Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:37109/25.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/23/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:ASILO
RETOMA A CARGO
CROÁCIA
EVENTUAIS ILEGALIDADES NO PROCEDIMENTO DOUTRO ESTADO MEMBRO
Sumário:I - Tendo as autoridades da Croácia aceitado o pedido de retoma a cargo da Recorrente, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 18º do Regulamento nº 604/2013 do Conselho de 26 de Junho, é a este Estado que compete a instrução do procedimento.
II - Não consta que a Croácia, país considerado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, seja um país de acolhimento em que os requerentes de asilo estejam em perigo de sofrer situações desumanas ou de maus tratos.
III - O argumentário recursivo, ou da petição inicial, por si só, desprovido que está de qualquer concretização, é insuficiente para que se considere que o requerente de protecção é uma pessoa especialmente vulnerável, justificando-se, por essa via, que se proceda a uma prévia averiguação oficiosa das condições de acolhimento na Croácia, sem qualquer indício ou elemento que aponte para as aludidas falhas no sistema de acolhimento dos requerentes de asilo naquele País.
IV - Se no procedimento que decorreu noutro Estado Membro, o responsável pela apreciação do pedido de asilo, não foram cumpridas as garantias legais, designadamente a presença de um intérprete, como alega a Recorrente, deve ser nesse Estado membro (Croácia) que a interessada deve suscitar tais ilegalidades/irregularidades, não detendo o Estado Português competência internacional para apreciar da legalidade ou irregularidades do pedido e procedimento adoptados noutro Estado Membro.
V- Pelo que, não cabia à Entidade Recorrida realizar diligências no sentido de “desconsiderar” o 1º pedido de asilo formulado pela Recorrente. Tanto mais que esse Estado Membro aceitou a retoma a cargo – vide alínea H) do probatório.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO


...(Autora), nacional da República Popular da China, requerente no pedido de protecção internacional, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa), o presente processo urgente contra a AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO – AIMA, I.P (AIMA/Entidade Demandada), de impugnação da decisão do Conselho Directivo da AIMA, de 8 de Maio de 2025, que considerou o pedido de protecção internacional por si apresentado inadmissível e determinou a sua transferência para a Croácia, por ser este o Estado Membro responsável pela análise do referido pedido de protecção internacional.
Peticionou que “deve a decisão aqui impugnada ser anulada e que consequentemente o Estado português proceda à análise do mérito do seu pedido de proteção internacional.”.
Em 17 de Julho de 2025, foi proferida sentença pelo Tribunal a quo julgando a acção totalmente improcedente.
Inconformada a Autora, ora Recorrente, veio interpor para este Tribunal Central o presente recurso, formulando na sua Alegação as seguintes conclusões:
“A) A Recorrente apresentou pedido de proteção internacional em Portugal.
B) A Recorrente entrou em Portugal em 04 de Janeiro de 2025
C) Saiu da República Popular da China em 04 de Março de 2018, por ter sido proibida de praticar a sua religião.
D) Planeou vir para Portugal, durante o trajecto foi detida na Croácia.
E) Na croácia as autoridades desse País foram extremamente agressivas e não proporcionaram os serviços completos e necessários de tradução.
F) Por falta de tradução desconhece que documentos assinou, inclusive pedido de proteção internacional.
G) A AIMA tinha obrigação de pedir cópia de todo o processo administrativo que está na Croácia, afim de corroborar ou desmentir a versão da Recorrente.
H) A formação da vontade deve ser livre, essa liberdade é inexistente, quando a vontade foi formada por medo, provocado por coação moral ou por falta de esclarecimento, por desconhecimento da língua em que esse pedido de proteção internacional estava elaborado.
I) A Recorrente não sabia que estava a fazer um pedido de proteção internacional, por inexistência de tradução dos mesmos para mandarim língua que a Recorrente fala e entende.
Consequentemente há um vício na formação da vontade.
J) Em suma, estamos perante um pedido de proteção internacional que a Recorrente nunca teve
intenção de fazer, doutrinariamente há um Erro na Declaração.
K) Que inquina a totalidade desse pedido de protecção internacional, tornando-o inexistente.
L) Consequentemente, só existe um pedido de protecção internacional o apresentado perante o Estado Português (Art. 3.º, nº 2 do Regulamento de Regulamento de Dublin).
M) Pelo que, deve a sentença ora recorrida ser substituída por acórdão que reconheça o Estado Português como o Estado que deve analisar o pedido de protecção internacional da Recorrente.
Nestes termos e sempre com o mui douro suprimento do Venerando Tribunal, deve a sentença aqui impugnada ser revogada e consequentemente ser o pedido de protecção internacional da Recorrente decidido pelo Estado Português”.

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A Entidade Demandada, ora Recorrida, regularmente notificada para contra-alegar nada disse ou requereu.
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O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), emitiu pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos, por se tratar de processo urgente, vem o processo submetido à conferência desta Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo para decisão.

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I.1- DO OBJECTO DO RECURSO / DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Em conformidade com os artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Das conclusões da Recorrente extrai-se que importa aferir do alegado erro de julgamento de Direito.


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II. Fundamentação
II. 1. De facto:

Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 - De Direito

Cumpre apreciar e decidir.

Atentas as conclusões recursivas cumpre aferir se o Tribunal a quo errou ao manter a decisão impugnada que considerou o pedido de protecção internacional apresentado pela Recorrente/Autora, inadmissível, ao abrigo do disposto no artigo 19º-A n° 1, alínea a) da Lei nº 27/2008, de 30 de junho (doravante designada Lei do Asilo) e determinou a sua transferência para a Croácia, nos termos do artigo 13º, n.º 1 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho, de 26 de Junho (doravante designado de Regulamento nº 604/2013 ou Regulamento).

Vejamos;

A Recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.
O seu dissenso assenta, sobretudo, no argumento de que somente o Estado Português deve ser o competente para analisar o pedido de protecção internacional da Recorrente.
Do discurso fundamentador da sentença recorrida destaca-se o seguinte:
“Aqui chegados, cabe agora apreciar se a decisão que considerou a Croácia o Estado membro competente para conhecer do pedido de proteção internacional formulado pela A. padece de algum vício e, em caso de procedência, impor a prática do ato administrativo devido, cfr artigos 66º nº 2 e 71º nº 1 do CPTA.
Alega a A. a existência de irregularidades no procedimento administrativo de proteção internacional efetuado por si na Croácia, pelo que considera não ter aplicação o art. 19º, nº1, alínea a) da Lei do Asilo.
Vejamos,
No âmbito da União Europeia, para análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida vigora diretamente na ordem jurídica portuguesa o REGULAMENTO (UE) N.º 604/2013 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de junho de 2013.
Nos termos do artigo 3º nº 1 do referido Regulamento, «os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito». Sendo que esses «pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável».

E de acordo com o seu artigo 20.º nº 5, «o Estado-Membro a que tiver sido apresentado pela primeira vez o pedido de proteção internacional é obrigado, nas condições previstas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 29.º e a fim de concluir o processo de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, a retomar a cargo o requerente que se encontre presente noutro Estado-Membro sem título de residência ou aí tenha formulado um pedido de proteção internacional, após ter retirado o seu primeiro pedido apresentado noutro Estado-Membro durante o processo de determinação do Estado responsável».
E quando tenha sido formulado novo pedido em Estado-Membro (Portugal) diverso do primeiro (Croácia), prevê o artigo 23.º nº 1 a possibilidade, do Estado, neste caso, o Português de “considerar que o responsável é outro Estado-Membro, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, e do artigo 18.º, n.º 1, alíneas b), c) ou d), poder solicitar a esse outro Estado-Membro que retome essa pessoa a seu cargo”.
Acresce ainda que, por estar em causa um pedido de retoma a cargo, o artigo 25.º prevê, quanto à ausência de resposta, que, “1. O Estado-Membro requerido procede às verificações necessárias e toma uma decisão sobre o pedido de retomar a pessoa em causa a cargo o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, dentro do prazo de um mês a contar da data em que o pedido foi recebido. Quando o pedido se baseie em dados obtidos através do sistema Eurodac, o prazo é reduzido para duas semanas.”
Por seu lado, concessão de asilo e proteção subsidiária é regulada, a nível nacional, pela Lei nº 27/2008, de 30 de junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, transpondo para a ordem jurídica interna cinco diretivas comunitárias, bem como, implementa, a nível nacional, o Regulamento (UE) n.° 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
Nos termos do seu artigo 3º nºs 1 e 2, “É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana” e “Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento em ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.”.
O princípio de não repulsão, que consubstancia um princípio relevante, no quadro do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA), e da jurisprudência do TEDH, maxime, nos acórdãos de 21.01.2011, M.S.S. vs Bélgica e Grécia, Queixa n.º 30696/09, e de 04.11.2014, Tarakhel vs Suíça, Queixa n.º 29217/12, foi igualmente acolhido na Lei nº 27/2008, de 30 de junho.
Assim, nos termos do seu artigo 2º “Definições” nº 1 alínea aa) entende-se por “«Proibição de repelir ('princípio de não repulsão ou non-refoulement')», o princípio de direito de asilo internacional, consagrado no artigo 33.º da Convenção de Genebra, nos termos do qual os requerentes de asilo devem ser protegidos contra a expulsão ou repulsão, direta ou indireta, para um local onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas, não se aplicando esta proteção a quem constitua uma ameaça para a segurança nacional ou tenha sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave;”.
E segundo o seu artigo 47º “Proibição de expulsar ou repelir” nº 2 ,“Ninguém será devolvido, afastado, extraditado ou expulso para um país onde seja submetido a torturas ou a tratamentos cruéis ou degradantes.”.
Ora, conforme supra se mencionou, através da Lei nº 27/2008, de 30 de junho foram transpostas para a ordem jurídica interna cinco diretivas comunitárias, bem como, implementa, a nível nacional, o Regulamento (UE) n.° 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, para efeitos de aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho. Diretivas e Regulamentos, que os Estados membros da UE aprovaram e em consequência implementaram a nível nacional, estabelecendo assim, entre eles, as normas de “repartição de esforços pelos vários estados membros, na apreciação dos pedidos”. Estabelecendo, por isso, o artigo 37º “Pedido de proteção internacional apresentado em Portugal“ da Lei nº 27/2008, de 30 de junho que,
“1- Quando se considere que a análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo.
2 - Aceite a responsabilidade pelo Estado requerido, o diretor nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º-A e do artigo 20.º, que é notificada ao requerente, numa língua que compreenda ou seja razoável presumir que compreenda, e é comunicada ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que atue em seu nome, mediante pedido apresentado, acompanhado do consentimento do requerente.
3 - A notificação prevista no número anterior é acompanhada da entrega ao requerente de um salvo-conduto, a emitir pelo SEF segundo modelo a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área da administração interna.
(…)”.
E foi ao abrigo de tais normas que a A. cumprindo o previsto no artigo 13º da referida Lei apresentou no dia 6.1.2025 o seu pedido de proteção internacional junto dos serviços da Entidade Demandada, cfr facto C).
E no âmbito da análise do seu pedido constatou-se, mediante pesquisa nos registos da base de dados de impressões digitais do EURODAC que a A. já havia requerido proteção internacional na Croácia, tendo sido localizados os processos “Case ID HR22402407924K e HR12402407925L” cfr facto B).
Perante tal facto, tornou-se necessário, nos termos do Artigo 3º do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho determinar qual o estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, e em consequência foi o mesmo considerado inadmissível e sujeito ao procedimento especial de determinação do estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capitulo IV, conforme se estabelece no Artigo 19º-A nº 1 al. a) (Pedidos inadmissíveis) da mesma Lei, cfr facto B).
Estabelecendo o nº 2 do mencionado Artigo 19º-A que nos casos em que o pedido seja considerado inadmissível por se verificar um dos casos elencados no seu nº 1, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.
O procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo encontra-se regulado no capítulo IV - Artigos 36º a 40° da mesma Lei nº 27/2008, de 30 de junho, estabelecendo o Artigo 36º que: “Quando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo'”.
No âmbito de tal procedimento especial, e uma vez observados “os critérios e mecanismos para a determinação do Estado-Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida” estabelecidos no Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, maxime, o seu Artigo 18º foi decidido que o pedido de proteção era inadmissível e determinado a transferência da A. para a Croácia por ser este o Estado responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional, cfr factos A) a L) e Artigos 19-A nº 1 al. a), 37º nº 2 e 38º todos da Lei nº 27/2008, de 30 de junho.
Atento todo o exposto, e considerando a vinculação dos Estados-Membros da EU incluindo a Croácia às normas do referido Regulamento (diretamente aplicável) e Diretivas, transpostas para as legislações nacionais dos Estados-Membros, de forma a que todos apliquem os mesmos critérios de decisão, conclui-se que a decisão proferida, de considerar inadmissível o pedido de asilo formulado pela A. perante as autoridades portuguesas não está, ainda que indiretamente, a violar o princípio de não repulsão.
Ao que acresce referir que segundo a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça da União Europeia, os Estados-membros estão obrigados a não adotar uma interpretação do direito derivado e, portanto, também do seu direito nacional que seja suscetível de entrar em conflito com os direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica da União ou com os outros princípios gerais do Direito da União [cfr. Acórdãos de 6 de Novembro de 2003 (processo C-101/01 – Lindqvist), n.º 87, e de 26 de Junho de 2007 (processo C-305/05 – Odre des barreaux francofones et germanophone e o.), n.º 28].
Estabelecem os artigos artº 1º, 3º, 18º e 19º nº2 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, Artigo 1º “Dignidade do ser humano”, “A dignidade do ser humano é inviolável. Deve ser respeitada e protegida.”. Artigo 3º “Direito à integridade do ser humano”, 1. “Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua integridade física e mental.”. Artigo 18º “Direito de asilo”, “É garantido o direito de asilo, no quadro da Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951 e do Protocolo de 31 de janeiro de 1967, relativos ao Estatuto dos Refugiados, e nos termos do Tratado da União Europeia e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (a seguir designados "Tratados"). “.
Artigo 19º “Proteção em caso de afastamento, expulsão ou extradição”, 2. “Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes.”.
Vejamos,
A par dos critérios para apuramento do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional previstos no Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o mesmo diploma impõe ao Estados-Membros que verifiquem a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes.
Estabelecendo o artigo 3º nº 2 do referido Regulamento que, "Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4. º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável".
Assim, no âmbito do procedimento, estão os Estados obrigados a verificar,
a) - se existem “motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro,” e
b) – e que tais falhas “impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”.
Ora, in casu, da prova careada para os autos não ficou demonstrada a existência de indícios de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e de risco de tratamento desumano ou degradante ou, um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que ponha em causa a decisão proferida e aqui sindicada.
Com efeito, a A. não invocou, quer perante a AIMA, quer na petição inicial, nem foi junta aos autos prova de que tenha sido vítima durante a sua permanência na Croácia de atos suscetíveis de serem qualificados como desumanos ou degradantes e que, por isso, exista um risco efetivo de poder vir a ser sujeito na Croácia a um tratamento desumano, nos termos que se encontram previstos no artº 3º nº 2 do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho. Sendo que lhe competia a ela o ónus de alegar e demonstrar a existência de circunstâncias excecionais que lhe fossem próprias e não o conhecimento comum e generalizado as dificuldades de acolhimento na Croácia.
Pelo que a Entidade Demandada não se encontrava obrigada a fazer quaisquer averiguações sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento croata, uma vez que, no caso concreto, inexistem quaisquer indícios de que a A. tenha sido ou venha a ser vítima das mesmas, nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artº 3º nº 2 do Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.
E não resulta provada a alegada (em termos genéricos e vagos) existência de quaisquer factos que permitam indiciar que a A. vá ser transferida para um país onde se verifiquem deficiências sistémicas no procedimento de asilo e condições de acolhimento que impliquem o risco de ser desrespeitado o seu direito absoluto a não ser sujeito a penas ou tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos.
Acresce referir que no mesmo sentido e como se referiu no acórdão do TCAS, de 23.022022, proferido no processo 304/22.7BELSB, existe uma orientação jurisprudencial consolidada do STA, no sentido do SEF não se encontrar obrigado a fazer quaisquer averiguações sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento quando, no caso concreto, não existam indícios de que o requerente tenha sido ou venha a ser vítima das mesmas (cf. os acórdãos de 16/01/2020, proc. n.º 02240/18.7BELSB, de 23/04/2020, proc. n.º 0916/19.0BELSB, de 21/05/2020, proc. n.º 1300/19, de 04/06/2020, proc. n.º 01322/19.2BELSB, de 02/07/2020, proc. n.º 01786/19.4BELSB, de 02/07/2020, proc. n.º 01088/19.6BELSB, de 09/07/2020, proc. n.º 01419/19.9BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01108/19.4BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01932/19.8BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 01705/19.8BELSB, de 10/09/2020, proc. n.º 02194/19.2BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 01108/19.4BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 01932/19.8BELSB, de 05/11/2020, proc. n.º 02364/18.0BELSB, de 19/11/2020, proc. n.º 01301/19.0BELSB, de 27/05/2021, proc. n.º 01357/19.5BELSB, de 24/02/2022, proc. n.º 0878/21.4BELSB, e de 21/04/2022, proc. n.º 0545/21.9BELSB, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Ora, atento todo o supra exposto resulta que a decisão proferida no âmbito do Processo de Proteção Internacional nº 17/2025 (Processo Dublin nº 204/2025) em 8.5.2025, pelo Conselho Diretivo da AIMA, não padece de qualquer dos vícios que lhe são assacados”.

Perante a argumentação sustentada na sentença recorrida, que supra se transcreveu, a Recorrente limita-se a reafirmar que não se poderia entender que, para efeitos do artigo 18º, nº 1, al. b) do Regulamento, existe um anterior pedido de protecção internacional, quando a Recorrente/Autora e requerente não sabia e não foi essa a sua vontade, ou seja de que estava a apresentar um pedido desse teor.
Desde logo, esta argumentação não afasta a aplicação da norma do Regulamento quanto à competência para apreciar o pedido, designadamente nos termos do artigo 20º, nºs 1 e 2 do mesmo Regulamento, onde se prevê que o procedimento pode ser iniciado com o preenchimento de um formulário ou de um auto lavrado pela autoridade (nº 2).
Perante a consulta efectuada, a Entidade Demandada/AIMA desencadeou o processo de determinação da responsabilidade do pedido de protecção internacional - vide alínea F) do probatório.
Por outro lado, se no procedimento que decorreu noutro Estado Membro, o responsável pela apreciação do pedido de asilo, não foram cumpridas as garantias legais, designadamente a presença de um intérprete, deve ser nesse Estado membro (Croácia) que a Recorrente deve suscitar tais ilegalidades/irregularidades não detendo o Estado Português
competência internacional para apreciar da legalidade ou irregularidades do pedido e procedimento adoptados noutro Estado Membro.
Pelo que, não cabia à Entidade Recorrida realizar diligências no sentido de “desconsiderar” o 1º pedido de asilo formulado pela Recorrente. Tanto mais que esse Estado Membro aceitou a retoma a cargo – vide alínea H) do probatório.
Posto isto, nenhum dos argumentos invocados é apto a alterar o decidido na 1ª instância, na medida em que se afigura incontornável – além de resultar de modo claro do discurso fundamentador da decisão aqui recorrida –, de que não cabia ao Estado Português a apreciação do presente pedido de protecção internacional.
Com efeito;
Destacando-se do quadro legal em que nos movemos, o disposto no artigo 37.º n.º 1 da Lei de Asilo, “Quando existam fortes indícios de que é outro o Estado membro da União Europeia responsável pela tomada ou retoma a cargo de requerente de asilo, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2003, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, o SEF solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo”. Assim, verificada a entrada da Recorrente/Autora no Espaço Schengen através da Croácia, e perante a aceitação a cargo das autoridades croatas, cabia ao Conselho Directivo da AIMA proferir, no prazo de 5 dias, decisão de transferência da responsabilidade, atento o disposto no artigo 37º, nº 2 da Lei do Asilo.
O n.º 1 do artigo 3.º do citado Regulamento (UE) 604/13 estabelece que “(…) O pedido de asilo é analisado por um único Estado-membro, que será aquele que os critérios enunciados no capítulo III designarem como responsável.
Já o n.º 1 do artigo 20.º do mesmo Regulamento determina que “O processo de determinação do Estado-Membro responsável tem início a partir do momento em que um pedido de proteção internacional é apresentado pela primeira vez a um Estado-Membro”.
Neste contexto, a Recorrida procedeu às diligências necessárias à determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido da Recorrente, tendo o Estado Croata aceite a retoma a cargo do requerente de asilo.
Ora, “[q]uando haja lugar à determinação do Estado responsável pela análise de um pedido de protecção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo(artigo 36º da Lei nº 27/2008, de 20/6), o que determina que “quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional pertence a outro Estado membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho, o SEF solicita às respectivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo(cf. artigo 37º da Lei nº 27/2008, de 20/6).
Deste modo, é claro e resulta da lei em causa que, tendo as autoridades croatas aceitado o pedido de retoma a cargo da Recorrente, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 18º do Regulamento nº 604/2013, será a este Estado que compete a instrução e decisão do procedimento de protecção internacional.
Só não seria assim se, tal como resulta do § 2º do nº 2 do artigo 3º do Regulamento nº 604/2013, existissem motivos válidos para crer que haveria falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes no Estado-Membro, inicialmente designado responsável, que implicassem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).
Não constando que a Croácia, país considerado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, seja um país de acolhimento em que os requerentes de asilo estejam em perigo de sofrer situações desumanas ou de maus tratos. Então, para aferir se existem, no caso, motivos que justifiquem a decisão de não transferência, terão de ser alegados factos que revelem a existência de um risco real, directo ou indirecto, de o requerente ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na acepção dos artigos 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE.
E, compulsados os autos, constata-se que, sobre o alegado pela Recorrente, embora possa não ter tido as condições ideais de acolhimento, não é revelador, e até se desconhecem, de quaisquer deficiências sistémicas na Croácia no acolhimento dos requerentes de asilo, como já foi decidido neste TCA SUL, nomeadamente no Acórdão de 20.09.2024, proferido no Proc. nº 1397/24.2BELSB, de 20.09.2024. do qual se destaca:
“Efetuado o pedido de retoma do recorrente às autoridades croatas, que foi expressamente aceite, à recorrida apenas competia, como fez, proferir decisão de inadmissibilidade do pedido e após notificação, assegurar a transferência da Recorrida para a Croácia (cfr. o disposto nos artigos 37º, nº 2 e 38º da Lei do Asilo).
Não foram aportados elementos que indiciem a existência de motivos válidos que levassem a entidade demandada a crer que a recorrida tenha sido vítima de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Croácia, implicando o risco de tratamento desumano ou degradante.
Por outro lado, inexistindo os referidos indícios quanto à falta de capacidade sistémica do sistema de acolhimento croata, a aplicação do princípio do non refoulement, na apreciação do risco que comportará o seu regresso ao país de origem, terá de competir, em exclusivo, àquele Estado-Membro, por ser, à luz do Regulamento, o responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, sob pena de se afrontar o Sistema Europeu Comum de Asilo”.
Por último, e como decorre do artigo 19.º-A, n.º 2 da Lei do Asilo, num caso como o dos autos “prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional, pelo que a questão dos motivos pelos quais a Recorrente saiu do seu País de origem, China, não relevam para os fins pretendidos nesta acção.
Em todo o caso, o presente processo é mais um, dentre os muitos que foram já decididos por este TCA Sul e onde estão em causa pedidos de protecção internacional formulados por cidadãos chineses, todos eles com os mesmos fundamentos (perseguição religiosa por, alegadamente, professarem religião cristã) e com circunstancialismos factuais semelhantes – mais recentemente no Processo n.º 1872/23.6BELSB (não publicado).
E inexiste razão para divergirmos de tal entendimento.

A análise feita na sentença recorrida encontra-se em sintonia com a citada jurisprudência, inexistindo fundamentos para, em face dos concretos contornos fácticos do litígio em presença, dela divergir. Impondo-se, pois, concluir pela confirmação da sentença recorrida, por improcedência dos fundamentos do recurso jurisdicional, mantendo-se a decisão de retoma a cargo da Requerente, ora Recorrente, de asilo para o Estado Croata.


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Das custas
Sem custas por isenção objectiva (cf. art.º 84.º da Lei do Asilo).
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III. DECISÃO

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas
Registe e notifique.
Lisboa, 23 de Outubro de 2025

Ana Cristina Lameira, Relatora
Marta Cavaleira
Joana Costa e Nora