Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:45196/24.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/03/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:PROTEÇÃO INTERNACIONAL
ASILO
PROTEÇÃO SUBSIDIÁRIA
Sumário:Não padece de erro nos pressupostos o ato que, por aplicação do disposto na al. e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, considerou infundado o pedido de proteção internacional, assente em dois alegados episódios de extorsão em distantes períodos temporais, perpetrados por grupos não estatais, e ocorridos em diferentes cidades peruanas nas quais o Requerente permaneceu por longos períodos de tempo, não recorrendo às forças policiais, quando inexistem elementos que indiciem que o sistema jurídico do seu país não se afigura eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir tais atos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

C… (doravante Recorrente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa urgente de impugnação de ato praticado no âmbito de procedimento de proteção internacional, contra a AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP (doravante Recorrido ou R.), peticionando

“A) Deverá o Conselho Português de Refugiados tomar posição sobre a admissibilidade do pedido de asilo, conforme estipulado na legislação.
B) Requerendo-se a concessão de asilo pelo Estado Português, por encontrarem-se preenchidas as razões políticas e humanitárias.
C) Mais requerendo que a decisão administrativa seja suspensa na execução, de acordo com o art° 25 n° 1 da Lei n°27/2008, de 30 de Junho e que a presente acção seja de imediato notificada à AIMA, a fim do impugnante não ser deportado.
D) Mais requeremos que seja anulada a decisão proferida pela direcção da AIMA.”.

Por sentença proferida em 10 de março de 2025, o referido Tribunal julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a AIMA dos pedidos.

Inconformado, o A./Recorrente interpôs recurso jurisdicional da decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
“a. O ora Recorrente tem receio da perseguição por questões financeiras tendo sido ameaçado e perseguido fisicamente;
b. Igualmente pelos conflitos militares alimentados pelo tráfico de matérias-primas que assolam o seu país de origem, segundo declarações do mesmo;
c. Considerando as afirmações da ora recorrente, são estes motivos suficientes para que lhe seja concedido o asilo que ora se requer, por razões humanitárias;
d. A decisão proferida deveria ter anulado o acto praticado pela AIMA.
Nestes termos e nos mais de Direito, contando com o douto suprimento de V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, deve julgar-se procedente o presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença proferida no âmbito dos presentes autos.
Decidindo conforme se requer fará V. Exa. a DOUTA E ACOSTUMADA JUSTIÇA.”

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

A Recorrida, AIMA, não apresentou contra-alegações.


O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificados do aludido parecer, as partes nada disseram.

Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a questão que a este Tribunal cumpre apreciar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.

3. Fundamentação de facto

3.1. Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte factualidade:

“Com base nos elementos de prova juntos aos autos, e com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. O Autor é cidadão originário do Peru - cfr. fls. 12 do PA;
2. Em 24-10-2024, pela Divisão de Segurança Aeroportuária e Controlo Fronteiriço, do aeroporto Humberto Delgado, foi realizada a interceção do Autor e lavrada autuação que deu origem ao “Relatório de Ocorrência 001/13349/E/2024” e decisão de recusa de entrada em território nacional, do qual consta, entre o mais, o seguinte:


«Imagem em texto no original»




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- cfr. fls. 5-7 e 10 do PA;
3. Na mesma data, o Autor foi notificado da decisão de recusa de entrada nos termos do artigo 32.°, n.° 1, alínea b) da Lei n.° 23/2007, de 04/07, com fundamento em estar inscrito na lista de pessoas indicadas para efeitos de não admissão no SIS - cfr. fls. 8 e 14-16 do PA;
4. Em 25-10-2024, o Autor apresentou pedido de proteção internacional em Portugal, que deu origem ao processo n.° 2339/24 - cfr. 42-43 e 51 do PA;
5. No âmbito do referido processo, na mesma data, foram recolhidas as impressões digitais do Autor e, através da consulta efetuada à base de dados do sistema EURODAC, para efeitos de ativação do Regulamento de Dublin, não foram detetados acertos anteriores - fls. 1-2 do PA;
6. Na mesma data, o Autor foi sujeito a inquérito preliminar no âmbito do pedido de proteção internacional apresentado, onde declarou o seguinte:



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- cfr. fls. 46- 47 do PA;
7. Em 04-11-2024, o Autor prestou declarações relativamente aos motivos e circunstâncias que o levaram a efetuar pedido de proteção internacional, mediante realização de entrevista da qual, consta, entre o mais, o seguinte:


- cfr. fls. 64-55 do PA;
8. Em 05-11-2024, foi elaborado Relatório, reunindo informações sobre o pedido de proteção internacional, contendo a Informação/Proposta de decisão n.° 270/CNAR-AIMA/2024, da qual consta, entre o mais, o seguinte:









cfr. fls. 56-62 do PA;
9. Em 05-11-2024, pelo membro do Conselho Diretivo da AIMA, I.P., P…, foi emitido o seguinte despacho:
“Concordo.
Atenda a informação e fundamentos invocados, considera-se o pedido de proteção internacional infundado infundado nos termos da alínea e) e h), do n.° 1, do artigo 19.° e do n.° 4, do artigo 24.°,, da Lei n.° 27/08, de 30 de junho, na sua atual redação. Notifique-se a pessoa da decisão.” - cfr. fls. 56 do PA;
10. O Autor foi notificado da decisão que julgou infundado o pedido de proteção internacional em 05-11-2024 - cfr. fls. 68 do PA.”

III.2. Quanto aos factos não provados consignou-se na sentença recorrida.

“Não existem fatos considerados não provados com relevância para a decisão da causa.”

III.3. Foi a seguinte a motivação quanto à matéria de facto:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada do processo administrativo e dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados, considerando ainda a parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, são também corroborados pelos documentos juntos aos autos, em conformidade com o preceituado nos artigos 444.° a 450.° do Código de Processo Civil (“CPC”) e artigos 362.° e seguintes do Código Civil (“CC”) ex vi artigo 1.° do CPTA, identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
A matéria de facto dada como assente foi a considerada relevante para a decisão da causa, tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito suscitadas.”

4. Fundamentação de direito

4.1. Do erro de julgamento quanto ao erro nos pressupostos


O Recorrente insurge-se contra a sentença, pugnando pela anulação do ato proferido pela AIMA que considerou infundado o seu pedido de proteção internacional ao abrigo do disposto nas als. e) e h) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, sustentando existirem motivos suficientes para lhe ser concedido asilo, dado ter receio da perseguição por questões financeiras, relativamente às quais foi ameaçado e perseguido fisicamente, e, bem assim, pelos conflitos militares alimentados pelo tráfico de matérias primas que assolam o seu país de origem (Perú).
Aduz, ainda, em sede de alegações a falta de fundamentação do ato (ponto 6 e 7) e o défice instrutório (ponto 17). Contudo, além de não ter momento anterior ao presente recurso suscitado a falta de fundamentação, também não verteu para as conclusões tais questões da falta de fundamentação e défice instrutório. Pelo que, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não cabendo a este Tribunal conhecer de matérias que delas não constem, nem de questões novas que apenas foram suscitadas em sede de recursiva e que não são de conhecimento oficioso, apenas se apreciará o erro de julgamento no que respeita ao erro nos pressupostos por entender ter direito à concessão de asilo ou proteção subsidiária.
Isto posto, a sentença recorrida, após dar nota dos pressupostos legais para a concessão de asilo e proteção subsidiária, nos termos dos artigos 3.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 27/2008 e da tramitação procedimental subjacente aos pedidos submetidos, deu conta que no artigo 19.º daquele diploma legal se preveem um conjunto de situações em que o pedido é considerado infundado, incluindo aquelas que aos autos relevam, ou seja, que,
“1 - A análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional é sujeita a tramitação acelerada e o pedido considerado infundado quando se verifique que:
(…)
e) Ao apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária;
(…)
h) O requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento;”.
E voltando-se para o caso dos autos verteu-se na sentença recorrida que,
«Com efeito, a entidade administrativa competente considerou o pedido infundado ao abrigo do no normativo em questão por ter entendido que o requerente, ora Autor, ao expor os factos, invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária e ainda servir o pedido de proteção internacional de expediente para atrasar ou impedir a aplicação de decisão anterior - afastamento do país -, tendo, por conseguinte, sido adotado, aquando da apreciação liminar do pedido de proteção internacional, o mecanismo de tramitação acelerada.
Posto isto, o que importa neste momento é aferir se, de facto, as declarações prestadas pelo aqui Autor, em sede procedimental, consubstanciam alegações subsumíveis à alínea e) do artigo 19.° da Lei n.° 27/2008, de 30/06 para efeitos de julgar infundado o pedido de proteção formulado.
Incumbe ao requerente do pedido de asilo ou de proteção subsidiária o ónus da prova dos
factos que alega, cabendo-lhe “dizer a verdade, esforçar-se para sustentar as suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova”. Por outro lado, “cabe a quem examina o pedido, designadamente, apreciar a credibilidade do requerente e avaliar os elementos de prova (se necessário, dando ao requerente o benefício da dúvida) a fim de estabelecer os elementos objetivos e subjetivos do caso” [cfr. Acórdão do TCA Sul, de 26-01-2023, proferido no processo n.° 1599/22.6BELSB, disponível em www.dgsi.ptl.
No âmbito do procedimento respeitante ao pedido de proteção internacional, o Autor alegou como motivo para apresentar tal pedido o facto de se encontrar a ser ameaçado no seu país de origem, tendo concretamente referido que no Peru residia em Collique e que há cerca de 7 de anos sofreu uma tentativa de extorsão, por grupos criminosos cuja identificação disse desconhecer, por alegadamente ser ter recusado a efetuar o pagamento por estes exigido, razão pela qual foi atacado e esfaqueado no braço, tendo por causa disso ficou em casa deprimido sem poder trabalhar e com medo, tendo salientado que 3 anos após o sucedido se mudou para a cidade de Villa El Salvador e montou negócio próprio, frisando, no entanto, que o seu país tem um problema de extorsão e ameaças, considerando o requerente não ser possível viver daquela forma, pelo que decidiu mudar de país.
Conclui referindo que se regressar ao Perú irão matá-lo e que inclusivamente, há um mês atrás, foi avisado por um amigo seu que andam atrás de si pelo quarteirão.
Ora, o Autor fez referência a duas situações: uma primeira ocorrida há cerca de 7 anos em Collique, e uma segunda ocorrida em Villa El salvador.
Nesse contexto, quanto à primeira situação, entendeu a entidade administrativa que o facto de o requerente ter ficado 3 anos em Colllique após o incidente relatado, sem que nada lhe acontecesse, tendo mudado de cidade por alegadamente ter medo, não relatando, porém, qualquer evento ocorrido no período temporal que ali permaneceu, permite concluir que caso se encontrasse efetivamente e ser perseguido teria sido alvo de ameaças durante aquele período de tempo, considerando que a situação ocorrida/relatada, da qual resultou um alegado ferimento, foi um caso isolado, sem qualquer repercussão posterior. Já quanto à sua mudança para Villa El Salvador, tendo o requerente referido que nos primeiros anos ia pagando o valor que lhe era pedido, o qual, de acordo com o seu relato, se tornou demasiado elevado, o que fez com que sentisse necessidade de se mudar, pois terão ameaçado matá-lo caso não pagasse, não refere, porém, aquele qualquer episódio concreto que revele que se encontrasse em perigo ou a ser alvo de ameaça concreta e séria.
Mais concluiu a entidade administrativa que a alegada perseguição por si sofrida não teve como agente de perseguição o Estado, nem qualquer entidade por este mandatado.
Ademais, de harmonia com a informação recolhida quanto à situação do Peru, plasmada na Informação n.° 270/CNAR-AIMA/2024, que serviu de base à decisão ora impugnada, existe, de facto, um problema relacionado com extorsões e ameaças no país. Não obstante, resulta da informação constante de fontes internacionais que as autoridades peruanas têm desenvolvido ações e operações de combate a este tipo de crimes, tendo obtido resultados - tando assim é que no ano de 2023 foram desmantelados vários grupos que se dedicavam à extorsão naquele país - e ainda que o governo se tem mostrado preocupado em encontrar as melhores alternativas de proteção interna face à criminalidade registada.»
Concluindo, então, o Tribunal a quo,
«Posto isto, analisado o relato prestado pelo Autor, constata-se que o mesmo é parco, não tendo sido efetuado um esforço para fundamentar o seu pedido, designadamente através do fornecimento de informações detalhadas sobre o sucedido, sendo as declarações por si apresentadas pouco coerentes e plausíveis, na medida em que, por um lado, a alegada perseguição, nos termos relatados, poderá ocorrer a qualquer cidadão e ainda, por outro, porque que se corria efetivo risco de perseguição e de vida - como referiu -, não ficaria por tanto tempo no mesmo local , não tendo sido apresentada uma explicação satisfatória para os factos por si alegados, já que referiu que não ocorreu qualquer outro acontecimento idêntico ao alegado no período de, pelo menos, sete anos.
É inequívoco que a motivação alegada não consubstancia factualidade suscetível de configurar uma situação de relevância jurídica necessária ao preenchimento dos conceitos ínsitos nos artigos 3.°, n.° 2 e 5.° da Lei n.° 27/2008, de 30/06.
O mesmo se diga relativamente ao previsto no artigo 7.° daquele diploma legal, porquanto não logrou o requerente demonstrar que estivesse impedido ou se sentisse impossibilitado de regressar ao país da sua nacionalidade em razão da sistemática violação dos direitos humanos no Peru ou por correr risco de sofrer ofensa grave, tais como a sujeição a pena de morte ou execução ou a ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos, em virtude de, conforme relatou, durante cerca de sete anos não ter sofrido ameaça real.
Destarte, com o alegado em sede procedimental, entende o Tribunal não ter o Autor logrado expor quaisquer circunstâncias relevantes para apreciação das condições necessárias para beneficiar do estatuto de refugiado ou para lhe ser concedida proteção subsidiária.
Pelo que, ante o exposto, não merece censura o entendimento da AIMA, I.P. vertido no ato impugnando ao considerar o pedido apresentado como infundado, nos termos da alínea e) do n.° 1 do artigo 19.° da Lei de Asilo.»
O assim decidido é de manter, não padecendo o juízo alcançado pelo Tribunal a quo de qualquer erro, antes se mostrando fundado à luz do quadro legal aplicável.
Com efeito, o artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho (doravante Lei n.º 27/2008 ou Lei do Asilo) estabelece a tramitação acelerada da “análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional”, considerando-se o pedido infundado, quando, com relevo aos autos, se verifique que “[a]o apresentar o pedido e ao expor os factos, o requerente invoca apenas questões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado refugiado ou pessoa elegível para proteção subsidiária” [n.º 1 al. e)] e “o requerente apresentou o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento” [n.º 1 al. h)].
Prevê-se no art.º 3.º da Lei n.º 27/2008 que,
“1 - É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2 - Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.
(…)
4 - Para efeitos do n.º 2, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.”
O art.º 5 deste diploma, epigrafado “Atos de perseguição”, estipula que,
“1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.
2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas:
a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual;
b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;
c) Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;
d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória;
e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º;
f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.
3 – (…)
4 - Para efeitos do reconhecimento do direito de asilo tem de existir um nexo entre os motivos da perseguição e os atos de perseguição referidos no n.º 1 ou a falta de proteção em relação a tais atos.”
Nos termos da al. n) do art.º 2, n.º 1 deste diploma, os “motivos da perseguição” que fundamentam o receio fundado de o requerente ser perseguido “devem ser apreciados tendo em conta as noções de raça, religião, nacionalidade e grupo que resultam das alíneas i) a v) do normativo, considerando-se agentes de perseguição, conforme o n.º 1 do art.º 6.º, o Estado [al. a)], os partidos ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território [al. b)] e “os agentes não estatais, se ficar provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição” [al. c)], considerando-se “que existe proteção sempre que os agentes mencionados nas alíneas a) e b) do número anterior adotem medidas adequadas para impedir, de forma efetiva e não temporária, a prática de atos de perseguição por via, nomeadamente, da introdução de um sistema jurídico eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir esses atos, desde que o requerente tenha acesso a proteção efetiva” (art.º 6.º, n.º 2 ).
Por seu turno o art.º 7.º prevê a proteção subsidiária, nos seguintes termos,
“1 - É concedida autorização de residência por proteção subsidiária aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave.
2 - Para efeitos do número anterior, considera-se ofensa grave, nomeadamente:
a) A pena de morte ou execução;
b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu País de origem; ou
c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo anterior.”
Conforme emerge do n.º 2 do artigo 10.º da Lei 27/2008, na apreciação dos pedidos de proteção internacional deve ser determinado, em primeiro lugar, se o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para proteção subsidiária.
Cumpre considerar que recai sobre o requerente do pedido de asilo ou de proteção subsidiária o ónus da prova dos factos que alega, cabendo-lhe “dizer a verdade, esforçar-se para sustentar as suas declarações com todas as evidências disponíveis e dar uma explicação satisfatória em relação a qualquer falta de elementos de prova” (Ac. deste TCA Sul de 26.1.2023, proferido no processo 1599/22.6BELSB), isto é “sendo-lhe exigível que nas declarações que preste ao SEF apresente um relato coerente, consistente e credível” (Ac. do TCA Sul de 11.4.2024, proferido no processo 798/23.8BELSB).
Ora, como dá nota a sentença recorrida, o pedido de proteção internacional formulado pelo Recorrente mostra-se assente na alegação de que se encontra a ser ameaçado e vítima de extorsão no seu país de origem, o Peru. Concretizou tais ameaças em dois episódios, (i) um ocorrido em Collique há 7 anos em que, tendo sido vítima de extorsão por um grupo de venezuelanos que referiu trabalharem para peruanos, por se recusar a fazer o pagamento solicitado foi esfaqueado no braço e (ii) outro em que, tendo-se mudado para Villa El Salvador passados 3 anos daquele primeiro episódio, onde montou negócio próprio, referiu que a determinada altura os grupos começaram a exigir-lhe quantias de dinheiro maiores, o que tornou a situação insustentável, começando a ser ameaçado. Referiu que o seu país tem um problema de extorsão e ameaças, considerando o requerente não ser possível viver daquela forma, pelo que decidiu mudar de país, e que se regressar ao Peru irão matá-lo, porque há cerca de um mês foi avisado por um amigo que o procuram.
Importa, ainda, considerar que como se extrai do relatório elaborado (facto provado 8.), consultadas as informações de fontes internacionais, verifica-se que existe, de facto, um problema relacionado com extorsões e ameaças no país, contudo “as autoridades peruanas têm desenvolvido ações e operações de combate a este tipo de crimes, e obtido resultados, tanto assim é que no ano de 2023 foram desmantelados vários grupos que se dedicavam à extorsão naquele país” e “o governo se tem mostrado preocupado em encontrar as melhores alternativas de proteção interna face à criminalidade registada.”.
Considerando o exposto, entendemos que os fundamentos em que assenta a pretensão do A./Recorrente não revelam em termos de pertinência e relevância a consubstanciação de (i) sujeição a grave ameaça ou efetiva prática de atos de perseguição nos termos do art. 5.º da Lei 27/2008, pelos agentes de perseguição identificados no art. 6.º, designadamente por agentes não estatais provando-se que o Estado ou partidos ou organizações que o controlem ou a parte do território são incapazes ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição, e (ii) que a motivação da perseguição se prenda com uma atividade a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou, ainda, por virtude da raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, apreciada segundo as noções elencadas nas várias subalíneas da al. n) do n.º 1, do art. 2.º, do mesmo diploma.
Com efeito, a alegada perseguição/ameaça de que o Recorrente aduz ser vítima não é consubstanciada em moldes que, em conformidade com o artigo 5.º, constituam “pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais” ou que se traduzam num “conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais”, nem tão pouco é, à luz do artigo 3.º, motivada pela atividade que este desenvolve “a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana” (n.º 1) ou pelas suas opiniões políticas (n.º 2).
Na realidade, consiste essa perseguição em ameaças de extorsão, por grupos que não identificou, relativamente às quais o Recorrente só logrou concretizar dois episódios ao longo de um período temporal que referiu ser de 7 anos e ocorridos em distintas localidades, nas quais, aliás, permaneceu por períodos temporais prolongados – apenas se mudando para outra localidade após 3 anos do episódio de violência que alegou ter sido vitima por conta da recusa de entrega de quantias, e permanecendo pelo menos 4 anos em Villa El Salvador não obstante alegar ser vítima de extorsão –, sem relatar outro(s) evento(s) ou evidenciar factualidade que traduzisse a grave ameaça ou efetiva prática de atos de perseguição resultante de atividade exercida à luz do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 27/2008 ou com fundamento nas circunstâncias referenciadas no n.º 2 do mesmo dispositivo.
E retenha-se que, em momento algum, durante os períodos em que alegou ter sido alvo de extorsão, o Recorrente recorreu às autoridades de segurança, limitando-se a sustentar, quanto ao primeiro episódio (em que alega ter sido esfaqueado) e já não quanto às ameaças de que terá sido vítima em Villa El Salvador, que “a polícia também é corrupta” (facto provado 7), o que não se coaduna com as informações obtidas de fontes internacionais quanto às diligências tomadas pelo Estado Peruano para salvaguardar e proteger os seus cidadãos.
Isto é, não resultando que essa perseguição tenha sido perpetrada por agentes do Estado Peruano ou dos partidos ou organizações que o controlam, estando em causa agentes não estatais, das declarações colhidas ao Autor não decorre que este tenha sequer tentado aceder a proteção estatal e que esta não lhe tenha sido concedida, por falta de vontade ou capacidade do aparelho judiciário do Estado Peruano. Ou seja, não existem elementos que indiciem que o sistema jurídico do seu país não se afigure eficaz para detetar, proceder judicialmente e punir tais atos em consonância com o n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 27/2008.
O que significa que não lhe assiste razão quando aponta à sentença o erro de julgamento por entender beneficiar do direito de asilo.
Em suma, os elementos existentes não são aptos a infirmar o juízo realizado pelo Tribunal a quo quanto ao entendimento de que o A./Recorrente não aduz questões pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerado pessoa elegível para lhe ser concedido o direito de asilo e obter o estatuto de refugiado.
Como ademais, assim também sucede quanto ao alegado direito a proteção subsidiária.
O direito à proteção subsidiária (art. 7.º) depende de o requerente sentir-se impossibilitado de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, em razão (i) da sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique ou (ii) por correr o risco de sofrer ofensa grave.
Ora, a situação invocada pelo A. não configura, nem revela uma sistemática violação generalizada e indiscriminada dos direitos humanos no Peru, que permitissem sustentar o impedimento ou impossibilidade de regresso e permanência àquele país, desde logo quando existem elementos que revelam a existência de mecanismos de proteção no seu país, decorrentes da atuação das forças policiais no desmantelamento de grupos que se dedicam a atividades de extorsão.
Tão pouco do relatado resulta que exista risco de, ao regressar ao seu país de origem, possa vir o Recorrente a ser sujeito a uma ofensa grave na aceção da Lei do Asilo.
Com efeito, o risco de ofensa grave assenta, como emerge do elenco exemplificativo do n.º 2 do artigo 7.º da Lei 27/2008, em hipóteses que objetiva e marcadamente se prendem com o receio pela vida ou pela segurança física do requerente, designadamente perante um cenário de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
Ora, o relato do Requerente não evidencia uma situação de violência reiterada e generalizada, uma situação de ameaça ou prática de atos contra si que revista um caráter de gravidade elevado, num cenário de incapacidade de atuação das forças internas do seu país de origem. Isto é, não logrou o requerente demonstrar que esteja impedido ou se senta impossibilitado de regressar ao país da sua nacionalidade em razão da sistemática violação dos direitos humanos no Peru ou por correr risco de sofrer ofensa grave.
A ser assim, não há fundamento que justifique a concessão da proteção subsidiária ao A., ou seja, nenhuma das circunstâncias alegadas se revela bastante para ultrapassar o crivo de pertinência ou relevância mínima contido na supracitada alínea e) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008 e que lhe permite ser concedido o direito que se arroga.
Importa, ainda, dar conta que o pedido do A./Recorrente foi, ainda, considerado infundado ao abrigo do disposto na al. h) do n.º 1 artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, ou seja, por se considerar que o pedido foi apresentado com o intuito de impedir a aplicação de uma decisão que se traduza no seu afastamento de território nacional. O que sucedeu por entender a Entidade Recorrida que se o requerente considerasse que a proteção internacional seria a forma de fugir ao perigo que dizia correr, teria de imediato manifestado essa intenção junto do agente de autoridade e não apenas após ser confrontado com o seu regresso ao Peru.
Ora, a este respeito o Recorrente nada disse ou revelou que afastasse o entendimento de que o seu pedido era infundado ao abrigo daquela al. h) do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 27/2008, isto é, não lhe apontou (também) o erro nos pressupostos, antes se conformando, nessa parte, com a decisão. Pelo que, não sendo objeto do recurso a decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto ao défice instrutório que afetaria o ato impugnado na sua totalidade, a situação jurídica do Requerente consolidou-se pelo facto de o ato administrativo não ter sido, em termos que nessa parte o afetassem, objeto do presente recurso.
Devendo, pois, manter-se a sentença recorrida.

4.2. Da condenação em custas


Sem custas, por ser gratuito o processo, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,

a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida;
b. Sem custas.

Mara de Magalhães Silveira
Ana Cristina Lameira
Ricardo Ferreira Leite