido, (…) [que] estão certamente acima da média (…) responsabilizam-no ainda mais intensamente perante os seus pares e a comunidade desportiva, por o elevarem a exemplo e modelo para outros que aspirem a semelhantes conquistas, acrescentando à censura pelas declarações em que coloca em causa a imparcialidade da arbitragem”.

Isto é, o alegado pelo Requerente enquanto atenuante é quase transformado numa circunstância agravante, ao arrepio do que decorre do RDFPF (do qual não resulta que uma carreira como a do Requerente, que, no ponto 83 do Acórdão, é reputada de “acima da média”, é transformada em circunstância quase agravante).

A este respeito, chamam-se à colação os Acórdãos do TAD de 01.08.2019 (Processo: 21/2019) e de 28.09.2020 (Processo: 5/2019). Refere-se neste último: “o caminho interpretativo seguido na decisão recorrida levaria a que os agentes desportivos com maior “histórico desportivo” e “estatuto” fossem discriminados face aos demais no que toca à aplicação da circunstância atenuante “prestação de serviços relevantes ao futebol”, ao ponto de a transformar numa verdadeira circunstância “penalizante” ao invés de atenuante, situação que não se coaduna nem com a letra, nem com o espírito da norma em causa”.

Assim, atenta a análise sumária inerente a este meio cautelar, considera-se preenchido o pressuposto do fumus boni iuris, assistindo, nesta parte, razão ao Requerente.

Resulta, nesta sequência, prejudicada a apreciação do demais alegado quanto a este pressuposto da providência cautelar.

Do periculum in mora

Cumpre, agora, aferir do preenchimento do pressuposto do periculum in mora.

A propósito deste pressuposto, e apelando às palavras de Vieira de Andrade [A Justiça Administrativa (Lições), 10.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 350]:

“O juiz deve (…) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dele deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Neste contexto, cumpre salientar que, a montante, cabe ao requerente, atentas as regras gerais de distribuição do ónus da prova constantes do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, a prova da existência deste “fundado receio”, o que implica, necessariamente, que sejam invocados factos essenciais que, se indiciariamente provados, venham permitir ao Tribunal concluir pela probabilidade da constituição de uma situação de facto consumado ou pela produção de prejuízos de difícil reparação.

In casu, o Requerente entende que o não decretamento da presente providência cautelar acarreta um prejuízo irreparável e irreversível, determinante de uma situação de facto consumado, alegando: (i) que o efeito útil da ação recursiva inexiste sem o decretamento da providência; (ii) que tal afastamento constitui uma limitação ao exercício da atividade profissional do Requerente, impedindo-o de cumprir as funções que regulamentar e contratualmente lhe estão atribuídas como treinador principal da equipa – desde a preparação, liderança, gestão e intervenção nos jogos oficiais da Liga Placard”.

Adiante-se, desde já, que se considera preenchido também este pressuposto.

Com efeito, tendo por referência a data da entrada do requerimento cautelar neste TCAS (05.06.2025), é desde logo de sublinhar o agendamento de jogos para os dias de amanhã, 7 de junho, e 10 de junho, da 2.ª eliminatória da 2.ª fase – Play-off da Liga Placard de Futsal.

Logo, o não decretamento da providência redundará, necessariamente, na constituição de uma situação de facto consumado, desde logo evidenciada pela não comparência do Requerente nos jogos – veja-se que a sanção de suspensão, nos termos do art.º 37.º do RDFPF, implica “a proibição do exercício da atividade desportiva na qual a infração que a originou foi cometida” (n.º 1) e, no caso dos treinadores, a impossibilidade de “estar presentes em recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais integrados nas competições organizadas pela FPF desde duas horas antes do início de jogo oficial e até trinta minutos após o seu termo” (n.º 5).

Essa não comparência, sendo relativa ao treinador da equipa, assume uma particular relevância.

Com efeito, como decorre da alínea nn) do art.º 4.º do RDFPF, é “«Técnico desportivo» (…) o treinador, orientador técnico, o preparador físico, o médico, o massagista, os respetivos adjuntos e quem, a qualquer título, orienta os praticantes desportivos no desempenho da sua atividade”.

Ou seja, há uma função destes agentes desportivos de orientação dos jogadores no desempenho da sua atividade, orientação essa que, no caso em concreto, abrange uma fase decisiva do campeonato de futsal.

Com efeito, como decorre do formato da Liga Placard para a época 2024/2025 (que faz parte do regulamento – cfr. art.º 9.º do Regulamento da Liga Placard), esta liga é composta por duas fases: a 1.ª fase, disputada por 12 clubes, e a 2.ª fase – Play-off, já só disputada pelos primeiros 8 classificados da 1.ª fase.

A 2.ª fase, por seu turno, é disputada em 3 eliminatórias, nos termos enunciados, para as 1.ª e 2.ª eliminatórias, no ponto 10 do formato da Liga Placard para a época 2024/2025 e, para a 3.ª eliminatória, no seu ponto 11.

Como resulta do calendário mencionado em 6), o clube do qual o Requerente é treinador está a disputar a 2.ª eliminatória, juntamente com mais 3 clubes, tendo já disputado um jogo e sendo amanhã e dia 10 os restantes 2 jogos.

Caso seja apurado para a 3.ª eliminatória, poderá ser disputado um número máximo de 5 jogos, entre 15 e 29 de junho.

Ou seja, é para já claro que o não decretamento da providência implica a não comparência do Requerente nos jogos de amanhã e de dia 10, podendo ainda implicar impactos na 3.ª eliminatória, caso o clube venha a ser apurado.

Assim, considerando os jogos agendados referidos no probatório e atentas as regras da experiência, a perspetiva de impossibilidade do exercício efetivo e pleno das funções que o Requerente desempenha, pelo período que ainda falta até se completarem os 22 dias de suspensão, constitui, per se, um prejuízo grave e de difícil reparação ou de facto consumado [cfr., a este respeito, a decisão deste TCAS de 07.02.2022 (Processo: 34/22.4BCLSB)], na medida em que, a obter vencimento dos autos principais, já a totalidade do período de suspensão decorreu.

Logo, conclui-se que se tem, igualmente, por verificado o pressuposto do periculum in mora.

Da Proporcionalidade

Como resulta do n.º 2 do art.º 368.º do CPC, mesmo que estejam verificados os demais pressupostos para decretamento da providência cautelar, a mesma “pode (…) ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”.

Exige-se, pois, a formulação de um juízo de proporcionalidade por parte do julgador.

Nada nos autos permite concluir que o decretamento da presente providência cause qualquer prejuízo relevante à Requerida, que não o do eventual retardamento da ação punitiva.

Ora, para fazer acionar a norma travão contida no n.º 2 do art.º 368.º do CPC, necessário se tornava formular a convicção de que o prejuízo derivado do decretamento excede consideravelmente o dano que se visa evitar (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol., 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2004, pp. 242 e 243), o que não ocorre in casu.

Face ao exposto, é de decretar a providência requerida.

Tendo sido o Requerente quem do processo tirou proveito, é o mesmo responsável pelas custas da presente providência (art.º 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na ação principal (art.º 539.º, n.º 2, do CPC).

VII. Decisão

Face ao exposto, julga-se procedente a providência cautelar requerida e suspende-se a execução da decisão recorrida, na parte em que determinou a sanção de suspensão por 22 (vinte e dois) dias.

Custas pelo Requerente, a atender, a final, na ação principal.

Registe e notifique pelo meio mais expedito, também o TAD.


Lisboa, 06 de junho de 2025

A Juíza Desembargadora Presidente,

(Tânia Meireles da Cunha)


(1) Lei n.º 74/2013, de 06 de setembro.