Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:103/12.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/27/2025
Relator:MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA
Descritores:DAS NULIDADES (V.G. ART. 615°, N.º 1 AL. B) E D) DO CPC EX VI ART. 140º N.º 3 DO CPTA);
DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (V.G. ART. 49º E ART. 37º AMBOS DA LEI N.º 58/2008, DE 09 DE SETEMBRO – ESTATUTO DISCIPLINAR DOS TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PÚBLICAS – EDTFP, NA REDAÇÃO À DATA APLICÁVEL; TEMPUS REGIT ACTUM):
Sumário:1. A falta de indicação, no caso concreto, de quais os factos que o tribunal a quo entendeu por não provados, não consubstancia a alegada falta de análise critica das provas ao seu dispor, nem falta de especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador: cfr. factos A) a U); art. 94º n.º 3 do CPTA; art. 607º n.º 4 e art. 615°, n.º 1 al. b) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA;

2.Vale isto por dizer que a segurança, a certeza jurídica e os valores constitucionalmente reconhecidos se mostram, repete-se, no caso concreto, assegurados, pese embora, não terem sido especificados na sentença recorrida quais os concretos factos que não se lograram apurar, nem quais as razões que determinaram a sua não prova, dado resultar à evidência que a questão que vem trazida aos autos se mostra corretamente julgada, sendo certo que no segmento fundamentador da decisão recorrida se alinharam, como sobredito, diversos factos alegados e provados que, simultânea e implicitamente, prejudicavam – como melhor se verá infra a propósito da apreciação do erro de julgamento - outra decisão: cfr. factos A) a U); art. 20º e art. 205º n.º 1 da CRP; art. 94º n.º 3 do CPTA; art. 607º n.º 4 e art. 615°, n.º 1 al. b) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA; vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - STA, de 2023-09-13, processo n.º 077/20.2BEAVR, disponível in www.dgsi.pt;

3.No que importa considerar para a economia dos autos, a decisão recorrida decidiu, pois, todas as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal, tendo ainda ficado a pretensão condenatória manifestamente prejudicada pela decisão impugnatória, inexistindo assim a alegada omissão de pronúncia: cfr. art. 95º do CPTA; art. 608° n.º 2 e art. 615° nº 1 al. d) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA;

4.A arguida, associada da entidade ora apelante, adotou conduta que não logrou ilidir a presunção de que a recusa de notificação não se ficou a dever a si própria, antes pelo contrário, a conduta adotada pela mesma (v.g. indisponibilidade para ser notificada pessoalmente, incumbindo a irmã de ser notificada, o que sucedeu em 2011-06-20), pese embora sabendo que contra si havia sido instaurado o (segundo) PD, o facto é que não diligenciou no sentido de apurar o conteúdo da correspondência enviada e usar o prazo de defesa: cfr. factos A) a U); art. 49º e art. 37º ambos do EDTFP, na redação à data aplicável; tempus regit actum;

5.Circunstâncias que justificam a conclusão de que a recusa de receção da notificação da Nota de Culpa mostra-se imputável à arguida, associada da entidade ora apelante, que com conduta consciente previu o evento (não ser notificada), mas por leviandade, inconsideração ou incúria, confiou na sua não verificação e assim não tomou as devidas providências para evitar o decurso do prazo de defesa sem apresentar a respetiva defesa em sede do (segundo) PD que lhe foi instaurado, inexistindo, pois, qualquer erro ao julgamento realizado na decisão recorrida: cfr. factos A) a U); cfr. art. 224º n.º 2 e art. 487 n.º 2; art. 342º a art. 344º e art. 349º todos do Código Civil – CC; art. 113º n.º 1 e n.º 2 e art. 148º ambos do Código de Procedimento Administrativo – CPA e art. 37º e art. 49º do EDTFP; vide Ac. do TRL, de 2018-04-11, processo n.º 3837/16.5T8BRR, disponível em www.dgsi.pt.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social:
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I. RELATÓRIO:
SINDICATO DOS TRABALHADORES CONSULARES e DAS MISSÕES DIPLOMÁTICAS NO ESTRANGEIRO – STCDE, em representação da sua associada, ambos com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – TAC de Lisboa, contra o MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS - MNE, ação administrativa especial, pedindo: “… a anulação/ nulidade do despacho de 2011-09-12 do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros que lhe aplicou a pena disciplinar de despedimento, bem como a sua condenação, nestes termos: “b) Ser o MNE condenado no pagamento, à associada do Sindicato A., de todas as remunerações que esta deixou de auferir desde 2011-12-13, até à data do trânsito em julgado da Decisão anulatória do ato de demissão sob crítica, a liquidar, se necessário, em execução de Sentença; c) Ser o MNE condenado a reintegrar a associada do Sindicato A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria profissional ou, em alternativa, se for essa a opção da trabalhadora, no pagamento da indemnização correspondente a uma remuneração base mensal por cada ano completo, ou respetiva proporção no caso de fração de ano, de exercício de funções públicas, desde o início destas até à data do trânsito em julgado da decisão judicial anulatória do ato de demissão; d) Ser o MNE condenado a pagar à trabalhadora representada pelo A. os seus salários, processados e não pagos, desde novembro de 2003 até 2011-12-13, no valor total de €186.152,49; e) Ser o MNE condenado a pagar à trabalhadora representada pelo A. os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, relativos ao período compreendido entre 2011-01-01 a 2011-12-13, no valor global de €5.576,05; f) Sobre as quantias indicadas em d) e e), ser o MNE condenado a liquidar os correspondentes juros moratórios vencidos no valor apurado de € 30.838,07, bem como nos juros vincendos, até efetivo e integral pagamento, valor a liquidarem execução de Sentença…”.
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O TAC de Lisboa, por decisão de 2021-11-10, julgou a ação improcedente, absolvendo a entidade demandada dos pedidos: cfr. fls. 582 a 627.
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Inconformado o A., ora apelante, veio interpor recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul - TCAS, no qual peticionou o provimento do presente recurso jurisdicional, por via da declaração de nulidade e revogação da sentença recorrida e, consequentemente, face ao disposto nos n.ºs. 1, 2 e 3, do art. 149.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA: “… deverá: a) ser declarado nulo e de nenhum efeito o Proc. P-381, instaurado contra a associada do STCDE, por preterição de formalidade essencial, traduzida na falta de audiência prévia à tomada de decisão e, em consequência, ser anulado o ato do MNE, de 2011-09-12, que aplicou à referida trabalhadora a pena disciplinar de despedimento; b) ser o MNE condenado no pagamento, à associada do Sindicato Recorrente, de todas as remunerações que a mesma deixou de auferir, desde 2011-12-13 até à data do trânsito em julgado da decisão anulatória do ato punitivo impugnado, a liquidar em execução de sentença; c) ser o MNE condenado a reintegrar a associada do STCDE no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria profissional ou, em alternativa, se for essa a opção da trabalhadora, no pagamento da indemnização correspondente a uma remuneração base mensal por cada ano completo, ou respetiva proporção no caso de fração de ano, de exercício de funções públicas, desde o início destas até à data do trânsito em julgado da decisão anulatória do ato de despedimento; d) ser o MNE condenado a pagar à associada do Sindicato Recorrente os seus salários, processados e não pagos, desde novembro de 2003 até 2011-12-13, no valor global de €186.152,49, por reiterada recusa do Embaixador de ………………., em ostensivo incumprimento de sucessivas determinações do Diretor do Departamento Geral de Administração daquele Ministério; e) ser o MNE condenado a pagar à associada do STCDE os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, relativos ao período compreendido entre o dia 1 de janeiro a de 2011-12-13, no valor global de €5.576,05; f) sobre as quantias indicadas em d) e e), ser o MNE condenado a liquidar os correspondentes juros moratórios vencidos, no valor apurado de € 30.838,07, até 2012-01-12, bem como dos juros vincendos, até à data do efetivo e integral pagamento, a liquidar em execução de sentença…”, para tanto, apresentou as respetivas alegações e conclusões, como se segue: “… A. A sentença recorrida, na sua fundamentação de facto, ignora, em absoluto, a matéria alegada pelo STCDE e, em especial, os 38 documentos anexos à sua petição inicial.
B. Não procede, de todo, ao exame crítico da prova apresentada pelo STCDE e pelo MNE.
C. Adere, sem mais, ao ato punitivo impugnado, dando como provada toda a matéria, de facto e de direito, decorrente do processo administrativo organizado pelo MNE, para onde remete sistematicamente, de forma direta, mecânica e automática e, portanto, sem qualquer intermediação interpretativa e, sobretudo, sem qualquer compatibilização crítica com a prova, de sinal contrário, apresentada pelo STCDE.
D. E, finalmente, não dá conta, sob qualquer fórmula, dos factos não provados.
E. Tais, vícios determinam a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
F. Acresce que a sentença recorrida não conheceu, não apreciou e não decidiu as pretensões constantes das alíneas d), e) e f) do pedido que o Sindicato Recorrente dirigiu ao TAC de Lisboa, respeitantes às remunerações devidas à trabalhadora em causa, por referência ao período compreendido entre novembro de 2003 e 13 de dezembro de 2013, bem como aos proporcionais dos subsídios de férias e da Natal do ano de 2013 e, ainda, aos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos.
G. Tais pretensões mostram-se autónoma se independentes das pretensões constantes das alíneas a), b) e c) do pedido submetido a juízo, que o mencionado Tribunal, por via da decisão recorrida, julgou improcedentes.
H. Pelo que a resolução de tais pretensões, que a sentença recorrida omitiu, não se encontrava prejudicada pela improcedência das três primeiras pretensões, relativas ao despedimento da trabalhadora associada do STCDE, o que releva, em especial, para efeitos do disposto no n.º 2 do já citado artigo 608.º do CPC.
I. Tal omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Por outro lado,
J. Ao dar como provado que a associada do Sindicato Recorrente foi notificada, em 2011-06-11, da instauração do Proc. P-381, bem como da acusação/nota de culpa contra si deduzida, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
L. Tal notificação, com efeito, em face da documentação constante do processo administrativo junto aos autos e tendo presente o disposto nos n.ºs. 1 e 2 do art. 49.º do EDTFP, só poderia ter sido dada como não provada…”: cfr. 642 a 671.
*
A entidade demandada, ora entidade recorrida, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do presente recurso, extraindo-se das respetivas conclusões o seguinte:“…
A. Vem o A., ora recorrente, alegar a violação do dever de fundamentação da sentença, previsto no art. 607.º, n.º 4 do CPC, o que implicaria a nulidade da sentença ora recorrida, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.
B. Refere o A., ora Recorrente, que “a Exma. Senhora Juíza de Direito (…) não dá conta, sob qualquer fórmula, dos factos não provados”.
C. Sucede que os factos alegados pelo A., ora recorrente, não eram relevantes para a decisão da causa, constando estes do processo administrativo instrutor para o qual remete a sentença ao referir os factos que considera provados, e sendo certo que não houve audiência de julgamento, pelo que não existe a nulidade da sentença conforme jurisprudência supra citada.
D. Note-se que a jurisprudência, conforme exemplo supra citado, chega a considerar que não é nula uma sentença que não tem de todo a fundamentação de facto, ou seja, nem factos provados, nem não provados, quando ainda assim permite entender as razões que a motivaram e que conduziram ao decidido, o que por maioria de razão sucede na douta sentença recorrida.
E. Portanto, podemos concluir de forma segura que a sentença recorrida, apesar de não discriminar os factos não provados, não é nula.
F. Alega ainda o A., ora Recorrente, que o Tribunal “a quo” desconsiderou a matéria de facto que alegou, bem como os documentos por si juntos aos autos, não procedeu a exame crítico da prova apresentada por ambas as partes e aderiu totalmente ao teor do processo administrativo instrutor, o que justificaria a nulidade da sentença, por violação do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.
G. No entanto, a sentença só seria nula se tivesse uma falta total de fundamentação de facto, o que não acontece, visto que discrimina os factos que entende provados, remetendo para as páginas do processo administrativo instrutor em que se baseia e ainda refere a fls. 23 que “A convicção do Tribunal formou-se com base no teor de documentos que integram os presentes autos e o processo administrativo, os quais se encontram expressamente referidos em cada uma das alíneas do Probatório”.
H. Este entendimento é pacífico e uniforme na jurisprudência e na doutrina.
I. Portanto, devemos concluir que a sentença recorrida nunca poderá ser considerada nula, pelas razões supra expostas, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, apesar do invocado supra pelo A., ora Recorrido.
J. (…)
K. Conclui o A., ora recorrente, que, por este motivo, a sentença “enferma da nulidade prevista na norma constante da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC”.
L. (…)
M. (…)
N. (…)
O. (…)
P. (…)
Q. (…)
R. Assim sendo, improcede a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos dos art.s 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
S. Vem o A., (…), alegar que a notificação pessoal à sua associada (…) dos despacho de instauração do processo disciplinar que foi identificado como Processo P-381 e da respetiva acusação/nota de culpa não pode, por natureza, ser efetuada – como alegadamente, foi – na pessoa da irmã da referida trabalhadora, pelo que foi prejudicado o direito fundamental de audiência e defesa da arguida, consagrados nos art. s 32.º, n.º 19 e 268.º, n.º 3, da CRP, o que constitui nulidade insuprível, nos termos do artigo 37.º, n.º 1 do EDTFP e implica a invalidade do ato administrativo que aplicou a pena de despedimento.
T. A Entidade Demandada envidou todos os esforços para realizar a notificação pessoal, até, pelo facto do recurso à via postal, neste caso, poder revelar-se infrutífero pelo deficiente funcionamento dos correios da .................
U. Nesta conformidade, refere-se no Relatório do procedimento disciplinar que a notificação de instauração do processo disciplinar acompanhada da Nota de Culpa foi entregue em mão, em 2011-06-20, a Carla …………………, irmã da arguida.
V. Após vários contactos telefónicos e insistências efetuados pela Embaixada de Portugal na ................, junto da trabalhadora, esta alegou indisponibilidade para ali comparecer por se encontrar alegadamente doente e terá incumbido a irmã de lá se deslocar, em seu lugar.
W. Nestes termos, a realização da notificação pessoal empreendida pela Entidade Demandada, ora recorrida, concretizou-se, mas em pessoa diversa da notificanda, que por alegada indicação da trabalhadora teria ficado encarregue de lha entregar, pelo que se presume, até prova em contrário, que a arguida dela teve oportuno conhecimento.
X. Cabe ao A., ora recorrente, relativamente à sua associada (…) que alega não ter tido conhecimento da instauração do procedimento disciplinar, o ónus de provar, nos termos admitidos pelo art. 344.º do Código Civil, que não lhe foi transmitido o conteúdo da notificação pela sua irmã que assinou a declaração de recebimento e ficou encarregue de lha entregar.
Y. Acresce que as decisões judiciais, se podem basear na presunção natural fundada no senso comum, nos termos do art. 351.º do Código Civil, pelo que a prova por presunção judicial tem assento legal.
Z. As circunstâncias apuradas confluem, de per si e em conjunto, para o resultado de considerar-se provado que tendo a irmã da associada do A., ora Recorrente, a Sra. (…) Steenkam, sido notificada pessoalmente, obviamente que entregou a notificação de instauração do Processo P – 381, bem como da acusação/nota de culpa, à sua irmã (…).
AA. Aliás, comprovativos do comportamento incorreto e dos expedientes da associada do A., (…) são os factos S) e T) da matéria provada, não contestados no presente recurso, que relatam que tendo sido notificada pessoalmente da aplicação da pena disciplinar de despedimento, a mesma informou que não levantava o envelope, alegando que o STCDE a representaria e que este deveria ser devolvido aos serviços centrais do MNE.
BB. Assim sendo, é completamente improcedente a tese do A., ora recorrente, quanto ao alegado erro de julgamento, não existindo qualquer razão para ser alterada a matéria de facto dada por provada.
CC. Não foi, por isso, prejudicado o direito fundamental de audiência e defesa da associada do A., ora recorrente, consagrado nos art.s 32.º, n.º 10 e 268.º, n.º 3 da CRP, inexistindo consequentemente a nulidade do art. 37.º, n.º 1 do EDTFP…”: cfr. fls. 683 a 711.
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O recurso foi admitido, sustentado e ordenada a sua subida em 2022-03-21: cfr. fls. 676 e fls. 713.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central não exerceu faculdade que lhe é conferida pelo art. 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA: cfr. fls. 720.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II. OBJETO DO RECURSO:
Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pela entidade recorrente e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639º, n°1 a nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece, ou não, das invocadas nulidades e do erro de julgamento de direito.
Vejamos:
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III. FUNDAMENTAÇÃO:
A – DE FACTO:
A decisão recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

A) A associada do A. era assistente técnica do Quadro Único de Vinculação do Pessoal dos Serviços Externos do MNE (por acordo);

B) Na sequência do encerramento da Embaixada de Portugal em Windhoek, capital da ................, em 2003-11-30, a associada do A. que ali exercia funções foi transferida para Nairobi (por acordo);

C) Em 2010-06-18, o Senhor mandatário da associada do A. requereu o seguinte:
«Texto no original»

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B – DE DIREITO:
DAS NULIDADES (v.g. art. 615°, n.º 1 al. b) do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA):
Do discurso fundamentador da decisão recorrida ressalta que a: “… Lei nº 58/2008, de 9 de setembro, veio aprovar o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas (de ora em diante designado como ED) diploma aplicável in casu, dado se encontrar em vigor à data dos factos.
Convoca-se, antes de mais, que (…) foi objeto de dois processos disciplinares - PD. A saber: . O Processo P-347; e, . Processo P-381.
O primeiro, foi desencadeado em virtude de a associada do A. se encontrar, ilegitimamente, ausente do local de trabalho desde 2004-03-01 a 2009-06-04, tendo, no entanto, sido arquivado por prescrição.
O segundo, foi instaurado à associada do A. pelo despacho de 2011-03-11, do Senhor Secretário-Geral do MNE, por faltas injustificadas a partir de 2010-05-01 a 2011-03-11, nomeando como sua instrutora, a Dr.ª Susana ………………, que já havia tramitado o primeiro.
Neste enquadramento, em 2011-04-12, a referida Senhora instrutora, proferiu o seguinte despacho: (…)
Por sua vez, pelo ofício de 2011-05-19, a supra mencionada instrutora do PD notificou a associada do A. de que lhe tinha sido instaurado PD e da ‘Nota de Culpa’, em ordem ao cumprimento do preceituado no nº 3 do artº 39º do ED: (…)
Ademais, (…) deduziu a sua defesa relativamente à ‘Nota de Culpa’ – cfr alínea C) do Probatório – juntando documentos, ao abrigo do nº 6 do artº 51º do ED.
Donde, inexiste o vício de não notificação à arguida da data do início da instrução.
Estipula o artº 39º do ED, (…)”. Reitera-se que em 2011-03-11 foi proferido despacho de instauração do segundo processo disciplinar à associada do A. e em 2011-05-19 a Senhora instrutora notificou-a disso mesmo e da ‘Acusação’.
Assim, principiou a instrução do procedimento disciplinar que nos ocupa em 2011-05-19 e terminou com a elaboração da ‘Acusação’, na mesma data, pelo que foi observado o determinado no artº 48º do ED, (…).
Do que antecede, no âmbito do presente PD resulta que os prazos da sua instauração e notificação à associada do A. e a
materialização da ‘Acusação’, foram efetuadas tempestivamente, não corroborando, assim, a falta de notificação e da respetiva audição da arguida sobre a ‘Acusação’, não acarretando a nulidade nem redundando a anulação do procedimento.
Por outro lado, o artº 31º do ED, estatui (…). O artº 37º do citado diploma, sob a epígrafe ‘Nulidades’, designadamente, prevê que (…)”. O aludido despacho de 2011-04-12 da Senhora instrutora e supra transcrito, operacionalizou-se na instrução do Processo P-381 com a documentação já carreada para o Processo P-347, o que não se assume como um vício invalidante do PD e que contamine o ato sindicado.
Com efeito, as faltas da arguida ínsitas na ‘Nota de Culpa’ do Processo P381, além de serem as que contam e substanciam não só a sua narrativa, como a que enforma o ‘Relatório Final’ e o ato sub judicio, já preenchiam o escopo do Processo P-347 que enunciava a ausência inexplicada da associada do A. ao serviço de 2004-04-01 a 2009-06-04.
Ora, (…) teve oportunidade de defesa em relação aos factos da ‘Acusação’ no que toca a este último processo, desde logo, a todas as faltas nela expostas.
Assim, em harmonia com o consignado no nº 1 do artº 31º do ED nada impedia que a Senhora instrutora em face da instauração de um novo processo disciplinar à associada do A., pudesse lançar mão da documentação preexistente no Processo P-347 e relacionada com a mesma motivação – a ausência ao serviço – desde que assegurada a oportunidade de a arguida se poder pronunciar sobre os termos de que vinha, de novo, acusada, o que foi concretizado.
Nos termos do recentíssimo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo nº 5566/20.6T8BRG.G1, de 2021-09-23, in www.dgsi.pt, não são causas de nulidade do processo disciplinar o aproveitamento de um processo disciplinar já instaurado para averiguação de novas infrações, conquanto estas sejam vertidas na ‘Nota de Culpa’.
No que toca à alegação que aquela ‘Nota de Culpa’ padece de erro nos pressupostos de facto, talqualmente não assiste razão ao A.
O erro nos pressupostos de facto densifica-se num vício de violação da lei que se funda na divergência entre os pressupostos de que o autor do ato partiu para proferir o ato sub judicio e a sua efetiva verificação no caso concreto, radicando em factos não provados ou desconformes com a realidade, o que não corresponde in casu.
Com efeito, o ato sindicado não é inválido porque, ao contrário do que o A. argumenta, não assentou em erro sobre os pressupostos de facto, dado que se encontra justificada a medida da pena na infração de deveres que estão em causa no PD, fazendo adequada referência aos pontos de facto que os suportam.
A propósito, o artº 3º do ED, sob a epígrafe ‘Infração disciplinar’, dita o seguinte: (…) Destaca-se, no que ora releva, que no ‘Relatório Final’, relativo ao Processo P-381, datado de 2011-09-06, se mostram identificados os deveres violados pela arguida, como segue: Nos termos da ‘Nota de Culpa’, a arguida era acusada da violação do dever de assiduidade computado desde 2010-05-01 a 2011-03-11.
Sucede que este segundo PD surge na sequência do anterior “por desobediência grave, injustificada e continuada a ordem superior direta de transferência para a Embaixada de Portugal em Nairobi, por motivo de extinção da Embaixada de Portugal em Windhoek, encontrando-se ilegitimamente ausente do seu local de trabalho desde 2004. (…) Da prova reunida resulta a violação do dever geral de assiduidade, de forma continuada, num total de trezentos e treze (313) dias seguidos” – vide alínea N) do Probatório – sendo por isso, à luz do supra discorrido que a Senhora instrutora aproveitou a prova coligida no primeiro PD P-347, não para reforçar a prova do PD que nos ocupa que se atém ao período temporal de 2010-05-01 a 2011-03-11, mas pela focalização abordada, ou seja, a ausência da arguida ao serviço e de que esta teve ciência – cfr alínea K) do Probatório. Da caracterização das penas previstas no artº 10º do ED, a proposta a aplicar à associada do A. foi a inscrita no respetivo nº 6: (…). Veja-se que no ‘Relatório Final’, a violação do dever funcional da arguida comparecer no local de trabalho vai no mesmo sentido.
Com efeito, o DL nº 100/99, de 31 de março, veio estabelecer o regime de férias, faltas e licenças dos funcionários e agentes da administração central, regional e local, incluindo os institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos, sendo que o artº 18º na redação que lhe foi dada pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de dezembro, dispõe o seguinte: (…)
Os tipos de faltas são caracterizadas por dois vetores: “As faltas podem ser justificadas ou injustificadas” – cfr artº 20º do supra mencionado diploma.
Determina o artº 29º daquele diploma, sob a epígrafe ‘Regime’, que (…).
O artº 30º do diploma em apreço estabelece, designadamente, quanto à justificação da doença, o que segue: (…)
O artº 71º sempre do mesmo diploma, sob a epígrafe ‘Faltas injustificadas’, nomeadamente, define o seguinte: (…)
Deu-se como provado que a Senhora instrutora do PD em presença lançou mão dos meios de que dispunha para apurar se a arguida, de facto, faltava ao serviço, como demonstra o teor do e-mail de 2011-04-07, da Direção de Recursos Humanos do MNE: (…)
Subsequentemente a este e-mail a Senhora instrutora, solicitou à Direção de Recursos Humanos do MNE, em 2011-04-08, o seguinte: (…).
Na mesma data, foi informado à Senhora instrutora, o seguinte: (…)
Neste contexto, a Senhora instrutora enviou à associada do A. o ofício de 2011-05-19, pelo qual a notificou de que lhe tinha sido instaurado PD e da ‘Nota de Culpa’, nestes termos: (…)
Aqui chegados, averiguada e comprovada a falta ao serviço de (…), mostra-se acertada a interpretação subjacente ao ato impugnado, em lhe aplicar a pena de despedimento, não padecendo assim do erro nos pressupostos de facto.
Verificando-se que foi concedida a possibilidade de defesa da associada do A. relativamente aos factos da ‘Acusação’, inexiste nulidade/ anulação no procedimento em causa e, consequentemente, no ato impugnado.
No que concerne à falta de audiência prévia à tomada de decisão, a circunstância de ter sido sabedora do conteúdo da ‘Nota de Culpa’ sendo que nesta optou por em sede do Processo P-381 não deduzir defesa escrita, quer conhecedora do ‘Relatório Final’, inexistindo aquela etapa que a associada do A. reclama que não lhe foi concedida, seguiu-se a fase de ser proferido o despacho que infirmaria ou não e em que termos, o proposto no referido Relatório.
Com efeito, sumariou-se no douto Acórdão do TCA Norte, Processo nº 00046/13.9BEAVR, de 5 de dezembro de 2014 in www.dgsi.pt que “O PD, tal como se encontra gizado, não exige um projeto de decisão final como via de assegurar a audiência de interessados (art.º 100º do CPA), que ainda assim não deixa de ter lugar, enformada na particular estrutura de processo”.
Explicita-se naquele douto aresto, o que consagrou o douto Acórdão do STA, Processo nº 1717/03, de 17 de dezembro de 2003: “O essencial do direito de defesa do arguido em processo disciplinar consubstancia-se na possibilidade de pronuncia sobre todos os elementos que relevam para a decisão, tanto no que concerne à matéria de facto como à matéria de direito, não podendo esse direito deixar de abranger, nomeadamente a possibilidade de pronúncia sobre todos os elementos da matéria de facto desfavoráveis que sejam produzidos no processo, independentemente de eles serem ou não produzidos em diligências requeridas pelo arguido”.
Assim, a ‘Nota de Culpa’ com a inclusão dos factos imputados, o inerente enquadramento legal e a indicação da eventual sanção que de tal advém, foi notificada à arguida que sobre a mesma se pode pronunciar, facultando-se, pois, o respetivo exercício do contraditório e a audiência e defesa da associada do A., pelo que não será necessário sob pena de reproduzir ato inútil, a re-audição desta última após o ‘Relatório Final’, como realça o douto Acórdão do Tribunal Constitucional nº 351/11, de 12 de julho de 2011 in www.dgsi.pt.
Nessa medida, não se verifica, também, aquele vício.
A final, traz-se à colação que o despacho ora sob escrutínio apresenta a seguinte fundamentação: (…)
Não se olvide que a confiança nas relações de trabalho entre a associada do A. e a Entidade Demandada assume um cariz essencial, pressupondo o exercício dos deveres funcionais de ambos.
Ora, constatada e provada a quebra de confiança, matriz do vínculo existente entre a arguida e a Entidade Demandada não havia como a consertar e reavivar.
Sufragando mutatis mutandis o já supra referido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, “O despedimento justifica-se quando o empregador perde irremediavelmente a confiança no seu trabalhador em virtude de comportamentos que, em si mesmo, encerrem a violação do dever de lealdade, seja qual for o prejuízo”.
Em conclusão, a resposta à vexata quaestio dos autos que consiste em saber se deve ser anulado ou declarado nulo o despacho de 2011-09-12 do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros que aplicou à associada do A. a pena disciplinar de despedimento, – é negativa.
Consequentemente, não há lugar à condenação à prática do ato devido nos termos peticionados pelo A…”.

Correspondentemente, o tribunal a quo proferiu o segmento decisório nos seguintes termos: “… julga-se improcedente, pelo que se indefere o pedido, mantendo-se o despacho de 2011-09-12 do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros que aplicou à associada do A. a pena disciplinar de despedimento, não se condenando a Entidade Demandada à condenação à prática do ato devido, desta se absolvendo do pedido…”.

O assim decidido pelo tribunal a quo mostra-se, pois, motivado e devidamente explicitando o sentido da decisão e ainda os critérios e normas em que se fundou para decidir no sentido e no modo, em que o fez, permitindo alcançar o inter-cognoscitivo adotado e quais as razões por que decidiu como se decidiu, especificando de forma abundante e fundamentada de facto e de direito a decisão em crise: cfr. art. 94º n.º 3 do CPTA e art. 607º n.º 4 do CPC.
Na verdade, a falta de indicação, no caso concreto, de quais os factos que o tribunal a quo entendeu por não provados, não consubstancia a alegada falta de análise critica das provas ao seu dispor, nem falta de especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador: cfr. factos A) a U); art. 94º n.º 3 do CPTA; art. 607º n.º 4 e art. 615°, n.º 1 al. b) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.

Isto porque, para lá de ser omissa a referência e a fundamentação a factos não provados na decisão recorrida em apreço, ponto é que da mesma resulta o apuramento cristalino e completo do elenco dos factos relevantes à boa decisão da causa, na exata medida em que se mostra efetivamente assegurado o processo equitativo e justo, tal como o demandam os princípios constitucionais, do processo administrativo e do processo civil: cfr. factos A) a U); art. 20º e art. 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa – CRP; art. 94º n.º 3 do CPTA; art. 607º n.º 4 e art. 615°, n.º 1 al. b) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.

Dito de outro modo, do confronto das peças processuais com os factos assentes e com o direito que lhes foi aplicado na decisão de mérito recorrida, descobre-se terem sido considerados os factos relevantes, decorrentes da prova produzida e corretamente julgados.

Uma vez que a senhora juíza a quo expôs a análise critica das provas, não só indicando os documentos em que escorou a decisão factual e as partes dos documentos de que foram extraídas as transcrições efetuadas (tal indicação não só assegura o confronto entre o texto da decisão e a parte do documento em que se sustenta como permite o acompanhamento do itinerário cognoscitivo do julgador), bem como e sobretudo, no âmbito das provas submetidas à sua livre apreciação, e em sede de direito da sentença recorrida, logrou identificar e envolver os motivos que a determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados, como se vê, designadamente no segmento supra transcrito: cfr. factos A) a U); art. 20º e art. 205º n.º 1 da CRP; art. 94º n.º 3 do CPTA; art. 607º n.º 4 e art. 615°, n.º 1 al. b) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.

Vale isto por dizer que a segurança, a certeza jurídica e os valores constitucionalmente reconhecidos se mostram, no caso, assegurados, pese embora não terem sido especificados na sentença recorrida quais os concretos factos que não se lograram apurar, nem quais as razões que determinaram a sua não prova, dado resultar à evidência que a questão que vem trazida aos autos se mostra corretamente julgada, sendo certo que no segmento fundamentador da decisão recorrida se alinharam, como sobredito, diversos factos alegados e provados que, simultânea e implicitamente, prejudicavam – como melhor se verá infra a propósito da apreciação do erro de julgamento - outra decisão: cfr. factos A) a U); art. 20º e art. 205º n.º 1 da CRP; art. 94º n.º 3 do CPTA; art. 607º n.º 4 e art. 615°, n.º 1 al. b) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA; vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - STA, de 2023-09-13, processo n.º 077/20.2BEAVR, disponível in www.dgsi.pt.
O regime consagrado no CPTA, aliás na esteira do CPC, visa contribuir para a agilização, adequação formal e concentração no que é essencial em detrimento do que é acessório, assim, sob pena de se cair num inaceitável formalismo, entendemos, que no caso concreto, o cotejo dos factos assentes, enquadrados pelas disposições legais e constitucionais aplicáveis, permitem a superação da reconhecida falta de identificação dos factos não provados, não constituindo tal circunstância motivo de censura da decisão recorrida: cfr. factos A) a U); art. 20º e art. 205º n.º 1 da CRP; art. 7º-A, art. 94º n.º 3 ambos do CPTA; art. 607º n.º 4 e art. 615°, n.º 1 al. b) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA; vide Acórdão do STA, de 2023-09-13, processo n.º 077/20.2BEAVR, disponível in www.dgsi.pt.

Admite-se que a entidade apelante possa não concordar com a decisão recorrida, mas a verdade é que tal não equivale a que se possa considerar que a decisão em crise se mostre incorreta e/ou insuficientemente fundamentada, não ocorrendo, pois, justificação para reverter o decidido, como decorre dos autos e o probatório elege.

Acresce que, a sentença é nula quando: “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”: cfr. art. 615°, n.º 1 al. b) do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.

O que, como se viu, não se passou no caso em concreto.

Ponto é que, só a falta absoluta de fundamentação (seja ao nível da indicação dos factos em que assenta a decisão, seja ao nível da argumentação jurídica com a indicação e interpretação, se necessária, das normas aplicáveis) pode determinar a nulidade da sentença, isso mesmo, já dizia o Professor Alberto dos Reis quando afirmava: «… o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade»: cfr. CPC Anotado, Vol. V, pág. 140; vide v.g. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - STJ de 2002-04-18, processo n° 02B737; de 2006-12-19, processo n° 06B4521; de 2011-06-21, processo nº 1065/06.7TBESP.P1. S1; de 2011-12-15, processo nº 2/08.9TTLMG.P1S1 e de 2017-07-06, processo n° 121/11.4TVLSB.L1. S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Termos em que a decisão recorrida não padece da invocada nulidade.

DAS NULIDADES (v.g. art. 615°, n.º 1 al. d) do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA):
Por outro lado, a sentença é nula quando: “ o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”: cfr. art. 615°, nº 1 al. d) do CPC ex vi art. 140º nº 3 do CPTA.

Tal nulidade terá de ser compaginada com o dever imposto ao juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, sendo certo que é a violação deste dever que acarreta a sobredita nulidade da sentença: cfr. art. 95º do CPTA e art. 608° ex vi art. 1º do CPTA.

Descendo ao caso concreto, e compulsados os autos, verifica-se que das considerações supratranscritas expendidas na decisão recorrida decorre que o tribunal a quo teve o cuidado de fixar de modo desenvolvido a factualidade relevante; identificando fundamentada e congruentemente a prova produzida e o direito aplicável, não se vislumbrando assim que tenha ocorrido a alegada omissão de pronuncia.

Posto que, como bem conclui a entidade recorrida nas respetivas alegações recursivas, importa ter presente que: “… J. Alega o A., ora recorrente, que o Tribunal “a quo” apenas se ocupou do pedido anulatório do ato do MNE que aplicou à sua associada (…) a pena disciplinar de despedimento e dos pedidos condenatórios diretamente decorrentes da anulação jurisdicional do ato punitivo impugnado, defendendo que não apreciou e não decidiu as pretensões constantes das alíneas d), e) e f) do pedido respeitantes às remunerações alegadamente devidas à trabalhadora, relativas ao período compreendido entre novembro de 2003 e 13 de dezembro de 2013, bem como os proporcionais dos subsídios de férias e de Natal do ano de 2013 e, ainda, os correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos.
K. Conclui o A., ora recorrente, que, por este motivo, a sentença “enferma da nulidade prevista na norma constante da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC”…”.

Tal, como conclui a entidade recorrida entendemos também que: “… L. Ora, a sentença recorrida não omitiu as pretensões constantes das alíneas d), e) e f) do pedido do A., ora recorrente, porque desde logo estes pedidos são referidos no relatório da sentença e também na sua fundamentação de direito a fls 24 e 25 do texto, o que demonstra que o Tribunal “a quo” estava consciente dos mesmos e não se esqueceu deles.
M. Sucede que, tendo sido considerado válido o Processo Disciplinar P-381, instaurado por faltas injustificadas, a partir de 2010-05-01 e 2011-03-11, e não sendo anulado ou declarado nulo pelo Tribunal “a quo” o despacho de 2011-09-12 do Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros que aplicou à associada do A., ora recorrente, a pena disciplinar de despedimento por faltas injustificadas, obviamente que a questão do pagamento de retribuições, proporcionais e juros relativos ao período entre 2010-05-01 a 2011-12-13 não precisava de ser apreciada expressamente, porque se ficou provado que a trabalhadora nesse período faltou injustificadamente, nunca poderia o pedido ser procedente nesta parte, visto que se não trabalhou indevidamente também não poderia ter direito à respetiva retribuição.
N. Portanto, nesta parte o pedido do A., ora recorrente, ficou prejudicado pela decisão da sentença recorrida, conforme resulta do art. 608.º, n.º 2 do CPC e da jurisprudência supra referida.
O. Aliás, note-se que conforme resulta do Acórdão do TCAN, de 17/9/2015, no Proc. n.º 846/14.2BEAVR, supra citado, só há omissão de pronúncia quando da sentença não resulta, de forma implícita, que o conhecimento de um pedido ou questão tenha ficado prejudicado em face da solução do litígio.
P. Ora, foi exatamente essa a situação ocorrida na sentença recorrida quanto ao pedido das retribuições, proporcionais e juros, relativos ao período entre 2010-05-01 e 201112-13.
Q. E o mesmo sucedeu com o pedido das retribuições, proporcionais e juros, na parte relativa ao período entre 2003-11-01 e 2010-04-30, visto que resulta provado das alíneas D e E do probatório da sentença recorrida, relativas a partes do Processo P- 347, que a associada do A., (…), faltou de forma injustificada entre 2003-11-01 e de 2010-04-30, não tendo por isso direito a ser retribuída por esse período, e este Processo Disciplinar foi integrado de forma legal e correta no Processo P-381…”.

Assim e, no que importa considerar para a economia dos autos, a decisão recorrida decidiu, pois, todas as questões que as partes submeteram à apreciação do tribunal, tendo ainda ficado a pretensão condenatória manifestamente prejudicada pela decisão impugnatória, inexistindo a alegada omissão de pronúncia: cfr. art. 95º do CPTA; art. 608° n.º 2 e art. 615° nº 1 al. d) ambos do CPC ex vi art. 140º n.º 3 do CPTA.

Termos em que a decisão recorrida não padece, outrossim, da invocada nulidade.

DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. art. 49º e art. 37º ambos da Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro – Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas – EDTFP, na redação à data aplicável; tempus regit actum):
Repisando o sobredito vem, em síntese útil, a entidade apelante alegar que a notificação pessoal à sua associada, do despacho de instauração do PD 381 e da respetiva acusação/nota de culpa não pode, por natureza, ser efetuada – como alegadamente, foi – na pessoa da irmã da referida trabalhadora, considerando, por isso, ter sido prejudicado o direito fundamental de audiência e defesa da arguida, o que constitui nulidade insuprível, e implica a invalidade do ato administrativo que aplicou a pena de despedimento.

Sobre tal matéria conclui, resumidamente, a entidade recorrida ter envidado todos os esforços para realizar a notificação pessoal, tendo a mesma sido concretizada (ainda que em pessoa diversa da notificanda - a saber: na sua irmã), mais sublinhando que as circunstâncias apuradas confluem, de per si e em conjunto, para comprovarem o comportamento incorreto e os expedientes da associada do A. para não ser notificada, não considerando, pois, mostrar-se, prejudicado o direito fundamental de audiência e defesa da associada do A..

E, neste sentido seguiu o discurso fundamentador da decisão recorrida, dele se extraindo, como supra transcrito, inexistir o invocado vício de não notificação à arguida (associada da entidade ora apelante) da data do início da instrução, tendo os prazos da instauração e notificação do PD sido realizados tempestivamente, não corroborando, assim, a falta de notificação e da respetiva audição da arguida sobre a ‘Acusação’, não acarretando a nulidade nem redundando a anulação do procedimento disciplinar.

Correspondentemente, o tribunal a quo julgou improcedente o pedido impugnatório, (mantendo assim o despacho de 2011-09-12, que aplicou à associada do ora apelante a pena disciplinar de despedimento) não condenando, em consequência, na prática do ato considerado devido.

O assim decidido pelo tribunal a quo escora-se em tese que se acompanha.

Na exata medida em que, como decorre dos autos e o probatório elege, a notificação da Nota de Culpa mostra-se válida, eficaz e oponível à associada da entidade ora apelante, porquanto a referida associada adotou conduta que não logrou ilidir a presunção de que a recusa de notificação não se ficou a dever a si própria, antes pelo contrário, a conduta adotada pela mesma (v.g. indisponibilidade para ser notificada pessoalmente, incumbindo a irmã de ser notificada, o que sucedeu em 2011-06-20), pese embora sabendo que contra si havia sido instaurado o (segundo) PD, o facto é que não diligenciou no sentido de apurar o conteúdo da correspondência enviada e usar o prazo de defesa: cfr. factos A) a U); art. 49º e art. 37º ambos do EDTFP, na redação à data aplicável; tempus regit actum.

Circunstâncias que justificam a conclusão de que a recusa de receção da notificação da Nota de Culpa mostra-se imputável à arguida, associada da entidade ora apelante, que com conduta consciente previu o evento (não ser notificada), mas por leviandade, inconsideração ou incúria, confiou na sua não verificação e assim não tomou as devidas providências para evitar o decurso do prazo de defesa sem apresentar a respetiva defesa em sede do (segundo) PD que lhe foi instaurado, inexistindo, pois, qualquer erro ao julgamento realizado na decisão recorrida: cfr. factos A) a U); cfr. art. 224º n.º 2 e art. 487 n.º 2; art. 342º a art. 344º e art. 349º todos do Código Civil – CC; art. 113º n.º 1 e n.º 2 e art. 148º ambos do Código de Procedimento Administrativo – CPA e art. 37º e art. 49º do EDTFP; vide Ac. do TRL, de 2018-04-11, processo n.º 3837/16.5T8BRR, disponível em www.dgsi.pt.

Termos em que a decisão recorrida não padece do invocado erro de julgamento de direito.

***
IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo – Subsecção Social deste TCAS em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas dada a isenção de que goza a entidade apelante (cfr. art. 4ºn.º 1 al. f) do RCP).
27 de março de 2025
(Teresa Caiado – relatora)
(Luis Freitas – 1º adjunto)
(Rui Pereira – 2º adjunto)