Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I- RELATÓRIO
M….. - Serviço ……………….., S A., (doravante Impugnante) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral coletivo constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º …./2017-T, ao abrigo do artigo 27.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT), deduzido contra o ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico, apresentado contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.°s ……………519, ………………520, …………..755, ………….521, ……………522, …………..523, ………………756, ……………..524, ……………525, ……….………883, …………..209, ………………210, ………………884, ……………0885, ……………0886, …………….887, ……………….0888, …………….889, …………….890,…………..891 e ……………..892 , no montante total de € 1.658.143,35.
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A Impugnante termina a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:
“A. Tal como ficou amplamente demonstrado, a decisão arbitral em análise padece de vários vícios que conduzem a que a mesma seja declarada nula, ao abrigo do disposto no artigo 28.º do RJAT.
B. No que tange ao tema da questão prévia suscitada no pedido de pronúncia arbitral, mais concretamente sobre o vício de falta de fundamentação de que padecia parte dos atos de liquidação de IVA, a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral está em total oposição com a fundamentação de facto e de direito que havia sido expressa nos parágrafos anteriores da decisão arbitral e, por isso, deve ser tida como nula ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.
C. De facto, não se vislumbra como, em coerência, foi o Tribunal Arbitral capaz de, após reconhecer a divergência quantitativa entre as correções efetuadas no Relatório de Inspeção Tributária e os valores dos atos de liquidação impugnados, concluir que os atos de liquidação impugnados, estão devidamente fundamentados e como tal se mostram conformes ao disposto no artigo 77.º da LGT.
D. Até porque decorre da decisão arbitral que o Tribunal Arbitral não encontrou uma única explicação (na verdade, até apresentou, pelo menos, 5 alternativas distintas) que, do ponto de vista factual e jurídico, justifique, no caso concreto, essa mesma divergência e/ou que, face à fundamentação de facto e direito produzida, pudesse existir alguma circunstância desculpante que obviasse ao cumprimento daquele artigo da LGT.
E. Acresce que, perante tudo o exposto pelo Tribunal Arbitral na decisão arbitral, esta é total e absolutamente omissa na especificação de fundamentos de facto e de direito dos quais pudesse resultar a ideia de que a Impugnante teria condições para discernir as razões pelas quais a Impugnada havia efetuado correções de um determinado montante no Relatório de Inspeção Tributária e, posteriormente, havia emitido liquidações de imposto de valor distinto.
F. Nota a Impugnante que o Tribunal Arbitral não podia responder negativamente à questão colocada (saber se os atos de liquidação de IVA padecem, ainda que em parte, de um vício de falta de fundamentação, atendendo à existência de uma divergência entre o arguido no Relatório de Inspeção Tributária e o constante naqueles atos), fundamentando tal resposta com o argumento de que essa divergência só poderia ter sido detetada por haver fundamentação.
G. Ao responder deste modo, o Tribunal Arbitral incorreu na falácia da petição de princípio, ou seja, usou um argumento circular em que a premissa (a existência da divergência) justifica a conclusão (a alegada existência de fundamentação) e a conclusão (a alegada existência de fundamentação) justifica a premissa (a existência da divergência).
H. Termos em que a decisão arbitral padece, no que tange à apreciação do vício de falta de fundamentação arguido pela Impugnante em relação a parte dos atos de liquidação impugnados, do vício de falta de especificação de fundamentos de facto e de direito, devendo a mesma ser considerada nula por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.
I. Já no que diz respeito ao pedido principal, o Tribunal Arbitral fundamenta a sua decisão em factos – que considera provados – que estão em frontal contradição com a decisão que é proferida.
J. Com efeito, o Tribunal Arbitral, apesar de arguir, na sua fundamentação, que iria acatar – por imperativo constitucional –, as orientações veiculadas pelo TJUE, no acórdão C-295/17, a verdade é que, com a sua decisão, acabou por desconsiderar os dois elementos interpretativos cuja verificação no caso concreto aquele Tribunal Europeu fazia depender para que as indemnizações aí em análise estivessem sujeitas a IVA.
K. Com efeito, o Tribunal Arbitral deu como provado, no caso concreto, que o montante devido em virtude do incumprimento do período de fidelização não corresponde ao montante que a Impugnante teria recebido em caso de cumprimento do período de fidelização e que a resolução antecipada do contrato alterou a realidade económica da relação entre a Impugnante e o seu antigo cliente.
L. Seguindo-se este entendimento, a única conclusão que o Tribunal Arbitral poderia logicamente ter alcançado era a de concluir pela não sujeição dessas indemnizações a IVA.
M. Pelo que se impõe concluir que na decisão arbitral impugnada o Tribunal Arbitral dá como provados factos que conduzem, num processo lógico e seguindo o comando constitucional de obediência à jurisprudência comunitária, à solução oposta àquela que foi adotada relativamente ao pedido principal.
N. Ora, ao abrigo do disposto no artigo 28.º n.º 1 alínea b) do RJAT, a decisão arbitral, no que tange ao pedido principal, é impugnável com fundamento na oposição dos fundamentos com a decisão
O. No que concerne ao pedido subsidiário, o Tribunal Arbitral não se pronuncia quanto à questão essencial que lhe havia sido colocada pela Impugnante de saber se a Impugnada, na sequência e após conclusão do procedimento inspetivo relevante, está legalmente vinculada a emitir liquidações adicionais de IVA apenas tendo por referência os montantes das indemnizações faturados e efetivamente recebidos pela Impugnante.
P. Acresce que o Tribunal Arbitral também não quis pronunciar-se sobre a questão de os formalismos que eram impostos à Impugnante pelos artigos 78.º n.ºs 7 e 8, 78.º-A e 78.º-B do Código do IVA, serem extemporâneos e inúteis, porquanto nenhuma destas normas se mostrava adequada e especificadamente pensada para solucionar o caso concreto em análise.
Q. Só com a análise dessas questões teria sido possível ao Tribunal Arbitral concluir pela existência ou não de uma ilegalidade parcial que vicia as liquidações em causa e consequente anulação parcial das mesmas.
R. Escusando-se o Tribunal Arbitral a responder a tais questões na decisão arbitral, fica esta ferida do vício de omissão de pronúncia, previsto no artigo 28.º n.º 1 alínea c) do RJAT.
S. Acresce ainda que o Tribunal Arbitral, ao concluir que o não recebimento de parte dos montantes indemnizatórios que foram faturados pela Impugnante aos seus antigos clientes não justifica a anulação das liquidações (e que, em consequência, as mesmas não são sequer parcialmente ilegais), assume – em violação frontal da interpretação do artigo 90.º da Diretiva do IVA propugnada pela Advogada Geral e pelo TJUE no Processo C-295/17 – que a Impugnada não estava vinculada a emitir as mesmas liquidações apenas tendo por referência os montantes indemnizatórios faturados e efetivamente recebidos.
T. Ademais, o Tribunal Arbitral ignorou (rectius nada disse) que se a Impugnada tivesse seguido, por referência ao ano de 2013, o critério que esteve na génese do IVA pago pela Impugnante, por referência ao ano de 2015 (e que o Tribunal Arbitral deu como facto provado no ponto CCC da decisão arbitral), então a Impugnante só poderia estar sujeita ao pagamento de uma eventual liquidação adicional de imposto que não ultrapassaria a importância de € 88.731,86 (€ 385.790,70 * 23%).
U. De resto, nem sequer consta da decisão arbitral qualquer fundamentação que pudesse contribuir para que a Impugnante compreendesse os motivos pelos quais o Tribunal Arbitral considerou legal e aceitou que a Impugnada tivesse moldes de atuação distintos face à Impugnante, em situações em tudo similares (em que apenas muda o ano em análise), ou a outros operadores, em situações também em tudo similares.
V. Por esse motivo, crê-se que a decisão arbitral, por referência ao pedido subsidiário, também padece do vício da não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.
W. Por fim, tendo em conta os factos dados como provados pelo próprio Tribunal Arbitral nos pontos 56 e 57 da sua fundamentação de facto – não é logicamente compreensível a decisão deste Tribunal ao concluir que, no momento em que emitiu as liquidações, não podia a Impugnada, nos termos da lei, emiti-las apenas considerando os montantes faturados e efetivamente recebidos.
X. Essa falta de lógica é tanto maior quanto se atende ao facto de o Tribunal Arbitral ter ordenado à Impugnada o dever de assegurar, no futuro, à Impugnante o direito a ser sujeita a imposto tendo por referência apenas as importâncias recebidas … quando era precisamente isso que a Impugnante pretendia que fosse reconhecido naqueles autos arbitrais e que apenas seria tutelado com efetividade constitucionalmente imposta mediante o reconhecimento da procedência do pedido subsidiário de anulação parcial dos atos de liquidação …
Y. No entendimento da Impugnante, é inconcebível que a possibilidade de existência de um vício (e que determina a estatuição imposta pelo Tribunal Arbitral à Impugnada) e, simultaneamente, a sua inexistência possam, ambas, contribuir para um único resultado em relação aos mesmos atos tributários (a improcedência do pedido de anulação parcial dos mesmos).
Z. Do exposto resulta a existência de uma clara oposição entre os fundamentos de facto que justificam a decisão e a decisão de não anulação parcial das liquidações, termos em que se impõe que a decisão arbitral seja julgada nula, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT.
Termos em que, com o devido suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento à presente impugnação, determinando-se a anulação integral da decisão arbitral impugnada, com os devidos efeitos legais.”
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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA.
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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.
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II. Fundamentação de Facto
A decisão arbitral possui na parte que, ora, releva o teor que infra se transcreve:
“II. MATÉRIA DE FACTO
Dão-se como provados os seguintes factos:
1 - Em sede de IVA, a Requerente está, e estava à data dos factos tributários aqui em causa, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, e é, como era àquela data, sujeito passivo que realiza operações sujeitas a IVA.
2-A Requerente é considerada um “Contribuinte de Elevada Relevância Económica e Fiscal” ou “Grande Contribuinte”, constando do Cadastro Especial de Contribuintes, conforme Despacho do Sr. Diretor Geral da AT n.° 6999/2013, de 30 de maio.
3-A Requerente foi objeto de Procedimento Inspetivo levado a cabo pela Unidade dos Grandes Contribuintes, credenciado pela ordem de serviço n.° 01201500065, de âmbito geral.
4-A ação foi iniciada em 11 de maio de 2015 e terminou a 22 de outubro de 2015.
5-Da ação inspetiva resultaram correções à matéria tributável em sede de IRC que não são contestadas pela Requerente nos presentes autos, e foram objeto de regularização voluntária.
6-A Requerente foi notificada do projeto de relatório, para exercer o seu direito de audição.
7-Do Relatório de Inspeção Tributária (RIT), apresentado em 03-11-2016, cujo teor se dá como reproduzido (cf. pp. 4 a 68 do Processo Administrativo (PA)), consta, para além do mais, o seguinte:
a.«A T........, com sede no Rua ……………, n.° ….. - …Dt° em Lisboa, foi constituída em 22 de março de 1991 e tem como principal atividade a prestação de serviços de telecomunicações móveis.
Adicionalmente a empresa poderá prestar outros serviços de telecomunicações: telecomunicações de uso público; prestação de serviço fixo de telefone, estabelecimento e fornecimento de uma rede pública de telecomunicações e prestação do serviço de redes privativas virtuais, encontrando-se licenciada pelo Instituto das Comunicações de Portugal (“ICP”), atual ICP - Autoridade Nacional das Comunicações (“ANACOM”).
A 27 de janeiro de 2014 alterou a denominação da firma para MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, SA.»
b.«III.2. IVA
111.2.1. Correções ao IVA Liquidado
111.2.1.1.Indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual - € 1.647.881,62.
A T........, no âmbito da contratação com os seus clientes, firmou contratos de prestações de serviços, mais precisamente, contrato de prestação do serviço de voz móvel, contrato de prestação do serviço de dados - internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi e contrato de prestação de serviços de voz fixa, no âmbito dos quais foram estabelecidos períodos mínimos de vigência contratual bem como as indemnizações a pagar pelo cliente no caso de desativação de produtos e serviços, por sua iniciativa, antes de decorrido o período acordado, conforme se detalha de seguida.
Prestação de serviço de voz móvel da T........
O serviço de voz móvel permite fazer e receber, comunicações nacionais, internacionais e em roaming, e enviar e receber mensagens escritas (“SMS” - short message Service) e mensagens multimédia (“MMS” - multimédia message Service) e aceder aos números de emergência
através de um número ou de números incluídos num plano de numeração telefónica nacional ou internacional.
Prevê-se no contrato, quanto a este serviço, o seguinte:
“8.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.
8.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês respetivo.
8.3. A T........ e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no Formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam- se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 8.1.
8.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a T........ terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência - n.° de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).
8.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente 1696, consulta em www.T.........pt ou loja T........, obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado e ainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das presentes Condições Específicas, que corresponderá ao valor da mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência."
Serviço de Dados - Internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi da T........ Relativamente ao serviço de dados, o qual inclui, nomeadamente, i) serviço Internet no Telemóvel, o qual permite efetuar comunicação de dados, de acesso à Internet através de telemóvel (adiante “Internet no Telemóvel"); ii) serviço de acesso à Internet em Banda Larga Móvel, o qual permite efetuar comunicações de dados, de acesso à Internet e enviar/receber mensagens escritas (SMS) (adiante “BLM”); e Ui) serviço de acesso à Internet sem fios
Wireless Lan Pública) em zonas de acesso público (Hot Spot) através da tecnologia WI-FI (Wireless Fidelity - Wireless Lan), (adiante Wi-FVy).
No que concerne à Prestação do serviço de dados, determina-se o seguinte:
“9.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.
9.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês respetivo.
9.3. A T........ e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no Formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam- se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 9.1.
9.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a T........ terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência - n.º de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).
9.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente 1696, ou loja T........, obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado e ainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das presentes Condições Específicas, que corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência
Serviço de voz fixa da T........
O serviço de voz fixa permite fazer e receber, em local fixo, chamadas nacionais e internacionais e aceder aos números de emergência através de um número ou de números incluídos num plano de numeração telefónica nacional ou internacional.
Prevê-se no contrato, quanto a este serviço, o seguinte:
“8.1. As presentes Condições Específicas produzem efeitos na data da adesão ao serviço e vigoram pelo período de um mês automaticamente renovável por iguais períodos, salvo denúncia por qualquer uma das Partes, mediante comunicação válida, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias relativamente ao termo da vigência ou renovação.
8.2. Para efeitos de renovação, as presentes Condições Específicas consideram-se como tendo tido início no primeiro dia do mês respetivo.
8.3. A T........ e o CLIENTE poderão acordar na prestação do serviço por um período mínimo de vigência, indicado no Formulário. No termo do período mínimo de vigência acordado, as presentes Condições Específicas renovam-se por períodos sucessivos de 1 (um) mês, salvo denúncia por qualquer uma das Partes nos termos previstos na Condição 8.1.
8.4. Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a T........ terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência - n.° de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).
8.5. A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação, podendo o CLIENTE a todo o momento, através do serviço de apoio ao cliente indicado, em consulta www.T.........pt ou loja T........, obter informação sobre quando se conclui o período mínimo de vigência acordado e ainda o valor exato que terá de pagar a título de indemnização por rescisão antecipada das prestes Condições Específicas, que corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência
Em função do exposto a montante, infere-se que, caso não seja cumprido o período contratual mínimo estabelecido para a prestação do serviço, a T........ tem direito a receber uma indemnização dos seus clientes calculada tendo em conta o número de meses que faltavam para completar o período acordado para a prestação do serviço, multiplicado pelo valor da respetiva mensalidade.
Da contabilização
Em matéria de contabilização, de acordo com a NCRF 20 - Rédito 1 ponto 22 “O rédito somente é reconhecido quando for provável que os benefícios económicos associados à transação fluam para a entidade. Porém, quando surja uma incerteza acerca da cobrabilidade de uma quantia
já incluída no rédito, a quantia incobrável, ou a quantia com respeito à qual a recuperação tenha cessado de ser provável é reconhecida como um gasto
Nesta sequência, considerando a incerteza que subjaz ao recebimento destes valores, o sujeito passivo, no momento da emissão da fatura, reconhece o valor na conta SNC 282 - Rendimentos a Reconhecer (conta PIC 217220000 - Proveitos Diferidos - Fact Antecip-CP-Fact. Indemnização).
Do Enquadramento Fiscal
No que respeita ao enquadramento em sede do imposto sobre o valor acrescentado, constatou- se que o sujeito passivo não liquidou IVA sobre as indemnizações cobradas aos seus clientes em 2013 por entender que as referidas indemnizações se encontram fora do campo de incidência do referido imposto.
Sobre este entendimento já a T........ se havia pronunciado, no âmbito do procedimento inspetivo ao período de 2013, através de e-mail datado de 18 de Novembro de 2014, que: “No âmbito da sua atividade, a T........ -Telecomunicações Móveis Nacionais, S.A., doravante sob a forma abreviada “T........”, celebra contratos de prestação de serviços de comunicações móveis, nos quais é usual o estabelecimento de condições promocionais vantajosas, sendo que estas condições estão, em regra, associadas a uma contrapartida: o compromisso assumido pelo cliente de permanecer vinculado ao contrato por um determinado período mínimo de vigência deste.
O incumprimento, por parte do cliente, das obrigações contratuais a que se encontra adstrito, designadamente a falta de pagamento pontual, implica o pagamento de uma indemnização à
T.........
Na situação em apreço não se verifica uma relação entre os montantes devidos à T........ a título de indemnização e a realização de prestações de serviços correlativas pois que a obrigação de indemnização deriva do incumprimento contratual dos clientes, cujo efeito imediato é a suspensão do serviço de comunicações por parte da T........ e a rescisão do contrato. Assim, é a não prestação dos serviços pelo período mínimo acordado que fundam o direito à indemnização na esfera da T......... Por um lado, a indemnização deriva do prejuízo inegável que é causado à T........ pela não prossecução da prestação de serviços de comunicações por determinado período de tempo, que seria geradora de volume de negócios e de lucro para a empresa. Por outro lado, o montante indemnizatório a receber pela T........ não dá à “contraparte,y o direito a uma prestação de qualquer natureza. Efetivamente o pagamento da indemnização pelos clientes não gera qualquer obrigação recíproca a cargo da T........, destinando-se os montantes que lhe são entregues à compensação, acima assinalada, dos danos sofridos em consequência do incumprimento contratual, designadamente os relativos ao investimento inicial implícito na
oferta de condições promocionais vantajosas, subjacente aos contratos de fidelização. Por conseguinte, a indemnização em apreço não é objeto de tributação em IVA.”
No decorrer do presente procedimento inspetivo foi novamente solicitado ao sujeito passivo para confirmar se foi liquidado IVA nestas operações e em caso negativo justificar a sua não liquidação, tendo sido fornecida uma justificação idêntica à acima identificada.
Neste contexto, e para melhor descortinar a moldura jurídico-fiscal na qual deverá inserir-se a questão de facto, chama-se à colação o artigo 562.° do Código Civil (CC), no qual se encontra o princípio geral relativo à obrigação de indemnização. Ali pode ler-se o seguinte:
“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”. Chama-se a atenção para o facto de este princípio geral fazer expressa menção do termo “dano”, circunstância a que voltaremos em momento mais adiantado.
Importa agora, com vista a um esclarecimento mais cabal da problemática em análise, lançar mão da doutrina relativa a esta matéria pelo que, uma vez que se mostra pertinente para a apreciação em causa, atentamos, de seguida, no explanado por Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 6.a edição) a propósito da cláusula penal.
“Define-se a cláusula penal como a estipulação em que num negócio jurídico, designadamente num contrato, as partes fixam o montante da indemnização para o caso do seu incumprimento (art. 810.°, n.° 1). (...) a cláusula tem valor fixo - nem mais nem menos - quer os prejuízos se apresentem na realidade inferiores ou superiores ao seu quantitativo. A lei perspetiva-a como liquidação antecipada («à forfait») dos danos, que as partes acordam livremente, apenas com ressalva dos preceitos imperativos. (...)
Trata-se, pois, de uma forma convencionada pelas partes para ressarcir, indemnizar, eventuais danos que venham a ocorrer na vigência do contrato.
Observamos agora o exposto pelo mesmo autor, ob. cit., relativamente ao dano e, deforma mais concreta, no que respeita à classificação que distingue o dano emergente e o lucro cessante.
(...)
Conforme ensina o Prof. Galvão Teles, "Direito das Obrigações", 6a ed., pág. 373, «Os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho.» Não obstante, e recentrando agora a observação em curso a partir de um ponto de vista fundamentalmente fiscal, o cerne da presente questão estará em verificar se, subjacente à indemnização, se encontra, ou não, uma transmissão de bens ou prestação de serviços, ou seja, se lhe é inerente um caráter remuneratório.
O IVA, como imposto sobre o consumo e que corresponde, basicamente, ao disposto na Diretiva 2006/112/CE4 do Conselho (doravante Diretiva), visa tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos que não tenham caráter remuneratório.
O conceito de prestação de serviços constante da Diretiva é residual, na medida em que como prestação de serviços se entende qualquer prestação que não seja uma transmissão de bens. Após esta formulação residual a Diretiva dá exemplos de prestações de serviços, incluindo-se aqui “a obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou uma situação ”, obrigação de conteúdo negativo (não praticar determinado ato).
De acordo com o n° 1 do art° 3o do CIVA, considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, considerando-se, nos termos do n° 1 do art° 4o do CIVA, como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
Alinhado com a legislação comunitária, o conceito de prestação de serviços dado pelo art° 4o tem um caráter residual, sendo consideradas como prestações de serviços as prestações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões ou importações de bens.
O IVA incide sobre toda a atividade económica, que mais não é que um operador prestar serviços ou transmitir bens (à exceção de determinados casos particulares) ao beneficiário económico, o qual terá de ceder uma determinada contraprestação. Existe, pois, um vínculo sinalagmático.
Deste modo, de acordo com o ante exposto, o critério a adotar para discernir se uma determinada indemnização está sujeita a tributação em sede de IVA, estará relacionado com a existência de uma reposição de rendimento, que compense um acréscimo patrimonial não verificado na sequência da lesão, isto é, de um caráter remuneratório associado à indemnização. E assim sendo têm subjacente uma atividade económica, pressuposto da tributação em IVA.
Cumpre, portanto, aferir se a indemnização se destina a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um dano, o sujeito passivo deixou de obter. Dito de outro modo, há que apurar se o pagamento visou repor o rendimento que seria obtido através da prestação de serviços, caso o cliente não tivesse quebrado a relação contratual.
Na situação em exame será aquela a realidade em causa uma vez que a indemnização controvertida teve essa finalidade, como pode constatar-se dos próprios contratos, concretamente do seu ponto 8.4 das condições específicas dos contratos de prestação do serviço de voz móvel, e dos contratos de prestação de serviços de voz fixa e ponto 9.4 das condições específicas do contrato de prestação do serviço de dados - internet no telemóvel, banda larga móvel e internet wi-fi nos quais pode ler-se o seguinte:
“Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de vigência mínimo acordado, inicial ou subsequente, a T........ terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência - n.° de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade acordada).”
Assim, e na medida em que do próprio texto do contrato se retira o caráter remuneratório da indemnização, será de considerar que a mesma se encontra sujeita a IVA.
De facto do modo de cálculo da própria indemnização se infere que esta visou compensar a T........ de uma perda de receitas no pressuposto de que tinha “(...), no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho. - cfr. acórdão do S.TJ de 23/5/78., B.M.J. no 277; pág. 258.” Cf, Acórdão (STJ) no 04B3907 de 16.12.2004.
Também a razão pela qual a T........ justifica a existência de um período mínimo de vigência contratual, concretamente “(...) A existência de período mínimo de vigência poderá decorrer de oferta de condições promocionais, de custos de investimento na aquisição de equipamento, sempre que a adesão ao serviço implique cedência de equipamento indispensável à prestação do mesmo, bem como de custos de ativação do serviço e ainda de angariação (...)” refletem que a recuperação do investimento será garantida, pelas receitas obtidas ao longo do período de fidelização ou caso aquele seja descontinuado (via desistência do cliente) o retorno mantem-se pela via da indemnização, visto que a mesma acomoda as receitas dos meses que faltam para o términus do contrato.
Fica assim garantido o mesmo nível de lucro. A T........ não teve prejuízos na modalidade de lucros cessantes, porque contratualmente foi fixada a indemnização que incorpora esses lucros. O que a T........ visa refazer não é o investimento efetuado - esse permanece tal como foi feito - o que pretende, afinal, é conseguir receitas para recuperar esse investimento, numa ótica económica.
Este desiderato é alcançado através da existência do período de fidelização e quando este não é cumprido, é debitado ao CLIENTE uma indemnização.
Concluindo-se deste modo que esta indemnização integra o conceito de lucro cessante e como tal é sujeita a IVA.
A corroborar o antes dito recupera-se o teor da informação fornecida pela T........, anteriormente mencionada, “Assim, é a não prestação dos serviços pelo período mínimo acordado que fundam o direito à indemnização na esfera da T......... Por um lado, a indemnização deriva do prejuízo inegável que é causado à T........ pela não prossecução da prestação de serviços de comunicações por determinado período de tempo, que seria geradora de volume de negócios e de lucro para a empresa. (...)”
Com a rescisão do contrato por iniciativa do cliente, antes de terminado o período contratualmente estabelecido, a T........ viu diminuídos os seus lucros por perda de receita, a que corresponde um não aumento do seu património (por via do valor recebido dos seus clientes). Não se verificou uma diminuição do património existente (situação de dano emergente) mas sim um não aumento deste, pela via da perda da receita, conforme refere a citação do Prof Galvão Teles, já mencionada.
Acresce ainda que, segundo alegações do próprio sujeito passivo, o facto de emergindo estas indemnizações de relações contratuais que por parte da T........ consubstanciam “(...) estabelecimento de condições promocionais vantajosas “ e da parte do cliente “o compromisso assumido (...) de permanecer vinculado ao contrato por um determinado período mínimo de vigência deste”, que as mesmas surgem no âmbito do exercício de atividade económica e concomitantemente relacionadas com as prestações de serviços de telecomunicações, que é a atividade da T.........
Deforma a corroborar a posição ora defendida, cita-se agora o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) no 01158/11 de 31.10.2012, cuja posição sufraga deforma inequívoca o entendimento aqui propugnado: “Em face de tudo o que vai exposto, somos de concluir, em conformidade com o consignado no douto Parecer do Ministério Público, segundo o qual é preciso distinguir:
a) A indemnização paga pela seguradora, “(...) destinada à compensação do dano causado pela perda do bem”, a mesma deve considerar-se excluída da incidência objetiva de IVA, “na medida em que não assume a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1°n.° 1, 4°n.° 1 e 16 n.° 1 CIVA)”;
b) As quantias pagas pelo locatário à locadora, sendo pagas “complementarmente à locadora pelos locatários não revestem natureza ressarcitória (porque não se destinam à compensação de perdas e danos) antes radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas (em cada uma das categorias de contratos em causa). Tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, aquelas quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA”.
Conclui-se, assim, que as presentes indemnizações visam compensar rendimentos cessantes e decorrem do cumprimento de obrigações contratualmente assumidas no âmbito de contratos de prestações de serviços, pelo que representam uma contraprestação de operações tributáveis em IVA.
Em termos de enquadramento no Código do IVA as indemnizações em crise constituem uma contrapartida por uma prestação de serviços, sujeita e não isenta, nos termos do art°4°, n.° 1, ocorrendo o facto gerador e consequentemente sendo o imposto devido no momento da emissão da fatura, nos termos do art°8.°, n.° 1, alínea a), sendo o valor tributável o da indemnização, de acordo com o art° 16.°, n.° 1, sendo aplicável a taxa de 23%, prevista no art° 18.°, n.° 1, alínea
c) , todos do Código do IVA.»
C. «Neste seguimento, importa proceder à quantificação da base tributável distribuída por meses, tendo, para o efeito, sido solicitados ao sujeito passivo, (mail de 4.052015) os seguintes elementos: listagem de todas as faturas emitidas a clientes durante o ano de 2013, com a indicação do seu valor e período de emissão e relativas a situações de rescisão de contrato antes de decorrido o período mínimo de vigência do memso (prazo de fidelização).
Na sequência do solicitado foi fornecido um ficheiro Excel com a informação Requerida.
Da análise e tratamento informático realizado aos dados fornecidos pela T........, foi possível obter um ficheiro com os seguintes elementos identificativos para cada registo/fatura: número e referência da fatura; data, período e valor da fatura; nome e número do cliente; descritivo do serviço e taxa de IVA.
Deste universo de dados devidamente organizados, foram analisados os valores por tipo / motivo de indemnização de onde foram considerados como sujeitos a imposto os constantes do Anexo IV (fls. 1) e que totalizam o valor de € 7.164.402,68.
Posto isto, faz-se neste contexto notar que a metodologia utilizada tem presente o teor do art° 75° da Lei Geral Tributária (LGT), com a epígrafe “Declaração e outros elementos dos contribuintes”, segundo o n.° 1 do qual “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, donde se origina também uma especial vinculação entre os elementos disponibilizados e os resultados ora obtidos.
Assim, com base nos dados obtidos da verificação e validação efetuada aos elementos disponibilizados pelo sujeito passivo, foi possível apurar um montante total de € 7.164.402,68, correspondente a indemnizações faturadas a clientes, em que não foi liquidado IVA, ao qual corresponde um valor total de IVA em falta, à taxa normal, de € 1.647.881,62 (Anexo TV e Anexo Vem CD).»
d. «Em síntese, à luz do anteriormente exposto, conclui-se que estas indemnizações estão sujeitas e não isentas de imposto. Por conseguinte, nos termos do n° 1 do artigo 4.°, art.°8.°, n.° 1, alínea a), do n° 1 do artigo 16°, e da alínea c) do n° 1 do artigo 18.°, todos do Código do IVA, apurou- se imposto em falta, no montante total de € 1.647.881,62.
O quadro seguinte apresenta o resumo das correções em sede de IVA, por período tributário:


e. «IX3. TV A -
IX3.1. Imposto não Liquidado - Indemnizações por incumprimento do período de fidelização contratual (Ponto III.2.1. do Projeto de Relatório)
Em sede de audição previa o sujeito passivo vem manifestar a sua discordância relativamente à correção proposta no ponto IIL2J.com base nos fundamentos seguidamente descritos:
O sujeito passivo veio apresentar, nos pontos 119.° a 138.° do direito de audição, as contestações à correção proposta, com os fundamentos que resumidamente se indicam.
Da natureza dos contratos
(...) Relativamente à sujeição ou não das indemnizações a IVA, começa-se por referir que a sujeição a tributação em sede de IVA tem subjacente a realização de uma atividade económica e a existência de uma contraprestação. Neste sentido existe um vínculo sinalagmático obrigacional, pressuposto de uma operação económica.
Assim, conforme já referido no ponto III.2.1., no caso das indemnizações, o critério a adotar para avaliar da sujeição a tributação em sede de IVA, estará relacionado com a existência de uma reposição de rendimento, que compense um acréscimo patrimonial não verificado na sequência da quebra contratual, isto é, de um caráter remuneratório associado à indemnização. Dito de outro modo há que avaliar se a indemnização se destina a compensar os lucros cessantes, ou seja, a repor o nível de rendimento que, por força de um fator exógeno, o sujeito passivo deixou de obter, ou se simplesmente se destinou a ressarcir ou reparar um dano causado. Ou seja, o fim e natureza do pagamento subjacente à indemnização, irá determinar a sua classificação como contrapartida remuneratória ou como reparação de um dano causado. Pode-se afirmar que, para estes casos de indemnizações por incumprimento contratual apenas a análise casuística da substância da operação pode induzir ao entendimento do alcance da indemnização e à contextualização da sua função remuneratória ou ressarcitória, e consequentemente à aferição da sua sujeição ou não a IVA.
Nestes termos há que apurar se o pagamento visou repor o rendimento que seria obtido através da prestação de serviços, caso o cliente no tivesse quebrado a relação contratual.
Ora, na situação em exame será aquela a realidade em causa uma vez que a indemnização controvertida teve essa finalidade, conforme se retira dos contratos “Em caso de rescisão das presentes Condições Específicas, pelo CLIENTE ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período mínimo de vigência, a T........ terá direito a receber uma indemnização calculada da seguinte forma: (período mínimo de vigência - n.° de meses em que os serviços estiveram ativos) x (valor da mensalidade).
Desta cláusula se retira o caráter remuneratório da indemnização, uma vez que fica assim garantido o mesmo nível de lucro que seria obtido. A T........ não teve prejuízos na modalidade de lucros cessantes, porque contratualmente foi fixada a indemnização que incorpora esses lucros.
O que a T........ visa refazer não é o investimento efetuado - esse permanece tal como foi feito - o que pretende, afinal, é conseguir receitas para recuperar esse investimento, numa ótica económica.
Nas alegações apresentadas em direito de audição o sujeito veio afirma que estas indemnizações decorrem do investimento efetuado para a prestação daqueles serviços (equipamentos e estruturas técnicas).
Conforme já se demonstrou, o valor da indemnização corresponde ao total dos rendimentos que a T........ iria auferir caso o contrato vigorasse até ao seu prazo final. Por conseguinte, não é de todo admissível, considerar que a totalidade da indemnização se destinou a reparar um dano. Seria o mesmo que admitir que a T........ não obteria quaisquer lucros decorrentes dos contratos de prestação de serviços de acesso à internet em banda larga e de serviços de televisão e multimédia que celebra, ou seja que todos os rendimentos auferidos eram apenas para compensar o investimento efetuado. O que na realidade não sucede.
Neste sentido, ainda que as indemnizações pudessem conter uma parte do seu valor que se destinasse a reparar um dano, não foi o mesmo apresentado ou comprovado pelo sujeito passivo.
E ao invocar esse facto - existência de dano - cabe ao contribuinte, nos termos do n.° 1 do artigo 74.° da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos. (...)
Posto isto, veio ainda a T........, apresentar jurisprudência, designadamente, o Acórdão Tolsma, de 3 de março de 1994, no âmbito do processo C-16/93. Este acórdão pronuncia-se sobre o caso concreto da prestação de uma atividade que consiste em tocar música na via pública e da sujeição desta a IVA. Sobre esta operação conclui o TJUE que “o conceito de prestação de serviços efetuada a título oneroso, (...), não abrange a atividade que consiste em tocar música
na via pública, relativamente à qual não se encontra estipulada qualquer remuneração, mesmo se o interessado solicita uma contribuição em dinheiro e recebe certas quantias cujo montante não é, todavia, nem determinado nem determinável
Contudo tal não é, nem se vislumbram semelhanças com a situação sob escrutínio, visto que no caso em debate têm subjacente a realização de uma atividade económica que consiste na prestação de serviços de comunicações. Repare-se que as indemnizações aqui em apreço têm um montante previamente determinado e como tal têm um caráter de onerosidade associado. Em suma, os pagamentos realizados por incumprimento contratual, são devidos no âmbito da responsabilidade remuneratória do adquirente do serviço e não como ressarcimento por um dano causada ao prestador, pelo que face a tudo exposto, conclui-se que estas indemnizações integram o conceito de lucro cessante e como tal são sujeitas a IVA.
Do cálculo do IVA alegadamente devido
Entende o sujeito passivo, nos parágrafos 163° a 168°, que os montantes indemnizatórios debitados têm como “(...) destinatários, na sua maioria, clientes que não revestem a natureza de sujeitos passivos de IVA (particulares), sendo que, (...), o seu pagamento quase nunca é efetivado (...)” , logo os montantes que a AT está a liquidar, “(...) seriam, em grande parte, recuperados ao fim de seis meses (...)” ,e o IVA dos outros clientes, seria igualmente recuperável por aplicação do artigo 78° e 78°-A, ambos do CIVA, concluindo que a receita do Estado não ficaria prejudicada.
Perante esta alegação, o sujeito passivo parece sustentar, que a liquidação adicional está desprovida de utilidade, pois caso tivesse liquidado IVA e entregue ao Estado, face á baixa taxa de cobrabilidade e à possibilidade contida no artigo 78°, já o teria recuperado.
O sujeito passivo deduz esta alegação com base numa situação hipotética, veja-se pois quando refere “(...) os montantes (...) liquidados pela exponente, seriam, em grande parte, recuperados (...)”, ora a AT jamais considera situações que não sejam as efetivas. Ademais, está a desconsiderar o efeito financeiro na esfera do Estado, decorrente da entrega do imposto e posterior recuperação e por fim parece desrespeitar os condicionalismos que a lei impõe para estas regularizações.
Veja-se então que, o Código do IVA regula no art° 78°, as retificações/regularizações do imposto, estabelecendo determinadas condições para que os sujeitos passivos possam efetuar a dedução/regularização que se mostre devida.
Assim e no que ao caso interessa, prevê o mecanismo de recuperação do IVA (i) nos créditos incobráveis (art° 78° n° 7) (ii) bem como nos créditos em mora (art° 78° n° 8 a 10).
Porém, a alusão que o sujeito passivo faz a este recurso, parece levar a crer que todo o processo é automático, quando, no entanto o Código do IVA prevê, conforme já referido, a necessidade de cumprimento de diversos requisitos legais, por forma a que seja feita a regularização do IVA nos créditos, sendo precedido da liquidação do próprio IVA, situação que no caso em análise ainda não se verificou.
Para o efeito, o sujeito passivo deve efetuar, regularizações de IVA, no Campo 40 das respetivas Declarações Periódicas, relativas a recuperação de IVA referente a créditos em mora de acordo com as alíneas a),b), c) e d) do n.° 8 do artigo 78° do Código do IVA.
O sujeito passivo deve, também, apresentar as devidas certificações do Revisor Oficial de Contas, de acordo com o exposto no n.° 9 e 10 do artigo 78° do Código do IVA. Nas referidas certificações deverá ser descrito o montante dos créditos não cobrados, o montante de imposto a regularizar, bem como a confirmação de que o sujeito passivo efetuou as devidas diligências para a recuperação dos créditos em causa. Esta certificação deve ser efetuada por cada um dos períodos a que se refere a regularização/dedução.
Ainda relativamente aos créditos vencido após 1 de janeiro de 2013, vem o n.° 1 do artigo 78.°- A do CIVA adicionar como requisito à regularização/dedução do imposto, a evidenciação dos créditos na contabilidade, com créditos considerados de cobrança duvidosa ou como créditos considerados incobráveis.
Por fim, também para os créditos vencidos após 1 de janeiro de 2013, vem on.° 1 do artigo 78.°- B do CIVA , que para os créditos de cobrança duvido da aliena a) do n.° 2 artigo 78.°-A a dedução do imposto, é efetuada mediante pedido de autorização previa a apresentar por via eletrónica, no prazo de seis meses contadas a partir da data em que os créditos sejam considerados de cobrança duvidosa.
Ora, neste caso, nem o IVA foi liquidado nem estão provadas as condições da regularização/dedução.
Se e quando a T........ vier a reunir os pressupostos para a eventual regularização nos termos dos citados artigo 78° e 78-A do CIVA, o exercício desse direito é assegurado através dos procedimentos legalmente previstos, caso tenha procedido à entrega do imposto nos cofres do Estado.
Assim é que, sem necessidade de outras considerações, não se antolham reunidos in casu quaisquer dos pressupostos para a regularização de IVA à luz do artigo 78° e 78-A a D do CIVA. Do cálculo do montante de imposto a liquidar
Por último, vem o sujeito passivo, parágrafos 169° a 171° argumentar que o montante da correção que a AT determinou se encontra incorreto, pois “...o IVA sempre constituiria uma componente do montante cobrado, e nunca um elemento que acresceria a este valor”, apresentando como fundamento o conteúdo do Acórdão Corina Hrisi Tulica, proferido a 7 de novembro de 2013, no âmbito dos processos apensos C-249/10 e C-250/12 do TJUE. Nas palavras do TJUE (<quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção de IVA e o fornecedor do referido bem seja o devedor do IVA devido sobre a operação tributada e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o IVA reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui IVA” Assim, pretende a T........que, “o imposto a liquidar neste âmbito (...) deverá considera-se sempre o valor incluído no valor do debito efetuado pela Exponente (...) não podendo acrescer ao esmo, cifrando-se o IVA a liquidar em €199.476,20”.[...]
Não obstante as alegações do contribuinte, vem este acórdão esclarecer que “quando um contrato de compra e venda tiver sido celebrado sem menção do IVA, na hipótese de o fornecedor, segundo o direito nacional, não poder recuperar junto do adquirente o IVA posteriormente exigido pela administração fiscal, considerar que a totalidade do preço, sem dedução do IVA, constitui a base a que o IVA se aplica teria a consequência de o IVA onerar esse fornecedor e colidir, portanto, com o princípio de que o IVA é um imposto sobre o consumo, que deve ser suportado pelo consumidor final. (...) Em contrapartida, isso não sucederia se o fornecedor tivesse, segundo o direito nacional, a possibilidade de adicionar ao preço estipulado um suplemento correspondente ao imposto aplicável à operação e de o recuperar junto do adquirente do bem.”
Assim, é fundamental verificar se os fornecedores do bem / prestadores do serviço, dispõem ou não, por força do direito nacional, da possibilidade de recuperar junto dos adquirentes, além do preço convencionado, o IVA exigido pela administração tributária. (...)
Salienta-se ainda, relativamente à repercussão do imposto, que de acordo com o entendimento plasmado na Informação n° 1233, de 02-03-90, dos Serviços do IVA, “É possível a um sujeito passivo a quem foi liquidado imposto oficiosamente proceder à sua faturação ao destinatário do bem ou do serviço”.
Por outro lado, não deixa de ser contraditório a T........ defender a não sujeição ao imposto, destas indemnizações, e simultaneamente defender, quando ataca a quantificação, que o imposto está compreendido no montante cobrado. Pois a ser assim, estaríamos perante imposto liquidado e não entregue, mas a AT considera que tal não sucedeu.
Em síntese defende a T........ (i) que as indemnizações em debate não estão sujeitas a IVA, (ii) da inutilidade desta liquidação face aos vários regimes de recuperação de imposto previsto no art. 78° do CTVA e (Ui) da indevida quantificação do imposto apurado pela AT, por entender que o IVA já está incluído no montante cobrado.
Como conclusão e considerando tudo o que já foi dito, não se acolhem os argumentos apresentados pelo sujeito passivo, pelo que, mantem-se à correção proposta no montante de €1.647.881,62.»
8- A Requerente foi notificada, através do Ofício n.° 3854, de 04.12.2015, do Relatório de Inspeção Tributária, nos termos do qual a AT manteve o entendimento anteriormente defendido, efetuando uma correção em sede de IVA no montante global de € 1.647.881,62, relativa às compensações por cessação de contratos, durante o período mínimo de vigência, por motivo imputável ao cliente.
9- Para além das referidas correcções, no Relatório de Inspecção foi ainda proposta uma outra correção em IVA - no valor total da € 71.643,81 -, com fundamento na regularização indevida de imposto pela Requerente, por ter sido considerado não se verificarem cumpridas as condições previstas nas alíneas a), c) e d) do n.° 8 do artigo 78.° e alínea b) do n.° 2 do artigo 78.°-A do Código do IVA, e no artigo 36.° n.° 5 também do Código do IVA.
10- A Requerente procedeu à regularização voluntária do montante de € 71.077,75, através da entrega de uma declaração periódica de substituição para o período de novembro de 2013.
11- Do montante total dos créditos analisados pela AT(€ 22.567.199,22), foi identificado o montante de IVA de € 3.883.956,34, o qual inclui o referido valor de €71.643,82, que abrangia:
i. € 544,01 respeitante a NIF’s inválidos ou inexistentes, que não constavam do sistema informático da AT; e
ii. € 71.099,80 respeitante a sujeitos passivos que realizavam operações que conferiam direito à dedução.
12- Nos meses de abril, outubro e novembro de 2013, efetuou regularizações de IVA, no campo 40 das respetivas declarações periódicas, no montante total de € 3.883.956,34, relativamente a:
i. Créditos considerados incobráveis, de acordo com as alíneas a), b) e c) do n.° 7 do artigo 78.° do Código do IVA; e
ii. Créditos em mora, de acordo com as alíneas a), c) e d) do n.° 8 do artigo 78.° e alínea b) do n.° 2 do artigo 78.°-A, ambos do Código do IVA.
13- Na sequência dessa correção em sede de IVA determinada pela AT no Relatório, a Requerente foi notificada dos seguintes atos de liquidação referentes a IVA e juros compensatórios, alusivos aos meses de abril a dezembro de 2013 e juros compensatórios referentes aos meses de janeiro a dezembro do ano de 2013.
“Quadro no original”
14- Nas liquidações de IVA e de juros compensatórios acima indicadas relativas aos períodos de abril, outubro e novembro de 2013 (liquidações n.°s …………..519, …………..756, …………….524, ………………..884, ………………890 e …………891, respetivamente), estão compreendidos os montantes correspondentes a correções relativas a “regularizações do Campo 40”, a favor da Requerente.
15- Entre as correções constantes do Relatório e o somatório de todos os valores a pagar das liquidações de IVA que foram notificadas à Requerente, existe uma diferença no montante de € 79.759,95.
16- Relativamente aos períodos de tributação de abril, outubro e novembro de 2013, parte das liquidações adicionais de IVA acima identificadas, dizia respeito às regularizações de IVA referentes a NIFs inválidos, conforme a seguinte tabela:
“Quadro no original”
17- A Requerente foi notificada, em 10-01-2016, das liquidações de juros compensatórios dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2013, e em 25-07-2016 (após pedido de emissão de certidão de fundamentação integral dos atos de liquidação que lhe haviam sido notificados), foi notificada das liquidações de imposto respeitantes a esses períodos de tributação.
18- Uma vez que a Requerente não procedeu ao pagamento dos atos de liquidação de IVA referentes aos meses de abril a dezembro de 2013 e de juros compensatórios alusivos a janeiro a dezembro de 2013, dentro do período voluntário para o efeito, foram instaurados os respetivos processos de execução fiscal por parte da AT.
19- A 28-03-2016, a ora Requerente apresentou junto da AT, nos termos e com os efeitos do artigo 169.°, do CPPT, a garantia bancária n.° GAR/16300486, emitida pelo Banco B…, S A., no montante de €2.097.194,55, para efeitos de suspensão dos processos de execução fiscal instaurados para cobrança coerciva das quantias em execução e ora em causa.
20- Em 05-05-2015, a Requerente apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de finanças de Lisboa 10), para efeito de suspensão dos processos de execução fiscal, a garantia bancária n.° ……………..816, emitida pelo Banco ……………., S A., no montante de € 6.578.499,83 .
21- A Requerente apresentou reclamação graciosa, à qual juntou documentos e que incluiu, para além da matéria relativa às compensações por cessação de contratos, durante o período mínimo de vigência, por motivo imputável ao cliente, a matéria relativa às regularizações a seu favor do IVA entregue ao Estado no valor total de € 544,01.
22- A reclamação graciosa foi tramitada sob o n.° ………………035, sendo notificado à Requerente o projeto da decisão.
23- A reclamação graciosa foi expressamente indeferida, por decisão notificada em 13-11- 2016.
24- Contra esta decisão, a Requerente interpôs em 12-12-2016 recurso hierárquico n.° …………..444, o qual não foi objeto de decisão no prazo legal.
25- Em 08-11-2017 a Requerente apresentou pedido de constituição do presente tribunal arbitral.
26- A Requerente é uma sociedade anónima, cujo objeto social consiste no estabelecimento, conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de telecomunicações, bem como na prestação de serviços de telecomunicações e de transporte e difusão de sinal de telecomunicações.
27- A Requerente adequa o volume, o tipo, a intensidade, a localização e os momentos dos seus investimentos em função da angariação de um número (mínimo) previsível de clientes com os quais espera estabelecer e manter uma determinada relações comerciais.
28- No âmbito da sua atividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de prestação de serviços de telecomunicações, de acesso à internet, televisão e multimédia.
29- A Requerente procedeu e procede à comercialização dos seus serviços, através do recurso a diversas formas e canais, com os quais suporta um montante variável de encargos.
30- Em determinados contratos que a Requerente celebra com os seus clientes é estipulada a obrigação de o cliente permanecer vinculado ao contrato durante um período mínimo, sendo oferecidas, nestas situações, condições promocionais, nomeadamente, a fixação de mensalidades de valor mais reduzido, bem como a oferta de equipamentos, ou a sua disponibilização a preço reduzido.
31- Os consumidores (sejam eles clientes da Requerente ou de outros operadores de comunicações eletrónicas) não estão restringidos ou limitados à possibilidade de celebrarem contratos de prestação de serviços em que esse período temporal mínimo esteja necessariamente previsto, sendo que as condições em que os serviços são oferecidos são distintas (mais onerosas) das oferecidas nos contratos que prevêm um período mínimo de vigência.
32- Aquando da celebração destes contratos, a Requerente proporciona aos seus clientes as referidas condições promocionais, conquanto os mesmos assumam o compromisso de permanecer vinculados a tais contratos, durante um "período mínimo de vigência", que poderá ascender, no máximo, a 24 meses.
33- Este procedimento é comum no setor das telecomunicações em Portugal, sendo praticado pela generalidade dos operadores.
34- Neste tipo de contratos, o incumprimento, por parte do cliente, das obrigações contratuais a que se encontra adstrito - nomeadamente, o não pagamento das mensalidades devidas no âmbito do contrato - gera, na esfera daquele, a obrigação de pagamento de um determinado valor à Requerente, correspondente ao valor da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período, em caso de desativação dos serviços, antes do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente.
35- Na vigência do referido período acontece por vezes, que a Requerente aufira rendimentos cujo valor exceda o valor da mensalidade base, em troca de serviços adicionais ou de valor acrescentado que o Cliente não estava obrigado a contratar, prestados ao abrigo do mesmo contrato que prevê aquele "período mínimo de vigência", ou de novos contratos celebrados por referência a outros equipamentos, ou a outras moradas.
36- Quando celebrava contratos onde constava a cláusula a referida, a Requerente tinha a expetativa de que os mesmos se prolongassem para lá do período mínimo de vigência contratado.
37- A prestação de serviços (de telecomunicações, de acesso à internet, televisão e multimédia), por parte da Requerente, assenta numa complexa infraestrutura cuja montagem e manutenção implica um exigente investimento humano e material, a que acrescem os custos humanos e administrativos associados à angariação de clientes e à ativação dos serviços.
38- Tendo por base o valor do investimento necessário para a prestação de serviços, a Requerente determina um número (mínimo) de contratos que deverão ser celebrados para que o seu racional de negócio possa ser alcançado.
39- Nas situações em que se verifica o incumprimento dos contratos por parte dos clientes, a Requerente deixa de receber o retomo inicialmente previsto, o qual foi aferido em função do ressarcimento dos diversos investimentos efetuados (infraestruturas, publicidade/marketing, angariação de cliente, ativação do serviço contratado, descontos e outras vantagens atribuídas ao cliente).
40- Nestas situações de incumprimento dos contratos por parte dos clientes, a Requerente ativa a cláusula incluída nos seus contratos.
41- Em situações de incumprimento por parte do cliente, a Requerente, num primeiro momento, informa o cliente da necessidade da regularização dos valores em dívida e adverte-o que, em caso de não regularização, procederá ao cancelamento dos serviços
contratados e ao débito da indemnização decorrente do incumprimento do período de fidelização, conforme previsto nos contratos.
42- Na sequência desta comunicação, e caso o cliente não regularize os valores em dívida, a Requerente procede ao cancelamento definitivo da prestação de serviços contratada.
43- Após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor que entende devido nos termos previstos no contrato, correspondente ao "Valor da mensalidade (...) multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período".
44- A generalidade dos clientes da Requerente, perante o risco de débito da quantia em causa, prefere cumprir as condições contratadas, mantendo a vinculação durante o período mínimo de vigência.
45- Nas situações em que o incumprimento persiste, à Requerente assiste o direito de cobrar a quantia pré-fixada, sem necessidade de recorrer à via judicial para prova e demonstração do direito a tal montante, no que à respectiva quantificação diz respeito.
46- Nas situações de incumprimento do período mínimo de vigência, a Requerente emite aos seus clientes incumpridores as faturas correspondentes aos valores debitados nos termos referidos, sem liquidação de IVA e com a expressa menção “Não sujeito a IVA”.
47- Nessas faturas a Requerente menciona sob o título de Detalhe de Faturação tratar-se de “INDEMNIZAÇÃO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - SERVIÇO”.
48- A generalidade das “indemnizações” debitadas neste âmbito respeita a clientes particulares.
49- No exercício de 2013 a Requerente faturou um total €7.164.703,00, relativo a incumprimentos de períodos de fidelização por clientes seus, sendo que só uma parte daquele montante, não inferior à importância de € 843.899,17 (€ 385.790,70 de antigos clientes particulares e € 458.108,47 de antigos clientes sujeitos passivos de IVA), foi objeto de efetivo pagamento.
50- A Requerente, no momento da emissão das correspondentes faturas, regista os valores respectivos na rubrica contabilística # 282 - Rendimentos a reconhecer, e apenas reconhece estes valores, do ponto de vista contabilístico, como resultados, no momento em que o seu cliente incumpridor efetua o pagamento do valor faturado.
51- Nas mensalidades pagas pelo cliente durante o período em que os contratos foram cumpridos, a Requerente liquidou IVA, que oportunamente entregou ao Estado.
52- No âmbito da sua atividade de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, a Requerente emite mensalmente mais de dois milhões de faturas.
53- Durante os seus ciclos mensais de faturação, a Requerente tem necessidade de emitir documentos retificativos de faturas em que procede à redução dos valores tributáveis das operações, por ter de acertar contas de clientes, em virtude da aplicação de descontos ou de acertos depois de várias faturas emitidas por referência a valores base.
54- Nestes termos, a Requerente emite faturas a clientes seus pelo valor base do seu serviço mas, posteriormente, por motivos de aplicações de descontos ou de acertos de contas, emite uma nota de crédito em que corrige os valores faturados para menos, reduzindo, deste modo, a base tributável da operação.
55- A ferramenta disponível para validação dos NIF’s no Portal das Finanças requer a introdução manual, um a um, de cada número de contribuinte cujo enquadramento fiscal se pretenda verificar.
56- No decurso de uma inspeção tributária realizada em sede de IVA ao ano de 2015, a Requerida - em situação em que tinha sido proposta inicialmente uma correção no valor de € 8.588.243, 00 relativa a alegada falta de liquidação - aceitou uma correção voluntária, pela Requerente, de IVA no valor de € 931.687,00 correspondente aos montantes indemnizatórios associados à violação do período de fidelização que foram efetivamente recebidos de (antigos) clientes da Requerente, com a seguinte motivação:
Relativamente à divergência entre o valor de IVA proposto corrigir e a regularização voluntária efetuada pela MEO foram tidos em consideração os efeitos da possibilidade de regularização a seu favor, do eventual IVA liquidado, através dos mecanismos de regularização de IVA previstos no artigo 78° do Código do IVA.
57- A AT, em situações idênticas às referidas no número anterior, relativas a outros operadores de telecomunicações, seguiu práticas semelhantes.
II.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
II3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.° 123.°, n.° 2, do CPPT e artigo 607.°, n.° 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.°, n.° 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.°, n.° 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.°, aplicável ex vi artigo 29.°, n.° 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110./7 do CPPT, a prova documental e testemunhal, e o PA junto aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TC A-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13, o “ relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em especial, para além dos factos que resultam diretamente da prova documental disponível, e que não são controversos, os factos, 27 a 35, 37 a 47, 49, 51 a 55 foram dados como provados tendo em conta os diversos depoimentos produzidos, a sua coerência interna e com a prova documental disponível, bem como a circunstância de não terem sido fundadamente contraditos, à luz das regras da experiência e da normalidade.
O facto dado como provado no ponto 36, relativo à normalidade da circunstância de a Requerente auferir dos seus clientes rendimentos em montante superior à mensalidade base contratada, na vigência dos contratos com período mínimo de vigência, e aos termos em que tal acontece, decorre desde logo, da experiência comum das coisas (tendo presente que praticamente toda a gente já foi parte em contratos com períodos mínimos de vigência, tendo como contraparte operadores de telecomunicações e tem, como tal, experiência direta e indireta do dado como provado), sendo coerente também com a restante prova disponível.
O facto dado como provado no ponto 50.°, relativo aos montantes efetivamente percecionados pela Requerente, decorrentes das compensações por cessação de contratos, faturadas, decorre da prova documental junta por aquela, que não foi contestada pela Requerida quanto ao efetivo recebimento dos montantes indicados.
O facto dado como provado no ponto 57, decorre do RIT relativo ao exercício de 2015, cuja cópia foi junta pela Requerente.
O facto dado como provado no ponto 58, foi alegado pela Requerente e não foi contraditado pela Requerida, que apenas repudia que tenha aceite regularizações, detrimento dos requisitos previstos para as regularizações de imposto nos artigos 78.° e ss. do CIVA”, o que também não foi alegado pela Requerente.
Tendo em conta o dado como provado, não se considera de interesse processual requerido pela Requerente, nos termos dos artigos 528.° e seguintes, do Código de Processo Civil, e ainda do artigo 13.°, do CPPT, para que fosse notificada a “AT para apresentar os acordos, liquidações de imposto e/ou quaisquer outros documentos resultantes das negociações havidas com os outros operadores de comunicações eletrónicas, dos quais terá resultado que o valor sobre o qual incidiu essas liquidações correspondeu ao montante das indemnizações por incumprimento do período de fidelização efetivamente recebidas e não à totalidade das indemnizações faturadas por esses operadores aos seus antigos clientes”, tendo- se ainda em conta que, pela Requerida, foi pronta e reiteradamente negada a existência de tais acordos e/ou negociações.
Não se deram como provados ou não provados factos redundantes ou incompatíveis com os factos dados como provados, nem afirmações conclusivas ou de direito formuladas pelas partes e apresentadas como factos, cuja validade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
III. DO DIREITO
III.1. Dos pedidos de Reenvio formulados pela Requerente
No seu Requerimento inicial e, posteriormente, no seu Requerimento de 20-02-2018, a Requerente formulou diversas perguntas que sugeriu fossem objeto de reenvio prejudicial para resposta pelo TJUE.
Como se refere no ponto 7. das recomendações aos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (2012/C 338/01), do TJUE :
“o papel do Tribunal no âmbito de um processo prejudicial consiste em interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não em aplicar este direito à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional”.
Mais se recorda, no ponto 12. daquelas mesmas recomendações que o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:
i. já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou
ii. quando o modo correto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.
Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece”.
Por fim, conforme consta do ponto 18. das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considere que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão.”.
No caso, não se considera que seja necessária mais uma decisão do TJUE sobre a interpretação das normas comunitárias para o Tribunal proferir a sua decisão, entendendo-se que a Jurisprudência disponível do TJUE, designadamente a formulada no âmbito do Processo C-295/17, que tem por objeto matéria de facto essencialmente idêntica, esclarece suficientemente, em termos de se poder decidir da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que se conhece.
Deste modo, e pelo exposto, indefere-se o requerido pedido de reenvio prejudicial.
III .2 Do vício de forma por falta de fundamentação
Nos pontos 94.° e ss. do seu requerimento inicial, alega a Requerente que os atos objeto da presente ação arbitral padecem de vício de forma por falta de fundamentação, em violação do disposto no art.° 77.° da LGT, uma vez que os valores que constam do RIT a título de IVA a ser liquidado adicionalmente não corresponderão com os valores a pagar constantes dos atos de liquidação.
Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.° da CRP) e legal (art.° 77° da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
1. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
2. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas;
3. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
4. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade -domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário, deve ser aquela que funcional mente é em concreto necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio. Esta será - julga-se - a pedra de toque do cumprimento do dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o ato tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discemíveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o ato padecerá de falta de fundamentação.
Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.” , e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268° da CRP, 77° da LGT e 125° do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.” .
O artigo 77.71 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.
Descendo ao caso concreto, verifica-se que os atos de liquidação em questão ocorreram na sequência de procedimento inspetivo e em conformidade com o relatório de inspeção tributária homologado por despacho, relatório esse onde constam os fundamentos das
liquidações em causa, que a Requerente, desde a reclamação graciosa, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar.
Mais se verifica que as demonstrações de liquidação de IVA notificadas, contêm os valores corrigidos por referência às declarações periódicas de imposto submetidas pela Requerente, pelo que esta disporá de todos os elementos necessários para aferir, se, a final, o imposto liquidado foi, efetivamente, aquele que resulta das correções determinadas no RIT, ou não.
Deste modo, entende-se que, considerado o contexto concreto em que foram produzidos os atos de liquidação em questão nos presentes autos, será percetível, para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, que os fundamentos daqueles são os constantes do relatório de inspeção que os precedeu, sendo certo que mais se afigura evidente que a Requerente compreendeu isso mesmo.
A situação configurada pela Requerente, de resto, não será, segundo se julga, enquadrável num défice de fundamentação.
Efetivamente, a arguida circunstância de existir uma discrepância entre os valores que constam do RIT a título de IVA a ser liquidado adicionalmente e os valores a pagar constantes das liquidações, não se reconduzirá a uma deficiência da fundamentação, mas, quando muito, a um erro de direito ou de facto, ou, eventualmente, até a um erro material ou de escrita, na medida em que se pudesse reconduzir a um lapso na transposição dos valores constantes do RIT para o documento de liquidação.
Dito de outro modo, é precisamente por existir fundamentação (sendo que a circunstância de esta ser acertada ou não, não releva sob o ponto de vista da sua existência), que permite à Requerente construir a argumentação de que haveria uma discrepância entre as quantias que o RIT determinou como devidas, e aquelas que lhe foram liquidadas.
Deste modo, e face ao exposto, nada haverá a censurar, na perspetiva do dever de fundamentação, aos atos tributários objeto do presente processo, quer a nível legal quer a nível constitucional, não se mostrando violado qualquer dos normativos indicados pela Requerente
III.3 Da arguida ilegalidade substantiva
A principal questão em causa no presente processo passa por saber se, nas situações de incumprimento do período mínimo de vigência dos contratos, as quantias faturadas pela Requerente aos clientes incumpridores a título de “INDEMNIZAÇÃO INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - SERVIÇO” são de considerar a contrapartida da prestação de serviços, para efeitos da sujeição a IVA.
Conforme resulta da matéria de facto provada, com base em cláusulas contratuais, a Requerente faturou quantias aos seus clientes por incumprimento de períodos de fidelização, sendo os montantes correspondentes ao valor da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltar para completar esse período.
A Requerente não liquidou IVA nas faturas que assim emitiu.
Só parcialmente foram recebidas pela Requerente as quantias faturadas.
Foi proferido acórdão do TJUE no âmbito do Processo C-295/17, que tem por objeto matéria de facto essencialmente idêntica, no qual se refere o seguinte:
1. O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.
2. Não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período, o facto de a remuneração recebida por um agente comercial pela celebração de contratos que estipulem um período mínimo de vinculação aos mesmos ser superior à prevista no âmbito dos contratos que não estipulam esse período e o facto de o referido montante ser qualificável, no direito nacional, como cláusula penal.
Da matéria de facto plasmada no pedido de reenvio na sequência do qual foi proferido o acórdão referido, consta, para além do mais, o seguinte:
-“Estes contratos incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de um valor a correspondente ao da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse o período, em caso de desativação dos serviços, antes do termo do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente
-“Após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor que entende devido nos termos previstos no contrato, correspondente ao "Valor da mensalidade (...) multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período"”.
Mais consta do pedido de reenvio a transcrição do RIT, onde se lê que o valor a pagar pelo cliente nos casos de rescisão antecipada “que corresponderá ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência”, sendo que se faz expressa menção no pedido de reenvio que o “relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”, o que é o caso.
Nessa sequência, a questão formulada ao TJUE, que foi devidamente precedida do contraditório das partes, refere expressamente que nos casos de rescisão é contratualmente devido “um valor predeterminado, equivalente ao valor da mensalidade base devida pelo cliente nos termos do contrato, multiplicado pelo número de mensalidades em falta até ao termo do período de fidelização”.
Na apreciação efetuada pelo Tribunal há que notar que a Requerente teve intervenção no âmbito do Processo C-295/17, em que requereu a reabertura da fase oral do processo, defendendo «que as conclusões da advogada-geral, em especial os n.°s 41, 44, 46 e 47 das mesmas, assentavam em factos errados, atendendo, nomeadamente, ao montante faturado pela MEO aos seus clientes em caso de resolução antecipada do contrato de prestação de serviços» (n°s 23 e 24 do Acórdão).
A este propósito, o TJUE, apelando ao artigo 83.° do seu Regulamento de Processo, refere que «pode, a qualquer momento, ouvido o advogado-geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.°do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia» (n.° 28 do Acórdão).
Entendeu o TJUE que «o cálculo do montante que a MEO faturou pela rutura antecipada do contrato de prestação de serviços foi descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio, como resulta do n.° 12 do presente acórdão, o que, de resto, a MEO não contestou nas suas observações nem na audiência. Além disso há que sublinhar que o apuramento dos factos é da exclusiva competência do órgão jurisdicional de reenvio. Quanto à qualificação desse montante feita pela MEO, a mesma não vincula o Tribunal de Justiça no âmbito da sua resposta ao pedido de decisão prejudicial» (n.° 29 do Acórdão).
Assim, o Tribunal indeferiu o pedido da Requerente considerando que «dispõe de todos os elementos necessários para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e entende que para efeitos do julgamento da causa no processo principal, foram debatidos no Tribunal de Justiça todos os argumentos, em especial os relativos à qualificação do referido montante» (n°s 30 e 31 do Acórdão).
No tocante à qualificação dos montantes recebidos pela MEO na sequência da resolução dos contratos de prestação de serviços pelos seus clientes, antes do termo do período mínimo convencionado de vinculação ao contrato, o TJUE começa por salientar que o CAAD explicou suficientemente e com precisão as circunstâncias de facto que estão na origem do processo principal e o enquadramento jurídico do mesmo.
Nesta medida, de acordo com o TJUE, não há outros factos ou argumentos que possam considerar-se relevantes para a decisão da questão da qualificação do montante faturado, concluindo que, à luz do artigo 2.°, n.° 1, alínea c) da Diretiva IVA, o montante predeterminado recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto. Sendo certo que esse montante predeterminado deve corresponder ao montante que o operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que compete ao órgão jurisdicional nacional verificar.
Com efeito, no seu Acórdão o TJUE entendeu que apreciou toda a situação económica tendo deixado para o órgão de reenvio apenas a verificação sobre se o montante predeterminado (“indemnização”) «corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado».
Recorde-se o decidido pelo TJUE:
O artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que se deve considerar que o montante predeterminado, recebido por um operador económico em caso de resolução antecipada do contrato pelo seu cliente, ou por causa que lhe é imputável, de um contrato de prestação de serviços que prevê um período mínimo de vinculação ao contrato, montante esse que corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, é a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto.
À luz do que decidiu o TJUE, cabe ao Tribunal Arbitral («órgão jurisdicional de reenvio») verificar se o montante «predeterminado no contrato de prestação de serviços de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada5» «corresponde ao montante que esse operador teria recebido no resto do referido período se essa resolução do contrato não se tivesse verificado6».
Se se verificar esta correspondência, tal montante deve ser considerado, para efeito do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE, como «de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto7».
Como decorre do texto do Acórdão, é apenas aquele «montante predeterminado» previsto para as situações de resolução antecipada (que é o que foi faturado e em relação ao qual se equaciona a necessidade de liquidação de IVA no momento da emissão da fatura), que releva para a qualificação em causa e é quanto a esse montante predeterminado que foi faturado que «a resolução antecipada não altera a realidade económica da relação entre a MEO e o seu cliente» (ponto 51 do Acórdão).
No seu Requerimento apresentado a 17-01-2019, a Requerente vem referir «o facto de que a realidade económica se altera substancialmente com a cessação do contrato».
E, acrescenta a seguinte justificação: «uma vez que na vigência do mesmo é usual que a Requerente aufira rendimentos que excedem o valor da mensalidade base, os quais são prestados ao abrigo do mesmo contrato cuja cessação origina a emissão da fatura de indemnização», facto este que, de resto, se deu como provado (cfr. ponto 36 da matéria de facto provada).
Antes de mais, não se pode deixar de notar que a própria Requerente, no seu requerimento inicial, é expressa no sentido de reconhecer que:
- “o quantum indemnizatório a que os clientes se encontram contratualmente vinculados, em resultado da ocorrência de um incumprimento contratual da sua estrita responsabilidade, ser expresso por referência ao caso do contrato de prestação de serviços resolvido mantivesse em vigor até ao termo período de fidelizacão" -. bem como “ a equivalência entre os dois valores acima aludidos”
Posto isto, o alegado pela Requerente, no sentido de que poderia auferir rendimentos que excedessem o valor da mensalidade base, é uma circunstância meramente eventual, ou seja, é possível, e até provável, que se os contratos cessados prosseguissem a sua execução a Requerente auferisse rendimentos que excedessem o valor da mensalidade base contratada.
Como é possível, embora menos provável, que tal não acontecesse, já que os clientes da Requerente não tinham qualquer obrigação contratual que garantisse à Requerente o consumo de serviços adicionais.
Neste contexto, o certo, no momento em que a Requerente procede à rescisão dos contratos, é que, na esfera jurídica da Requerente apenas está consolidado o direito à perceção do valor base das mensalidades previsto no contrato, até ao termo do “período mínimo de vigência” também ali previsto.
É esse o valor que, no momento da rescisão, a Requerente podia ter como certo (e não, meramente, possível ou provável) que receberia até ao final do contrato, e é esse mesmo valor que, por força daquela rescisão, fatura ao cliente inadimplente, como a própria Requerente, nos termos previamente vistos, o reconhece.
E é justamente, crê-se, esta circunstância que está na base da decisão do TJUE que a este Tribunal Arbitral cumpre dar aplicação, ou seja, foi por o TJUE entender que o direito a percecionar o valor a receber pela Requerente, nos casos de rescisão antecipada, estava já consolidado na esfera jurídica da Requerente, previamente àquela rescisão, que concluiu no sentido que concluiu.
De resto, no Acórdão do TJUE pode ler-se:
“Ora, no caso vertente, há que recordar que, de acordo com o método de cálculo descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio e mencionado no n.° 12 do presente acórdão, o montante devido, por força dos referidos contratos, pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato é constituído pelo montante da mensalidade da multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação ao contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado. Assim, o pagamento do montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato permite à M. obter, em princípio, os mesmos rendimentos que obteria se o cliente não tivesse resolvido o contrato prematuramente.”
Ou seja: o TJUE pronunciou-se expressamente no sentido de que o valor da mensalidade base multiplicado pelos meses em falta para o cumprimento do “período mínimo de vigência” corresponde aos valores que, em princípio, a Requerente obteria se o contrato não tivesse sido resolvido prematuramente, tal como a Requerente alegou no seu requerimento inicial.
Não sendo, evidentemente, julga-se, a circunstância hipotética, de poderem, ou não, vir a ser auferidos rendimentos superiores, suscetível de alterar aquele juízo de princípio, dado que daí não resulta qualquer direito da Requerente a receber o que quer que seja, por força dos eventuais serviços que, até ao termo do “período de vigência mínima” do contrato, pudesse prestar.
Efetivamente, e como também é claro o TJUE dizer, “por força dos contratos em causa no processo principal, a M…….tem direito a que lhe seja pago, em caso de incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato, um montante idêntico ao que teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o seu contrato".
Ou seja: o que está em causa é o direito da Requerente a que lhe sejam pagas determinadas importâncias, e o facto é que tal direito tem um conteúdo económico equivalente no momento antes e após a rescisão, não se alterando dessa forma, nas palavras do TJUE, realidade económica da relação entre a M…. e o seu cliente".
Daí que o TJUE tenha feito questão de frisar que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se “a resolução antecipada do contrato pelo cliente ou por um motivo que lhe é imputável não altera a realidade económica da relação entre a M….. e o seu cliente", unicamente “se for caso disso", o que, pelo exposto, não se verifica, uma vez que, pelo que se expôs, a realidade económica da relação da Meo com o seu cliente, na perspectiva a que o TJUE se refere, não é alterada.
Por isso, para a questão a decidir pelo órgão jurisdicional nacional, não poderá relevar a circunstância de, caso o contrato se mantivesse, poderem vir a ser prestados serviços adicionais ou mesmo vir a ser prolongado o contrato, pois, segundo o TJUE, o que releva para efeitos de tributação em IVA a título de prestação de serviços, é que o montante predeterminado, que é o que foi faturado, corresponda ao montante que a Requerente contratualmente tinha direito, no momento da rescisão do contrato, por força deste.
E a verdade é que esse montante predeterminado que foi faturado corresponde exatamente ao montante que era devido, e por isso é que, no entendimento do TJUE, é devido IVA quanto a esse montante.
Esta tributação em IVA, da operação que a AT considerou ser uma prestação de serviços sujeita a imposto (a “indemnização”), e o TJUE confirmou no seu Acórdão, não poderá ser afastada pela hipotética e não juridicamente vinculativa (para o cliente da Requerente) possibilidade de, caso o contrato fosse mantido, existirem mais serviços que não foram predeterminados nem foram faturados, de haver possibilidade de prolongamento do contrato, ou mesmo de celebração de novos contratos (hipóteses impossíveis de verificar na sua realização e no seu montante).
Segundo o TJUE a “indemnização” é considerada a contrapartida de uma prestação de serviços e o que releva para a sua tributação em sede de IVA é que o seu montante (o montante predeterminado), que é o que foi faturado, corresponda ao montante a que a Requerente tinha direito, no momento da rescisão do contrato, nos termos deste.
E como ficou demonstrado, esse montante predeterminado (a “indemnização”), que foi faturado, corresponde ao valor a que a Requerente tinha, nos termos do contrato, direito, como contrapartida, na perspetiva do TJUE (concorde-se ou não), dos serviços que se obrigou a prestar ao cliente, e por isso, haverá tributação em IVA quanto a esse montante (a aludida “indemnização”). O montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação (ou fidelidade) ao contrato faz, na perspetiva do TJUE, parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se toma imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de pagamento . E que, como se referiu, era esse o montante a que a Requerente tinha direito, no momento em que rescindiu cada contrato.
Como resulta da matéria de facto fixada, e do alegado pela própria Requerente no seu requerimento inicial, os montantes faturados a título de «Indemnização Incumprimento Contratual - Serviço», relativamente aos contratos em que os clientes da Requerente não cumpriram o período mínimo de permanência a que se tinham vinculado, foi predeterminado e calculado com base numa cláusula contratual, correspondendo ao montante a que a Requerente tinha direito por força do referido período mínimo de permanência acordado com o cliente: “( período mínimo de vigência - n.° de meses em que os serviços estiveram ativos) x(valor da mensalidade acordada)".
De facto, os contratos incluem cláusulas que preveem a obrigação do cliente proceder ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor da mensalidade multiplicado pelo número de meses que faltarem para completar esse período, em caso de desativação dos serviços, antes do vínculo contratual acordado, por iniciativa da Requerente por causa imputável ao cliente (cf. Documento 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral - Cláusula 8.4 das “Condições Específicas”).
Desta forma, após a verificação do incumprimento e da consequente cessação da prestação de serviços, a Requerente procede ao débito do valor a que entende ter direito nos termos previstos no contrato, correspondente ao " ao valor mensalidade acordada, multiplicada pelo número de meses que estiverem em falta para completar o mencionado período mínimo de vigência." (Cláusula 8.5 das “Condições Específicas”).
Conclui-se, assim, que quanto aos montantes recebidos pela Requerente tem plena aplicação no caso em apreço o Acórdão do TJUE proferido no processo C-295/17, designadamente por se verificar o seguinte:
- Os montantes faturados foram predeterminados nos contratos de prestação de serviços;
- Os montantes foram faturados pela Requerente em casos de resolução antecipada do contrato pelos seus clientes, ou por causas a estes imputáveis, de contratos de prestação de serviços que previam período mínimo de vinculação ao contrato;
- Os montantes faturados correspondem aos montantes que a Requerente teria direito a receber, no momento da resolução, nos referidos períodos mínimos de vinculação previstos no contrato, se a resolução do contrato não se tivesse verificado.
Como resulta do princípio da supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional, previsto no artigo 8.°, n.° 4, da CRP e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.° do TFUE (que substituiu o artigo 234.° do Tratado de Roma, anterior artigo 177.°), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia.
Assim, por imperativo constitucional, tem de decidir-se em conformidade com o que decidiu o TJUE quanto à questão da qualificação dos montantes faturados aos clientes por incumprimento de períodos de fidelização como constituindo remuneração de «prestação de serviços» para efeitos da Diretiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.
No que se refere aos argumentos suscitados pela Requerente, no sentido da não existência de uma operação para efeitos de IVA (a denominada “indemnização”), designadamente por considerar que não existe uma relação sinalagmática que envolva o montante devido à Requerente pelos seus clientes, a título de “indemnização”, o TJUE rejeita esse argumento mediante a apreciação efetuada que consta dos pontos do Acórdão que a seguir se transcrevem (destaques a negrito acrescentados):
[39]«uma prestação de serviços só é efetuada “a título oneroso”, na aceção» do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva IVA, «se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transacionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador a contraprestação efetiva de um serviço individualizável prestado ao beneficiário (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de julho de 2007, Société thermale d’Eugénie-les-Bains, C-277105, EU:C:2007:440, n.° 19 e jurisprudência referida, e de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop
Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, «Tal verifica-se caso exista um nexo direto entre o serviço prestado e a contraprestação recebida (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop !Brit-Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, n.° 23 e jurisprudência referida);
[40] No tocante ao nexo direto entre o serviço prestado ao beneficiário e à efetiva contraprestação recebida, o Tribunal de Justiça já decidiu, quanto à venda de bilhetes de avião que os passageiros não utilizaram e cujo reembolso não conseguiram obter, que a contraprestação do preço pago na assinatura de um contrato de prestação de serviços é constituída pelo direito que o cliente dele extrai de beneficiar do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, independentemente de o cliente exercer esse direito. Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito (v., neste sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France- KLM e Hop !Brit-Air, C-250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841, n.° 28);
[40] «Assim, o prestador de serviços efetua essa prestação quando coloca o cliente em condições de beneficiar da mesma, pelo que a existência do supramencionado nexo direto não é afetada pelo facto de o cliente não fazer uso do referido direito»(v., neste
sentido, Acórdão de 23 de dezembro de 2015, Air France-KLM e Hop !Brit-Air, C- 250/14 e C-289/14, EU:C:2015:841,n.°28);
[41] «De resto, e quanto ao requisito do nexo direto entre a contraprestação recebida e o serviço prestado, há que determinar se o montante devido pela inobservância do período mínimo de vinculação ao contrato, conforme estipulado nos contratos em causa no processo principal, corresponde à remuneração de um serviço, atendendo à jurisprudência referida nos n°s 39 e 40 do presente acórdão»;
[42] «Ora, no caso vertente, há que recordar que, de acordo com o método de cálculo descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio e mencionado no n.° 12 do presente acórdão, o montante devido, por força dos referidos contratos, pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato é constituído pelo montante da mensalidade da assinatura, multiplicado pela diferença entre a duração do período mínimo de vinculação ao contrato e o número de meses em que o serviço foi prestado. Assim, o pagamento do montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato permite à MEO obter, em princípio, os mesmos rendimentos que obteria se o cliente não tivesse resolvido o contrato prematuramente»',
[43] «No que respeita ao valor das estipulações contratuais no contexto da qualificação de uma operação de tributável, note-se que a tomada em conta da realidade económica e comercial constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2013, Newey, C-653/11, EU:C:2013:409, n.° 42e jurisprudência referida)»;
[44] «Ora, uma vez que, por força dos contratos em causa no processo principal, a MEO tem direito a que lhe seja pago, em caso de incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato, um montante idêntico ao que teria recebido a título de remuneração dos serviços que se comprometeu a prestar se o cliente não tivesse resolvido o seu contrato, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se for caso disso, a resolução antecipada do contrato pelo cliente ou por um motivo que lhe é imputável não altera a realidade económica da relação entre a MEO e o seu »;
[45] «Nestas condições, há que considerar que a contraprestação do montante pago pelo cliente à MEO é constituída pelo direito do cliente a beneficiar do cumprimento, por essa operadora, das obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços, ainda que o cliente não queira ou não possa exercer esse direito por um motivo que lhe é imputável. Com efeito, no caso vertente, a MEO coloca o cliente em condições de beneficiar dessa prestação, na aceção da jurisprudência»',
[46] «Acresce, a este respeito, que se o referido montante fosse qualificado de indemnização para ressarcimento do dano sofrido pela MEO, a natureza da contraprestação paga pelo cliente seria alterada consoante esse cliente decidisse utilizar ou não o serviço em causa durante o período previsto no contrato»;
[47] «Assim, o cliente que beneficiou das prestações de serviços durante todo o período mínimo de vinculação ao contrato nele estipulado e aquele que cessou o contrato antes do termo desse período seriam tratados diferentemente em sede de IVA»;
[48] «Consequentemente, há que considerar que o montante devido por incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato remunera as prestações efetuadas pela MEO, quer o cliente exerça quer não o direito de beneficiar dos referidos serviços até ao termo do período mínimo de vinculação ao contrato»;
[49] «Quanto à exigência de que os pagamentos constituam a contraprestação efetiva
de um serviço individualizável, há que sublinhar que o serviço a prestar e o montante faturado ao cliente em caso de resolução do contrato durante o período mínimo de vinculação àquele são determinados logo na celebração do »;
[50] «Assim, deve-se considerar que o montante devido pelo incumprimento do período mínimo de vinculação ao contrato faz parte integrante do preço total pago pela prestação de serviços, dividido em mensalidades, preço esse que se torna imediatamente exigível em caso de incumprimento da obrigação de ».
Assim, e como se referiu, de acordo com o TJUE, em entendimento a que é devida obediência, a atividade concreta e individualizada consubstanciada no direito proporcionado ao cliente de beneficiar do serviço que é prestado tem como contrapartida a globalidade das prestações de pagamento mensal a cargo do cliente que estão previstas no contrato, quer sejam pagas mês a mês ao longo do período de fidelização, quer devidas antecipadamente por resolução do contrato antes do final do período de fidelização.
Deste modo, não afasta a existência de uma atividade concreta e individualizada o facto alegado pela Requerente de a faturação e pagamento (quando é efetuado) ocorrerem «após a resolução ou, se se preferir, cessação do contrato» e visar «única e exclusivamente a cobertura de danos ou prejuízos causados em virtude do incumprimento do período de fidelização e cessação antecipada do contrato por parte desse antigo».
Na verdade, de acordo com o TJUE, é a atividade anterior à resolução do contrato que está a ser remunerada ao abrigo da cláusula que prevê o dever de pagamento no caso de incumprimento do período de fidelização.
Pelo exposto, em sintonia com o decidido pelo TJUE, deve considerar-se que os referidos montantes recebidos a título de indemnização por incumprimento dos contratos constituem a contraprestação de uma prestação de serviços para efeitos de IVA: « a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto»(parágrafo 57).
Sendo assim, o IVA era exigível à Requerente, se não antes, nos momentos em que foram emitidas as faturas relativas aos montantes designados como «Indemnização Incumprimento Contratual», nos termos dos artigos 8.°, n.° 1, do CIVA, sendo o valor tributável o da contraprestação obtida ou a obter do destinatário, como resulta do artigo 16.°, n.° 1, do CIVA.
Na verdade, por força do disposto no artigo 37.°, n.° 1, do CIVA, «a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços».
A possibilidade de regularização, que se coloca após a emissão das faturas, como se verá adiante, não é suscetível de se revestir de qualquer relevância para efeitos desta obrigação de liquidação de IVA nas faturas emitidas.
Em face do decidido pelo TJUE e do dever de acatamento da sua jurisprudência, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente sobre a qualificação como «remuneração de prestação de serviços» dos montantes faturados por incumprimento de períodos de fidelização, que estão subjacentes às liquidações impugnadas.
Deve, por todo o exposto, improceder o pedido principal formulado pela Requerente, de anulação das liquidações impugnadas, e dos atos que as tiveram por objeto.
III.4. Irrelevância do Direito Nacional para a resolução da questão da qualificação dos montantes em causa como «prestação de serviços»
Resulta do texto do referido acórdão do TJUE que deve entender-se que:
- « segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os termos de uma disposição do direito da União que não comporte uma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros devem normalmente ser objeto de interpretação autónoma e uniforme (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2017, Kozuba Premium Selection, C-308/16, EU:C:2017:869, n.° 38 e jurisprudência referida)»(parágrafo 67);
-«é indiferente, para efeitos da interpretação das disposições da Diretiva IVA, que esse montante constitua, no direito nacional, uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual ou uma penalidade contratual, ou ainda que seja qualificado de reparação, indemnização ou remuneração» (parágrafo 68);
-«saber se o pagamento de uma remuneração tem lugar como contraprestação de uma prestação de serviços é uma questão de direito da União que deve ser decidida independentemente da apreciação efetuada no direito» (parágrafo 69);
-não é determinante «para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços (...) o facto de o referido montante ser quálificável, no direito nacional, como cláusula penal» (parágrafo 70).
Assim, não se poderá conceder relevância para a decisão da questão em apreço o tratamento que lhe tem sido dado pela jurisprudência e doutrina nacional à face da lei portuguesa, designadamente se lhe atribui a natureza de indemnização ou considera estar-se perante uma cláusula penal.
III.5 Irrelevância da finalidade visada com a previsão de um montante a pagar nos casos de resolução antecipada do contrato
O acórdão referido é também explícito no sentido da irrelevância da finalidade visada para a resolução da questão da qualificação, designadamente a dissuasão de incumprimentos por clientes e ressarcimento do prejuízo que o operador suporte com a resolução antecipada:
- «não são determinantes para a qualificação do montante predeterminado no contrato de prestação de serviços, de que o cliente é devedor em caso de resolução antecipada desse contrato, o facto de o montante fixo ter como finalidade dissuadir os clientes de incumprirem o período mínimo de vinculação ao contrato e ressarcir o prejuízo que o operador sofre com o incumprimento desse período (...)» (parágrafo 70).
Por isso, não tem relevo para a decisão da causa saber qual é a finalidade ou natureza das quantias pagas por incumprimento de fidelização, designadamente o alegado pela Requerente de que a resolução antecipada do contrato implica para a Requerente um prejuízo decorrente da perda do investimento efetuado, sendo, para além do mais, para compensar este dano que é contratualizado o pagamento da indemnização.
III.6. Pedidos subsidiários
A Requerente pede «A título subsidiário, caso não seja dado provimento ao pedido anteriormente apresentado, deverá ainda assim, haver lugar à anulação da decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico referente às liquidações de IVA alusivas aos meses de abril a dezembro de 2013 e respeitantes aos juros compensatórios de janeiro a dezembro de 2013, melhor identificadas supra, na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou, em alternativa, assegurar-se à Requerente o recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas».
Como é sabido, o contencioso tributário, e em concreto o contencioso arbitral tributário, é um contencioso de mera anulação, desenhado para aferir a legalidade dos atos tributários e, verificando-se a sua ilegalidade, retirar as consequências imediatamente daí decorrentes.
Ora, o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, pois é uma eventualidade posterior ao momento em que devia ter sido liquidado o imposto, que deve ser incluído nas faturas (artigo 37.°, n.° 1, do CIYA) e é exigível a partir desse momento (artigo 8.°, n.° 1, do mesmo Código).
Por isso, o não pagamento não é fundamento de anulação parcial das liquidações, mas apenas pode viabilizar a regularização, nos termos do artigo 78.° ou dos artigos 78.°-A a 78.°- D do CIYA , interpretados à luz do artigo 90.° da Diretiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.
No entanto, é um facto que o TJUE entendeu, no parágrafo 56 do acórdão referido «acrescentar, para todos os efeitos úteis e como a advogada-geral salientou no n.° 55 das suas conclusões, que, se for necessário, caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».
No referido n.° 55 das conclusões da Advogada-Geral, para que remete o acórdão do TJUE, refere-se que «a dívida tributária da empresa deve necessariamente ser corrigida, nos termos do disposto no artigo 90° da Diretiva IVA, se se apurar, com segurança suficiente, que o seu cocontratante já não efetuará qualquer pagamento».
Assim, no entendimento do TJUE, que confirma que o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, a não anulação parcial pretendida pela Requerente, na medida em que aponta no sentido de as liquidações deverem ser “corrigidas”, e não anuladas, os montantes faturados, mas não pagos pelos clientes, tem de ser entendida como não prejudicando o dever de as autoridades nacionais competentes procederem «nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».
É de notar, porém, que ao referir-se às « nacionais, o TJUE não está a aludir ao Tribunal Arbitral (que na terminologia do acórdão é designado como «órgão jurisdicional de reenvio»), mas sim às autoridades tributárias competentes para a regularização do IVA prevista no artigo 90.° da Diretiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28- 11-2006.
Por outro lado, à face da regulamentação prevista nos referidos artigos 78.° e 78.°-A a 78.°-D do CIVA, a regularização depende do preenchimento de pressupostos que cabe ao sujeito passivo demonstrar, pelo que também por este motivo está afastada a possibilidade de este Tribunal Arbitral restringir a anulação aos montantes faturados que foram pagos.
No entanto, no entendimento do TJUE, o afastamento da anulação quanto ao IVA correspondente aos montantes faturados não pagos é indissociável de caber «às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu», pelo que a decisão de não anulação das liquidações terá de ser acompanhada da mesma mesma estatuição.
Neste contexto, é de notar que, embora o direito nacional preveja limitações aos poderes de cognição dos tribunais num meio contencioso de anulação (como é o processo arbitral, meio alternativo ao processo de impugnação judicial), em face da supremacia do Direito da União e da jurisdição do TJUE na sua interpretação, que resulta dos citados artigo 8.° n.° 4, da CRP e do artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a decisão de improcedência do pedido de anulação parcial terá de ficar sujeita à mesma estatuição, nos precisos termos em que ela foi definida.
Os princípios da neutralidade do IVA e da tutela judicial efetiva (artigos 20.°, n.° 1, e 268.°, n.° 4, da CRP), que a Requerente invoca neste contexto, ficam satisfeitos com a garantia da possibilidade de regularização, que o acórdão do TJUE impõe que seja assegurada, com a consequente possibilidade de a Requerente pedir ao tribunal competente as providências que entender adequadas, no caso de ela não lhe ser assegurada.
Neste termos, em sintonia com o que decidiu o TJUE sobre os montantes faturados que não foram pagos, improcede o pedido subsidiário, «cabendo às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».
No que concerne ao pedido alternativo do pedido subsidiário, de que seja assegurado à Requerente « recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas», é manifesto que não se insere nas competências deste Tribunal Arbitral definidas no RJ AT decidir mais do que o que decidiu o TJUE sobre a possibilidade de regularização.
III.7. Questão do valor base a considerar para a liquidação de imposto
A Requerente peticiona, também a título subsidiário, a anulação parcial dos referidos atos de liquidação, tendo por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado.
Defende a Requerente que o montante de imposto a entregar ao Estado, com referência ao ano de 2013, deveria considerar-se incluído no valor já debitado e cobrado aos seus clientes.
Invoca a Requerente em abono da sua posição o acórdão do TJUE “Corina Hrisi Tulica”, de 7 de Novembro de 2013, proferido nos processos apensos C-249/10 e C-250/12, em que se entendeu que «a Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, nomeadamente os seus artigos 73.° e 78.°, deve ser interpretada no sentido de que, quando o preço de um bem tenha sido determinado pelas partes sem menção do imposto sobre o valor acrescentado e o fornecedor do referido bem seja o devedor do imposto sobre o valor acrescentado devido sobre a operação tributada, e caso o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal, se deve considerar que o preço convencionado já inclui o imposto sobre o valor
Como resulta dos termos em que a Requerente coloca a questão ela reporta-se às quantias cobradas (portanto, a momento posterior à liquidação, que deveria ser efetuada no momento da emissão das faturas) e do próprio teor deste acórdão do TJUE, a quantificação em causa tem como pressuposto que «o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal».
Não se tratando de vício referente às liquidações impugnadas, por o seu fundamento ser posterior ao facto tributário, não se justifica a anulação parcial das liquidações com este fundamento, sem prejuízo de, na sequência de eventual demonstração da impossibilidade de recuperação a questão poder ser colocada, matéria que não cabe a este Tribunal Arbitral apreciar no presente processo.
III .8. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente
III.8.1 Questão da violação do Direito da União e do princípio da legalidade e da tipicidade tributária
A Requerente imputa à posição da Autoridade Tributária e Aduaneira violação do artigo 8.°, n.° 4, da CRP, que estabelece a supremacia do Direito da União.
No entanto, como resulta do acórdão do TJUE, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira consubstancia correta aplicação do Direito da União.
A este propósito, cumpre notar que, conforme a própria Requerente reconhece nos art.°s 305.° e 306.° do seu Requerimento inicial, e nos termos melhor desenvolvidos anteriormente, se julgam verificados, integralmente, os pressupostos do acórdão do TJUE de 22-11-2018, proferido no processo n.° C-295/17, ou seja, verifica-se a correspondência entre o montante da indemnização faturada e o montante que o sujeito passivo teria recebido pela remuneração dos serviços contratados caso aquele período de fidelização não fosse incumprido e a ausência de alteração da relação económica entre o sujeito passivo e o seu antigo cliente.
Pela mesma razão de se estar perante correta aplicação do Direito da União, não se deteta violação do princípio da legalidade tributária, que resulta do artigo 103.° da CRP.
III.8.2. Questão da violação do artigo 104.°, n.° 4, da CRP
A Requerente invoca ainda violação do artigo 104.°, n.° 4, da CRP, que estabelece que «a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo», por não existir «ato de consumo».
No entanto, para além de esta norma não restringir a tributação do consumo aos casos em que há um « ato de consumo», expressão que não consta do seu texto, ela não afasta a aplicabilidade da tributação do consumo nos termos em que está prevista no Direito da União, cujas normas a própria Constituição reconhece no artigo 8.°, n.° 4,«na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Sendo manifesto que este n.° 4 do artigo 104.° da CRP não consubstancia qualquer dos «princípios fundamentais» que são enunciados nos artigos 1.° a 11.° da CRP, não ocorre também esta alegada inconstitucionalidade.
III .8 3. Questão da violação do princípio da justiça
Não se divisa, nem é explicitada pela Requerente, a invocada violação do princípio da justiça na imposição da liquidação de IVA aos agentes económicos que são considerados sujeitos passivos, acompanhada das possibilidades de regularização.
Em última análise, a Requerente é responsabilizada tributariamente pela omissão de deveres tributários que a lei lhe impõe, o que, em vez de se reconduzir a violação do princípio da justiça, é uma sua concretização.
Pelo exposto, não enferma de vício de violação do princípio da justiça a posição adotada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
III.8.4. Questão da violação dos art.°s 13.°, 20./1 e 268./4 da CRP
No decurso do processo, a Requerente arguiu, ainda, a violação do disposto nos art.°s 13.°, 20.71 e 268.74 da CRP, na medida em que não seja atendida a pretensão de anulação das liquidações objeto da presente ação arbitral, na proporção correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou assegurar à Requerente uma alternativa, em termos úteis e eficazes, que garanta que o imposto apenas possa incidir sobre as indemnizações recebidas, porquanto à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva, impõe-se que à Requerente sejam assegurados os meios para legitimamente defender os seus interesses e, com isso, esteja em condições de arredar da sua esfera atos tributários que, de forma manifesta, contrariam as normas e princípios (como o da neutralidade) fundamentais do IVA.
Ressalvado o respeito devido, não se poderá conceder razão à Requerente.
Com efeito, como se referiu oportunamente, o contencioso arbitral tributário é, por legítima opção legislativa, de mera anulação, cabendo à AT a primeira palavra no que à execução das decisões jurisdicionais diz respeito, e estando previstos meios próprios de reacção à execução dos julgados que seja levada a cabo por aquela, com o que fica suficientemente garantido o direito à tutela jurisdicional efetiva invocado pela Requerente.
De resto, o que a Requerente pretende, no fundo, é antecipar a tutela de uma situação futura e incerta, ou seja, que em sede de execução do presente julgado, a AT não dê cumprimento à vinculações legais, nacionais e comunitárias, e processuais, que sobre ela impendem, em prejuízo da Requerente, situação que, manifestamente, crê-se, não se pode ter como certa.
Por outro lado, na presente decisão não é efetuada qualquer interpretação que obrigue a Requerente a pagar integralmente o IVA liquidado adicional mente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mostrando-se cumpridas as condições e formalismos previstos nos art.°s 78.° e 78.°-A, do Código do IVA, uma vez que tal questão não foi objeto de apreciação na presente ação arbitral, na medida em que, como anteriormente desenvolvido, tais condições e formalismos integram circunstâncias supervenientes ao facto tributário, e, como tal, não insuscetíveis de contender com a legalidade das liquidações, que é o que cumpre aferir no contencioso de mera anulação, em que nos situamos.
III.9. Questão da violação do princípio da igualdade
A Requerente, desde os art.°s 372 e ss., do seu requerimento inicial, invocou que Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que apenas houvesse lugar à liquidação adicional de IVA sobre os montantes indemnizatórios associados à violação do período de fidelização que foram efetivamente recebidos de (antigos) clientes particulares pelos operadores.
Está-se perante matéria que tem natureza vinculada, pois os artigos 8.° do e 37.° do CIVA (com cobertura na possibilidade prevista no artigo 66.° da Diretiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006,) impunham que a liquidação de IVA fosse efetuada nas faturas, sem prejuízo da eventual regularização, nos casos de incobrabilidade das quantias faturadas.
Por isso, estando-se perante matéria subordinada ao princípio da legalidade, não tem eficácia invalidante o eventual tratamento ilegal que a Autoridade Tributária e Aduaneira tenha dado a outras situações .
Por outro lado, e em todo o caso, só se poderia equacionar a violação do princípio da igualdade como afetando a legalidade das liquidações impugnadas se existissem tratamentos discriminatórios anteriores às liquidações.
Improcede assim, o pedido de pronúncia arbitral, quanto a este vício que a Requerente imputa às liquidações impugnadas.
III.10 Segunda questão de direito
A Requerente levanta uma segunda questão, relativamente a IVA regularizado a favor da Requerente, no montante de €544,01, respeitante a números de contribuintes “inválidos ou inexistentes”, que a AT concluiu não cumprir os requisitos legalmente impostos.
Relativamente às liquidações do imposto referido, a Requerente argui, por um lado, a falta de fundamentação de tais liquidações, e, por outro, a violação de lei, por erro nos pressupostos de direito.
Antes de mais, cumpre notar, relativamente a esta matéria, que a Requerida, quer em sede de resposta, quer em sede de alegações, não se opôs, por qualquer forma, à pretensão da Requerente ora em causa.
Posto isto, dispõe o art.° 124.° do CPPT, que:
“1- Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Publico ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”.
Em execução do disposto na norma transcrita, conhecer-se-á do arguido vício de violação de lei, por ser o que determina a mais estável e eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Como se escreveu no Ac. do STA de 14-12-2011, proferido no processo 076/11:
“I - Só através da factura (ou documento equivalente) que respeite todas as exigências do artigo 35.°, n.° 5 do CIVA o sujeito passivo poderá provar o facto tributário e exigir o direito à dedução.
II- A alínea a) do n° 5 do art. 35° impõe a obrigação das facturas mencionarem a identificação fiscal dos sujeitos passivos, mas não comete explicitamente ao adquirente a obrigação de controlar se essa identificação é ou não verdadeira.
III- A circunstância de não se ter actualizado o número fiscal nos livros de facturas e de esse número não ser válido perante o registo administrativo, não é suficiente, por si só, para se deixar de considerar o emitente de tais documentos como sujeito passivo para efeitos da dedução do imposto neles facturado.”.
Neste termos, aderindo-se à fundamentação do aresto referido, haverá que anular as liquidações de imposto em questão, no valor de € 544,01, procedendo nessa parte o pedido arbitral.
III .11. Indemnização por garantia indevida
A Requerente formulou pedido de indemnização por garantia indevida, para a «eventualidade de se considerar que assiste razão ao Requerente neste processo».
Como decorre de todo o exposto, é de entender que assiste razão à Requerente, relativamente à liquidação de imposto, em violação da lei, no montante de € 544,01.
A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art.° 24.° do RJ AT.
No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.”
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do art. 171.° do CPPT.
Como se referiu na decisão proferida no Processo n° 28/2013-T “é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.° 1 do referido art. 171.° do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”
Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.° da LGT, que estabelece o seguinte:
“l. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
No caso em apreço, verifica-se que o erro que padecem os atos de liquidação parcialmente anulados é imputável à Entidade Requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
Tem, por isso, a Requerente direito a indemnização pela garantia prestada, com referência unicamente ao valor cuja anulação foi determinada e não se encontra ainda pago.
No entanto, não foram alegados nem provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que aquela tem direito, o que só poderá ser efetuado em execução desta decisão.
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a. Julgar improcedente o pedido principal de anulação total das liquidações e da decisão do recurso hierárquico que as manteve;
b. Julgar improcedente o pedido subsidiário de anulação parcial das liquidações e da decisão do recurso hierárquico «na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes», mas declarar, em consonância com o decidido pelo TJUE, que cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira «proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente», se necessário, em execução do presente julgado;
c. Julgar improcedente o pedido subsidiário de anulação parcial das liquidações e da decisão do recurso hierárquico, na medida em que não têm por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado;
d. Julgar procedente o pedido de anulação parcial da decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico referente às liquidações relativas aos meses de abril, outubro e novembro de 2013, proferida pelo Subdiretor-geral da AT, em 08-08-2017, bem como das liquidações n.°s …………519, ………….756, ………………….524, ………………….884, …………..890 e …………891, todas elas respeitantes a IVA e a juros compensatórios, respeitantes ao ano de 2013, na parte correspondente às liquidações relativas às regularizações de IVA efetuadas a favor da Requerente, no montante de € 544,01;
e. Julgar parcialmente procedente o pedido indemnização por garantia indevida, nos termos supra expostos, relativamente àquele montante de € 544,01.
f. Condenar as partes nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o montante de € 22.024,77, a cargo da Requerente, e de € 7,23 a cargo da Requerida. “
III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.° 589/2017-T, que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de IVA, e, bem assim dos correspondentes JC.
Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão arbitral padece de nulidade por:
i. Oposição dos seus fundamentos com a decisão;
ii. Falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e
iii. Omissão de pronúncia.
Apreciando.
Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:
a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b-Oposição dos fundamentos com a decisão;
c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;
d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .
Ora, subsumindo-se as arguidas nulidades, no citado normativo, concretamente, nas três primeiras alíneas supra invocadas, vejamos, então, se as mesmas procedem.
Apreciando.
Comecemos pela nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão.
Neste concreto particular, cumpre, desde já, evidenciar que a Impugnante argui essa nulidade numa tripla vertente, ou seja, aloca-a primeiramente à questão prévia atinente à falta de fundamentação, depois ao vício inerente à ilegalidade substantiva e finalmente ao pedido subsidiário.
Concretizemos sumariamente a sua pretensão.
Alega, desde logo, a Impugnante no que tange ao tema da questão prévia suscitada no pedido de pronúncia arbitral, mais concretamente sobre o vício de falta de fundamentação de que padeciam parte dos atos de liquidação de IVA, que a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral está em total oposição com a fundamentação de facto e de direito e, por isso, deve ser tida como nula ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT.
Densifica, nesse âmbito, que o Tribunal Arbitral de forma contraditória e incoerente reconhece a divergência quantitativa entre as correções efetuadas no Relatório de Inspeção Tributária e os valores dos atos de liquidação impugnados, concluindo, no entanto, que os mesmos estão devidamente fundamentados e como tal mostram-se conformes ao disposto no artigo 77.º da LGT.
Advoga, adicionalmente, que a decisão impugnada incorre na mesma nulidade quanto ao vício de ilegalidade substantiva, porquanto pese embora o Tribunal Arbitral, sufrague na sua fundamentação que iria acatar – por imperativo constitucional –, as orientações veiculadas pelo TJUE, no Acórdão C-295/17, a verdade é que, com a sua decisão, acabou por desconsiderar os dois elementos interpretativos cuja verificação no caso concreto aquele Tribunal Europeu fazia depender para que as indemnizações aí em análise estivessem sujeitas a IVA.
Corporiza, neste âmbito, que o Tribunal Arbitral dá como provados factos que conduzem, num processo lógico e seguindo o comando constitucional de obediência à jurisprudência comunitária, a solução oposta àquela que foi adotada relativamente ao pedido principal.
Ainda no domínio da oposição e, ora, alocada ao pedido subsidiário advoga que tendo em conta os factos dados como provados pelo próprio Tribunal Arbitral nos pontos 56 e 57 da sua fundamentação de facto, não é logicamente compreensível a decisão deste Tribunal ao concluir que, quando emitiu as liquidações, não podia a Impugnada, nos termos da lei, emiti-las apenas considerando os montantes faturados e efetivamente recebidos.
Vejamos, então, se a decisão padece das arguidas nulidades.
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125, nº.1, do CPPT (1) e no RJAT, está, como visto, expressamente regulado no artigo 28.º, nº1, alínea b).
Sendo que, o artigo 615.º nº.1, alínea c), do CPC, preceitua, igualmente, que é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Concatena-se, assim, com a necessidade de um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artigo 154.º, nº 1, do CPC.
Com efeito, o vício em análise, tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, que terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada (2).
No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que atentando no seu teor conclui-se que a mesma não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que tendo decidido pela improcedência do pedido, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido.
Note-se que são realidades díspares e não confundíveis a nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e a mera discordância com a fundamentação jurídica.
In casu, cotejando a decisão supra expendida, no concreto domínio da falta de fundamentação, é enunciado o quadro normativo, abordadas as caraterísticas essenciais da fundamentação, convocada jurisprudência de relevo para o caso em concreto, e ulteriormente, mediante transposição para a situação fática em apreço, conclui de forma clara e totalmente coerente pela inexistência do aduzido vício formal.
Como visto, a Impugnante entende que tal decisão está em contradição com a factualidade constante no acervo fático dos autos, mormente, a enunciada nos pontos 7,8, 13, 15 e 17, e isto porque se deu por provada a existência de uma divergência no valor de €79.759,95, logo não se pode julgar não verificado o vício formal da falta de fundamentação.
Porém, a aludida alegação não pode comportar a arguida nulidade nos moldes em que o foi podendo, quando muito, traduzir um erro de julgamento. Percebe-se que a Impugnante discorda do sentido decisório, que reputa que a existência do diferencial quantitativo acarretava, per se, a procedência do vício de falta de fundamentação, e que o Tribunal Arbitral, erradamente, assim o não entendeu. Mas, a verdade é que tal não configura qualquer contradição.
Senão vejamos.
O Tribunal arbitral densificou o vício à luz do recorte fático, assumindo a divergência quantitativa, ajuizando, no entanto, que o mesmo não acarretaria a procedência do vício invocado nos moldes e com a extensão propugnada.
Daí resulta, portanto, que ajuizou, de forma clara, objetiva e sem que possa ser convocada qualquer contradição que inexistia a arguida falta de fundamentação. Logo, a fundamentação é perfeitamente lógica, coerente e inteligível e consonante com o sentido decisório da sua improcedência.
Por forma a retratar, de forma fidedigna, o supra expendido atente-se na fundamentação jurídica constante na decisão impugnada, nesse concreto particular:
“Descendo ao caso concreto, verifica-se que os atos de liquidação em questão ocorreram na sequência de procedimento inspetivo e em conformidade com o relatório de inspeção tributária homologado por despacho, relatório esse onde constam os fundamentos das liquidações em causa, que a Requerente, desde a reclamação graciosa, demonstrou compreender, tomando, de maneira fundada, a decisão de não aceitar.
Mais se verifica que as demonstrações de liquidação de IVA notificadas, contêm os valores corrigidos por referência às declarações periódicas de imposto submetidas pela Requerente, pelo que esta disporá de todos os elementos necessários para aferir, se, a final, o imposto liquidado foi, efetivamente, aquele que resulta das correções determinadas no RIT, ou não.
Deste modo, entende-se que, considerado o contexto concreto em que foram produzidos os atos de liquidação em questão nos presentes autos, será percetível, para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, que os fundamentos daqueles são os constantes do relatório de inspeção que os precedeu, sendo certo que mais se afigura evidente que a Requerente compreendeu isso mesmo.
A situação configurada pela Requerente, de resto, não será, segundo se julga, enquadrável num défice de fundamentação.
Efetivamente, a arguida circunstância de existir uma discrepância entre os valores que constam do RIT a título de IVA a ser liquidado adicionalmente e os valores a pagar constantes das liquidações, não se reconduzirá a uma deficiência da fundamentação, mas, quando muito, a um erro de direito ou de facto, ou, eventualmente, até a um erro material ou de escrita, na medida em que se pudesse reconduzir a um lapso na transposição dos valores constantes do RIT para o documento de liquidação.
Dito de outro modo, é precisamente por existir fundamentação (sendo que a circunstância de esta ser acertada ou não, não releva sob o ponto de vista da sua existência), que permite à Requerente construir a argumentação de que haveria uma discrepância entre as quantias que o RIT determinou como devidas, e aquelas que lhe foram liquidadas.
Deste modo, e face ao exposto, nada haverá a censurar, na perspetiva do dever de fundamentação, aos atos tributários objeto do presente processo, quer a nível legal quer a nível constitucional, não se mostrando violado qualquer dos normativos indicados pela Requerente.”
Ora, face ao exposto resulta inequívoco que inexiste qualquer contradição, entre os fundamentos e a decisão, porquanto a decisão é perentória em afirmar que a alegação da Impugnante em nada pode configurar um défice de fundamentação, explicitando que a aduzida discrepância, poderá, quando muito, determinar erro de direito ou de facto.
Logo, independentemente da bondade ou acerto da decisão -cujo conhecimento não releva porquanto exorbita os poderes de cognição deste tribunal- certo é que inexiste qualquer oposição e os fundamentos da decisão.
Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Nessa medida, caso se verifique um fundamento de anulação, este Tribunal deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra (3).
Há, portanto, que concluir que os fundamentos expressos pelo Tribunal Arbitral não conduziriam a uma solução de sentido antagónico, o mesmo é dizer que a proposição final (conclusão) revela-se compatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), inexistindo, assim, vício de raciocínio, donde nulidade.
Prosseguindo.
Quanto ao vício substantivo, mais uma vez as alegações da Impugnante em nada podem consubstanciar a aduzida nulidade, configurando, in limite, erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.
Com efeito, mais uma vez se perceciona que a Impugnante não se conforma e discorda frontalmente com a ajuizada improcedência, porquanto não analisou, com o devido rigor e adequada transposição, a Jurisprudência Comunitária que, ademais, cita.
Mas, a verdade é que se o Tribunal arbitral desconsiderou -bem ou mal, não importa para a presente lide- os dois elementos interpretativos avalizados pelo Tribunal Europeu para efeitos de apreciação casuística da tributação das indemnizações em contenda, tal em nada comporta a aduzida contradição.
Note-se, neste concreto particular, que a Decisão arbitral foi isenta de qualquer contradição, tendo abordado as premissas de direito e os elementos factuais com inteligibilidade, e remetendo, na íntegra, para o Acórdão do TJUE que acarretou a suspensão da instância, estabelecendo depois a devida transposição para o recorte fático dos autos.
A asseverar o supra expendido atente-se no seguinte teor:
“[e]m sintonia com o decidido pelo TJUE, deve considerar-se que os referidos montantes recebidos a título de indemnização por incumprimento dos contratos constituem a contraprestação de uma prestação de serviços para efeitos de IVA: « a remuneração de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso e, como tal, sujeita a esse imposto»(parágrafo 57).
Sendo assim, o IVA era exigível à Requerente, se não antes, nos momentos em que foram emitidas as faturas relativas aos montantes designados como «Indemnização Incumprimento Contratual», nos termos dos artigos 8.°, n.° 1, do CIVA, sendo o valor tributável o da contraprestação obtida ou a obter do destinatário, como resulta do artigo 16.°, n.° 1, do CIVA.
Na verdade, por força do disposto no artigo 37.°, n.° 1, do CIVA, «a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da fatura, para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços».
A possibilidade de regularização, que se coloca após a emissão das faturas, como se verá adiante, não é suscetível de se revestir de qualquer relevância para efeitos desta obrigação de liquidação de IVA nas faturas emitidas.
Em face do decidido pelo TJUE e do dever de acatamento da sua jurisprudência, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente sobre a qualificação como «remuneração de prestação de serviços» dos montantes faturados por incumprimento de períodos de fidelização, que estão subjacentes às liquidações impugnadas.”
Destarte, perceciona-se que a Impugnante, sob a “veste” de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão arguiu um erro de julgamento, visto que rigorosamente não assaca uma concreta oposição, mas apenas uma desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, na medida em que no seu entendimento interpretou, errada e ilegalmente, a Jurisprudência do TJUE vertida no citado Aresto.
Aliás, se atentarmos, com rigor, nas alegações da Impugnante, é bem patente que as mesmas se reconduzem a um erro de julgamento, ainda que apelidando de nulidade.
Sublinhe-se e enfatize-se: Se a fórmula permite ou não traduzir o quantum identificado; se foram bem ou mal aplicadas as diretrizes formuladas pelo TJUE, se existiu uma errónea ou deficitária ponderação dos parâmetros elegíveis para efeitos de consideração e apuramento do valor da indemnização pela resolução antecipada, se ocorreu uma alteração ou não da realidade económica da relação entre a Impugnante e o cliente e se as mesmas não foram, devida e idoneamente ponderadas, tais asserções em nada consubstanciam oposição, no limite erro de julgamento.
E por assim ser, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais, improcede, igualmente, a aludida nulidade.
Subsiste, a final e ainda no mesmo diapasão, mas, ora, centrado na nulidade atinente ao pedido subsidiário, em aquilatar da bondade da sua verificação. Adiantando-se, desde já, que mais uma vez não assiste razão à Impugnante, porquanto, como veremos, tais alegações apenas atestam uma discordância da Impugnante com o sentido decisório.
Explicitemos, então, por que razão assim o entendemos.
Como visto, a Impugnante convocando, designadamente, o vertido nos pontos 56 e 57, sindica que não é logicamente compreensível a decisão do Tribunal arbitral ao concluir que, quando emitiu as liquidações, não podia a Impugnada, nos termos da lei, emiti-las apenas considerando os montantes faturados e efetivamente recebidos.
Ora, é por demais evidente que respeitando os pontos 56 e 57 a realidades de facto não conexionadas com os presentes autos, e decidindo o Tribunal Arbitral que não existia qualquer vinculatividade nesse domínio, inexiste qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão. Pode, reitere-se, traduzir um erro de julgamento, mas não a aduzida nulidade.
Note-se, neste conspecto, que quanto ao pedido subsidiário, mais uma vez, o discurso é claro, objetivo e sem que se possa reclamar qualquer oposição, conforme se vislumbra, designadamente, dos seguintes excertos:
“A Requerente pede «A título subsidiário, caso não seja dado provimento ao pedido anteriormente apresentado, deverá ainda assim, haver lugar à anulação da decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico referente às liquidações de IVA alusivas aos meses de abril a dezembro de 2013 e respeitantes aos juros compensatórios de janeiro a dezembro de 2013, melhor identificadas supra, na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou, em alternativa, assegurar-se à Requerente o recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas».
Como é sabido, o contencioso tributário, e em concreto o contencioso arbitral tributário, é um contencioso de mera anulação, desenhado para aferir a legalidade dos atos tributários e, verificando-se a sua ilegalidade, retirar as consequências imediatamente daí decorrentes.
Ora, o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, pois é uma eventualidade posterior ao momento em que devia ter sido liquidado o imposto, que deve ser incluído nas faturas (artigo 37.°, n.° 1, do CIYA) e é exigível a partir desse momento (artigo 8.°, n.° 1, do mesmo Código).
Por isso, o não pagamento não é fundamento de anulação parcial das liquidações, mas apenas pode viabilizar a regularização, nos termos do artigo 78.° ou dos artigos 78.°-A a 78.°- D do CIVA , interpretados à luz do artigo 90.° da Diretiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.
No entanto, é um facto que o TJUE entendeu, no parágrafo 56 do acórdão referido «acrescentar, para todos os efeitos úteis e como a advogada-geral salientou no n.° 55 das suas conclusões, que, se for necessário, caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».
No referido n.° 55 das conclusões da Advogada-Geral, para que remete o acórdão do TJUE, refere-se que «a dívida tributária da empresa deve necessariamente ser corrigida, nos termos do disposto no artigo 90° da Diretiva IVA, se se apurar, com segurança suficiente, que o seu cocontratante já não efetuará qualquer pagamento».
Assim, no entendimento do TJUE, que confirma que o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, a não anulação parcial pretendida pela Requerente, na medida em que aponta no sentido de as liquidações deverem ser “corrigidas”, e não anuladas, os montantes faturados, mas não pagos pelos clientes, tem de ser entendida como não prejudicando o dever de as autoridades nacionais competentes procederem «nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».
É de notar, porém, que ao referir-se às « nacionais, o TJUE não está a aludir ao Tribunal Arbitral (que na terminologia do acórdão é designado como «órgão jurisdicional de reenvio»), mas sim às autoridades tributárias competentes para a regularização do IVA prevista no artigo 90.° da Diretiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28- 11-2006. ( )
Por outro lado, à face da regulamentação prevista nos referidos artigos 78.° e 78.°-A a 78.°-D do CIVA, a regularização depende do preenchimento de pressupostos que cabe ao sujeito passivo demonstrar, pelo que também por este motivo está afastada a possibilidade de este Tribunal Arbitral restringir a anulação aos montantes faturados que foram pagos.
No entanto, no entendimento do TJUE, o afastamento da anulação quanto ao IVA correspondente aos montantes faturados não pagos é indissociável de caber «às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu», pelo que a decisão de não anulação das liquidações terá de ser acompanhada da mesma mesma estatuição.
Neste contexto, é de notar que, embora o direito nacional preveja limitações aos poderes de cognição dos tribunais num meio contencioso de anulação (como é o processo arbitral, meio alternativo ao processo de impugnação judicial), em face da supremacia do Direito da União e da jurisdição do TJUE na sua interpretação, que resulta dos citados artigo 8.° n.° 4, da CRP e do artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a decisão de improcedência do pedido de anulação parcial terá de ficar sujeita à mesma estatuição, nos precisos termos em que ela foi definida.
Os princípios da neutralidade do IVA e da tutela judicial efetiva (artigos 20.°, n.° 1, e 268.°, n.° 4, da CRP), que a Requerente invoca neste contexto, ficam satisfeitos com a garantia da possibilidade de regularização, que o acórdão do TJUE impõe que seja assegurada, com a consequente possibilidade de a Requerente pedir ao tribunal competente as providências que entender adequadas, no caso de ela não lhe ser assegurada .
Neste termos, em sintonia com o que decidiu o TJUE sobre os montantes faturados que não foram pagos, improcede o pedido subsidiário, «cabendo às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente».
No que concerne ao pedido alternativo do pedido subsidiário, de que seja assegurado à Requerente « recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas», é manifesto que não se insere nas competências deste Tribunal Arbitral definidas no RJAT decidir mais do que o que decidiu o TJUE sobre a possibilidade de regularização.”
Do supra expendido resulta que a Impugnante entende que o Tribunal Arbitral incorreu em erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto desconsiderou premissas de facto e de direito que, ademais, foram atendidas noutra esfera e circunstâncias, as quais, no seu entendimento, cominariam os atos de vício de violação de lei.
Resulta, assim, que tais asserções em nada redundam em nulidade quando muito em erro de julgamento, o qual, como já devidamente explanado, está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal.
E por assim ser, face a todo o exposto improcede a arguida nulidade.
Atentemos, ora, na nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito.
Mais uma vez, a Impugnante argui essa nulidade em mais do que uma vertente, concretamente, questiona e imputa a sua presença ao vício formal da falta de fundamentação, e bem assim ao pedido subsidiário.
Alega a Impugnante, quanto ao aduzido vício formal da falta de fundamentação que a decisão arbitral é total e absolutamente omissa na especificação de fundamentos de facto e de direito dos quais pudesse resultar a ideia de que a Impugnante teria condições para discernir as razões pelas quais a Impugnada havia efetuado correções de um determinado montante no Relatório de Inspeção Tributária e, posteriormente havia emitido liquidações de imposto de valor distinto.
Adensa, para o efeito, que o Tribunal Arbitral não podia responder negativamente à questão colocada, ou seja, a de saber se os atos de liquidação de IVA padeciam, em parte, de um vício de falta de fundamentação, atendendo à existência de uma divergência entre o arguido no Relatório de Inspeção Tributária e o constante naqueles atos, fundamentando, precisamente, tal resposta com o argumento de que essa divergência só poderia ter sido detetada por haver fundamentação.
Mais sustenta, no atinente ao pedido subsidiário que o Tribunal Arbitral, ao concluir que o não recebimento de parte dos montantes indemnizatórios que foram faturados pela Impugnante aos seus antigos clientes não justifica a anulação das liquidações assume -em violação frontal da interpretação do artigo 90.º da Diretiva do IVA propugnada pela Advogada Geral e pelo TJUE no Processo C-295/17 – que a Impugnada não estava vinculada a emitir as mesmas liquidações apenas tendo por referência os montantes indemnizatórios faturados e efetivamente recebidos.
Densifica, ainda para o efeito, que o Tribunal Arbitral ignorou que se a Impugnada tivesse seguido, por referência ao ano de 2013, o critério que esteve na génese do IVA pago pela Impugnante, por referência ao ano de 2015, então só poderia estar sujeita ao pagamento de uma eventual liquidação adicional de imposto que não ultrapassaria a importância de € 88.731,86 (€ 385.790,70 * 23%).
Conclui, in fine, que nem sequer consta da decisão arbitral qualquer fundamentação que pudesse contribuir para que a Impugnante compreendesse os motivos pelos quais o Tribunal Arbitral considerou legal e aceitou que a Impugnada tivesse moldes de atuação distintos face à Impugnante, em situações em tudo similares a outros operadores, em situações também em tudo similares.
Apreciando.
Preceitua o artigo 125.º do CPPT, que constitui causa de nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão.
O que corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.
De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Estatui, por seu turno, o artigo 28.º, nº1, alínea a) do RJAT que é fundamento de impugnação da decisão arbitral a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Quanto à falta de fundamentação de facto, a Doutrina (4) tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (5)”.
Ora, no caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item II.1 epigrafado de “Matéria de facto” estão elencados os factos provados, existindo expressa menção no item II.2 que “com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados”.
Resultando, ainda, no ponto II.3 intitulado de “fundamentação da matéria de facto provada e não provada”, a motivação inerente à aludida fixação, com a indicação dos respetivos meios probatórios, concretamente, prova documental e testemunhal elencando as razões para a sua asserção, relevância e credibilidade.
Mais identificando as razões pelas quais reputava de irrelevante o pedido de instrução adicional requerido pela Impugnante e concatenado com a junção de acordos/e ou negociações.
Daí resulta, portanto, quanto à enumeração dos factos provados, e à concreta motivação da decisão da matéria de facto, que foram analisados, de forma suficiente, fundamentada e criticamente as provas, e especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgado, pelo que inexiste nulidade por falta de fundamentação de facto.
Logo, como é bom de ver, não assiste qualquer razão à Impugnante quando aduz que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, sendo que ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é unânime e já evidenciado, na doutrina e na jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito (6)”.
Como tradicionalmente perfilhado por Alberto dos Reis (7), a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, é preciso distinguir-se entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”
No caso vertente, mais uma vez, há que evidenciar que as alegações que a Impugnante elencou para efeitos da nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito, seja quanto ao vício da falta de fundamentação, seja no domínio do pedido subsidiário mais não representam que argumentos, defesas concatenados com o erro sobre os pressupostos de facto e de direito, donde inteiramente concatenados com o erro de julgamento.
Inversamente ao propugnado pela Impugnante, e inclusive atenta a transcrição supra expendida a propósito da abordagem da outra nulidade e para qual, ora, se remete por forma a evitar um juízo epanafórico e sem qualquer valia adicional, conseguem-se discernir as razões pelas quais a Impugnada (ATA) realizou as aludidas correções e emissão dos ulteriores atos de liquidação. É certo que, pode discordar-se do juízo sentenciado no Tribunal arbitral, mas tal em nada representa uma falta de fundamentação quer de facto, quer de direito.
Aliás, neste concreto particular, basta atentar, designadamente, no ponto 58 das suas alegações para se inferir que, mais uma vez, se perceciona que o mote e o cerne são discordâncias do iter de entendimento, erros de concreta valoração da prova produzida, na medida em que a mesma advoga, de forma clara, que “o Tribunal Arbitral não podia responder negativamente à questão colocada (saber se os atos de liquidação de IVA padecem, ainda que em parte, de um vício de falta de fundamentação, atendendo à existência de uma divergência entre o arguido no Relatório de Inspeção Tributária e o constante naqueles atos), fundamentando tal resposta com o argumento de que essa divergência só poderia ter sido detetada por haver fundamentação”.
No seu entendimento equacionou mal a questão, porquanto, não obstante tenha atendido a uma divergência em termos de quantum errada e ilegalmente conclui, com total desacerto, pela inexistência do sindicado vício.
Frisamos e reiteramos, se a decisão impugnada ponderou bem ou mal a prova carreada aos autos, mormente, o teor do RIT em confronto com os atos de liquidação e sua inerente cominação jurídica tal redunda em erro de julgamento.
E no mesmo sentido se conclui no sentido do pedido subsidiário.
Com efeito, as aludidas alegações contempladas em 186.º a 205.º estão inteiramente concatenadas com o erro de julgamento, sendo certo que face ao teor da decisão impugnada para o qual, ora, se remete, é por demais evidente que existe uma fundamentação, quer de facto e de direito, pelas quais o pedido subsidiário deve improceder.
Sendo que, inversamente ao por si aduzido existe abordagem, ainda que em sentido inverso ao por si pretendido, daí se inferindo a concreta irrelevância, quanto à aplicação do critério relevado pela Impugnada nas correções respeitantes ao ano de 2015.
Inexiste, contrariamente ao por si expendido -e sem que possa encontrar qualquer guarida nas interpretações doutrinais e jurisprudenciais que convoca, designadamente, em 200.º a 204.º, porquanto não transponíveis para o caso vertente- a aduzida nulidade porquanto há discriminação da matéria de facto provada e não provada, inexiste qualquer deficiência, obscuridade ou deficiência na sua fixação, e ocorreu apreciação crítica da prova.
Note-se, no concreto domínio do pedido subsidiário que -o Tribunal Arbitral subdivide e intitula de principal e alternativo- estão elencadas as razões de facto e de direito que acarretam a improcedência, daí se retirando a concreta irrelevância da análise à luz do exercício de 2015, tendo inclusive sido convocada a natureza do contencioso arbitral tributário, ou seja, contencioso de mera anulação.
Pode, efetivamente, a Impugnante discordar do sentido decisório, mormente, de que “o facto de parte dos montantes que foram facturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, pois é uma eventualidade posterior ao momento em que devia ter sido liquidado o imposto, que deve ser incluído nas faturas (artigo 37,º, nº1 do CIVA)”, donde que o não pagamento não é fundamento de anulação parcial das liquidações, mas tal não determina a aduzida nulidade.
Por outro lado e no concreto domínio da questão do valor base a considerar para a liquidação do imposto consta, expressamente, que: “resulta dos termos em que a Requerente coloca a questão ela reporta-se às quantias cobradas (portanto, a momento posterior à liquidação, que deveria ser efetuada no momento da emissão das faturas) e do próprio teor deste acórdão do TJUE, a quantificação em causa tem como pressuposto que «o fornecedor não tenha a possibilidade de recuperar junto do adquirente o imposto sobre o valor acrescentado reclamado pela administração fiscal».
Não se tratando de vício referente às liquidações impugnadas, por o seu fundamento ser posterior ao facto tributário, não se justifica a anulação parcial das liquidações com este fundamento, sem prejuízo de, na sequência de eventual demonstração da impossibilidade de recuperação a questão poder ser colocada, matéria que não cabe a este Tribunal Arbitral apreciar no presente processo.”
Destarte, resulta inequívoco que existe fundamentação de facto e de direito na decisão impugnada.
Conclui-se, assim, que do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, tendo sido definida a matéria de facto relevante para a decisão da causa, convocando e apreciando os meios probatórios produzidos.
Subsequentemente, essa mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao quadro jurídico que entendeu relevante para o efeito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, permitindo aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica.
E por assim ser não pode, pois, sustentar-se que a decisão em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na decisão recorrida se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional.
Note-se que, se essa fundamentação é acertada e se o Tribunal Arbitral analisou com a devida propriedade e com acerto o litígio, já não integra nulidade da decisão, mas, tão-só, erro de julgamento o qual, como é consabido, não pode ser analisado por este Tribunal.
De enfatizar, a final, que não podemos confundir a ausência ou falta de fundamentação com a deficiência da mesma, sendo que o peso que, na solução adotada, o tribunal arbitral confere a determinada factualidade é questão que excede a impugnação da decisão arbitral, na qual apenas se cuida das nulidades taxativamente elencadas no RJAT.
Destarte, dir-se-á que a Impugnante pode, naturalmente, discordar da improcedência ajuizada pelo Tribunal Arbitral, ou até considerar que é desacertada a extrapolação atinente à prova carreada aos autos, mas não pode propugnar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por falta de fundamentação, sendo que, conforme já devidamente evidenciado anteriormente, apenas a absoluta ausência ou grave deficiência de fundamentação, quer de facto, quer de direito– de forma verdadeiramente impeditiva que o destinatário alcance o quadro factual e jurídico subjacente à decisão em contenda – pode levar ao decretamento da nulidade da decisão.
E por assim ser, considera-se que está suficientemente fundamentada a presente decisão arbitral a qual enuncia, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos respetivos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, tornando percetível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio, resolvendo, ainda que a descontento, a impugnação em apreço, pelo que improcede a arguida nulidade.
Invoca, in fine, omissão de pronúncia.
Neste âmbito advoga a Impugnante que, o Tribunal Arbitral não se pronunciou no que concerne ao pedido subsidiário, quanto à questão essencial colocada, ou seja, a de aferir se a Impugnada, na sequência e após conclusão do procedimento inspetivo relevante, está legalmente vinculada a emitir liquidações adicionais de IVA apenas tendo por referência os montantes das indemnizações faturados e efetivamente recebidos pela Impugnante.
Sendo que, também nessa linha não se pronunciou sobre a questão dos formalismos impostos à Impugnante pelos artigos 78.º n.ºs 7 e 8, 78.º-A e 78.º-B do CIVA, serem extemporâneos e inúteis, porquanto nenhuma destas normas se mostrava adequada e especificadamente pensada para solucionar o caso concreto em análise.
Apreciando.
A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.
Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (8) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
Ora, tendo presente o alegado pela Impugnante e compulsado o teor da decisão arbitral conclui-se que não assiste razão, desde logo, porque existe expressa pronúncia nesse e para esse efeito. É certo que em sentido inverso ao aduzido e pretendido pela Impugnante, mas a verdade é que existe, indiscutivelmente, pronúncia.
Senão vejamos.
No atinente ao pedido subsidiário é, desde logo, substanciado no item atinente ao efeito que a alegação se coaduna com a seguinte pretensão: “caso não seja dado provimento ao pedido anteriormente apresentado, deverá ainda assim, haver lugar à anulação da decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico referente às liquidações de IVA alusivas aos meses de abril a dezembro de 2013 e respeitantes aos juros compensatórios de janeiro a dezembro de 2013, melhor identificadas supra, na parte correspondente ao montante das indemnizações que foram faturadas pela Requerente e que nunca chegaram a ser efetivamente pagas pelos seus (antigos) clientes ou, em alternativa, assegurar-se à Requerente o recurso eficaz ao mecanismo da regularização do imposto que se considere incidir sobre as indemnizações faturadas e não pagas”.
Após essa expressa densificação refere, clara e objetivamente, que “o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, pois é uma eventualidade posterior ao momento em que devia ter sido liquidado o imposto, que deve ser incluído nas faturas (artigo 37.°, n.° 1, do CIYA) e é exigível a partir desse momento (artigo 8.°, n.° 1, do mesmo Código).”
E subsequentemente refere que “o não pagamento não é fundamento de anulação parcial das liquidações, mas apenas pode viabilizar a regularização, nos termos do artigo 78.° ou dos artigos 78.°-A a 78.°- D do CIVA , interpretados à luz do artigo 90.° da Diretiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006.”
Evidenciando, no entanto, que essa expressa apreciação exorbita as suas competências, na medida em que, na linha do doutrinado pelo TJUE “caberá às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90. ° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente”.
Adensando, para o efeito, que “no entendimento do TJUE, que confirma que o facto de parte dos montantes que foram faturados não serem pagos não é suscetível de gerar a ilegalidade das liquidações, a não anulação parcial pretendida pela Requerente, na medida em que aponta no sentido de as liquidações deverem ser “corrigidas”, e não anuladas, os montantes faturados, mas não pagos pelos clientes, tem de ser entendida como não prejudicando o dever de as autoridades nacionais competentes procederem «nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente”.
Sublinhando, no entanto, que o TJUE “ao referir-se às «nacionais» o TJUE não está a aludir ao Tribunal Arbitral (que na terminologia do acórdão é designado como «órgão jurisdicional de reenvio»), mas sim às autoridades tributárias competentes para a regularização do IVA prevista no artigo 90.° da Diretiva n.° 2006/112/CE do Conselho, de 28- 11-2006.”
Enfatizando, adicionalmente, que para a materialização da requerida regularização há que aferir se estão reunidos os pressupostos legais atinentes ao efeito, cuja demonstração compete, em primeira linha, ao sujeito passivo, e a ulterior aferição não se encontra, ademais, na sua esfera e poderes de cognição.
Afirmando, para o efeito, que “à face da regulamentação prevista nos referidos artigos 78.° e 78.°-A a 78.°-D do CIVA, a regularização depende do preenchimento de pressupostos que cabe ao sujeito passivo demonstrar, pelo que também por este motivo está afastada a possibilidade de este Tribunal Arbitral restringir a anulação aos montantes faturados que foram pagos.”
Concluindo que “em face da supremacia do Direito da União e da jurisdição do TJUE na sua interpretação, que resulta dos citados artigo 8.° n.° 4, da CRP e do artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a decisão de improcedência do pedido de anulação parcial terá de ficar sujeita à mesma estatuição, nos precisos termos em que ela foi definida.”
Desfecha, assim, que “em sintonia com o que decidiu o TJUE sobre os montantes faturados que não foram pagos, improcede o pedido subsidiário, «cabendo às autoridades nacionais competentes proceder, nas condições fixadas pelo direito nacional, à correção do IVA em conformidade, tal como previsto no artigo 90.° da Diretiva IVA, para que o IVA seja deduzido do montante que o prestador de serviços efetivamente recebeu do seu cliente”.
Logo, face ao exposto e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais a questão foi, efetivamente, objeto de pronúncia enunciando-se as razões atinentes ao efeito e que determinaram a sua improcedência, porquanto reputou que era “manifesto que não se insere nas competências deste Tribunal Arbitral definidas no RJAT decidir mais do que o que decidiu o TJUE sobre a possibilidade de regularização.”
Uma nota final, para evidenciar que inexiste, outrossim, qualquer omissão de pronúncia, quanto “à anulação parcial dos referidos atos de liquidação, tendo por base o valor das indemnizações efetivamente pagas pelos clientes, devendo o IVA considerado ser incluído no valor já debitado e efetivamente cobrado”, conforme decorre de forma clara da decisão visada, contemplada no probatório supra e de todo o expendido anteriormente, mormente, das transcrições corporizadas supra, para as quais se remete, e sem necessidade de ulteriores dilucidações.
Em face de todo o exposto, e sem necessidade de outros considerandos, dimana evidente que não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão arbitral sub judice, visto que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da Impugnante (9).
Face ao exposto, não se verifica omissão de pronúncia.
Destarte, improcede in totum a sua pretensão.
Aqui chegados, subsiste apenas por analisar ex officio a questão da dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça, relevando, desde já, que a decisão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça somente tem aplicação no âmbito da presente instância de impugnação da decisão arbitral junto deste TCAS, que não na instância arbitral (10).
Apreciando.
No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.
No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos da tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns – encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se, assim, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
***
IV. DECISÃO
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, com a consequente manutenção da decisão arbitral e com todas as legais consequências.
Custas pela Impugnante, com dispensa do remanescente na parte que excede os €275.000,00.
Registe. Notifique.
Lisboa, 15 de julho de 2025
(Patrícia Manuel Pires)
(Ângela Cerdeira)
(Tiago Brandão de Pinho)
(1) cfr.Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; Ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, processo nº 1158/09; Ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, processo nº 7435/14.
(2) vide Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985.
(3) cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes.
(4) Neste sentido Alberto dos Reis “Código de Processo Civil Anotado”: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.
(5) Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.
(6) Vide, neste sentido, por todos, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687.
(7) Ob. citada, Vol. V, pág. 140.
(8) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143
(9) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01109/12, de 07 de novembro de 2012 e bem assim Aresto do mesmo Tribunal proferido no processo nº 829/12.7 BELRA.
(10) Vide Acórdãos do TCA Sul, proferidos nos processos 9420/16 e 31/17, de 29 de junho de 2016 e 22 de março de 2018, respetivamente. |