| Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 15707/25.1BELSB | 
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| Secção: | CA | 
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| Data do Acordão: | 10/09/2025 | 
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| Relator: | MARTA CAVALEIRA | 
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| Descritores: | DIREITO À INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA PRESSUPOSTO PROCESSUAL ESPECÍFICO | 
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| Sumário: | I. No âmbito da intimação para satisfação de pedido formulado no exercício do direito à informação procedimental, a  relação jurídica que importa considerar, para aferir da legitimidade substantiva, é a que diz respeito ao direito à informação procedimental e não a que diz respeito ao procedimento objeto desse pedido de informação; II. Nas intimações judiciais para prestação de informação, com vista ao exercício do direito à informação procedimental, a que se refere o artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo, podemos identificar um pressuposto processual específico – a existência de um pedido prévio apresentado perante a Administração, o qual delimita a causa de pedir e o pedido deduzidos na intimação; III. O pedido deduzido pelo Requerente e a condenação do tribunal devem conter-se nos limites do pedido que foi dirigido à Entidade Requerida, e cuja não satisfação integral fundamenta o pedido de intimação, não podendo admitir-se um pedido de intimação à prestação de informações que não foram solicitadas à Administração. | 
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| Votação: | UNANIMIDADE | 
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| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum | 
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| Decisão Texto Integral: | I. Relatório T…, melhor identificado nos autos, intentou contra a Gebalis – Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, E.M., S.A. (GEBALIS) intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, pedindo que a Entidade Requerida seja a intimada a fornecer “no prazo de 10 dias, a resposta à interpelação formalizada pelo Requerente no dia 11 de fevereiro de 2025, no sentido de informar sobre o andamento do seu pedido de transferência de habitação municipal”, e que nessa resposta seja “esclarecido o estado atual do pedido de transferência de habitação solicitado ao município de Lisboa em 23 de setembro de 2024, identificando as etapas já realizadas, bem como os motivos do eventual atraso”, seja “concretamente informado o Requerente do estado da análise e regularização da situação habitacional do Requerente, tendo em conta as razões legítimas que fundamentam o pedido de transferência, nomeadamente as más condições de habitabilidade e as dificuldades relacionadas com as relações de vizinhança que afetam o Requerente de forma direta”, que “caso exista alguma pendência ou informação adicional necessária para a análise do pedido, seja indicada qual a documentação exigida e o procedimento a ser seguido para a sua submissão”. Alegou, em síntese, o seguinte: - O Requerente, por intermédio do seu mandatário apresentou, no dia 11 de fevereiro de 2025, uma interpelação à empresa municipal GEBALIS – Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa, E.M., S.A., com o intuito de obter informações quando ao andamento do pedido de transferência de habitação municipal; - O pedido de transferência de habitação foi inicialmente requerido junto do Município de Lisboa, no dia 23 de setembro de 2024, e encontra-se identificado sob a referência CML-918106-Z4Y4, sem que, até à presente data, tenha sido proferida qualquer decisão expressa por parte da entidade administrativa competente; - O Requerente dirigiu interpelação à GEBALIS, nos termos do artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo, a qual até à presente data, não respondeu, encontrando-se o Requerente em situação de completa incerteza, sem qualquer informação acerca do procedimento que lhe concerne. 
 O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 8 de abril de 2025, julgou improcedente o pedido e, em consequência, absolveu a Entidade Requerida do pedido. 
 Inconformado com a sentença, o Requerente apresentou recurso de apelação, apresentando alegações nas quais formula as seguintes conclusões: A Entidade Requerida não apresentou contra-alegações. 
 O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não emitiu parecer. 
 Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, mas com prévia divulgação do projeto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Comum para julgamento. * * * II. Objeto do recurso – Questões a decidir Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos do n.º 4 do artigo 635.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 639.º, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no n.º 3 do artigo 140.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir se a sentença incorreu em erro de julgamento de direito. Antes, porém, cumpre decidir sobre a admissibilidade do documento apresentado pelo Requerente com as alegações de recurso. Como decorre do disposto nos artigos 651.º e 425.º, ambos do Código de Processo Civil, apenas em situações excecionais as partes podem juntar documentos às suas alegações de recurso. A junção de documento em fase de recurso depende da alegação e prova, pelo requerente da junção, de que (i) não foi possível apresentar o documento em momento anterior ao recurso ou de que (ii) a junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância. O Recorrente juntou às suas alegações de recurso um documento, mas nada alegou para justificar só agora o ter apresentado. Com efeito, quanto a esse documento o Recorrente limita-se a alegar que “é a GEBALIS S.A. a entidade competente para decidir em matéria de pedidos de transferência de habitação municipal” o que resulta “inequívoca e expressamente da resposta da câmara (DOC 1) ao recorrente, onde se refere expressamente que, o pedido vai ser remetido para a gebalis porque é esta competente para decidir em tal matéria, cumprindo o disposto no artigo 41º n.º 1 do CPA”. Acresce que, não obstante junte um documento, o Recorrente não impugnou a decisão relativa à matéria de facto, não indicando, designadamente, qual o concreto facto, relevante para a decisão do litígio, que pretenderia aditar à matéria de facto, com base na prova que resulta do referido documento. Face ao exposto, não se admite a junção do documento apresentado pelo Recorrente com as alegações de recurso. 
 * * * III. Fundamentação III.1. Fundamentação de facto O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto (transcrição): «V.1. Factos Provados Com relevo para a decisão a proferir, considera-se provada a seguinte factualidade: 1. O ora Requerente dirigiu requerimento à Entidade Requerida com o seguinte teor: «T.. solteiro, maior, com o número de contribuinte nº 21…, com residência na Rua A…, lote 15, 4° B, 1750-398, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 82.º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1. Requereu, em 23 de Setembro de 2024, patrocínio em procedimento administrativo de pedido de transferência de habitação social, junto do município de Lisboa; 2. O pedido de transferência de habitação municipal fundamenta-se, simultaneamente, em razão das más condições de habitabilidade e de más relações de vizinhança; 3. O pedido foi formalmente recebido e encontra-se identificado sob a referência CML-918106-Z4Y4. Não foi proferida qualquer resposta relativamente ao pedido apresentado, encontrando-se o requerente numa situação de incerteza que afeta a sua segurança e bem-estar. 4. A pedido desse serviço, foi comunicado o procedimento acima referenciado em 23 de Setembro de 2024, não tendo até à data obtido qualquer informação sobre a sua situação por parte desse serviço. 5. Nestes termos, requer-se a V. Exa. que seja proferida, com carácter de urgência, decisão expressa sobre o pedido de transferência de habitação municipal, ou, caso já tenha sido praticado o ato, que seja fornecida a respetiva notificação ao requerente. Assim, em face do que antecede, requerem a V. Exa. que se digne a informar, no prazo legal de 10 dias úteis, sob pena de intimação: a) O Serviço onde aquele procedimento por si desencadeado se encontra; b) De forma circunstanciada, os atos e diligências que, até à presente data, foram praticados no âmbito do mesmo; c) Se já existe projeto decisório ou decisão final que verse acerca daquele, sendo certo que, em caso afirmativo, requer a sua notificação nos termos, forma e prazo legal» - cf. documentos juntos com a petição de intimação. V.2. Factos não provados Inexistem factos com relevo para a decisão a proferir que se devam considerar como não provados” 
 * * III.2. Fundamentação de direito O Tribunal a quo absolveu a Entidade Requerida do pedido, com a seguinte fundamentação: «1. O procedimento a que se reporta o ora Requerente no requerimento transcrito no ponto 1) do probatório, foi iniciado com o pedido por si apresentado, em 23 de setembro de 2024, junto do Município de Lisboa. 2. Dispõe o artigo 82º do Código do Procedimento Administrativo, no seu nº 1, que: «[o]s interessados têm o direito de ser informados pelo responsável pela direção do procedimento, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas». 3. Como resulta do preceito em questão o Requerente apenas tem direito a ser informado [sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas] pelo responsável pela direção do procedimento. 4. No caso, como está bom de ver, e como a Entidade Requerida não deixa de alegar, o procedimento referido supra tramita na Câmara Municipal Lisboa. 5. Carece - assim - a Entidade Requerida de legitimidade de um ponto de vista substantivo para a presente ação. 6. O que, pois, e necessariamente, terá de conduzir à improcedência do presente processo [«falta ab initio de verificação de um pressuposto do direito que o Re[querente] reclama nos autos, ou seja, na inexistência perante aquela entidade do direito que reclama (ilegitimidade substantiva), […] questão que determina, nessa parte, a improcedência do pedido que este formula» - cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, supra aludido].» O Recorrente não se conforma com esta decisão, em síntese, porque entende que sendo a GEBALIS S.A. a entidade competente para decidir em matéria de pedidos de transferência de habitação municipal, “como decorre: (i) da deliberação da CML n.º 445/AML/2016; (ii) do artigo 4º al. a) dos estatutos da Gebalis; (iii) da resposta da CML ao recorrente” a entidade requerida tem toda a legitimidade para a presente ação. Vejamos se tem razão. O tribunal a quo considerando que, no caso, o procedimento em causa, relativo a “pedido de transferência de habitação social” apresentado pelo ora Recorrente, “tramita na Câmara Municipal [de] Lisboa”, concluiu que a Entidade Requerida carece de “legitimidade de um ponto de vista substantivo para a presente ação”. Compulsada a decisão sobre a matéria de facto, supra transcrita, não resulta que a factualidade em que o tribunal faz assentar a sua conclusão esteja provada nos autos. Na verdade, o tribunal a quo não faz apelo à matéria de facto provada, assentando o seu juízo na mera alegação da Entidade Requerida e, parece-nos, na circunstância do procedimento ter sido iniciado por requerimento apresentado junto do Município de Lisboa. Ora, nem a alegação da Entidade Requerida é suficiente para considerar provado um facto, que se revelou essencial para a decisão da causa, nem pode inferir-se da circunstância de um procedimento ter tido início nos serviços de uma pessoa coletiva que este ainda aí se encontre a tramitar. No caso, considerando que a GEBALIS é uma empresa local que tem como objeto a promoção e gestão de imóveis de habitação social, bem como a gestão de outro património edificado habitacional que o Município de Lisboa decida afetar ao arrendamento, nos termos e condições a definir pela Câmara Municipal de Lisboa, e que constitui sua atribuição, com vista à prossecução do seu objeto social, designadamente, promover a gestão de proximidade do arrendamento da habitação municipal sob sua responsabilidade (cfr. n.º 1 do artigo 3.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º dos Estatutos da GEBALIS, publicados no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa, de 2 de fevereiro de 2017), não podia afastar-se, sem mais, a hipótese de ter sido determinada pelo Município de Lisboa a remessa do requerimento apresentado pelo Requerente, ora Recorrente, à GEBALIS. De todo o modo, ainda que tivesse sido demonstrado nos autos que o procedimento relativo ao “pedido de transferência de habitação social” apresentado pelo ora Recorrente não se encontra a tramitar na GEBALIS, não podia o tribunal a quo concluir pela ilegitimidade substantiva. A relação jurídica que aqui importa considerar é a que diz respeito ao direito à informação procedimental e não a que diz respeito ao procedimento objeto desse pedido de informação. O Requerente solicitou informação à GEBALIS sobre o andamento de determinado procedimento, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que é esta a entidade competente para prestar essa informação. Se o procedimento em causa não se encontra a tramitar nesta entidade tal não a desonera de prestar a informação, a informação a prestar será precisamente a de que o procedimento sobre o qual se requerem informações não se encontra a tramitar nos serviços daquela entidade. Não podendo manter-se a decisão recorrida, haverá que conhecer, em substituição, do pedido de intimação à prestação de informações procedimentais. O Requerente pede que se intime a GEBALIS a fornecer “no prazo de 10 dias, a resposta à interpelação formalizada pelo Requerente no dia 11 de fevereiro de 2025, no sentido de informar sobre o andamento do seu pedido de transferência de habitação municipal”, e que nessa resposta seja “esclarecido o estado atual do pedido de transferência de habitação solicitado ao município de Lisboa em 23 de setembro de 2024, identificando as etapas já realizadas, bem como os motivos do eventual atraso”, seja “concretamente informado o Requerente do estado da análise e regularização da situação habitacional do Requerente, tendo em conta as razões legítimas que fundamentam o pedido de transferência, nomeadamente as más condições de habitabilidade e as dificuldades relacionadas com as relações de vizinhança que afetam o Requerente de forma direta”, que “caso exista alguma pendência ou informação adicional necessária para a análise do pedido, seja indicada qual a documentação exigida e o procedimento a ser seguido para a sua submissão”. Nas intimações judiciais para prestação de informação, com vista ao exercício do direito à informação procedimental, a que se refere o artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo, podemos identificar um pressuposto processual específico – a existência de um pedido prévio apresentado perante a Administração. Este pedido formulado perante a Administração delimita a causa de pedir e o pedido deduzidos na intimação: quando não seja dada integral satisfação a pedido formulado no exercício do direito à informação procedimental (causa de pedir) o interessado pode requerer a correspondente intimação (pedido) (n.º 1 do artigo 104.º do Código do Procedimento Administrativo). Da configuração legal deste meio processual resulta, pois, que não pode admitir-se um pedido de intimação à prestação de informações que não foram solicitadas à Administração. O pedido deduzido pelo Requerente e a condenação do tribunal devem conter-se nos limites do pedido que foi dirigido à Entidade Requerida, e cuja não satisfação integral fundamenta o pedido de intimação. Assim sendo, considerando o teor do pedido de informação apresentado (cfr. matéria de facto provada), a ausência de resposta, e o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo, a Entidade Requerida deve ser intimada a, no prazo de 10 dias, informar o ora Recorrente: (i.) do serviço onde o procedimento por si desencadeado se encontra; (ii.) dos atos e diligências que, até à presente data, foram praticados no âmbito deste procedimento; (iii.) se já existe projeto de decisão ou decisão final e, em caso afirmativo, qual o seu teor. 
 As custas são a cargo da Entidade Recorrida (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil), não sendo devida taxa de justiça por não ter contra-alegado. * * * IV. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, intimar a Entidade Recorrida a, no prazo de 10 dias, prestar as informações solicitadas pelo Recorrente, no requerimento apresentado junto da Entidade Recorrida. Custas pela Entidade Recorrida, não sendo devida taxa de justiça por não ter contra-alegado. Registe e notifique. Lisboa, 9 de outubro de 2025 Marta Cavaleira (Relatora) Joana Costa e Nora Luís Ricardo Ferreira Leite |